Forças Armadas, poder naval e soberania nacional
Não há uma definição universal para o papel das Forças Armadas. A função e a missão dos aparatos militares sempre estiveram ligadas à natureza e objetivos das sociedades, correntes ou classes sociais que lhes deram origem. A Falange Grega, a Legião Romana, o Exército de Cidadãos de Napoleão Bonaparte, a Wehrmacht de Hitler, o Exército Vermelho soviético, os Boinas Verdes ou os destacamentos guerrilheiros de Ho Chi Mihn são exemplos de corpos armados que cumpriram distintos papéis em diferentes épocas.
Os estados modernos instituíram as Forças Armadas permanentes e procuraram dar-lhes funções compatíveis com objetivos previamente identificados e definidos. Assim se compreende por que uma nação poderosa como os Estados Unidos define para suas Forças Armadas a missão de defender os interesses do império norte-americano por todos os mares e continentes, distribuindo neles frotas, bases e tropas como símbolo de seu poder global.
O Brasil não é uma nação imperialista. Não está interessado em subjugar nações mais frágeis nem em submeter povos a seu domínio. Isso não significa, porém, que não tenha interesses a defender. Ao contrário, se quiser preservar sua independência, proteger seu povo e resguardar seu patrimônio terá de levar em conta o que diziam os romanos: "si vis pacem, para bellum – se queres a paz prepara a guerra".
As Forças Armadas que necessitamos devem estar ligadas a um projeto nacional, às aspirações nacionais permanentes e aos interesses geopolíticos legítimos de nossa Pátria. Queremos construir em bases sólidas a independência nacional? Desejamos o desenvolvimento econômico como base fundamental para a democratização verdadeira e duradoura do país e para a elevação do bem-estar material e espiritual da população? Eis, portanto, por que precisamos de Forças Armadas.
Dois traços comuns e permanentes marcam a trajetória das lutas sociais do Brasil desde o período colonial: a busca da liberdade e o anseio pela independência nacional. As guerras contra a ocupação holandesa no Nordeste, a Inconfidência Mineira, as jornadas pelo fim da dominação portuguesa, a campanha contra a escravidão, a proclamação e consolidação da República, a marcha dos tenentes e a defesa da industrialização do país são episódios nos quais esses traços comuns estão presentes. Possuído desses sentimentos, o povo brasileiro construiu um país vigoroso, pleno de energias materiais e espirituais. Comungamos a mesma língua e cultura; por aqui formou-se uma etnia nova, predominantemente mestiça, apta a construir uma experiência exemplar para o mundo, de tolerância e equilíbrio.
A abundância de terras, água e minérios; o relevo e o clima favoráveis; e a riqueza da biodiversidade só podem encher de orgulho e otimismo os que aqui nascem, vivem e lutam. Com o seu trabalho o povo ergueu cidades e metrópoles, erigiu um poderoso parque industrial, multiplicou os campos cultivados. A criatividade popular é exemplar nas artes e nos esportes.
Mas a caminhada rumo ao progresso social é permeada de dificuldades. A independência arrancada aos portugueses logo se viu constrangida pelas artimanhas e pressões de potências internacionais, hábeis na manipulação de cordéis que nos atam a uma dependência crônica de mercados, capitais e tecnologia importados.
Quase que excluído do processo decisório, o povo foi submetido a uma brutal marginalização social, que persiste como uma nódoa a diferenciar a imensa maioria pobre e carente em nosso país. País rico, onde a maioria dos seus filhos vive desamparada dos direitos elementares. Sem independência nacional plena, a democracia não passa de pantomima encenada para encobrir o saque ao país e empurrar a massa da população para os grotões da miséria mais nefanda. Mesmo a soberania jurídica e a autonomia administrativa. pressupostos da existência dos estados nacionais, são solapadas por decisões de organismos internacionais, aplicadas sem consulta ao povo e por simples homologação do Congresso Nacional. Vivemos hoje o ressurgimento do princípio da extra-territorialidade, criado pelos impérios para estender suas leis aos domínios coloniais.
Como agravante, pode-se acrescentar que na dominação colonial a presença física do colonizador, nas figuras de seus governantes, militares e juízes nomeados, pelo menos deixava evidente a presença do ocupante. Hoje, o representante do colonizador muitas vezes fala nossa língua, confunde-se com os nossos e jura defender nossos interesses.
Qualquer oficial esclarecido sabe que dadas as condições de combate, o elemento decisivo é o homem. Agora perguntamos: que tipo de força se constitui com homens mal formados pela subnutrição e embotados pela ignorância? Como não ligar as Forças Armadas ao bem-estar do povo, fonte primária de sua existência?
Sem soberania, um estado não passa de mera referência geográfica. Sem capacidade militar, nenhum estado é razoavelmente soberano. E sem estar profundamente ligada a seu povo, nenhuma força armada dos países do Terceiro Mundo é capaz de alcançar a coesão, unidade, disciplina e apoio indispensáveis à garantia da soberania nacional.
Se é verdadeiro que o golpismo, o caudilhismo e o partidarismo que envolveram as Forças Armadas na América Latina são experiências condenáveis, tais fatos não podem ser usados como pretexto para excluir os militares da reflexão sobre os rumos do Brasil.
Sem soberania, um Estado não passa de mera referência geográfica.Sem capacidade militar, nenhum Estado é razoavelmente soberano
Trabalhadores, empresários nacionais, professores, engenheiros, militares, todos devem contribuir para o debate dos mais sentidos interesses da Pátria. A disciplina, hierarquia e subordinação das Forças Armadas aos poderes constituídos devem ser preservadas, mas não utilizadas como razão para excluir e discriminar brasileiros da discussão sobre os destinos de seu país.
Persuasão e coação: a estratégia americana
Nos anos da Guerra Fria, o Brasil desempenhou a função de força coadjuvante, figura secundária no conflito entre os Estados Unidos e a ex-União Soviética. Foi coisa errada, que nos prejudicou, contrariando o pragmatismo definido por Graciliano Ramos, por seu personagem Paulo Honório, segundo quem, na vida há coisas erradas que dão lucro e coisas certas que dão prejuízo. O regime sustentado pelos militares distanciou-os crescentemente de setores populares e médios da sociedade.
Ao fazer uma análise do período da Guerra Fria, o Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade de Defesa dos Estados Unidos reconhece que, "em termos de prioridades, a região (América Latina) parecia ser, na pior das hipóteses, uma distração cheia de problemas e irrelevante – e, na melhor das hipóteses, uma arena em que seriam travadas batalhas ocasionais da luta bem mais importante entre o Leste e o Ocidente". Por fim, o documento divulgado pela Subsecretaria de Defesa para Assuntos Interamericanos assume que, de fato, naquele período "a América Latina jamais foi tão insignificante para os Estados Unidos apesar das aparências".
Para falar da estratégia americana, deixemos a palavra com o ex Secretário de Estado, Warren Christopher em artigo publicado na revista Foreign Policy, em 1995:
"A liderança norte americana exige que apoiemos uma diplomacia persistente com a ameaça real de força e que atuemos sozinhos quando for necessário defender nossos interesses ( … ). E quando resolvermos enviar tropas para o exterior, nós as enviaremos em uma missão definida e com os meios necessários para o triunfo ( … )".
"Começaremos a implementar a Rodada Uruguai e a assegurar que a OMC (Organização Mundial de Comércio) proteja as normas e disciplinas do sistema global de livre comércio – de maneira justa e transparente – e, ao mesmo tempo, respeite as leis e interesses dos Estados Unidos".
Passemos agora ao que diz na mesma publicação o senador Bob Dole, do Kansas, líder do Partido Republicano no Senado, à época candidato a Presidência dos Estados Unidos:
"A nova ordem mundial – seja lá o que isso pretendia ser – rapidamente se transformou em uma nova desordem mundial; ao invés do fortalecimento da segurança coletiva, da melhoria das organizações internacionais e de uma nova parceria entre as nações, houve a propagação de conflitos étnicos e religiosos violentos, a proliferação de armas de destruição em massa, da agressão internacional e da guerra civil ( … )".
"Os Estados Unidos, como única potência mundial, precisam liderar. A Europa – seja como estados individuais ou coletivamente – não pode. China, Rússia, Índia, Brasil e Japão são potências regionais importantes, e alguns podem ser ameaças regionais potenciais ( … )".
"Os Estados Unidos precisam examinar sua preparação militar, tanto a curto quanto a longo prazo. Precisamos ter a habilidade não só de lutar e vencer hoje; precisamos estar constantemente preparados para lutar e vencer guerras futuras ( … )".
Para os Estados Unidos, o mundo não mudou, ou, se mudou, foi para melhor prover os meios necessários à sua expansão e a consolidação de seu poder. É justamente a este propósito que serve o discurso dirigido para reorientar o papel das Forças Armadas do Terceiro Mundo, particularmente da América Latina.
A retórica sustentada por nossos poderosos irmãos do Norte ensina que no pós Guerra Fria as Forças Armadas tradicionais tomaram-se obsoletas, carecem de assumir novas funções, agora voltadas para o combate ao narcotráfico, à defesa do meio ambiente, dos direitos humanos e para a contenção dos fluxos migratórios dos pobres do Terceiro Mundo. Quem sabe, no futuro, transformadas em gigantescas ONGs controladas por algum centro no exterior. O raciocínio é coerente, já que julgavam nossas tropas simples reserva para combate ao inimigo soviético desaparecido.
Os EUA, antigos promotores de golpes de estado, intervenções armadas para depor governos civis legitimamente eleitos e divulgadores de técnicas de tortura no Terceiro Mundo, convertem-se hoje em defensores dos processos de democratização da América Latina. Verdade, verdade, não defendem democracia nenhuma, apenas dão sustentação aos governos neoliberais que importaram a retração econômica lá existente, provocando em seus países desemprego e déficits monumentais nas balanças comerciais.
Se saldo em balança comercial tem a ver com assuntos militares, vejamos a explicação no relatório do Simpósio Latino Americano de Estratégia, promovido pelo Comando Sul dos Estados Unidos em 1996:
"A América Latina é de vital importância econômica para os Estados Unidos. As exportações estadunidenses para a América Latina e o Caribe equivalem, praticamente, às dirigidas à União Européia. Na década de 90, as exportações para a região subiram em 36 bilhões de dólares enquanto que durante o mesmo período as exportações dos Estados Unidos para a União Européia, Japão e China só evoluíram em 12 bilhões de dólares".
Essas exportações renderam aos norte-americanos, em apenas dois anos, 5,2 milhões de novos empregos (Warren Christopher, 1995) e devem ter subtraído a mesma quantidade só da Argentina e do Brasil.
Eis por que, senhores, os Estados Unidos são tão gratos aos "democratas" do lado de cá do Rio Grande. Eis também por que, passada a Guerra Fria, tomaram-se incômodas as organizações militares de forte tradição nacionalista, embora anticomunista. Já que o "perigo vermelho" não está tão presente, o "perigo nacionalista" deve ser sufocado.
O palavreado "democratizador" , porém, não pode ser enfrentado com a negação da democracia. Devemos, isto sim, retirar da democracia o manto etéreo que nela vestiram os falsos democratas, e cobri-Ia com as exigências concretas de nosso povo. Alimentar, vestir, educar, dar moradia e saúde a milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, são também desafios democráticos concretos que passam ao largo do democratismo limitado dos autores dos planos de estabilização que restringem esses direitos básicos da população do Terceiro Mundo. Aos defensores de fachada dos direitos humanos, devemos responder que também somos democratas, mas de fato, e que um dos direitos, para nós fundamental, é o direito à independência, pelo qual estaremos dispostos a sacrificar a vida, de todos os direitos, o mais sagrado.
Em busca de um novo equilíbrio
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, dizia o poeta. Desarticulada a União Soviética, propalou-se o fim da Guerra Fria e de todas as guerras. Houve quem pretendesse ver no episódio o próprio fim da História. Os que anunciam o fim das guerras deviam guardar ao menos uma certa coerência entre intenção e gesto.
Em artigo de capa de março último, intitulado "A nova revolução militar americana", a prestigiada revista inglesa The Economist divulga as transformações em curso na doutrina e na tecnologia militar dos Estados Unidos. Ali, nada indica o arrefecimento do potencial bélico americano, nem suas intenções são omitidas:
"Essa revolução oferece aos Estados Unidos uma nova base de liderança em
coalisões. Estaremos numa posição muito melhor para moldar o mundo, em vez de reagir a ele, do que em qualquer outro período desde a segunda guerra mundial", argumenta o almirante William Owens, até recentemente vice-presidente dos chefes dos Estados Maiores dos EUA. A revolução prometida implica em três mudanças prioritárias, compreendendo: o acúmulo de recursos de inteligência; o processamento de informações; e os ataques de precisão de longo alcance.
Os ventos que sopram da Europa, em certa medida, contestam o equilíbrio baseado na preponderância americana da era da Guerra Fria. Nenhum protesto foi capaz de impedir que a França realizasse os testes nucleares no atol de Muroroa e conservasse a paridade um degrau abaixo com o super poder nuclear dos Estados Unidos e da Rússia. Na Europa, discute-se ainda a constituição de uma aliança continental como esquema de segurança prioritário e alternativo à OTAN.
Na Ásia, estudos norte-americanos apontam a expansão do poderio de fogo da China, enquanto o intelectual e membro da Dieta japonesa, Shintaro Ishihara, proclama o direito do Japão de infestar os oceanos de mini-submarinos equipados com seus poderosos chips para afrontar o poderio dos Estados Unidos.
Pelo que vemos, o status de potência militar única desfrutado atualmente pelos EUA, espécie de Roma entronizada no topo do universo depois da destruição de Cartago, não durará eternamente. A circunstância, portanto, não recomenda alinhamentos automáticos, nem econômicos nem militares. O Brasil poderia buscar o entendimento sem auto-limitação com seus parceiros da América Latina, particularmente do Mercosul, e em escala mundial manter intercâmbios à base de reciprocidade com todos aqueles, inclusive os EUA, que desejem cooperar em matéria econômica, tecnológica, e também militar.
Esclareço aqui que não me move qualquer espécie de anti-americanismo gratuito. Tenho pela história do povo norte-americano a mais profunda admiração. Ocorre que os Estados Unidos, nos dias atuais, pretendem manter sobre nosso continente uma ingerência não reivindicada e descabida.
E quanto a isso não deixa dúvidas o já citado documento do Instituto para Estudos Estratégicos da Universidade de Defesa de Washington, denominado Aprimoramento dos Interesses dos Estados Unidos na América Latina:
"num sentido estratégico, o hemisfério ocidental é a área lógica em que os Estados Unidos podem atuar para aumentar significativamente sua base geoeconômica, de modo a enfrentar o desafio competitivo representado por uma Comunidade Européia expandida, pelo Japão e por outras economias dinâmicas do leste da Ásia".
A arrogância tem ao menos a virtude de exprimir com clareza as idéias. Os Estados Unidos têm um projeto e nós somos parte dele como base geoeconômica. Só falta transformar em lei e aprovar no Congresso Nacional. Projetos, portanto, há, senhores, cabe escolher entre o deles e o nosso.
Conseqüências da globalização passiva
A divisão internacional do trabalho, forjada e conduzida pelos países
imperialistas, cava mais fundo o abismo que separa as nações ricas das pobres e toma mais difícil o acesso dos povos do Terceiro Mundo ao desenvolvimento e ao progresso social. Estudos recentes da ONU informam que 358 bilionários do planeta detêm em suas mãos a riqueza correspondente a países que abrigam 2,5 bilhões de pessoas, ou seja, quase a metade da população mundial. Por outro lado, do total de US$ 23 trilhões que representam a soma dos produtos nacionais, apenas US$ 5 trilhões ficam nos países que concentram 80% dos moradores do planeta, enquanto 78% (US$ 18 trilhões) da renda estão nos países considerados ricos.A modernização conservadora e excludente promovida pelos países ricos concentra os benefícios das conquistas tecnológicas em suas próprias fronteiras (embora aí também haja uma diferenciação crescente entre pobres e ricos) e espalha o horror do atraso e da marginalização social pelo Terceiro Mundo, exceção feita a um reduzido grupo social que consegue engatar seus interesses aos da globalização financeira.
O renomado especialista em assuntos econômicos e professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology), Lester Thurow, em seu livro Cabeça a Cabeça – A batalha econômica entre Japão, Europa e Estados Unidos aponta as causas do declínio de uns e da ascensão de outros:
"Peçam ao Japão, à Alemanha e aos Estados Unidos para listar as indústrias que consideram necessárias para proporcionar aos seus cidadãos um padrão de vida mundial na primeira metade do século XXI, e eles apresentarão listas muito parecidas microeletrônica, biotecnologia, as indústrias de novos materiais científicos, telecomunicação, aviação civil, robótica e máquinas-ferramentas, e computadores mais software".
A nossa lista é outra. Tome-se a Lei de Patentes, a Zona Franca de Manaus, adicione-se o desmantelamento de nossa legislação sobre informática e a ausência de política industrial, e tem-se a dinamite que arrancou os trilhos que nos conduziriam, no mínimo, a um modesto lugar na indústria do futuro. Sem isso, o que nos resta é pagar juros, adquirir um computador por US$ 4 mil, ao custo de duzentas toneladas de cana-de-açúcar (20 reais a tonelada).
O monopólio da ciência e da tecnologia faz dos países ricos exportadores de mercadorias de alto valor agregado, enquanto o Terceiro Mundo entrega seus produtos agrícolas e minérios a preços cada vez mais aviltados. O binômio desregulamentação/ privatização é o anteparo ideológico para forçar a abertura dos mercados e a venda de empresas estatais no Terceiro Mundo em benefício do Primeiro. O desmantelamento do campo científico e tecnológico é o canto do cisne para a possibilidade de acesso aos novos processos industriais por parte dos países em desenvolvimento. Os programas de estabilização transformam países como o Brasil em economias programadas para não crescer. Âncoras cambiais e brutal endividamento externo inibem os fatores de desenvolvimento e obrigam os governos a restringir, cada vez mais, as despesas do Estado em função do equilíbrio financeiro.
Privatizações como a da Companhia Vale do Rio Doce retiram dos governos poder de negociação e capacidade de empreender políticas desenvolvimentistas. Deve-se levar em conta que, em economias descapitalizadas, privatização é sinônimo de desnacionalização, fazendo com que os governos percam as alavancas indutoras de políticas industriais e se transformem numa espécie de prefeituras federais aparelhadas, quando muito, para recolher tributos e financiar precariamente os serviços básicos das populações.
Implicações da globalização no terreno militar
Desde que o exército prussiano impôs aos franceses a derrota de 1870, o fator infra-estrutura definiu-se como essencial nas estratégias de guerra. Foi a base científica, tecnológica e industrial que permitiu à Alemanha, União Soviética, Estados Unidos e Inglaterra o papel de contendores definitivos na Segunda Grande Guerra. Na ausência da guerra ou na preparação dela, torna-se fundamental cercear aos potenciais inimigos o desenvolvimento de sua retaguarda material e dificultar-lhes a liberdade e o uso do conhecimento, não havendo aí muita distinção entre finalidade econômica ou bélica
É ainda Lester Thurow quem nos ensina: "Tanto na Alemanha quanto no Japão, as estratégias econômicas foram elementos importantes nas estratégias militares para preservar a sua independência política Os governos desdobravam-se para que a chama da combustão econômica não se extinguisse. TInham que mantê-la intensa para que as lacunas econômicas e, conseqüentemente, as lacunas militares entre eles e seus inimigos potenciais pudessem ser preenchidas no menor espaço de tempo possível. Nessas circunstâncias, não surpreende que as empresas fossem organizadas em moldes militares ou que desaparecesse a linha divisória entre o que era público e o que era privado. Governo e indústria tinham que trabalhar juntos para traçar as estratégias econômicas nacionais necessárias à independência nacional. No sentido muito real, as empresas tornaram-se a linha de frente da defesa nacional. As estratégias militares e as estratégias econômicas achavam-se de tal forma entrelaçadas que era impossível separar umas das outras".
Lester Thurow é editorialista da revista Newsweek e membro do conselho editorial do The New York Times. Não resta dúvida de que seja um patriota norte-americano, e por esta razão tenha excluído os Estados Unidos da apreciação em que envolveu a Alemanha e o Japão. Mas nós poderíamos acrescentar por conta própria que também nos Estados Unidos, o complexo industrial militar é quase sinônimo do Estado norte-americano. Em seu último livro o célebre astrofísico Carl Sagan informa que pelo menos metade dos cientistas do mundo dedica parte de seu tempo a pesquisas militares. Duvido que tenha chegado a essa conclusão sem tomar como base os números de seu próprio país, os Estados Unidos da América.
O bloqueio às chamadas tecnologias sensíveis, a chantagem para a subscrição de tratados restritivos (Tlatelo1co) e as restrições orçamentárias ditadas pelo FMI e Banco Mundial constituem mecanismos de implicação da globalização neoliberal na esfera militar. A desorganização do setor produtivo ligado ao Estado –leia-se desnacionalização -, a dispersão da inteligência articulada em centros de excelência e a campanha infame contra o ente público são barreiras que precisam ser contornadas com a persistência e a coragem daqueles que sabem que, em determinadas circunstâncias da vida, navegar é Preciso …
Caminhando com as próprias pernas
Cerceado por condições externas desfavoráveis – a hegemonia econômica, política e cultural neoliberal no planeta – o Brasil busca encontrar as brechas para articular e exercer graus diferenciados de autonomia, ora vitorioso, ora frustrado em seus planos. A propósito, cabe aqui uma singela homenagem ao almirante Álvaro Alberto, presidente do CNPq nos anos 50, pioneiro em pesquisa nuclear no Brasil. Patriota destemido, o almirante Álvaro Alberto tentou levar o Brasil ao processo de enriquecimento do urânio, cujos segredos já haviam sido obtidos pela Inglaterra, França, Índia e Argentina, além de Estados Unidos e União Soviética Caluniado e perseguido por inimigos daqui e do exterior, em nenhum momento recuou de seus elevados propósitos.
O pioneirismo da Marinha e da Aeronáutica no desenvolvimento do computador brasileiro, através do ITA (Aeronáutica) e do projeto Cisne Branco (Marinha e Unicamp), comprova a possibilidade de o país apoiar-se em suas Forças Armadas para encontrar alternativas de alargamento de seus horizontes científicos. O submarino nuclear e o caça AMX são produtos desse pioneirismo e persistência louváveis.
A liderança da Aeronáutica no setor aeroespacial e o engajamento da Marinha, de seu Instituto de Pesquisas e da Coordenadoria para Projetos Especiais, responsável pelo Programa Nuclear Paralelo, devem merecer o incentivo, o apoio e o amparo de todos os brasileiros sinceros, do governo, e, particularmente, do Congresso Nacional, através de recursos orçamentários que conduzam o sonho à realidade.
Preservando o acervo científico e tecnológico acumulado, Marinha, Exército e Aeronáutica podem e devem desenvolver sistemas integrados de defesa adaptados ao nosso relevo, clima, solo, vegetação, costa e águas interiores. Operações entre forças de terra, mar e ar, com uso intensivo de informação e comunicação têm sido desenvolvidas principalmente com finalidades de ataque, mas podem muito bem ser empregadas para o adestramento em ações defensivas.
O emprego do poder naval como instrumento de ação política
Da Roma antiga à guerra do Golfo, o poder naval definiu o papel de vencidos e vencedores. Bastou o bloqueio da esquadra romana ao exército de escravos de Espártaco para que o grande guerreiro trácio, espremido entre as legiões e o mar, sofresse sua única e definitiva derrota. Foi a partir de sua superioridade naval que os Estados Unidos impôs ao Iraque a inferioridade em um combate desigual. A Espanha entrou em declínio quando a invencível armada foi destroçada em 1588. E a Inglaterra afirmou seus domínios imperiais quando Lord Nelson comandou a vitória definitiva sobre os franceses em Trafalgar.
Ao mar o Brasil deve sua descoberta, pelo mar consolidamos nossa independência e debruçados sobre o mar temos mais de sete mil quilômetros de fronteiras. "Uma boa diplomacia necessita de uma forte Marinha para apoiá-la", dizia o Barão do Rio Branco com a experiência de negociador exímio e vitorioso dos interesses do Brasil.
Da nossa costa retiramos 70% do petróleo e do gás que consumimos, pelo mar realizamos o grosso de nossas exportações, o nosso litoral guarda imensas metrópoles, o parque industrial e grandes contingentes de nossa população. As bacias amazônica e
as demais que formam nossas águas interiores representam dezenas de milhares de quilômetros navegáveis. Que missão mais nobre e irrecusável poderia ter nosso país para sua Marinha do que a proteção desse patrimônio?
Uma Marinha forte, versátil, adestrada e valorizada é uma garantia para a realização das aspirações nacionais e dos interesses geopolíticos do Brasil. Cuidemos, pois, da nossa Marinha, oferecendo-lhe as condições adequadas para o exercício de sua função e missão. O Brasil precisa do submarino nuclear, arma moderna cuja autonomia o toma indispensável à eficiência operacional de nossa Armada. Se, por um lado, festejamos a certeza de construí-lo, por outro lamentamos as dificuldades orçamentárias que têm atrasado seu calendário.
País grandioso, admirado por muitos povos e nações, o Brasil é também invejado e cobiçado. E aí, meus amigos, cabe a sábia advertência de Karl Marx quando disse que "não se perdoa a uma nação ou a uma mulher o momento de descuido em que o primeiro aventureiro que se apresente as possa violar".
ALDO REBELO é deputado federal pelo PCdoB/SP.
(1) No final de 1996 a Presidência da República divulgou documento acerca da Política de Defesa Nacional. Era a primeira manifestação do poder civil sobre o tema, após o encerramento do ciclo de dominação militar em 1985. Em seguida a Comissão de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados organizou um debate com a participação de especialistas civis e militares, ampliando a discussão no âmbito do Poder Legislativo.
No início de abril deste ano, a Escola de Guerra Naval da Marinha realizou um seminário para discutir "A Visão do Congresso Nacional sobre o papel das Forças Armadas, e o Emprego do Poder Naval como Instrumento de Ação Política". Este artigo é parte das anotações que usei na condição de um dos expositores no seminário.
EDIÇÃO 45, MAI/JUN/JUL, 1997, PÁGINAS 30, 31, 32, 33, 34, 35