A política sindical do PCB entre 1948 e 1950
A atuação dos comunistas no período que vai de 1948 a meados dos anos 50 é muito pouco estudada e conhecida. A concepção classista que predominou na direção do Partido Comunista do Brasil nesse período teve um viés sectário, é verdade. Entretanto – e mais importante do que isso – essa concepção levou o partido a enfronhar-se no movimento popular, e trabalhar para organizá-lo nos locais de trabalho e nos bairros, fortalecendo a articulação entre o partido e a classe operária. A tese de mestrado de Augusto Cesar Buonicore, Os comunistas e a estrutura sindical corporativa (1948-1952): entre a reforma e a ruptura, da qual retiramos o trecho a seguir, cumpre o importante papel de resgatar esse período e fazer a crítica das teses reformistas que orientam a imensa maioria dos estudos a ele dedicados. Ela foi apresentada ao Departamento de Ciências Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, em 1996 (JCR).
O período que vai de 1948 a 1952 (especialmente até 1950) é um dos mais obscuros da história do movimento operário-sindical brasileiro. Raros foram os trabalhos produzidos sobre esta fase. Entre eles se encontra a obra do professor Ricardo Maranhão, Sindicatos e democratização (Brasil 1945-1950).
Mais recentemente foram produzidas algumas teses que tratam do movimento operário no período, como o trabalho de Hélio da Costa intitulado Em busca da memória: organização no local de trabalho, partido e sindicatos em São Paulo (1943 a 1953) e a de Fernando Teixeira da Silva, Os doqueiros do porto de Santos: direitos e cultura de solidariedade (19371968). Destacamos também o trabalho de Beatriz Loner, O PCB e a linha do manifesto de Agosto que busca analisar a política mais geral do partido a partir do Manifesto de janeiro de 1948 até o IV Congresso em 1954.
As biografias e autobiografias de militantes operários e dirigentes do PCB publicadas tendem, também, a relegar este período a um segundo plano. Quando muito dedicam-lhe algumas poucas páginas ou linhas.
A principal característica desta produção é uma avaliação, em geral, bastante negativa da política sindical do Partido Comunista do Brasil neste período. Esquerdismo, aventureirismo e voluntarismo são as acusações mais freqüentes. As principais críticas se dirigem às tentativas de formação de associações profissionais "paralelas" aos sindicatos oficiais; tentativas que, segundo os críticos, não encontraram respaldo junto à classe operária e, por isso mesmo, foram as responsáveis diretas pela perda de influência dos comunistas junto aos trabalhadores urbanos.
Hércules Corrêa analisando a política sindical do Partido Comunista afirmaria:
"( … ) então surgiu com alguma força a tendência do sindicalismo paralelo, com a CTB, com as chamadas Uniões Sindicais Estaduais, e a criação, em cada categoria profissional, de associações paralelas ao sindicato ( … ) O resultado, como sabemos, foi a brusca queda de nossa influência sobre as massas e a destruição e o enfraquecimento das bases de empresas. O campo para a ação do trabalhismo estava facilitado."
O principal dirigente da CTB no período, Roberto Morena, afirma:
"A direção achou que com a ilegalização da CGTB ( … ) deveríamos sair dos sindicatos e formar as sessões democráticas. Foi uma posição gravíssima, fez com que nos retirássemos dos sindicatos. Muitos de nós não se retiraram não. Um deles fui eu, que fiquei sempre atuando nos sindicatos. Foi o melhor período de reinado da pelegada no Brasil."
O próprio autor do Manifesto de Janeiro de 1948, marco da virada tática do Partido, Luís Carlos Prestes, afirmaria:
"Ao invés de participar dos sindicatos reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, os comunistas, como dizia Amazonas, deviam fazer organização paralela nas empresas. Eu escrevi uma longa carta citando abundantemente o livro de Lênin, Esquerdismo,doença infantil do comunismo. Queria mostrar que os comunistas deviam participar dos sindicatos, mesmo dos sindicatos policiais, porque, para a classe operária brasileira, era muito útil, muito mais vantajoso participar de sindicatos legais e não dos sindicatos ilegais que o partido queria organizar. Estava com razão, os sindicatos paralelos não tiveram êxito ( … ) Foi um desastre: fomos afastados do movimento sindical."
Em tomo da avaliação sobre a política sindical comunista, aplicada no período, acabou se formando um estranho consenso, poucas vezes visto, entre estudiosos e militantes do movimento sindical. A avaliação dos velhos militantes e dirigentes comunistas acabou sendo incorporada nos estudos das correntes historiográficas que procuravam detectar a existência de dois PCs, um representando a política oficial do partido (encontrada nos documentos da direção nacional) e um outro PC das bases operárias.
Este tipo de interpretação pode muito bem ser sintetizado na afirmação de Hélio da Costa:
"Nos anos de 1948/1952 o ponto de divergência entre os comunistas situados nas fábricas e a sua direção centrou-se sobre a rejeição dos ativistas em acatar a orientação do partido de abandonar os sindicatos oficiais como espaço de militância. O PCB que se negara a apertar os cintos agora recusava-se a desistir dos sindicatos e a levar até as últimas conseqüências o combate à estrutura sindical."
Uma das razões para uma análise tão pessimista dos militantes sindicais, que de uma forma ou de outra atuaram no período, foi a releitura feita posteriormente aos acontecimentos de 1948 a 1950. Esta releitura, ou autocrítica, foi excessivamente dura, e correspondeu a uma alteração substancial ocorrida na política mais geral do partido e a sua incorporação ao "pacto populista", linha que se consolida com a Declaração de Março de 1958.
Porém, um estudo mais atento da política sindical no período, nos levará a conclusões bastante diversas.
Primeiro, podemos afirmar que a política de construção de organizações de trabalhadores à margem do sindicalismo oficial não teve como objetivo a construção de uma outra estrutura sindical paralela de caráter permanente. As associações profissionais, fundadas pelos comunistas, embora pudessem se constituir, na prática, como "sindicatos paralelos", não tinham por objetivo construir estruturas permanentes que concorressem com os sindicatos de Estado, visando substituí-los definitivamente por organizações livres.
As associações profissionais sempre tiveram um caráter transitório, como instrumentos de organização dos trabalhadores para travar a luta econômica e acumular forças para a "reconquista dos sindicatos oficiais". Em nenhum momento houve qualquer diretiva oficial para o abandono dos sindicatos, como procuraremos demonstrar. Mesmo no período de maior luta contra os interventores ministerialistas, os militantes que ousavam atuar nos sindicatos eram apontados como exemplos a serem seguidos e nunca ameaçados de expulsão por desvio ideológico. Mesmo aqueles que, como Roberto Morena, se gabam de nunca terem abandonado os sindicatos oficiais, na minha opinião, não fizeram nada mais que seguirem a linha sindical do Partido, da qual posteriormente diriam discordar e desrespeitar.
Segundo, não é correto creditar a queda de influência do Partido ou o descenso das lutas de massa a partir de 1948 à política sindical do Partido de incentivar a formação de associações profissionais e organizações autônomas dentro das fábricas. Em geral estas teses subestimam o papel desempenhado pela dura repressão ao movimento operário ocorrida durante o governo Dutra.
Pelo contrário, nas condições colocadas para o movimento operário naquela conjuntura, a constituição de associações profissionais e de organizações autônomas nos locais de trabalho com registro civil foi a única (e por isso mesmo a melhor) forma para manter os trabalhadores minimamente organizados.
Era a alternativa colocada objetivamente aos comunistas quando todas as possibilidades de atuação, via sindicato de Estado, estavam obstruídas. Uma tática que colocasse como única possibilidade a tentativa de atuação via estrutura sindical enrijecida pelas intervenções ministerialistas teria trazido conseqüências muito negativas para o movimento operário, que só conseguiu se manter e resistir minimamente à política de arrocho salarial do governo Dutra lutando fora e contra os sindicatos oficiais. Não podemos nos esquecer que, durante o governo Dutra, particularmente em 1948, tivemos grandes movimentos de contestação operária, a totalidade deles ocorridos fora do sindicato de Estado e dirigidos por organizações não oficiais.
Por fim, não me parece correta a visão que as massas operárias estivessem nos sindicatos oficiais e que, portanto, as associações profissionais seriam entidades paralelas, divisionistas. Não me parece correta a tese, universalmente aceita, de que os trabalhadores viam nos sindicatos oficiais algo que lhes pertencia e, por isso, não viriam reforçar as organizações autônomas formadas pelos comunistas, como afirma Hélio da Costa.
Os sindicatos oficiais, durante o período em questão, não só reuniam pequena parcela da classe operária como, em alguns casos, acabaram se constituindo em verdadeiras repartições da Delegacia de Ordem Política e Social. A resistência das massas operárias a estas entidades poderá ser comprovada pela baixa sindicalização e pela inexistência de participação deste órgão nos movimentos contestatórios da classe operária no período.
E por fim, nada indica uma pressão por parte da militância sindical comunista no sentido de permanecer dentro dos sindicatos sob intervenção contra uma possível determinação de abandono por parte de sua direção nacional. Ao contrário, o que constatamos foi justamente um grande esforço, que se expressa através de inúmeros artigos e documentos, para que os militantes continuassem atuando nos sindicatos oficiais e não os abandonassem.
EDIÇÃO 45, MAI/JUN/JUL, 1997, PÁGINAS 36, 37