Castro Alves, o poeta do povo
O país comemora este ano o sesquicentenário (150 anos) de nascimento de Castro Alves. O poeta, registrado Antônio Frederico de Castro Alves, deixou um conjunto dos mais belos poemas do chamado romantismo brasileiro.
Filho de médico, Castro Alves nasceu em Curralinho, hoje Castro Alves, Bahia, em 1847, e morreu em Salvador, em 1871. Durante sua brevíssima existência, afinal viveu apenas 24 anos, o país passou por intensas lutas sociais e políticas. No período, o Império, como nos dias de hoje, reformava a sociedade brasileira com soluções que vinham do exterior. Havia conflitos. A Revolução Praieira (1848) foi um grupo destoante das classes médias, em Pernambuco. A Guerra do Paraguai (1865-1870) foi um desastre econômico que agravou a debilitada economia interna baseada no trabalho escravo. Nas regiões de cultura agrícola mais ativa, o café, e nos centros urbanos mais desenvolvidos, formava-se um coro republicano e abolicionista. Segundo o professor Alfredo Bosi, a estréia da poesia de Castro Alves "coincide com o amadurecer de uma situação nova: a crise do Brasil puramente rural; o lento mas firme crescimento da cultura urbana, dos ideais democráticos e,portanto, o despontar de uma repulsa pela moral do senhor-e-servo, que poluía as fontes da vida familiar e social no Brasil Império".
Artista de seu tempo, Castro Alves elegeu, portanto, a realidade brasileira como temática de seus versos. Logo é consagrado nacionalmente, não por ter sido apenas intitulado o "poeta dos escravos", mas sobretudo pelo tom vigoroso de sua poesia, de versos ressonantes, indignados e expressivos.
Vida e obra, inclusive, se confundem. Em 1862, entra no curso de Direito em Recife, onde já começava a campanha liberal abolicionista, da qual foi o poeta mais destacado. Ali apaixona-se pela atriz Eugênia Câmara para quem escreve o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas. Viaja para o Rio de Janeiro. Recomendado por José de Alencar, é apresentado a Machado de Assis, que adora seus versos.
Transfere-se para São Paulo, onde se matricula na Academia de Direito do largo São Francisco, no terceiro ano do curso. Arrebata corações, mas parece não nutrir muito carinho pela cidade: "Casas que parecem feitas antes do mundo, tanto são pretas; ruas que parecem feitas antes do mundo, tão desertas". Em São Paulo, com a saúde já abalada pela tuberculose pulmonar, sofre um acidente durante uma caçada, obrigando-se a amputar uma perna. Regressa à Bahia em 1870 e falece no ano seguinte em Salvador.
Para o professor Benjamin Abdala Jr., Castro Alves, que soube usar o vigor de sua palavra em favor do oprimido, também criou uma poesia sensual. "Sua poesia amorosa é passional, composta com muito envolvimento. O que, segundo Mário de Andrade, revolucionou a poesia romântica, causando uma verdadeira mudança na concepção da temática do amor na poesia do Brasil". Mas é na nota editorial da primeira edição de Obras completas, publicadas em 1921, que se define acertadamente sua trajetória poética:
"Além de lírico intimista, houve em Castro Alves o poeta social, o abolicionista exaltado, o cantor dos escravos. Construiu, destarte, o futuro moldando valores novos e novos motivos de viver, com o pensamento embebido em valores eternos – a liberdade, a justiça, a caridade, a fraternidade humana. Assim, viveu extraordinariamente o seu tempo, pois viver o seu tempo é viver a sua vanguarda, antecipando-se ao futuro, construindo-o revolucionariamente".
Roniwalter Jatobá é jornalista e escritor.
Seleta:
o sensual e o social
O navio negreiro
Era um sonho dantesco… O tombadilho
Que das luzenas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros… estalar açoite…
Legiões de negros como a noite,
Horrendos a dançar…
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças… mas nuas espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.
…………………………………………….
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura, se é verdade
Tanto horror perante os céus…
Ó mar! Por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros!noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!…
O século
Quebra-se o cetro do papa,
Faça-se dele – uma cruz
A púrpura sirva ao povo
Pr’a cobrir os ombros nus
……………………………………….
Basta!… Eu sei que a mocidade
É o Moisés no Sinai;
Das mãos do Eterno recebe
As tábuas da lei! – Marchai!
Quem cai na luta com glória.
Tomba nos braços da História,
No coração do Brasil!
Moços, do topo dos Andes,
Pirâmides vastas, grandes,
Vos contemplam séculos mil!
Boa-noite
É noite ainda! Brilha na cambraia
– desmanchando o roupão, a espádua nua –
O globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua…
Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!
Saudação a Palmares
Nos altos cerros erguido
Ninho d’águias atrevido,
Salve” – País bandido!
Salve! – Pátria do jaguar!
Verde serra onde palmares
– como indianos cocares –
No azul dos colúmbios ares
Desfraldam-se em mole arfar!…
Salve! Região dos valentes
Mandam aos plainos trementes
Os gritos do caçador!
E ao longe os latidos soam…
E as trompas da caça atroam…
E os corvos negros revoam
Sobre o campo abrasador!…
Palmares! a ti meu grito!
A ti, a barca do granito,
Que no soçobro infinito
Abriste a vela ao trovão.
E provocaste a rajada,
Solta a flâmula agitada
Aos uivos da marujada
Nas ondas da escravidão!
Breve cronologia:
1847 – Nasce Castro Alves.
1848 – Revolução Praieira, em Pernambuco.
1850 – A Lei Eusébio de Queiroz proíbe o tráfico negreiro.
1851 – Guerra do Prata.
1854 – É construída a primeira ferrovia brasileira.
1864 – O Paraguai declara guerra ao Brasil.
1865 – Começa a Guerra do Paraguai.
1870 – Manifesto no jornal A República dá início ao movimento republicano no país. Castro Alves publica, em Salvador, Espumas Flutuantes.
1871 – É votada a Lei do Ventre Livre. Falece Castro Alves. Livros póstumos: Gonzaga ou Revolução de Minas (1875), A cachoeira de Paulo Afonso (1876), Vozes d'África, Navio Negreiro (1880), Os escravos (1883), Obras completas (1921), organizada por Afrânio Peixoto.
EDIÇÃO 47, NOV/DEZ/JAN, 1997-1998, PÁGINAS 78, 79