Há algum tempo existia uma anedota segundo a qual o problema da agricultura brasileira seria resolvido se o governo fornecesse para cada fazendeiro um trator e um casal de japoneses. O tom jocoso propagava a imagem do brasileiro como um ser de capacidade inferior para o trabalho, partindo de uma afirmação preconceituosa que atribui à nossa suposta inferioridade o problema cultural. Na verdade, nossa jornada de trabalho é uma das mais extensas do mundo.

Entretanto, entre 1985 e 1990 a produtividade na indústria nacional andou para trás ao ritmo de 0,4% ao ano. Em compensação, de 1990 a 1995, segundo o IBGE, a produtividade aumentou 49,5%. Em 1996 o aumento foi de 13,1%, um recorde histórico. Essa grandeza não encontra paralelo na história mundial. Para se ter uma idéia, o Japão, em seu período de crescimento acelerado, entre 1960 e 1975, teve aumento de produtividade anual próximo de 8%. Nos Estados Unidos e na Europa, o ritmo é inferior a 2% ao ano (1).

Se tomamos de maneira isolada, alguns exemplos ultrapassam o aumento médio de 13,1% de 1996. Em 1990 cada trabalhador da Sharp produziu 14 televisores. Em junho de 1995, o número cresceu para 56. Em 1996, cada trabalhador produziu 70 televisores. O ganho foi de 25% em apenas um ano. A Volkswagen produzia, em 1995, 29 veículos para cada funcionário. Em 1996, esse número cresceu para 34. O aumento da produtividade foi de 17,2%. A Siemens faturou, em 1995, 1,1 bilhão de dólares e tinha 9.800 funcionários. Em 1996, o faturamento foi de 1,3 bilhão e o quadro de pessoal caiu para 9.000. O aumento da produtividade foi de quase 30% (2).

Com esses dados caiu por terra a tese de que o problema cultural do brasileiro responde pelo atraso que o país vinha enfrentando em termos de produtividade. Qual é, então, a explicação para essa mudança brusca na capacidade de produção da força de trabalho brasileira? Em primeiro lugar, os investimentos em tecnologia, com a importação maciça de máquinas e equipamentos dotados de alta capacidade tecnológica. (Em entrevista ao “Diário do Comércio & Indústria”, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos – Abimaq – Sérgio Magalhães, acusa o governo de isentar de imposto as máquinas importadas e taxar as nacionais em 30%). O grupo suíço-sueco Asea Brown Bovery, fornecedor de 70% dos robôs industriais disponíveis no Brasil, vendeu nos três primeiros meses deste ano mais do que no ano passado inteiro. Os recursos liberados pelo BNDES para a Finame (Agência Especial de Financiamento Industrial) para a compra de máquinas e equipamentos vem crescendo a um ritmo superior a 100% ao ano desde 1994.

O resultado merece reflexão. No setor têxtil, num sistema de produção com teares convencionais é necessário um trabalhador para cada conjunto de oito a dez máquinas. Com os equipamentos automáticos importados, a relação passa a ser de um funcionário para 24 a 30 máquinas. Os robôs para pintura que o Asea Brown Bovery está fornecendo para todas – literalmente – as montadoras são capazes de, numa única linha, pintar um carro de cada cor num ritmo de 1.000 veículos por dia. São necessários 100 funcionários para supervisionar e controlar toda essa produção. Isso é a metade do que exigia uma linha de pintura em estágio avançado de automação.

A segunda explicação para esse aumento acelerado repousa nas técnicas de organização do trabalho. O envolvimento dos funcionários com a gestão da produção proporcionou substanciais aumentos de produtividade, com redução de quadro. O sistema de equipes de trabalho chega ao ponto de trabalhar sem a figura do chefe imediato, com liberdade para fixar o ritmo da produção, contratar ou demitir colegas e discutir as melhorias no processo. Para ilustrar os efeitos dessas técnicas, basta citar o exemplo da Elida Gibbs, a divisão de produtos de higiene pessoal da Gessy Lever, que atualmente produz 30% a mais com um quadro de pessoal 35% menor.

Dois outros componentes ajudam a explicar o aumento recorde da produtividade: as horas extras e a terceirização. Segundo a Fundação Seade, desde que a Constituição reduziu a jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais dobrou a porcentagem de trabalhadores que fazem horas extras nas indústrias localizadas na região metropolitana de São Paulo. Nos setores de comércio e serviços, o aumento foi de 30%. Com a terceirização, o efeito é o mesmo: as empresas reduzem custos com salários e encargos.

Existe também outro fenômeno chamado por alguns de “terceirização para fora”. Ele ocorre quando uma empresa passa a trazer mais componentes do exterior, em vez de fabricá-los internamente. O efeito é idêntico ao da terceirização. Só que em lugar de um fornecedor interno, busca-se outro lá fora. Segundo o BNDES, entre 1994 e 1995 a participação de matérias-primas importadas no total da produção cresceu mais de 80%.

Qualquer que seja o fator, aumento de produtividade significa intensificação da exploração assalariada. Em um badalado trabalho recente, chamado de A Inserção Externa e o Desenvolvimento, o diretor da área internacional do Banco Central, Gustavo Franco, disse que “há diversas formas de medir a produtividade”. Não é bem assim. A única forma é aferir se a hora trabalhada ficou mais produtiva. “O melhor critério de medição do crescimento de produtividade é aquilo que se agrega de valor, internamente, por cada hora trabalhada”, afirmou o economista da PUC do Rio de Janeiro, Edward Amadeo, em resposta a Franco numa recente entrevista. Outro que contestou a afirmação do diretor do Banco Central, também numa recente entrevista, foi o presidente da Siemens, Hermann Wever. “Crescimento de produtividade é aquilo que cada trabalhador brasileiro adiciona de valor por cada hora trabalhada”, disse ele. “O resto é teoria”.

As máquinas modernas por si só não são capazes de aumentar a produtividade. Elas obrigam os trabalhadores a acelerar a velocidade das operações. Com as novas técnicas de organização do trabalho, muitas vezes os intervalos de parada são eliminados. Além da energia muscular, o trabalhador é obrigado a uma concentração maior, o que ocasiona desgaste psicológico. A tensão emocional é constante e as doenças profissionais crescem assustadoramente. São novas formas de exploração assalariada.

O aumento da produtividade, entretanto, não é um recurso novo. O capitalismo conhece três etapas históricas fundamentais do desenvolvimento industrial para a elevação da produtividade: a cooperação simples nas oficinas capitalistas nas quais o processo de trabalho realizava-se ainda com a técnica manual do artesão, a manufatura em que ainda predominava a técnica artesanal mas já com a divisão do trabalho, e a grande indústria baseada no sistema de máquinas. A substituição das máquinas a vapor por outras movidas a diesel e a eletricidade, combinadas com a adoção das técnicas tayloristas-fordistas – a chamada Segunda Revolução Industrial –, elevou a produtividade de maneira extraordinária. Nos Estados Unidos, entre 1920 e 1927, esse aumento foi de 40%.

Os economistas liberais dizem que as novas tecnologias fomentam a produtividade, reduzem custos de produção e aumentam a oferta de produtos baratos que, por sua vez, aumentam o poder aquisitivo, expandem mercados e geram mais empregos. Basicamente tem sido essa a proposta para aplicar políticas econômicas de conteúdo neoliberal. A história mostra que não é bem assim. Na década de 20, nos Estados Unidos, a renda dos assalariados não cresceu com rapidez suficiente para acompanhar o aumento da produtividade e o resultado foi um desemprego monstruoso e a quebra do mercado de ações em 1929, mergulhando o mundo na mais sinistra depressão da era moderna. Os capitalistas não compreenderam que o seu sucesso era a raiz da crescente crise econômica.

Atualmente, o mundo sente o impacto de uma nova organização da atividade econômica com o advento da Terceira Revolução Industrial, a utilização maciça de computadores e softwares. O potencial de aumento da produtividade dessa nova fase é visto por alguns como a era na qual surgirá o mundo sem trabalhadores. O guru da administração Peter Drucker, um americano cujos livros são festejados por ajudar a simplificar a nova realidade econômica, afirma que “o desaparecimento da mão-de-obra como fator chave da produção emergirá como o crítico assunto pendente da sociedade capitalista”. Ricardo Antunes, no seu livro “Adeus ao Trabalho?”, diz:

“Supor a generalização dessa tendência (a substituição da mão-de-obra por máquinas) sob o capitalismo contemporâneo – nele incluído o enorme contingente de trabalhadores do Terceiro Mundo – seria um enorme despropósito e acarretaria como conseqüência inevitável a própria destruição da economia de mercado, pela incapacidade de integralização do processo de acumulação do capital. Não sendo nem consumidores, nem assalariados, os robôs não poderiam participar do mercado. A simples sobrevivência da economia capitalista estaria, desse modo, comprometida”.

A “metamorfose do trabalho” é um tema sempre presente nas análises econômicas de Marx e Engels. “Sob sua forma máquina (…), o meio de trabalho se torna imediatamente o concorrente do trabalhador. A máquina cria uma população supérflua, isto é, inútil para as necessidades momentâneas da exploração capitalista. (…) Em determinado grau de desenvolvimento, um progresso extraordinário na produção pode ser acompanhado de uma diminuição não só relativa como absoluta do número de operários empregados”, escreveu Marx em O Capital. No artigo “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico”, Engels diz:

“É a força propulsora da anarquia social da produção que converte a capacidade infinita de aperfeiçoamento das máquinas num preceito imperativo, que obriga todo capitalista industrial a melhorar continuamente a sua maquinaria, sob a pena de perecer. Mas melhorar a maquinaria equivale a tornar supérflua uma massa de trabalho humano (…). A expansão dos mercados não pode desenvolver-se ao mesmo ritmo que a produção. A colisão torna-se inevitável”.

No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels escreveram: “A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção e, por conseguinte, as relações de produção.”

Essas afirmações hoje podem ser consideradas constatações da realidade. Com a revolução em curso, há os que dizem que a classe operária está em transição para uma sociedade pós-industrial ou de serviços, na qual o emprego, os estilos e as perspectivas de vida, os materiais e outras coisas serão bem diferentes do que são hoje. O fim da classe operária é contestado pelo historiador Eric Hobsbawn em artigo publicado na Folha de S. Paulo, dia 26 de maio de 1991. “Estatisticamente falando, o fim da classe operária não está à vista”, disse. Hobsbawn afirma que no final da década de 80 os operários constituíam uma porcentagem consideravelmente maior da população ativa do que “nos gloriosos dias dos partidos socialistas proletários e social-democratas inspirados no marxismo”.

Eis aí uma questão polêmica sobre a qual é preciso tomar cuidado com qualquer afirmação, sob o risco de cometer uma precipitação. A tendência não é a de uma nova era de prosperidade para todos. Não se pode ignorar que caminhamos para uma situação em que haverá apenas poucas pessoas trabalhando com alta tecnologia. Milhões de trabalhadores, em todo o mundo, já foram definitivamente excluídos do mercado formal de trabalho. Previsões sombrias quanto ao futuro partem quase todos os dias de estudiosos dos temas sociais. Mas é possível afirmar com segurança que o aumento da produtividade implica em aumento de renda. O problema está na forma como esta renda é apropriada.

Essa contradição elementar remete a reflexão para o atual estágio da evolução da sociedade, cujo ponto central, numa modesta opinião, não é o tamanho da classe operária, mas, sim, o seu papel histórico.

Não é possível imaginar o capitalismo sem classes e luta entre elas. Atualmente, além do desemprego gigantesco, existem muitos fatores que indicam um acirramento dessa luta. Apesar do discurso estar sempre na agenda da Organização Mundial do Comércio (OMC), com ameaça de punição, baixos salários, regimes de super-exploração, trabalho escravo de presos e infantil e restrições à liberdade sindical são cada vez mais frequentes no mundo. As empresas dos países industrializados mudam a base de suas operações para tirar vantagem da mão-de-obra barata nas regiões pobres do planeta.

Recentemente a CUT recebeu alguns folhetos de propaganda sobre o potencial lucrativo de alguns países. A República Dominicana oferece mão-de-obra a um custo, “incluindo benefícios”, de 1 dólar por hora. Bangladesh garante mão-de-obra “produtiva e barata”, com a vantagem de que “a lei proíbe a formação de sindicatos e as greves são ilegais”. A “flexibilização do mercado de trabalho” para tornar a força de trabalho “competitiva” passou a ser uma bandeira mundial do capitalismo. Na verdade, a “flexibilização” é uma forma de dizer que os salários e os direitos trabalhistas serão reduzidos, utilizando uma palavra menos dura. A “flexibilização” é só para baixo.

O aumento da produtividade do trabalho deveria criar condições para a elevação do bem-estar e da cultura da humanidade. A distribuição desses ganhos poderia abrir novas perspectivas de progresso social. Mas o capitalismo impede a utilização dessas possibilidades. Até uma simples redução da jornada de trabalho enfrenta duras resistências. Para os detentores do capital só lhes convêm a apropriação dos ganhos de produtividade, e não a distribuição. Com eles, a economia mundial é apresentada como se estivesse entrando numa nova “era de ouro”, semelhante aos 40 anos que antecederam à Primeira Guerra Mundial, ou aos “30 anos gloriosos” que antecederam à Segunda Guerra Mundial.

Segundo essas perspectivas, os dois fatores que caracterizam os períodos de expansão do capitalismo estão presentes agora: abertura de novas fronteiras de investimentos e consumo – a América Latina, a China e o Leste Europeu – e a inovação tecnológica. O presidente americano, Bill Clinton, destaca frequentemente que a biotecnologia gerou mais de 97 mil empregos nos últimos dez anos – uma suposta prova de que as novas tecnologias criam postos de trabalho. O problema é que o dobro desse número em emprego foi eliminado apenas em 1993 nos Estados Unidos.

Esse é um ciclo da economia carregado de contradições. É no mínimo arriscado apostar numa estabilidade geopolítica que servirá de base sólida para a nova “era de ouro”. Como se comportarão a China, a América Latina e o Leste Europeu diante das guerras comerciais que se armam entre os blocos imperialistas? E os trabalhadores, que por enquanto já contabilizam um bilhão de desempregados no mundo? São perguntas sobre as quais não se pode dar respostas categóricas.

Mas a tendência não é de paz e sossego. Às portas da “era de ouro” encontram-se milhões de famintos e um exército de miseráveis. Alan Greespan, presidente do banco central americano, recentemente declarou: “A história está cheia de visões de novas eras que, no final, mostraram ser apenas miragem”. A fase atual do capitalismo, denominada de neoliberalismo, procura sobrevida com palavras grandiloquentes e vazias para encobrir sua fragilidade. Mas, para terminar, não custa lembrar as palavras de Marx que em outras épocas se mostraram proféticas: “As transformações sociais nunca se realizam graças à fraqueza dos fortes, mas sempre graças à foça dos fracos”.

* Diretor do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.

Notas
(1) Variação Percentual do Indicador de Produtividade do Número de Horas Pagas na Produção por Classes e Gêneros da Indústria. Fonte: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/ Departamento de Pesquisa/ Departamento Indústria (DEIND).
(2) Para melhor visualização sobre a produtividade na indústria de São Paulo ver a publicação da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), Produtividade e ajuste na indústria paulista. São Paulo: SEADE, 1995.

EDIÇÃO 46, AGO/SET/OUT, 1997, PÁGINAS 19, 20, 21, 22