O novo ataque do império
A histeria anticubana nos Estados Unidos desdobrou-se, nos últimos meses, em ações de governo típicas do velho colonialismo das canhoneiras, que parecia extinto há muito tempo. Característica desses tempos de predomínio direitista, a ofensiva imperialista contra os povos recuperou, na legislação norte-americana, o caduco instituto da extra-territorialidade. Isto é, a imposição das leis de um país aos negócios internos de outros. No passado, as potências coloniais usaram esse instituto para proteger seus súditos ou cidadãos, cujos crimes e infrações eram julgados, não pelas leis dos países onde agiam, quase sempre de forma nociva aos interesses dos povos que os hospedavam, mas pelas leis e juízes da metrópole.
A lei Helms-Burton, aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos e sancionada pelo presidente Clinton em julho de 1996 para entrar em vigor seis meses depois, está rigorosamente dentro deste espírito da extra-territorialidade. Ela impede que empresas e cidadãos de outros países, que mantenham negócios com Cuba operem nos Estados Unidos ou vendam para o seu mercado. Isto é, descaradamente, o imperialismo norte-americano afronta o direito internacional, pretendendo que uma lei interna seja cumprida por cidadãos e empresas de outras nações.
A pretensão dos norte-americanos provocou fortes reações, principalmente das nações européias que, tendo ou não negócios com Cuba, preocupam-se em defender sua soberania e o direito de seus cidadãos e empresas fazerem negócios com todos os povos. No começo deste ano, a União Européia denunciou a lei Helms-Burton perante a Organização Mundial do Comércio (OMC), que nomeou uma comissão para julgar a interpelação. Mas a questão não chegou a ser deliberada pela comissão, pois o governo norte-americano, precavidamente, aceitou um acordo para solucionar a questão, prevendo negociações de uma política comum entre a Europa e os Estados Unidos em relação a Cuba. Os norte-americanos comprometeram-se a alterar a lei, tornando-a mais flexível, e os europeus a retirar a queixa feita junto à OMC.
Entretanto, no mês de maio, numa sessão secreta, o Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou regras que tornaram a lei Helms-Burton ainda mais dura e ao mesmo tempo previu o financiamento de atividades contra o governo cubano (ver em seguida a nota do Partido Comunista de Cuba).
O lobby anticubano é forte e atuante nos Estados Unidos, e o governo do presidente Clinton curva-se a ele. Entretanto, é falsa a imagem de que essa pusilanimidade seja unânime no país, onde se multiplicam sinais de simpatia para com a pátria de José Marti, Fidel Castro e Che Guevara. Em junho, mais de uma dezena de congressistas norte-americanos iniciaram a discussão de propostas para acabar com o bloqueio de alimentos e atenuar a proibição de exportação de remédios a Cuba. No começo de julho, quando o presidente da Assembléia Nacional de Cuba, Ricardo Alarcon, esteve em Nova York para participar do Encontro da Terra, na ONU, a Igreja Episcopal de Santa Maria, no Harlem, fez um ato de solidariedade a Cuba, com a presença de Alarcon e de representantes da organização Pastores pela Paz, da Brigada Venceremos, dos partidos Mundo Obrero, Comunista e Socialista, integrantes de organizações de Porto Rico, Haiti, República Dominicana e cubanos norte-americanos.
O reverendo Robert Castle manifestou o orgulho de sua comunidade em oferecer o local para aquela manifestação. “A bandeira de Cuba está no altar”, disse ele, “porque esse lugar significa sacrifício, porque a pequena ilha do Caribe é um símbolo de luta contra o bloqueio dos Estados Unidos”.
A imagem anticastrista dos cubanos emigrados é muito forte, mas pode ser injusta. É forte entre eles a corrente daqueles que se opõem ao bloqueio norte-americano. Walfrido Moreno, dirigente da Aliança dos Trabalhadores da Comunidade Cubana denuncia o clima de terror imposto pelos grupos cubanos ultra-direitistas, que impedem a manifestação livre da opinião daqueles que se opõem à política anti-cubana dos Estados Unidos. Ele calcula que 99% dos cubanos imigrados são contra o bloqueio. Muitos precisam enviar medicamentos para seus parentes em Cuba, mas são impedidos pelos membros da ultradireitista Alpha 66 e a Brigada 2506.
Há sinais de que as ações contra Cuba não se limitam a ações contra o comércio ou suas relações internacionais. Em julho, Cuba tornou-se a primeira nação a fazer uso do direito que a legislação internacional contra armas químicas (a convenção de 1972 e sua complementação de 1991) dá aos países vítimas de agressão biológica de exigir uma reunião consultiva oficial para apurar as suspeitas.
Os documentos apresentados pelo governo cubano para justificar seu pedido de investigação mostram que o avião S2R, norte-americano, de matrícula N3093M, sobrevoou a ilha em 21 de outubro de 1996, tendo sido flagrado pela tripulação de um avião da Cubana de Aviación quando borrifava, de maneira intermitente, substâncias desconhecidas sobre o território cubano. Dois meses mais tarde, em dezembro, apareceram na província de Matanzas os primeiros indícios da presença do inseto “thrips palm karny”, uma praga que atacava o cultivo de batatas. Mais tarde, comprovou-se que se tratava de uma variedade do inseto nunca então observada em Cuba.
A seguir, a íntegra da nota do Partido Comunista de Cuba sobre a tentativa de tornar a lei Helms-Burton mais rigorosa.
O intervencionismo dos Estados Unidos ameaça Cuba e as nações do mundo
Aos partidos e organizações amigos
Como vocês já devem ter conhecimento, no dia 6 de maio o Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos da América do Norte aprovou dez emendas à Lei sobre Reforma da Política Exterior para endurecer o bloqueio contra Cuba e destinar fundos para atividades de subversão interna. Alguns dos projetos se incorporaram à Lei Helms-Burton com o propósito de torná-la ainda mais rigorosa, enquanto outros modificam legislações anteriores.
As emendas tornam mais pesadas as medidas de chantagem e represália contra os países que mantêm relações mutuamente vantajosas com Cuba; aprovam e regulam a destinação de fundos para grupos contra-revolucionários internos; introduzem modificações nas transmissões de rádio e televisão dirigidos ilegalmente para Cuba e abrem precedentes que, de fato, ampliam as prerrogativas do Congresso em matéria de política exterior em detrimento das do Poder Executivo.
Com o objetivo de minimizar qualquer oposição que estas emendas poderiam suscitar em outras instâncias legislativas e executivas, os membros do Comitê de Relações Exteriores da Câmara realizaram todo o processo no mais absoluto sigilo, para apresentá-lo como um fato consumado. A imprensa norte-americana, por sua parte, ignorou completamente o assunto. Uma vez alcançado seu objetivo, o pequeno grupo de legisladores de origem cubana, que encabeçava esta ofensiva, divulgou a intenção de produzir legislações adicionais, entre as quais se inclui a cobrança de um imposto das empresas de outros países que comercializem com Cuba.
As atuais manobras anti-cubanas se somam à grande lista de agressões, hostilidades, tentativas de isolamento e asfixia que todos os governos norte-americanos, desde Eisenhower, têm realizado, em vão, para colocar Cuba no caminho de volta ao neocolonialismo. Tais políticas estão condenadas ao fracasso, mas prejudicam e encarecem a obra do povo cubano de construção de um desenvolvimento sustentável com democracia, justiça e igualdade.
Ao denunciar energicamente esta nova escalada de agressões contra nosso povo, o Partido Comunista de Cuba alerta aos partidos e movimentos políticos do mundo que a atitude do governo e do Congresso dos Estados Unidos não se aplica exclusivamente pela sua obsessão em destruir a Revolução Cubana. O bloqueio contra Cuba, incluída a Lei Helms-Burton e suas modificações posteriores, é somente a expressão mais evidente e descarada de uma política mundial destinada a afirmar o “direito supremo” que este país se atribui de tutelar as relações internacionais e intervir nos assuntos internos de outros países. Esse processo compreende a afirmação da faculdade de decidir quais devem ser os padrões de conduta de outras nações, as características de seus respectivos sistemas políticos, a composição “adequada” de seus governos e legislaturas, assim como estabelecer as condições em que podem ou não ter acesso ao mercado mundial.
A Lei Helms-Burton e suas propostas de modificação são medidas que não só violam a soberania de Cuba e o direito dos países ao livre comércio, como ratificam os métodos e mecanismos que já estão incorporados ao arsenal dos procedimentos gerais do governo e do Congresso dos Estados Unidos, para serem utilizados contra outras nações, com o objetivo de fazer prevalecer seus interesses mesquinhos no atual processo mundial de redefinição das relações econômicas, políticas e militares.
Paralelamente, é preocupante constatar como um pequeno grupo de legisladores tem a capacidade de impor sua monotemática com a complacência e tolerância do Congresso e do presidente. O pacote legislativo anticubano, aprovado pelo Comitê de Relações Exteriores da Câmara em sessão secreta abre um precedente com graves implicações para o próprio sistema político dos Estados Unidos, especialmente em uma conjuntura onde ganham força, naquele país, correntes racistas, chauvinistas e beligerantes de ultradireita. Tais mutações constituem também o germe de um novo foco de insegurança nas relações internacionais, porque legitimam a utilização de processos conspirativos para o projeto da política norte-americana.
Frente a esta nova ofensiva intervencionista dos Estados Unidos, Cuba faz um chamado à solidariedade de outras nações, suas forças políticas e de seus povos. Solidariedade que joga e jogará um papel destacado na defesa dos melhores interesses da humanidade.
Mas essa solidariedade não é apenas com Cuba. Estamos diante de um problema comum que devemos enfrentar unidos: na medida que se permita tal política intervencionista avance com relação a Cuba, o espírito da Lei Helms-Burton se estenderá às relações dos Estados Unidos com o resto do mundo, como já está fazendo em numerosos casos. Por isso, devemos reagir energicamente.
Se for útil ou necessário maiores informações sobre as medidas aprovadas no Comitê da Câmara de Representantes, as Embaixadas de Cuba poderão passar todas as informações a respeito.
Cidade de Havana, junho de 1997.
Departamento de Relações Internacionais/Comitê Central do Partido Comunista de Cuba.
EDIÇÃO 46, AGO/SET/OUT, 1997, PÁGINAS 43, 44