História de uma revolta anunciada
Na segunda quinzena de janeiro, a Albânia explodiu em consequência da bancarrota das pirâmides, uma espécie de investimento miraculoso, engendrado para extorquir a economia popular pelas máfias que passaram a dominar a economia do país. O estopim ardeu sobre o barril de pólvora das contradições, desesperança e mazelas que a população acumulou nos anos da transição da volta para o capitalismo. O relato da crise que publicamos saiu originalmente em abril de 1997, no Bulletin Contre la Repression en Albanie, publicado em Paris pelo Comitê Nexhmije Hoxha. Depois dessa data, a crise evoluiu para a anistia de Fatos Nano, líder do Partido Socialista (ex-comunista), que estava cumprindo pena de 12 anos de prisão, pela realização das eleições de 29 de junho, vencidas pelos ex-comunistas e, finalmente, pela renúncia de Sali Berisha à presidência da república, em 23 de julho (JCR).
Durante os anos 1980, a Albânia oferecia a imagem de um bem estar modesto onde a miséria havia sido erradicada. O país foi inteiramente eletrificado desde 1971, os pântanos drenados desde os anos 1950, o campo inteiramente irrigado e a cultura em tabuleiros desenvolvida. O país era auto-suficiente em cereais para panificação desde 1976 (atualmente importa 50% do seu consumo), era auto-suficiente em petróleo, produzia e exportava cobre em arame, era o terceiro produtor mundial de cromo. Atualmente, as minas estão fechadas, como todas as fábricas e a maioria das granjas.
Cada aldeia tinha infra-estrutura médica (ambulatório, gabinete dentário, maternidade) e escolar. A universidade de Tirana formava profissionais de bom nível.
A Albânia foi atingida em cheio pela crise econômica e depois pelo colapso dos “países do Leste” com os quais efetuava a maioria de suas permutas. As condições de vida se deterioraram rapidamente. Os albaneses, ainda que não reconheçam, passavam horas vendo as televisões ocidentais, vitrines da economia de mercado, verdadeiros espelhos-mágicos, e sonhavam com Dallas e os paraísos capitalistas.
Para evitar um banho de sangue, Ramiz Alia renunciou ante as manifestações anti-governamentais. Sali Berisha, apoiado pelos ocidentais, como eles próprios reconhecem, tomou o poder.
O poder de Sali Berisha
Depois de ter sido por 20 anos membro do Partido do Trabalho da Albânia, onde assumiu responsabilidades, Sali Berisha prometeu erradicar todas as lembranças do regime anterior. Foi o que ele fez, ou quase fez: distribuiu as terras das fazendas e cooperativas para os camponeses, mas as parcelas são pequenas demais para alimentar uma família já que a irrigação e as centrais de máquinas e tratores foram destruídas. Alguns preferem cultivar o haxixe, a coca, mais rentáveis.
Eleito em 1992, apresentado como um salvador pelos ocidentais, Sali Berisha resolveu assentar seu poder aplicando o velho ditado “dividir para governar”. Ele tentou ressuscitar o espírito de clã entre o norte e o sul glorificando práticas ultrapassadas. Assim a vendetta (vingança) que só assolava o norte do país, fez em 5 anos dezenas de vítimas, levantando umas famílias contra as outras, reavivando um espírito de clã digno da Idade Média.
Muitas escolas estão em mãos das religiões (islâmica, católica, ortodoxa, ou de numerosas seitas, principalmente, americanas). Atraem os alunos oferecendo às famílias um dólar por dia. Berisha rodeou-se de uma política secreta e de capangas do norte, isto é, do seu feudo, na maioria egressos de prisão. Eles fizeram reinar a nova ordem, perseguindo jornalistas, artistas, militantes da oposição por todo o país. Os opositores foram raptados, seviciados, assassinados na rua ou nas delegacias. O que provocou, como os nossos leitores sabem, os protestos das organizações internacionais de direitos humanos.
Paralelamente organizou-se uma verdadeira caça às bruxas vingativa. Os responsáveis pelo regime anterior foram condenados. Assim, Nexhmije Hoxha que ficou mais de 5 anos na prisão por ter recebido o equivalente a 19 francos por dia de pensão de reversão (ver nota) e oferecido “xícaras de café demais”. Fatos Nano, dirigente da oposição e primeiro ministro de fevereiro a julho de 1991, foi condenado a 11 anos depois de um processo forjado, etc.
Em 1994, a Albânia ainda vivia sob a constituição de 1976. Era preciso elaborar outra, adaptada à economia de mercado. Na falta da maioria de 2/3 no parlamento, o projeto de Constituição foi submetido a sufrágio popular no dia 6 de novembro de 1994: 58,3% disseram não. O Partido Democrático vendo seu poder em perigo, se organizou tendo em vista as eleições legislativas e comunais. A política secreta (SHIK) e os capangas ampliaram o terror, aumentando a repressão contra a oposição. A lei dita “antigenocídio e contra os crimes contra a humanidade” permitiu impedir o grande número de opositores de se apresentar nas eleições. Permitiu também, levar ao tribunal e condenar os responsáveis do regime anterior, os heróis da luta de libertação que gozam do respeito do povo. Shefquet Peci morreu na prisão, com 89 anos depois de 20 dias de greve de fome.
A campanha eleitoral se desenrolou em clima de medo e as eleições foram escandalosamente fraudadas, como reconheceram os observadores internacionais.
Depois que o Partido Socialista se retirou das eleições, o congresso albanês ficou com 112 deputados do Partido Democrático, em 140 cadeiras. Lá estão os antigos colaboracionistas da Segunda Guerra Mundial.
Na véspera da queda das pirâmides financeiras, a Albânia é uma república de fachada onde nenhuma instituição é independente de Sali Berisha e seu partido.
O sistema das pirâmides financeiras
Em uma economia devastada, o governo Berisha foi encostado no muro para mostrar a superioridade da economia de mercado apresentada como um novo eldorado. Foi assim que se desenvolveram todas as espécies de tráficos (automóveis, drogas, armas, prostituição, órgãos…) organizados pelas máfias próximas ao poder. Mas nem todos podem ser mafiosos.
Para adiar o desmoronamento econômico do país e assegurar a adesão popular, foi preciso encontrar outra coisa: as sociedades financeiras usuárias, ditas piramidais. Elas surgiram desde 1992 e atingiram o apogeu em 1996. Com elas, os “homens de negócios” sem escrúpulos atingiram o objetivo com uma só tacada. Elas serviram principalmente para lavar dinheiro, inclusive o da máfia, e depois para absorver o dinheiro do povo. Os particulares depositavam suas economias e recebiam os lucros provenientes dos depósitos seguintes. As sociedades prometiam ganhos de 30 a 100% por mês, quando a inflação era de 20% ao ano. E todos venderam seu apartamento, seu rebanho, seus livros, seus móveis, e aplicaram o dinheiro ganho pelos filhos e maridos emigrados”. A ajuda da Europa (3 bilhões de francos) foi assim desviada para o proveito dos membros da nova classe criminosa do país” disse o periódico Almaric-Libération, de 6 de março de 1997.
No dia 17 de novembro de 1996, Vefa Holding festejou seus 5 anos. Seu presidente, o homem mais rico do país, parente de Sali Berisha, reuniu a imprensa. Agradeceu ao FMI nos seguintes termos: “dê-nos 50.000.000 de dólares, nós os transformaremos em 100.000.000 de dólares que poderemos investir na Albânia”. O que tinha de acontecer, aconteceu. Sem depósitos suficientes, no dia 20 de dezembro de 1996, Souda, a diretora da sociedade piramidal Sude “sai de férias”.
Das manifestações à insurreição
Para compreender bem a natureza dos acontecimentos, é preciso avaliar a angústia dos albaneses. Em um país onde a maioria das pessoas em idade de trabalhar está desempregada, os “juros” eram o único meio de sustentar uma família.
Aqueles que conheceram a Albânia antes só podem ficar perturbados vendo algumas cenas na televisão: na praça Skanderberg em Tirana, uma meninazinha de cerca de dois anos está deitada sobre cobertas pobres, os transeuntes colocam notas de 1 lek sobre seu peito.
O centro de transfusão de sangue fica repleto de doadores. Um homem declara: “não tenho trabalho, não tenho mais dinheiro para comprar
pão, tenho duas crianças para alimentar”, uma mulher de 45 anos “nós somos três, é a nossa única fonte de renda”.
Os pobres vivem de esmolas em estabelecimentos públicos. Fatin M. tem 55 anos, vive de esmolas depois de ter perdido todas as economias. Ela tem 7 filhos. “Antigamente, diz ela, as coisas eram difíceis, mas pelo menos podia-se comprar o que comer”. A partir de 25 de janeiro, 35.000 pessoas manifestam-se nas ruas de Tirana: “Berisha, devolva-nos o nosso dinheiro, Berisha, demissão”. Há numerosos feridos na repressão. Berisha acusa os “vermelhos” e os terroristas de manipular os manisfestantes.
A polícia secreta (SHIK) e a polícia particular do Partido Democrático fazem reinar o terror, fecham a cidade, multiplicam as prisões dos opositores políticos. Bandidos incendeiam a sede do jornal Kona Jone, depois de uma hora de ataque sob os olhos complacentes da polícia. As manifestações da oposição são proibidas. Dirigentes políticos são acusados pela violência das manifestações. Durante um mês, as manifestações se tornaram cada vez mais violentas nas províncias. 500 militantes da oposição são presos em todo o país. Os manifestantes reclamam sempre o seu dinheiro, a demissão de Sali Berisha, a libertação dos prisioneiros, o diálogo com a oposição, eleições antecipadas. Berisha recusa o diálogo, mas promete o reembolso dos depósitos nas sociedades piramidais para o dia 5 de fevereiro. Ninguém acredita. Dezenas de milhares de albaneses acompanham o enterro do primeiro morto à bala e os slogans são cada vez mais políticos. O parlamento reforça os poderes do presidente e ele manda forças especiais, que são expulsas de Vlora a pedradas. Enquanto as forças tentam prender os estudantes em greve de fome (para conseguir a saída de Berisha, eleições antecipadas e a libertação das pessoas presas durante as manifestações), 30.000 habitantes de Vlora tomam de assalto os quartéis e se apossam das armas. Em 3 e 4 de março, a população de Saranda e Delvine toma as cidades e as armas, após duros combates com a polícia em helicópteros. Há dezenas de mortos. Dois pilotos de Migs fogem para a Itália, onde pedem asilo político.
Reforços vindos de Tirana tentam bloquear as estradas para cercar a região. Os blockhauss (abrigos) construídos no regime anterior para que o povo pudesse se defender no caso de agressão externa, servem para os insurretos rechaçarem para o norte as forças de Sali Berisha.
Nas cidades, a polícia civil multiplica as provocações. Alguns reconhecem receber 5.000 dólares por cada “ação”. Os amotinados tomam todos os portos do sul e principalmente a base marítima de Pacha Liman (Vlora). Um oficial que se recusou a atirar declara “não eram rebeldes ou bandos mas o povo da cidade”. Depois disso, os militares fogem, outros passam maciçamente para o lado da população. É também o caso da base aérea de Kucova.
Em todas as cidades as sedes do Partido Democrático e da polícia são incendiados, os entrepostos e as lojas pertencentes às pirâmides são saqueados, assim como os edifícios do Estado. A casa suntuosa de Sali Berisha em Vlora é sistematicamente saqueada.
No dia 12 de março, um quarto do país está controlado pela população. As forças governamentais se retiram a 50 km ao sul de Tirana.
No dia 13 de março, as cidades do norte, Shkodra, Lezna, são controladas pela população que empunha as armas. Só as duas povoações do extremo nordeste apoiam abertamente Sali Berisha.
A insurreição se organiza
É preciso lembrar que os albaneses têm o hábito de possuir armas. É costume nas aldeias, e sob o poder popular, as armas se encontravam nos locais de trabalho e nos colégios. Os albaneses, até o final dos anos 80, aprenderam todos, homens e mulheres, a usar armas.
Hoje, eles são recrutados pelos oficiais demitidos por Berisha e pelos que desertaram depois dos acontecimentos populares.
O discurso é sempre o mesmo: “ele roubou nossos votos nas eleições, depois o nosso dinheiro nas pirâmides, agora ele provoca a guerra civil”. Por todos os lados, exige-se eleições antecipadas e a demissão de Berisha.
Em Saranda, uma comissão municipal é eleita a partir de 3 de março. Um ex-coronel, expulso do exército há dois anos, Xhevat Kooiu, desempenha um papel importante, rodeado de “notáveis” da cidade.
Em Vlora, um ex-general, Skender Sera, está no comitê de salvação pública composto de 31 membros e que compreende ex-membros do Partido do Trabalho da Albânia e desertores do poder.
Em Girokaster, um ex-coronel, Agim Ghozita, expulso do exército há 18 meses, está entre as pessoas aprovadas pela população. Todos os representantes das cidades se reagruparam em um comitê único que representa todas as cidades amotinadas.
Há reuniões públicas a cada dia nas cidades. As tarefas são múltiplas: “a manutenção da ordem” é uma delas. Os jovens de menos de 16 anos perdem o direito de usar armas. É verdade que houve “loucos do gatilho”, balas perdidas, mas a mídia exagerou muito. No princípio, houve “delírios” de alegria, salva de honra nos funerais das vítimas, mortos sempre em conseqüência das provocações da polícia secreta e das máfias. Os comitês devem assegurar também o abastecimento de víveres. A tarefa mais difícil é sem dúvida neutralizar os mafiosos em Vlora, que é um dos seus maiores redutos e mesmo em Saranda. Eles, nesses lugares, fazem a lei há cinco anos, com a proteção da polícia particular.
O caso especial de Tirana e sua região
Sede do poder, Tirana é desde o início dos acontecimentos, um microcosmo. Durante as primeiras semanas, Sali Berisha se recusa a encarar qualquer solução política. No dia 3 de março, ele destituiu e mandou prender o comandante-chefe dos exércitos e vários oficiais e proclamou o estado de emergência sob o comando do chefe da polícia secreta.
Estabeleceu a censura prévia para toda a mídia e o black out sobre as televisões e rádios FMs estrangeiras. Manda cortar as linhas telefônicas, fechar as escolas e universidades, proibiu a reunião de mais de quatro pessoas e decretou o toque de recolher. A cidade foi cercada. No dia 4 de março ele se faz reeleger Presidente da república pelo parlamento sob seu comando. Os deputados traziam revólver na cintura, um deles faz a saudação fascista, outro foi repreendido por ter aplaudido sem entusiasmo. Aos insurretos que exigiam sua demissão, ele anuncia a do ministro Aleksander Meksi e de seu governo. No dia 6 de março o Fórum Democrático composto por todos os partidos de oposição propõe um “compromisso moral” para a deposição das armas.
Os Estados Unidos dizem que Berisha deveria renunciar. No dia 9 de março, ele fez um acordo com os europeus, demitiu o chefe do SHIK, anunciou eleições antecipadas e a criação de um governo de reconciliação no qual a oposição irá participar.
As confabulações para a composição do governo duram vários dias; no dia 12 de março, Bashkim Fino (Partido Socialista) foi nomeado primeiro ministro.
O governo compreende, então, representantes de todas as tendências políticas; o ministro do Interior é membro do Partido Democrático, de Berisha.
O novo primeiro-ministro quer preservar a ordem constitucional (a Constituição ainda não foi aprovada pelo povo!…) e manter Sali Berisha no posto de presidente para salvaguardar a legalidade (as eleições legislativas foram fraudadas como reconheceram as instâncias internacionais). Os representantes das grandes potências européias se manifestaram nesse sentido. Assim, Sali Berisha teve que recuar ante a pressão popular, mas salvou seu posto e aumentou ao mesmo tempo consideravelmente a força da polícia secreta e de sua milícia particular.
No dia 13 de março em poucas horas, todos os policiais desapareceram misteriosamente de Tirana. Os quartéis são “saqueados” sem nenhuma oposição de nenhuma força da ordem, por alguns indivíduos e não por toda a população como aconteceu na província. Os depósitos de farinha são saqueados. Os presos saem sem problemas da prisão que os guardas abandonaram. Entre eles, Fatos Nano que veremos em entrevistas na televisão e Ramiz Alia do qual não temos notícia, como dos outros 40 prisioneiros políticos.
No dia seguinte, o salário dos policiais e dos militares é multiplicado por três. Novos policiais são recrutados por 400 dólares por mês, entre eles, desempregados, mafiosos, prisioneiros recentemente saídos de prisões.
Dois dias mais tarde, quando a evacuação dos estrangeiros está terminada, a polícia reaparece. Patrulha Tirana com tanques. Certos policiais usam uniformes novos em folha, outros estão à paisana, e têm atitudes que não correspondem nada ao que se imagina para as forças da ordem. Albaneses privilegiados como os filhos de Sali Berisha e dos membros do Partido Democrático foram embora para a Itália com os estrangeiros, mas há muitos que querem fugir. As imagens da televisão mostram um estranho balé: milhares de pessoas no porto de Durres, mafiosos encapuçados armados exigem dinheiro para os candidatos à partida (3 a 5.000 francos por pessoa) sob os olhos indiferentes da polícia uniformizada que enxotará, depois da saída dos barcos, aqueles que não puderam embarcar.
Para ter uma idéia da atmosfera em Tirana, eis palavra por palavra o comentário das imagens do canal de tevê francês, France 3 no dia 20 de março: “desorganização total das estruturas do Estado, os chefes dos insurretos e as autoridades governamentais não têm a autoridade necessária para exercer o poder. O presidente se agarra à sua cadeira e organizou para sua proteção uma milícia formada pelos membros do seu partido que participa com a polícia das patrulhas incessantes necessárias para que o toque de recolher seja respeitado. Depois das 19 horas em Tirana, essas forças de ordem heteróclitas fazem imperar sua lei. Na noite passada 17 pessoas foram mortas na capital, das quais 5 crianças. No dia seguinte, os comunicados anunciam 9 mortes e ajustes de contas.
Onde estamos atualmente?
Depois de mais de dois meses de “desordens” na Albânia, os observadores só concordam quanto ao número de mortos – mais de 200 – e de feridos – cerca de 800. A ameaça da guerra civil foi aventada pelo presidente Sali Berisha: os “vermelhos” (Partido Socialista) contra os democratas, o sul contra o norte. Hoje os “vermelhos” em questão governam com Sali Berisha e a população do norte, na sua grande maioria, tem as mesmas exigências que a do sul.
Um jornalista da Euronews reconhece que não há nem ódio étnico nem fanatismo nacionalista ou religioso entre a população. Na realidade, não há nenhum ministro de nenhum culto nas manifestações.
Acontece que uma situação objetiva estourou com a queda das pirâmides e que diferentes forças tentam tomar a direção ou controlá-la.
O Comitê Nacional da Salvação Pública (insurretos): Não é contornável porque as delegações européias, assim como o primeiro ministro Bashkim Fino, se encontraram com ele. Esta última reunião terminou em fracasso pois os “insurretos continuaram a exigir a saída de Sali Berisha para depor as armas”. O presidente espera a deterioração da situação. Com efeito, na falta de uma direção homogênea, as dissenções não podem deixar de aparecer no seio desse comitê que apóia o governo Fino, sob a condição de que seja capaz de impor reformas democráticas e de pôr fim à corrupção.
Desunido quanto à oportunidade de criar um Conselho presidencial paralelo, o Comitê corre o risco de se separar da população e deixar mais e mais espaço para a máfia.
As máfias: Não têm todos os mesmos interesses. Alguns, como em Tirana, se aliam às forças presidenciais, outros tentam controlar as cidades “insurretas” e pedem a partida de Sali Berisha. É uma encruzilhada importante para o futuro da Albânia. De um lado, o povo que se levantou em um levante anti-máfia, do outro os mafiosos que sonham fazer da Albânia a ”Colômbia da Europa”.
Na realidade, no dia 27 de março, uma batalha entre os mafiosos e os camponeses atacados teve 18 mortos perto de Fiei.
O Estado: O presidente da República e o governo de reconciliação nacional coabitam, segundo o desejo dos europeus, mas eles não cooperam.
Sali Berisha reforçou consideravelmente a polícia secreta (SHIK) e sua milícia particular que “fazem a lei”. Se ele não pode mais exercer o poder por causa do governo, ele o faz por intermédio dos parlamentares (maioria absoluta do seu partido) que convoca para dar as diretrizes. Assim, os deputados já se recusaram a votar duas leis que tinham o objetivo de estabelecer a liberdade de informação. A lei sobre o SHIK que o governo Fino prepara terá o mesmo destino. Os partidos de oposição, os Comitês de Salvação Pública, a população podem não se contentar por muito tempo com essa impotência. O Presidente e o governo só estão unidos em dois pontos. Eles pedem a deposição das armas e a intervenção de uma força internacional.
Os ocidentais: Aí também os interesses divergem. Os Estados Unidos abandonaram Sali Berisha.
A decisão de uma intervenção militar de envergadura com o objetivo de desarmar a população não é
fácil.
Jacques Delors fez notar que uma intervenção na Albânia seria perigosa e acarretaria pesadas perdas. Faros Nano declarou a um jornalista que os estrangeiros poderiam ter suas armas tomadas pela população, como aconteceu antes com o exército albanês. (A população está armada e os pequenos abrigos (bunkers) ainda existem).
No dia 26 de março uma missão civil chegou a Tirana composta de técnicos da OSCE, da União Européia e do Conselho da Europa. Ela está encarregada de ajudar na democratização do país, na preparação das eleições. Ela deve também avaliar os meios policiais necessários para restaurar a ordem no país.
A França, a Grécia e a Itália são voluntárias para uma “força militar de proteção”.
Finalmente, ninguém pode ignorar a geopolítica dessa região dos Balcãs, herdada da retaliação feita pelas grandes potências no começo do século. Noventa por cento dos habitantes do Kosovo e 40% da Macedônia são albaneses.
Enquanto quarenta navios de guerra patrulham no Adriático, o Conselho da ONU, dá seu sinal vermelho para o “envio de um número reduzido de tropas européias para proteger o auxílio humanitário, sob a direção da Itália”. Na realidade um contingente de 2.500 a 5.000 homens.
* Escrito em 28-03-1997, e publicado originalmente no Bulletin contra la represion en Albanie, n. 10/11, abril, 1997. Tradução para o português de Nair Almeida Salles.
EDIÇÃO 46, AGO/SET/OUT, 1997, PÁGINAS 38, 39, 40, 41, 42