O livro Cinegramas: estudo preliminar da tomada cinematográfica, do autor peruano Ichi Terukina, veio para suprir uma lacuna na Teoria Clássica do Cinema. Transcorridos mais de 100 anos desde o seu surgimento, persiste, ainda grande dificuldade para se desenvolver uma teoria à altura deste fenômeno: uma teoria que entenda, amiúde, o movimento visual.

Terukina porta-se, perante o fenômeno cinematográfico, como um cientista que, tendo como objeto de estudo os corpos físicos macroscópicos, busca em sua microcélula, as leis que determinam esse fenômeno maior. Estuda, detalhadamente, o comportamento microscópico do fenômeno cinematográfico, sem entrar no mérito técnico do mesmo. O livro é, portanto, inovador do ponto de vista metodológico, pois aborda uma questão comumente desprezada pela maioria dos teóricos dessa arte: as leis intrínsecas da tomada cinematográfica.

Propõe-se erradicar contradições arraigadas na teoria tradicional, buscando novos conceitos que possam ser aplicados com maior coerência dentro desse corpo teórico. Terukina lança nova luz e polemiza com boa parte dos estudos já realizados. Em primeiro lugar, discorda que o cinema baseia-se na “ilusão do movimento”. Segundo ele, o movimento visual gerado no cinema é a realização concreta do mesmo. Não há ninguém que não o perceba objetivamente. Na pintura, por exemplo, existe um movimento sugerido e que não é o mesmo para cada observador: o movimento subjetivo (Terukina irá, inclusive, buscar na pintura, a gênesis do movimento cinematográfico). No cinema não. O movimento dá-se concretamente. O cinema é, portanto, a plena realização deste em toda sua concretude, o que já vinha sendo buscado na imagem visual estática das artes plásticas.

Em segundo lugar, o autor desvencilha-se da visão contaminada pelo fotografismo; o ponto de vista que parte do pressuposto de que o cinema surgiu quando da invenção do cinematógrafo, pelos Irmãos Lumiére. O que não é verdade, uma vez que o conceito de cinema (unanimemente aceito) não é “fotografia em movimento”, mas imagem em movimento; sejam estas imagens produzidas a partir do processo fotográfico ou não.

Esta mudança de prisma traz, dentre outras, uma consequência inevitável: a conclusão de que antes do aparecimento do cinematógrafo, o cinema já existia. De fato, com o Teatro Óptico de Emille Reynaud, o cinema, enquanto imagem em movimento, já tinha se realizado plenamente. A invenção do cinematógrafo não foi mais do que a incorporação da fotografia ao cinema já existente, com a possibilidade de “esconder” melhor a interferência humana na geração das imagens. Longe de desprezar essa evolução tecnológica, o autor apenas procura apartar um fato do outro. Ou seja, um fato é o surgimento do cinema, o outro é seu aperfeiçoamento.

Outra consequência, é o surgimento de uma nova definição para a unidade mínima e indivisível (tal qual o átomo é para a célula) do cinema: o cinegrama. Um conceito que não abarca somente a cine-fotografia. Cinegrama é o conceito ampliado de fotograma, e inclui em si o videograma ou “frame”, o pictograma para o desenho animado não cinefotografado e todos os outros processos de geração de imagens em movimento (as imagens digitais, computação gráfica, etc.). O conceito de fotograma é limitado pois não pode ser atribuído aos processos não-fotográficos do cinema. O cinegrama é, portanto, a unidade visual estática capaz de gerar a atividade cinética do cinema conforme sua relação de continuidade com os demais (baseado na confluência de um fenômeno físico – o movimento sequencial de vários cinegramas – e outro fisiológico – a persistência retiniana).

O estudo da célula básica do cinema, a tomada cinematográfica (trecho cinematográfico rodado desde o disparo da câmera até sua interrupção) dá-se a partir de sua unidade mínima, o cinegrama, e as leis que regem os sistemas cinematográficos. A duração de cada cinegrama (em sua materialidade e visualidade); a relação dialética entre a existência material de cada cinegrama e sua não-visualidade (quando não está sendo projetado); a não visualidade ativa (antes de passar pelo projetor) e passiva (depois de passar pelo projetor) de cada cinegrama; o instante único e soberano da individuação cinegramática (momento em que o cinegrama passa pelo projetor e realiza-se enquanto imagem visual); a questão do movimento visual puro ou “borrão” (quando os cinegramas não tem a menor identidade entre si); a imagem visual pura ou “congelada” (quando os cinegramas são idênticos entre si); a tensão dialética existente entre oposição e identidade de cada cinegrama, que gera o movimento propriamente cinematográfico (continuidade visual) e assim por diante. O autor estuda, enfim, a estrutura interna desta tomada, os elementos e leis intrísecas que tornam possível a sua existência.

A construção de uma teoria séria, livre dos subjetivismos e preferências estéticas, e o estabelecimento de um amplo debate nesse sentido, é, sem dúvida, uma forma eficaz de suprir a falta de intensidade e continuidade das produções dos países subdesenvolvidos. Uma teoria que possa colaborar com a produção, uma vez que a precariedade com que a maioria dos cineastas brasileiros (leia-se dos países subdesenvolvidos) têm que trabalhar e a falta de possibilidade de uma larga experimentação, solicitam um respaldo teórico capaz de gerar soluções criativas e maior domínio desta linguagem.

Não há para nós, outra maneira de construirmos uma cinematografia libertadora e de caráter nacional. Afinal, até quando iremos tentar imitar as produções dos países que podem experimentar intensamente, na prática, essa linguagem?