A preocupação principal deste texto é tratar das implicações existentes entre a relação trabalho-educação e as classes sociais, abordando as influências das atuais tendências do mundo do trabalho.
Pelo caráter embrionário do texto, não pretendemos esgotar toda amplitude e desdobramentos deste tema, ensejamos porém suscitar um fértil debate sobre algumas de suas determinações.

Compreendemos que a divisão do trabalho condiciona a divisão da sociedade em classes, e com ela, a divisão do homem. Esta divisão social do trabalho é historicamente determinada e toma-se mais apurada no modo de produção capitalista, que acentua a unilateralidade e obtusidade humanas devido às características assumidas pela forma de apropriação privada do trabalho coletivo, pela concentração de renda e pela organização, gestão e mercantilização da força de trabalho.

A análise que faremos sobre as classes sociais, o trabalho e a educação no contexto da luta de classes, terá como preocupação presente a relação dialética com estudos recentes que tratam destas categorias na tentativa de resgatar a atualidade do pensamento marxista, referencial que nos serve de base para análise, compreensão e transformação da realidade.

Trabalho-educação: categorias que se complementam

Com Frigotto (1993: 12), partindo do pressuposto que "a educação é prática social, atividade humana e histórica que se define no conjunto das relações sociais, nos embates dos grupos e classes sociais, sendo ela mesma forma específica de relação social", faz-se necessário que entendamos como a atividade humana determina as relações sociais, como se dão os embates de classe e como a educação está ligada a este processo social, e ambos ao trabalho.

Afirmamos que a atividade prática humana leva o homem à apreensão, à reprodução, à compreensão e à transformação de circunstâncias ao mesmo tempo que é transformado por elas. Então, sua principal atividade, o trabalho, fundamenta na gênese o processo de produção do saber. Esse processo é síntese de determinações sociais e históricas, conseqüência do conjunto de relações sociais de produção, portanto a produção e a reprodução do conhecimento. A educação, dentro dos padrões do desenvolvimento histórico, a exemplo das relações sociais de produção, guarda em seu decurso grandes contradições.

Marx (apud Suchodolski, 1976: 121) diz que a sociedade e o trabalho criam e formam historicamente o homem, porém, nas sociedades de classe, principalmente no modo de produção capitalista, desumanizam-no apesar de oferecerem grandes possibilidades para o seu desenvolvimento.
Esta grande contradição toma-se mais clara quando nos deparamos com a divisão crescente do trabalho, da propriedade privada da opressão de classe. Esta divisão social chega a ser um fator cada vez mais forte de diferenciação que destrói o vínculo do indivíduo com o trabalho e a sociedade e que, por sua vez, pode aniquilar a vida individual. Por outro lado, o desenvolvimento atual das forças produtivas poderá conduzir os indivíduos ao trabalho coletivo ou intelectual-criador e gestar as premissas para um trabalho educativo em todos os sentidos. Apesar das possibilidades de desenvolvimento dos homens existirem, elas estão sendo – mais uma vez – obstadas pelo capitalismo, que tem hoje o objetivo de formar o homem poli valente para atender as necessidades da flexibilização da produção de mercadorias, para conseguir lucros cada vez maiores para os proprietários dos meios de produção.

Entendemos que estas forças destrutivas do homem só serão superadas em outra sociedade que não a capitalista, ou seja, somente na sociedade socialista, onde todas as perspectivas positivas da pessoa humana poderão reunir-se, num desenvolvimento omnilateral.

Mas esta superação, por enquanto, nos limites da sociedade de classes é um processo longo de resistências e avanços. É com esta contradição que temos que lidar, a qual reflete a divisão do trabalho e do não-trabalho. do trabalhador e do não-trabalhador. Tal divisão manifesta-se materialmente pela própria clivagem do trabalho manual e do trabalho intelectual. onde a divisão cria a unilateralidade que se opõe à omnilateralidade do homem.

A divisão social do trabalho aparece em épocas remotas. Primeiro, surge de forma natural na familia depois, baseada nas diferenças de sexo, idade e pelas causas fisiológicas. aparece na tribo. Posteriormente. ao complexificarem-se as relações sociais, com o crescimento das tribos e o surgimento das cidades, a divisão do trabalho também se diferencia

Marx e Engels (1984: 44 ss) afirmam que "em lugar da divisão variável do trabalho entre os homens, que deve realizar-se numa determinada comunidade, surge então a divisão do trabalho desigual, tanto quantitativamente como qualitativamente, e dos seus produtos, ou seja, a propriedade privada". Este é o marco que rompe os interesses dos indivíduos que se relacionam em comunidade com os interesses particulares.

A mercantilização facilita a divisão do trabalho com a separação entre campo e cidade, gênese da civilização, da criação do Estado, da nação e perfaz uma trajetória histórica até nossos dias, marcada pela divisão da população em classes sociais, divisão esta baseada na divisão do trabalho e dos instrumentos de produção. Estas relações, intermediadas pela desigualdade, encerram contradições entre indivíduo e comunidade, indivíduo e a função que lhe foi imposta, e as profundam com o desenvolvimento das forças produtivas, recaindo "em diferentes indivíduos a atividade intelectual e manual ( . .,) as distrações e o trabalho, a produção e o consumo (sic)" (Marx apud Suchodolski, 1974: 125).

O ponto fundamental da divisão social do trabalho é a cisão entre trabalho manual e intelectual. Esta cisão é inerente à evolução das diferentes formas de propriedade, que caracterizam os diferentes modos de produção e suas complexas relações de dominação.

A divisão social do trabalho promove constantes contradições na estrutura social, nas forças produtivas e na consciência dos trabalhadores, quando o resultado do trabalho social é apropriado privadamente. "Aliás, a divisão do trabalho e propriedade privada, são expressões idênticas; expressam-se na primeira em relação à atividade, a mesma que na segunda se expressa em relação ao produto da atividade" (Marx e Engels, 1984: 46).

Sob os padrões da divisão do trabalho, materializam-se as relações pessoais em relações de classe. O trabalhador submetido arbitrariamente ao trabalho e posição que lhes são atribuídos, perde sua individualidade e passa a ser dominado pelas condições de vida e de trabalho impostas pela classe dominante. Desta maneira, caracteristicamente nas sociedades de classes, sob a vigência dos modos de produção escravista e feudal, antecessores do capitalista, podemos constatar que entre as classes fundamentais existentes havia a dominação presente, respectivamente dos senhores em relação aos escravos e dos senhores feudais em relação aos servos. E, com o desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção, num cenário de luta de classes, os novos modos de produção vão surgindo da superação daqueles que o antecedem, isto sem eliminá-los por completo. Em cada modo de produção e formação econômica o trabalho configurou-se com suas especificidades e idiossincrasias, permitindo-nos conceituá-lo de forma geral e percebê-lo em cada uma das relações sociais de produção da época.

Na visão clássica de Marx, o trabalho é categoria fundante da sociabilidade humana. É a partir do trabalho, em sua cotidianidade, que o homem se torna ser social, distinguindo-se de todas as formas não humanas. Marx, n' O Capital, explicita que o trabalho humano distingue-se do trabalho animal colado à ontologia da natureza, ou seja, ao puro instinto, pois o trabalho humano
"obtém um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador e, portanto, idealmente. Ele não apenas efetiva uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria original seu objeto, que ele sabe que determina, como lei, espécie e modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade" (1983: 149-150)

O trabalho humano transcende o mundo da natureza à medida que o homem tem uma intencionalidade, está cônscio que quer algo, tem consciência de um fim a ser atingido. Como destaca Kuenzer (1986: 40)
"a característica diferenciadora do trabalho humano é conceber a sua ação anteriormente à sua execução, e de avaliá-la a partir de fins determinados. Assim, o trabalho se apresenta como momento de articulação entre subjetividade e objetivação, entre a consciência e o mundo da produção, entre superestrutura e infra-estrutura, compreendidos como os pólos da relação dialética que defende o objeto como produto da atividade subjetiva articulada à atividade real, material."

Se o trabalho humano não está ontologicamente colado à natureza e a transcende, se há uma opção humana diante do objeto, é nesse espaço de liberdade que o homem se constrói à medida que transforma a natureza. A realidade, na verdade, não é construída de modo arbitrário, já que a realidade objetiva existe independentemente do homem e interpõe suas resistências. Objetividade e subjetividade estão assim interligadas na intencionalidade da consciência, diante de um núcleo objetivo que tem suas resistências. A consciência procura ir além do dado existente, ela é por natureza emancipadora.

Neste sentido, não deveria o trabalho realizar o homem, já que permite a sua consciência objetivar-se no mundo, realizando suas necessidades e desejos? Se desconsiderarmos o trabalho a partir de suas determinações históricas corremos o risco de acreditar que todo e qualquer trabalho humaniza e transforma as relações sociais, emancipando o gênero humano(1).

Este, porém, não é o caso do trabalho no mundo capitalista. Com o advento deste modo de produção, ele passa a ter características próprias, determinadas pela relação capital e trabalho e pela mercantilização da força de trabalho, relação conflituosa que acentua a luta de classes, e a coloca em outro patamar. Conseqüentemente, para o trabalhador coletivo, o trabalho é um meio para realizar as necessidades apenas fora do trabalho, e o seu próprio trabalho lhe é estranho.

O trabalho transforma-se numa mercadoria que viabiliza a compra de outras mercadorias para satisfazer o homem. O trabalho capitalista reverte, assim, a tendência emancipadorada consciência, deixando de ser um fim para ser um meio no qual se realiza a necessidade. Oliveira (1995: 16), ao analisar as propensões do mundo contemporâneo, aos olhos de pr6ceres da pós-modernidade (2), nos indica que, para eles, "todo o processo de produção vira ( … ) um processo autotélico, inteiramente desvinculado dos fins das pessoas e, neste contexto, o princípio econômico se faz o critério fundante da existência histórica (3)." Ao nosso ver, a questão central desta concepção se explicita ao demonstrar-nos que
"os produtos do trabalho humano, as mercadorias, submetem os homens aos seus imperativos: elas são o elemento decisivo de constituição da sociabilidade, uma vez que os produtores individuais sociabilizam seu trabalho através do mecanismo de troca de mercadorias, de tal modo que aqui as coisas constituem a mediação das relações sociais." (Oliveira, 1995: 16)

As características da divisão do trabalho existentes nas bases da organização do trabalho capitalista,
agudizam todos os perigos que ameaçaram os homens em épocas passadas.
"Mesmo considerando que as máquinas permitam superar a divisão do trabalho existente até os nossos dias e configurar um ensino politécnico e um autêntico trabalho coletivo (no futuro), a economia capitalista ( … ) destrói todas estas possibilidades" (Suchodolski, 1976: 130).

Na contradição central e insuperável do capitalismo, os homens que vivem em oposição mútua (explorados e exploradores) chegam a integrar-se e unir-se pelos mecanismos de controle do capital para ampliar as forças produtivas. No entanto, nestas relações sociais de dominação e nas bases em que se organizam as forças produtivas, a produção é realizada socialmente, mas a apropriação do resultado do trabalho é privada. A grande conseqüência disto, é que se arranca do homem que trabalha, do indivíduo humano o conteúdo essencial da vida, tanto no que constitui a experiência adquirida como no seu sentido moral e espiritual, pois o trabalho passa a ser um meio de subsistência, com aspecto de independência, separado do produtor.

Esta é a organização das relações de trabalho que desumaniza o homem, mesmo no quadro da atual reestruturação produtiva do capital que tem em sua estrutura uma aparente liberdade e democracia, onde tradicionalmente os donos dos meios de produção compram a força de trabalho dos trabalhadores em troca de um salário para mantê-los vivos e, tem seu ápice na extração das horas não pagas de trabalho, ou seja, na apropriação da mais-valia. As tendências atuais, com a heterogeneização e complexificação das relações de trabalho, redimensionam este conflito em faces multiformes.

Há por um lado, o aumento da exploração daqueles trabalhadores poli valentes, superespecializados, adaptados às necessidades da acumulação flexível. Por outro lado, contraditoriamente, com a intensificação da subproletarização (4) e, ao mesmo tempo, com a ampliação do assalariamento dos setores de serviços, há a apresentação de outras formas de relação de exploração no mundo produtivo.

Ou a força de trabalho periférica é excluída dos postos de trabalho tradicionais e passa a compor o exército de reserva (qualificado, pouco qualificado, desqualificado) dos desempregados, subempregados, etc., ou conforme nos apresenta Teixeira (5), o trabalhador que vive nas malhas das pequenas e microempresas fornecedoras das grandes empresas "não se confronta mais com o capitalista como um mero vendedor da capacidade de trabalho; não mais entra no mercado de mãos vazias, mas traz uma mercadoria que foi produzida antes de entrar na esfera da circulação … " passam a se confrontar no mercado, sem eliminar o trabalho vivo como fonte produtora de valor e de mais-valia, nem a alienação do trabalho. Isto é, "o aumento crescente do capital constante em relação ao variável" (Marx, 1983) reduz relativamente, mas não elimina o papel do trabalho coletivo na produção de valores de troca Mantém-se então, a antiga relação de exploração, pois enquanto os proprietários dos meios de produção acumulam capital com a extração da mais-valia, os trabalhadores empobrecem.

Além da separação que há entre produto e produtor, promovendo a reificação, a desumanização do trabalho empurra o homem à brutalidade total suprimindo suas forças físicas e espirituais. Essa alienação estende-se também ao nível da consciência, quando são atribuídas a ela supremacia e independência sobre a realidade, identificadas na separação entre teoria e prática, decisão e ação nas relações de produção capitalistas. Há também a tendência à fragmentação e heterogeneização da classe trabalhadora, o que dificulta a construção coletiva da consciência de classe para a apropriação e unificação do saber e do fazer.

A desigualdade no processo de produção, apropriação e distribuição do saber demonstra-nos como se dá a relação trabalho-educação frente à relação trabalho-capital: "se o saber é produzido socialmente, pelo conjunto dos homens e nas relações que estabelece no trabalho para garantir sua sobrevivência, ele é elaborado, sistematizado, privadamente." A classe dominante, utiliza-se de instrumentos intelectuais para organizar o conhecimento produzido nas relações sociais em conhecimento elaborado, "passando a assumir o ponto de vista de uma classe social, que o utiliza a seu favor." (Kuenzer, 1986: 38). Nestes termos, o capitalismo necessita da incorporação da criatividade e da subjetividade do trabalhador no processo produtivo, para a valorização do valor.

Na tentativa de superar esta estrutura classista, a sociedade permanece em constante luta, através da qual a classe hegemônica alimenta seus ideais e seu poder pela força de convencimento ideológico, pelo controle dos instrumentos de comunicação e de todo o aparato supra estrutural de representação e de repressão do Estado capitalista. A história das sociedades está eivada da visão dos dominantes. A este respeito, Marx e Engels dizem-nos que " … pelo fato de dominarem como classe e determinarem todo o alcance de uma época histórica, é evidente que tudo isso se leva a cabo em toda a sua extensão sob outros que dominam como pensadores, produtores de pensamentos que organizam a produção e distribuição dos pensamentos do seu tempo, isto é, que os seus pensamentos são os pensamentos predominantes na época" (1984: 72)

Dentre outros meios, a educação dentro e fora da escola – sociabiliza hegemonicamente e contraditoriamente a ideologia capitalista. Para servir aos interesses de classe, dificilmente o saber oficial aprendido na escola corresponde à concretude das relações sociais. Há um mascaramento da exploração de classe pelo discurso das diferenças e aptidões individuais que é utilizado para a regulação do saber como forma de controle e dominação social. Este controle é posto a serviço do processo de acumulação do capital, que tem a produção e a apropriação de conhecimentos como imprescindíveis

"para elevar a produtividade, e a qualidade dos produtos, através da incorporação do progresso técnico-científico, reduzindo o tempo de trabalho necessário (trabalho abstrato)" Moura (1993: 167).
Neste sentido, o aumento da produtividade gera o aumento da mais-valia possibilitando sua apropriação pelos capitalistas, em sua forma monetária.

A luta de classes sempre esteve presente na organização, legislação e concepções do conhecimento, manifestando-se, assim, nas multifaces do processo educacional formal e informal, quando destinados às classes privilegiadas ou para as classes trabalhadoras.

O caráter dualista do saber, historicamente determinado, agudiza-se no capitalismo pois aos filhos da classe dominante é oferecido o ensino propedêutico, erudito, de caráter geral através do qual reproduzir-se-ão os conhecimentos necessários para manter a dominação. À classe trabalhadora está destinado o ensino instrumentalista para o domínio do seu ofício. Este ensino, entretanto, vai modificandose conforme a complexificação tecnológica do processo produtivo.

A busca da eficácia e do aumento da produtividade, que promoveu modificações do padrão de acumulação do capital, e é, por sua vez, quem determina a demanda da formação dos recursos humanos de alto nível. O capital através do controle de investimentos e financiamentos a instituições e a pesquisadores, pode definir os objetos de investigação e com isso os caminhos da ciência oficial. Isto privilegia, com o acesso ao saber elaborado, uma pequena parcela dos trabalhadores, o que valida a tendência à desproletarização. Ao contrário, para a grande massa de trabalhadores, este saber não é veiculado, recebendo estes, apenas o treinamento necessário às suas funções cotidianas nos postos de trabalho. Conseqüentemente, tendo em vista os desdobramentos da crise atual, eles estão fadados à desqualificação, à exclusão do posto de trabalho ou à subproletarização. De qualquer forma, entendemos que não existe uma relação direta entre qualificação e empregabilidade.

Os aparatos para manter esta estrutura dual estão sustentados pelos mecanismos de exclusão próprios deste sistema concorrencial. Neste espaço complexo de disputas, dua'; concepções de formação se chocam, a formação unidimensional e a formação omnilatera1 do homem. A primeira, aponta para o enquadramento do homem ao trabalho útil ao capital, como extensão da máquina, produzindo-lhe deformidades, tomando-o estranho e desumano, ser alienado do seu próprio ato criativo, um ser insensível e sem necessidades (Marx, 1993: 157 ss). A segunda, na busca do desenvolvimento total, completo e multilateral, em todos os sentidos das faculdades e das forças produtivas, das necessidades e da capacidade de sua satisfação" (Manacorda, 1993: 78).

Neste embate de concepções, existem ainda, presentes na formação unidimensional, várias tendências à formação polivalente e flexível do trabalhador, as quais se propõem globalizantes e de qualidade total, o que fragmenta e confunde a classe trabalhadora. Ao nosso ver, tais tendências são apenas desdobramentos e sofisticações da Teoria do Capital Humano e visam politicamente a adaptação consentida do trabalhador às necessidades do capital.

Embora nos limites da sociedade de classes, a luta pela conquista da formação politécnica do trabalhador deve sempre estar em pauta. Mesmo que entendamos a processualidade contraditória desta luta, devemos avançar rumo à formação tecnológica, totalizadora, rumo à omnilateralidade.

A relação trabalho-educação é essencialmente política, pois há um embate de classes também pelo acesso à cultura técnica, que é uma das formas pelas quais a classe trabalhadora busca sua emancipação. Nogueira (1990: 91), citando Marx e Engels, afirma que a luta pelo saber relativo à atividade produtiva representa uma dimensão importante da luta de classes porque atinge a questão do poder no interior da fábrica ( … ). São os conhecimentos técnicos necessários à compreensão do processo de produção no seu todo que permitirão aos trabalhadores controlar esse processo – controle do qual foram historicamente expropriados".

Há para a burguesia uma ameaça, portanto, do controle do processo de trabalho pelos trabalhadores. Ou seja, a possibilidade histórica da superação do capitalismo ser concretizada.

Neste embate, a educação assume o significado de uma arma para os dois e, continua Nogueira, faz-se necessário que o trabalhador consiga não somente ter acesso a esse saber, mas que possa ainda chegar a controlar o processo produção/reprodução (as condições de transmissão) dos conhecimentos científicos e técnicos" (idem).

É evidente que o sentido deste controle sobre o processo aponta para a emancipação da classe trabalhadora e para a ruptura com a sociedade de classes, onde os homens possam ter plena "posse de capacidades técnicas e práticas, como plena capacidade de prazeres humanos" (Manacorda, 1991: 83).

Novas relações de trabalho, novos desafios para a classe trabalhadora?

Compreendemos que, embora as relações de classe e as relações de trabalho venham se complexificando e modificando com o desenvolvimento das forças produtivas e os avanços tecnológicos, estas modificações não eliminam a luta de classes. Esta continua sobre as mesmas bases de exploração, mas traz elementos novos para a análise das categorias desenvolvidas por Marx e Engels, evidenciando-nos a atualidade de suas teses em um novo cenário, erigido com as transformações no mundo do trabalho, com o crescimento da densidade dos setores médios da sociedade (promovidos pela política do Welfare State), e com as novas organizações no processo fabril, novas tecnologias e novas formas de gestão da força de trabalho.

Vale lembrar que estas transformações partiram (no caso da Europa) do modelo taylorista-fordista para o processo de acumulação flexível na tentativa de solucionar os problemas dos modelos anteriores frente a atual crise do capitalismo.

Esta crise, de natureza cíclica, fruto das contradições do próprio modo de produção, tem promovido, na atualidade, o desemprego estrutural e a terceirização de serviços, alterando, portanto, as organizações de trabalhadores e o perfil sindical.

Estas alterações, como vimos, têm provocado nas últimas décadas o questionamento da concepção marxista, que percorreu, segundo Coggiola (1995) uma série de etapas que foram acompanhadas por boa parte da esquerda mundial: a definição da classe operária dos países industriais como integrada no sistema capitalista, a própria pertinência do conceito de classe, até chegarmos ao estágio atual, em que se questiona toda a análise de classe.

Entendemos que a base, o elemento central da história das classes sociais, é a dialética da
objetividade e da subjetividade, sobre suas condições materiais de existência Desta forma, percorrendo com o pensamento de Marx e Engels esta história, vamos ganhando elementos concretos para a análise das raízes de momentos históricos determinados, que nos possibilitam analisar o papel do devir das diversas classes nos sucessivos modos de produção social, com ênfase no capitalista – entendendo sua natureza transitória – que, num futuro, poderão conduzir-nos a uma sociedade sem classes.

Compreendemos que para Marx, as classes se definiam de acordo com sua relação de propriedade com os diversos meios de produção, sendo a produção de vida social o fundamento último da história humana, considerando derivados os outros critérios distintivos das classes sociais.

A questão de classe e a luta de classes como motor da história da sociedade humana foram abordadas como um aspecto de uma concepção de conjunto materialista e dialética Em outros termos, são as relações com os meios de produção que determinam a base de existência das diversas classes num determinado momento histórico de desenvolvimento das forças produtivas sociais. Estas são consideradas objetivamente apenas no seu devir histórico, pelo seu antagonismo irreconciliável com outras classes.

"A resolução deste antagonismo implica a passagem para um outro estágio da organização social da produção, determinado por outros antagonismos de classe … " (idem: 143).
As teses que a pós-modernidade ataca na teoria marxista são apontadas por Antunes (l995),Andrade (1993) e Coggiola (1995) – entre outros – em seus estudos sobre as transformações do mundo do trabalho e os atuais rumos das classes trabalhadoras. Segundo estes autores, a crítica pós-moderna à atualidade do pensamento marxiano expressa-se fundamentalmente em duas teses diferenciadas mas muito próximas entre si. A primeira afirma a tendência evanescente da classe trabalhadora, da classe operária, e aponta para o desaparecimento de qualquer política baseada nos seus interesses históricos. A segunda tese afirma que a atual lógica do capital torna estéril a luta de classe do proletariado, "que não mais seria (nem teria sido nunca) portadora de um projeto social potencialmente alternativo ao capitalismo" (idem, ibidem).

A solução política apontada pelos defensores destas teses é que as lutas não devem mais basear-se nas organizações operárias ou visar a conquista do poder político pela classe operária. Devem, ao contrário, procurar apoiar-se em "lutas comunitárias" ou "das minorias", procurando manter o isolamento do Estado. É importante percebermos que o abandono desta concepção significa a negação da noção de inteligibilidade do processo histórico que só se dá enquanto processo social.

As bases destas teses estão ora na concepção conteana, ora na weberiana de classe social, versões que descambam num individualismo metodológico que se ajusta bem como base para o projeto neoliberal, em pleno desenvolvimento na atualidade. Alguns intelectuais, como Robert Kurz,André Gorz, Adam Schaff, Claus Offe e outros, além de apontarem o abandono do "conceito de classes sociais, abandonam conjuntamente a própria idéia de lógica do processo histórico, lógica suscetível de torná-lo dominável pelo gênero humano. É nada menos do que isto o que está em jogo na questão das classes sociais, em especial da classe operária, no período histórico contemporâneo" (idem: 145).

Como conseqüência inerente, o pensamento pós-moderno questiona a centralidade da categoria trabalho na construção da sociabilidade humana.

Estas teses são elementos de fortes contestações por parte dos teóricos marxistas que, compreendendo a realidade em sua dialeticidade, mostram que o desaparecimento tendencial da classe operária é um fato que as estatísticas estão longe de comprovar. Afirma Coggiola (op. cit.) que o processo econômico do pós-guerra testemunhou o maior crescimento do proletariado em toda a história (sem contar o numeroso contingente da ex União Soviética e do Leste europeu). Neste sentido, Andrade (1993: 223) em seus estudos sobre a mesma questão, conclui que "na escala mundial existem mais trabalhadores industriais do que em qualquer período da história", numa relação estatística entre o crescimento do desemprego, o crescimento do emprego industrial e o crescimento demográfico.

As alterações que ocorreram nas últimas décadas no mundo produtivo, devido à automação, informatização e flexibilização industrial, com a acentuação da desproletarização e com o aumento do desemprego estrutural, não constituem elementos consistentes para a conclusão sobre a antecipação do fim da classe trabalhadora, a não ser sob uma ótica mecanicista. Pelo contrário, com o crescimento da participação dos trabalhadores do setor de serviços e a incorporação das mulheres no setor produtivo, ampliando assim o trabalhador coletivo, temos uma significativa expansão e ampliação da classe trabalhadora.

Neste sentido, na processuaIidade complexa e contraditória da luta de classes"o marxismo nunca afirmou que a revolução socialista só seria possível em condições em que a classe operária fosse socialmente majoritária ( … ), afirmou que, pela sua posição social objetiva, a classe operária é a única que poderia dar, através da sua própria revolução, uma saída progressiva à revolta de todos os estratos sociais explorados contra o capital, revolta determinada pela decomposição objetiva do sistema capitaIista". (Coggiola: 154).

Nas relações de trabalho do capitalismo atual, os elos que se formam a partir das inter-relações categoriais que diminuem as clivagens entre trabalho manual e intelectual, entre o trabalhador da produção e o do serviço, transformam-nos em instrumentos iguais no mecanismo de cooperação capitalista do trabalho. Isto alarga a massa de proletários ao invés de provocar seu desaparecimento, isto se apropriarmo-nos do conceito de operário enquanto trabalhador coletivo, sentido atribuído por Marx n' O Capital (op. cit.).

Esta análise nos leva a concluir que o operariado não desaparecerá tão rapidamente, conforme o preconizado, e que, fundamentalmente, não há nem mesmo a perspectiva distante de qualquer possibilidade de eliminação da classe trabalhadora.

De fato, concordamos com Antunes (1995: 86) que "embora o mundo do trabalho esteja heterogeneizado, complexificado e fragmentado, as possibilidades de uma efetiva emancipação humana ainda p0dem encontrar concretude e vitalidade social a partir das revoltas e rebeliões que se originam centralmente no mundo do trabalho; um processo de emancipação simultaneamente do trabalho e pelo trabalho. Esta não exclui nem suprime outras formas de rebeldia e constatação. Mas, vivendo numa sociedade que produz mercadorias, valores de troca, as revoltas do trabalho têm estatuto de centralidade. Todo o amplo leque de assalariados que compreendem o setor de serviços, os trabalhadores 'terceirizados', os trabalhadores do mercado informal, os 'trabalhadores domésticos', os desempregados, os subempregados etc., que padecem enormemente da desmontagem social operada pelo capitalismo em sua lógica destrutiva, podem (e devem) somar-se aos trabalhadores diretamente produtivos e por isso, atuando enquanto classe, constituem-se no segmento social dotado de maior potencialidade anticapitalista" .

Acreditamos que estas teses que afirmam a tendência para o fim da classe trabalhadora, não refletem a realidade das relações sociais de produção, não contribuindo, assim, com as lutas históricas de resistência e busca da superação das sociedades de classes, Elas, ao nosso ver, tentam obnubilar os caminhos que apontam para a construção da sociedade socialista, contribuindo, ao contrário, com a política neoliberal vigente.

Por isso, os principais desafios ao sindicalismo combativo dos países que estão sob influência destas tendências capitalistas, estão na capacidade de reverterem este quadro, combatendo o sindicalismo participacionista e, efetivamente, instaurarem um sindicato horizontalizado, participando e auxiliando na estruturação de uma nova organização societal, com claros traços anticapitalistas.

Outro desafio a ser enfrentado é tentar reverter a dimensão discriminatória e acentuadamente dual da educação, presente historicamente na relação trabalho-educação. Atualmente, evidenciamos que, ao mesmo tempo em que se visualiza uma tendência para a superqualificação de alguns trabalhadores em vários ramos produtivos, desenvolve-se intensamente um processo de desqualificação da maioria dos trabalhadores, em outros. O contraponto a esta questão imediata, é a identificação e a incorporação dos organismos representativos dos trabalhadores, de um projeto de formação politécnica que tente dar conta da valorização da força de trabalho frente à heterogeneidade da classe trabalhadora e ao mesmo tempo resista à integração e a sociabilidade capitalista.

Superar a fragmentação da classe trabalhadora e buscar mecanismos necessários, capazes de possibilitar a confluência e aglutinação de classe (todos os trabalhadores e trabalhadoras, empregados, desempregados, sub proletarizados, intelectuais, trabalhadores dos setores de serviços, da economia informal), contra todas as tendências à individualização das relações de trabalho , ao neocorporativismo, ao estranhamento do trabalho, à exploração; enfim contra o capitalismo, deve ser a tarefa crucial dos socialistas revolucionários, tendo como pontos imprescindíveis a apropriação da teoria revolucionária e a atuação partidária. Por nossa argumentação, avançando para além de refutar tais tendências, nas condições históricas atuais, acreditamos ser importante reafIrmar a centralidade do trabalho no desenvolvimento da sociabilidade humana, enquanto protoforma do ser social (6). Além da imprescindibilidade de se soerguer a conquista democrática da educação tecnológica, da formação omnilateral, como um dos meios dentre outros fundamentais, para a emancipação efetiva dos trabalhadores.

CÁSSIA DAMIANI é professora do Departamento de Teoria e Prática do Ensino da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará.

NOTAS

(1) Como indica Marx nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, "ser genérico, entendido o como ser cônscio, que vive a efetividade humana omnilateral; ser que se relacionaconsigo mesmo como gênero vivo, universal e livre" (Lisboa: Edições 70, 1993).
(2) Entre outros, R. Kurz. D. Harvey, C. Offe, V. Hõsle, em Ética e Economia, São Paulo: Ática, 1995.
(3) V. Hosle (1991), citado por Oliveira, defende que "as sociedades modernas consideram o fim fundamental da vida social satisfazer as necessidades econômicas de seus habitantes. A polêmica fundamental entre liberalismo e socialismo não é sobre o fIm, mas sobre os meios de chegar a atingir esta meta básica. O desenvolvimento econômico se faz o eixo em tomo de que gravita a vida dos povos, o que leva à agressividade entre os Estados e à crise ecológica, que ameaça a sobrevivência da vida no planeta." Evidentemente não é este o nosso referencial de análise.
(4) Segundo R. Antunes (1995, 41), sub proletarização é um fenômeno social inerente ao aumento desemprego estrutural, e diz respeito à "expansão do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado, 'terceirizado', informal, trata-se da "periferia da força de trabalho", uma imensa parcela de excluídos dos postos de trabalho da grande indústria. Este fenômeno é o reverso contraditório da superespecialização e da intelectualização do trabalho.
(5)Políticas de industrialização e reestruturação produtiva, Fortaleza, 1994 (mimeo.), p. 27, citado por Oliveira (Op.cit.).
(6)A este propósito,Lukács, G.(1979: 16) nos diz que" através do trabalho, tem lugar uma dupla transformação. Por um lado o próprio homem que trabalha é transformado pelo seu trabalho; ele atua sobre a natureza exterior e modifIca, ao mesmo tempo, a sua própria natureza; desenvolve as potências nele ocultas e subordina as forças da natureza 'ao seu próprio poder'. Por outro lado, os objetos e as forças da natureza são transformados em meios, em objetos de trabalho, em matérias-primas, etc. O homem que trabalha utiliza as propriedades mecânicas, físicas e químicas das coisas, a fIm de faze-las atuar como meios para poder exercer seu poder sobre outras coisas de acordo com sua fInalidade". Este autor trabalhou detidamente sobre os escritos marxianos e aprofundou Os Princípios Ontológicos Fundamentais de Marx a respeito da centralidade do trabalho e a capacidade teleológica do ser social.
ANDRADE, E. Metamorfoses do capitalismo e da classe operária. In J. NOVOA (org.), A história à deriva: Salvador: UFBA, 1993.
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EDIÇÃO 45, MAI/JUN/JUL, 1997, PÁGINAS 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51