I – Situação Internacional

A crise do sistema capitalista

O mundo atual, cenário de grande desordem, desequilíbrio e instabilidade, caracteriza-se pelo agravamento dos antagonismos econômicos, sociais e políticos do sistema capitalista. A chamada nova ordem, globalizada e interdependente, apresenta-se como uma dolorosa e tumultuada transição histórica, durante a qual esse sistema, em prolongada decadência, promove brutal ofensiva contra a soberania das nações, os direitos dos povos, as conquistas das classes trabalhadoras, a paz e a democracia. Nas últimas décadas, em particular nos anos 90, o mundo tem passado por profundas transformações nas esferas econômica, social e política.

A concentração e centralização do capital, que assinalaram o trânsito do sistema à etapa caracterizada por V. I. Lênin como monopolista-imperialista, alcançaram inauditas e impensáveis dimensões. Os 200 maiores conglomerados empresariais do mundo, em sua maioria pertencentes a grupos norte-americanos, japoneses e alemães, detêm quase a terça parte (8 trilhões de dólares) do PIB mundial (25 trilhões de dólares). O conjunto das relações econômicas e financeiras é governado por um seleto grupo de países imperialistas conhecido como G-7, que articula, coordena e orienta uma complexa rede de instituições internacionais, dentre as quais se destacam o FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial de Comércio (OMC), instrumentos da estratégia global desses países e simultaneamente palco em que se manifestam as irreconciliáveis contradições entre uns e outros. O domínio do capital financeiro, este fator tão poderoso que, segundo V. I. Lênin, submete mesmo as nações mais livres outro traço distintivo do sistema capitalista na fase imperialista – atinge o auge. Ao transferir fabulosos recursos para a esfera especulativa, o capitalismo põe a nu sua natureza parasitária, assim como seus limites e sua incapacidade para usar em favor do progresso econômico e social os espetaculares recursos de que dispõe.

A humanidade assiste presentemente ao aparecimento de fenômenos novos no funcionamento do sistema capitalista, que, se bem não lhe alterem a natureza espoliadora nem lhe abram a possibilidade de sanar suas contradições inerentes, criam condições objetivas distintas daquelas vividas em períodos anteriores e cenários mais complexos para o desenvolvimento das lutas dos trabalhadores e dos povos. A internacionalização dos processos produtivos, sua "reengenharia" e "reestruturação", a "invenção" de novos métodos e formas de exploração da força de trabalho e extração da mais-valia, a descoberta de novos materiais, o advento de revoluções tecnológicas, com impactos importantes na produtividade, o aparente apagamento das fronteiras relativamente à alocação de investimentos e ao comércio, bem como a onipresença do mercado capitalista, supostamente abririam a possibilidade de superação das crises econômicas e configurariam o advento de uma nova fase de ulterior desenvolvimento, progresso, relançamento e apogeu do capitalismo. Não obstante, é mister constatar e compreender que, neste final de século, o capitalismo está a braços com uma crise sistêmica crônica e prolongada, a qual se manifesta através do progressivo declínio das taxas de crescimento, fenômeno que afeta indistintamente, embora de forma desigual, os países capitalistas, em particular os mais desenvolvidos. Este declínio, que traduz uma tendência à estagnação, vem sendo observado desde os anos 1970, tendo acentuado-se nas décadas de 1980 e 1990. Se nos anos 1960 a taxa de crescimento médio anual do PIB dos países capitalistas mais desenvolvidos foi de 5%, nos anos 1970 caiu para 3,6%, despencou para 2,8% na década de 1980 e situa-se em torno de 2% na atual década. Esta continuada marcha declinante configura uma fase crítica, decadente, que não pode ser confundida com o movimento cíclico da reprodução social do capital e a crise de superprodução que lhe é característica. Atinge todo o sistema, contrastando com o período de relativa prosperidade ocorrido no imediato pós-guerra, quando chegou a criar-se uma situação de virtual pleno emprego (as taxas de desemprego oscilavam em torno de 1,5%) e as perturbações cíclicas então observadas podiam ser amenizadas pelos mecanismos reguladores de inspiração keynesiana.

Na fase atual essa regulação tornou-se mais difícil durante as crises de 1974-76, 1980-82 e 1990-93, mais longas e de recuperação mais lenta e acidentada. O fato de não se ter manifestado ultimamente uma crise cíclica de superprodução, de surgirem situações conjunturais de crescimento como a que se verifica agora nos EUA, e surtos de desenvolvimento em determinadas regiões, como no Sudeste asiático, não anula a existência da crise sistêmica, antes confere-lhe novas características.

Na base da crise sistêmica encontra-se a tendência à queda da taxa média de lucro, provocada pelas revoluções na composição orgânica do capital impulsionadas pelo avanço da produtividade, lei tendencial do modo de produção capitalista analisada por Karl Marx em O Capital. A crise constitui um componente essencial do sistema capitalista. A reprodução capitalista requer o equilíbrio entre a produção e a circulação dos bens e serviços, entre a capacidade de produção e as possibilidades de venda, entre a acumulação de capital e o poder aquisitivo da população, o que se torna impossível no quadro da existência da contradição fundamental do capitalismo, entre o caráter social das forças produtivas e as relações de produção. Decorrência desse fator, assim como do declínio continuado das taxas de crescimento, da acumulação de déficits fiscais e da exportação desenfreada de capitais no quadro de uma ulterior internacionalização da economia, manifesta-se com inusitada força como aspecto saliente da atual crise econômica o crescente parasitismo do sistema, cuja maior expressão é a transferência de colossais recursos para a esfera financeira-especulativa. Calcula-se que o montante de transações especulativas representa na atualidade cerca de 50 vezes o valor do comércio mundial. A cada 24 horas, 1 trilhão de dólares são transacionados nos mercados mundiais de moedas. Esse parasitismo influencia ainda mais o declínio das taxas de crescimento e reforça a tendência à estagnação, além de introduzir no cenário da crise econômica o explosivo ingrediente da instabilidade monetária, tornando uma possibilidade sempre factível o colapso das bolsas e a débâcle financeira dos países que se tornam presas da ilusão de estabilidade ancorada no dinheiro volátil. O atual panorama da economia revela o esgotamento do tipo de desenvolvimento adotado pelos países capitalistas avançados nos anos 1930 e intensificado no pós-guerra, que se expressa nos colossais déficits fiscais, cujo financiamento constitui sério obstáculo à reprodução capitalista. As taxas relativamente altas de crescimento de outrora viabilizaram tal modelo, permitindo o financiamento do Estado de bem-estar social, hoje em processo de desmonte acelerado.

As modificações na composição orgânica do capital e o avanço da crise aceleram o processo de concentração, centralização e expansão global do capital, traduzido por uma onda crescente de aquisições, fusões e mega-fusões de empresas. Como resultado, os efeitos da crise têm maior repercussão mundial, tornam-se mais devastadores, na medida em que passam a condicionar as políticas econômicas governamentais na maioria dos países. Para os países do Terceiro Mundo, este processo, facilitado e impulsionado pelas privatizações, tem significado o aumento do grau de desnacionalização e fragilização de suas economias. Os mega-monopólios desempenham papel predominante na vida econômica e são, em última instância, os principais fatores de estagnação e responsáveis pelo nível superior atingido pela internacionalização do capital e da produção. A exportação de capitais teve sua importância relativa elevada comparativamente à exportação de mercadorias, fazendo com que o domínio dos monopólios assuma dimensão global sobretudo na esfera financeira. Nas condições atuais, o sistema financeiro mundial encarna o caráter crescentemente parasitário do capitalismo, constituindo uma espécie de bomba de sucção da mais-valia gerada pela exploração da força de trabalho.

O resultado mais dramático da crise é o crescimento extraordinário do desemprego, agravado pelo desenvolvimento tecnológico realizado em meio à desenfreada concorrência entre os oligopólios. O atual nível de desemprego supera o alcançado nos anos da grande depressão deflagrada em 1929 nos EUA. O desemprego e o subemprego, de acordo com a OIT, atingem hoje 820 milhões de trabalhadores. Na União Européia, o número de desempregados beira os 20 milhões, enquanto nos países da OCDE (organização que reúne os 24 países mais desenvolvidos do mundo) o desemprego cresceu de 10 milhões em 1970 para mais de 35 milhões em 1995. Expressão maior da crise econômica, o desemprego é, por decorrência, o mais grave problema social por ela gerado. Revela a crescente ineficiência do sistema capitalista na utilização dos recursos colocados à disposição da humanidade pelo progresso das forças produtivas e o desperdício do que, como Karl Marx viu e previu magistralmente, constitui a principal força produtiva da economia moderna – a força de trabalho. Em contraste com as imensas possibilidades de desenvolvimento material e espiritual da sociedade humana, produzidas pela revolução técnico-científica, a época atual constitui pesada ata de acusação ao capitalismo, incapaz não só de promover esse desenvolvimento, como de oferecer os mínimos meios de subsistência a gigantesca parcela da população do planeta. Mais: o capitalismo é um freio ao desenvolvimento e ao progresso social. Condena milhões e milhões de pessoas à fome, à miséria, à indigência. Retira-lhes a perspectiva de vida, ensombrece-lhes o horizonte, atira-as à marginalidade e à exclusão da atividade produtiva, do consumo, da educação, da fruição da cultura e do entretenimento.

Como nunca, o sistema capitalista concentra riquezas num pólo da sociedade e aumenta a pobreza no outro. A quinta parte da população do globo que vive nos países pobres recebe 1,4% do rendimento mundial, enquanto a quinta parte que vive nos países ricos abocanha 85% desse rendimento. Os 358 multimilionários mais ricos do mundo possuem uma fortuna que se iguala aos rendimentos anuais de 45% da população mundial (2 bilhões e 300 milhões de pessoas). Também nos países capitalistas mais desenvolvidos observa-se o alastramento da pobreza. Nos países da OCDE mais de 100 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza. Na União Européia atualmente 55 milhões de pessoas são consideradas pobres. Enquanto se ouve a litania de um mundo marchando para a prosperidade, a concórdia social e o fim da luta de classes, nunca foi tão flagrante a contradição entre o caráter das forças produtivas e as relações de produção e tão agudo o antagonismo entre o capital e o trabalho.

O projeto neoliberal

O neoliberalismo emerge como projeto da burguesia e do imperialismo, num esforço – que só tem agravado as contradições do sistema, aumentado sua perversão e patenteado sua irracionalidade – visando a escapar da crise e prolongar por certo tempo histórico seu domínio sobre o mundo. O neoliberalismo, que vem sendo aplicado desde os anos 1970 e com maior intensidade desde o início dos anos 1980, constitui uma "solução" pretensamente global, implementada, segundo as particularidades nacionais e regionais, na esmagadora maioria dos países do mundo. Tendo adquirido ares de verdade absoluta e obstinada após as derrotas sofridas pelo socialismo, o neoliberalismo segue a lógica histórica do capitalismo de maximizar os lucros dos grandes monopólios do capital financeiro, através de impiedosa e voraz espoliação dos povos, das nações dependentes e das massas trabalhadoras. Num momento em que o pensamento único dominante pretende ser a política neoliberal o meio para sair da crise, vale lembrar as palavras de Marx e Engels no Manifesto Comunista, obra-prima do socialismo científico cujo sesquicentenário a humanidade progressista comemorará no próximo ano. Segundo eles, o capitalismo só poderá sair da crise "preparando crises mais extensas e mais violentas e diminuindo os meios para preveni-las".

A política neoliberal prevê uma ampla desregulamentação e liberalização das regras de comércio e alocação de investimentos internacionais, a quebra de barreiras, a abertura das bolsas e de todos os setores da economia às multinacionais, embora seja preciso destacar que isto esbarra em contradições, como indicam as regras protecionistas, especialmente no setor agrícola, nos EUA, no Japão e na Europa.

É parte essencial do projeto neoliberal uma reestruturação do Estado, visando a privatizações em massa, a redução de tributos sobre o capital e o desmanche do chamado Estado de bem-estar social.

Nos países dependentes, a ofensiva do neoliberalismo nesse campo constitui séria ameaça à própria existência do Estado nacional. O neoliberalismo implica ainda, em patamar muito mais elevado, a subordinação do Estado aos interesses dos grandes monopólios, particularmente da oligarquia financeira. Nos países desenvolvidos o capitalismo monopolista de Estado manifesta-se com força através da transferência de parte crescente da renda nacional para pagamento das enormes dívidas públicas, cujos credores são os grandes monopólios do capital financeiro.

O neoliberalismo dirige uma ofensiva avassaladora contra os direitos dos trabalhadores, objetivando uma nova repartição do produto entre o lucro e o salário, revelando de maneira cristalina que a velha e perversa base em que se sustenta o sistema capitalista (a extração da mais-valia) continua a mesma. Medidas que resultam na redução drástica do padrão de vida dos trabalhadores são ingredientes comuns da receita neoliberal, observadas em todos os países em que é adotada. São iniciativas que implicam a derrogação de legislações trabalhistas e previdenciárias, conquistadas com heróicas lutas da classe operária, a elevação do nível de desemprego, bem como o desmanche da rede de seguridade social. A busca da maximização dos lucros das multinacionais dá-se através de um plano deliberado de arrocho dos salários, associado à degradação (precarização) das condições de trabalho, à eliminação de direitos e à destruição dos serviços públicos.

As potências imperialistas, agrupadas no G-7, têm um razoável consenso e unidade na imposição das políticas neoliberais ao resto do mundo, que para as economias nacionais dos países dependentes adquire sentido destrutivo, uma vez que muitas das regras das políticas econômicas inspiradas no receituário neoliberal são impostas num quadro em que as condições de competição e comércio são bastante desiguais. O resultado de tal política é o aumento do endividamento, da desnacionalização, da dependência e da espoliação. Em benefício das grandes potências e em detrimento do desenvolvimento dos países dependentes, o neoliberalismo promove uma nova divisão internacional do trabalho, deixando como saldo uma parcial destruição do setor produtivo e em alguns casos a desindustrialização. Baseada na chamada teoria dos círculos concêntricos, a política neoliberal faz com que a produção de bens e serviços de maior densidade tecnológica se concentre nos pólos avançados do capitalismo, ao passo que às regiões mais atrasadas atribui-se a produção de bens que requerem baixa inversão tecnológica.

Tamanha ofensiva contra a soberania nacional dos países do Terceiro Mundo torna falaciosas e ilusionistas as prédicas, difundidas pelos centros de propaganda e elaboração teórica das potências imperialistas, de "inserção" das economias nacionais dos países dependentes na economia internacionalizada. A desindustrialização é fenômeno que se alastra por toda a América Latina, após a implementação das chamadas políticas de ajuste. Amplos setores produtivos nacionais vão à ruína; persistem os baixos índices de crescimento e em alguns casos a recessão; caem o nível de emprego, a renda e o consumo per capita. A economia se movimenta à base da especulação financeira e o modelo de "desenvolvimento" é induzido para o setor terciário. Acentua-se a concentração da propriedade e da renda em mãos de minorias privilegiadas e aumenta a exclusão social.

No quadro de agravamento da dependência dos países do Terceiro Mundo, particularmente da América Latina, avulta o problema do endividamento externo, que constitui verdadeira sangria dos recursos da região e um freio a qualquer possibilidade de desenvolvimento econômico-social. O problema do endividamento externo se expressa igualmente na escalada do endividamento interno dos países latino-americanos, já que os governos da região partiram para a emissão crescente de títulos da dívida pública a fim de garantir o pagamento de seus compromissos com os credores externos. Em finais de 1996, a dívida externa dos países latino-americanos atingia a soma de 607 bilhões de dólares. A partir de 1982, quando eclodiu a crise da dívida latino-americana até os dias atuais, os países do subcontinente pagaram o montante de 739 bilhões de dólares a título de serviços da dívida, ou seja, 18% a mais do que a dívida total acumulada. Considerado o período de 1991 a 1996, é de 86 bilhões de dólares a média anual de recursos drenados aos países da região sob a forma de pagamento dos serviços da dívida, que já compromete 30% das suas receitas de exportação. Este problema decorre da vigência de um iníquo modelo capitalista dependente e atualmente encontra-se estreitamente vinculado e/ou influenciado pelos desequilíbrios da economia norte-americana que, no ano passado (festejado como ano de crescimento econômico), registrou o maior déficit no comércio externo – 178 bilhões de dólares – ao lado de um rombo nas contas correntes superior a 160 bilhões de dólares. Esses déficits têm grande repercussão em todo o globo, em especial sobre o fluxo de capitais, e prejudicam as economias dos países do Terceiro Mundo. Recorde-se que durante o ano de 1994, encerrado com a estrondosa crise cambial mexicana, ocorreram sete elevações das taxas de juros nos EUA. Embora se fale de "alívio" e de "solução" para o problema da dívida latino-americana em razão de refinanciamentos e reescalonamentos, assim como de uma nova inversão no fluxo de capitais entre países credores e devedores, pelo qual se tornou possível o aporte de bilhões de dólares para os países do subcontinente, a verdade é que a médio e longo prazo o endividamento constitui um problema em agravamento. Em primeiro lugar porque o refinanciamento impõe compromissos forçosos em condições muito mais difíceis. Em segundo lugar, porque o aporte de capitais é constituído, em grande parte, de capital volátil, que tem a capacidade de migrar da noite para o dia de um continente a outro e é extremamente influenciável pelas oscilações na economia norte-americana (flutuações na taxa de juros e necessidade de absorção de capital estrangeiro). A crise cambial mexicana de 1994 mostrou a fragilidade de tais "soluções" e mecanismos. Efetivamente, a dívida externa latino-americana cresceu, resultando em maior dependência, como ilustram a penhora das receitas petrolíferas mexicanas, o comprometimento das reservas cambiais dos países endividados, a submissão ao monitoramento periódico do FMI e a imposição de políticas econômicas antinacionais e antipopulares.

Nova correlação mundial de forças

Nesse ambiente de crise e decadência do capitalismo, de intensificação da ofensiva neoliberal contra as classes trabalhadoras, as nações dependentes e os povos, emerge uma situação política nova, um momento muito particular na história contemporânea, caracterizado pela existência de profundos abalos e alterações nas relações inter-imperialistas e na correlação de forças mundial. O fato é que, embora comum a todos os países capitalistas, a decadência do sistema manifesta-se de forma desigual. A crise sistêmica evidenciada desde os anos 1970 é marcada pelo relativo declínio econômico dos EUA – fenômeno visível quando mirado desde uma perspectiva histórica – e pela emergência do Japão e da Alemanha como grandes potências. No curso dos anos 1980 os Estados Unidos transformaram-se de país credor no maior devedor do planeta, enquanto o Japão passou a ocupar a posição de maior credor mundial. Isto, somado à desagregação da União Soviética, significa, que caducou a ordem econômica e política instituída a partir do pós-guerra. Inelutavelmente, tais fenômenos acarretam sérias conseqüências geopolíticas, provocando uma redefinição no quadro de alianças entre as potências, e dão lugar ao surgimento de novas e agudas contradições inter-imperialistas.

Exibindo indiscutível superioridade militar e influência diplomática, aumentadas depois do colapso da URSS, os EUA apresentam-se no cenário mundial como a principal potência imperialista e principal inimigo dos Povos. No terreno econômico-financeiro, tendo em vista impor a hegemonia num quadro em que são patentes os seus desequilíbrios estruturais (endividamento e déficit nas contas externas), os EUA assumem a dianteira na aplicação da política neoliberal, principalmente através dos mecanismos de desregulamentação financeira e de política monetária. Não obstante, são visíveis os sinais de declínio histórico da sua outrora inabalável liderança, mormente considerada a emergência do Japão e da Alemanha. Cada vez mais os Estados Unidos recorrem a fatores extra-econômicos para impor e manter sua hegemonia sobre o mundo. Surge, com isso, um perigoso desequilíbrio e uma constante instabilidade, posto que este hegemonismo é cada vez mais contestado e desafiado pelas demais potências. Momentaneamente, as contradições inter-imperialistas se expressam de modo "pacífico" e diplomático e muitas vezes são encobertas pela unidade existente entre as potências imperialistas na aplicação do neoliberalismo e na espoliação do Terceiro Mundo. Conquanto não se desenhem no desenvolvimento imediato da conjuntura mundial conflagrações de maior envergadura, não está descartada uma situação em que a diplomacia deixe de ser suficiente para dirimir as contradições inter-imperialistas. Nesse caso, o emprego de outros meios, inclusive a contenda militar, pode impor-se objetivamente.

Já em 1991, em plena euforia pelas derrotas do socialismo, o então presidente norte-americano, George Bush, lançou a idéia de uma "nova ordem internacional", na qual os EUA reforçariam sua hegemonia exercendo o papel de polícia e juiz supremo do planeta. A Guerra do Golfo de 1991 foi o emblema dessa nova ordem, quando o imperialismo norte-americano conseguiu arrastar atrás de si uma poderosa coalizão de 19 países, incluindo toda a Europa e demais potências capitalistas na agressão ao Iraque. Sob os mais hipócritas pretextos, prosseguiu nos últimos anos a estratégia agressiva do imperialismo norte-americano, com a invasão da Somália e do Haiti; o sórdido bloqueio a Cuba, intensificado pela famigerada Lei Helms-Burton; o bloqueio ao Iraque, que acarretou a morte de dezenas de milhares de crianças e enfermos; o bloqueio à Líbia e ao Irã, através da Lei Amato, também com caráter de extraterritorialidade; as ameaças militares à RPD da Coréia; o estímulo às provocações militares de Taiwan; a imposição dos acordos de Dayton. Faz parte dessa estratégia a instrumentalização da ONU, a invocação do "direito de ingerência" e a expansão da OTAN rumo ao Leste da Europa sob a hegemonia norte-americana.

Cada vez mais, entretanto, o Japão e a Alemanha-Europa Unida procuram realizar uma política própria e até de contestação ao hegemonismo norte-americano. A recente agressão ao Iraque (1996) não contou com o mesmo apoio anterior. Nela, os Estados Unidos ficaram isolados, na solitária companhia de Israel, em seu fracassado intento de derrubar Saddam Hussein. As Leis Helms-Burton e Amato geraram oposição enérgica, sobretudo de países europeus. Na América Latina, são patentes as divergências em torno da Alca, como ficou caracterizado durante a recente visita do presidente francês Jacques Chirac. Todas essas iniciativas só se explicam (e assim são vistas pelos rivais) pela pretensão dos Estados Unidos de se transformarem no árbitro e polícia do planeta, fazendo da sua própria vontade e interesses os critérios de julgamento político e moral do Universo. É nesse mesmo contexto que deve ser compreendido o recente acordo militar entre a China, a Rússia e a Índia.

Ofensiva reacionária

O neoliberalismo constitui uma ofensiva reacionária e brutal do imperialismo contra os povos. Em todo o mundo assiste-se a generalizada degradação da vida humana, traduzida na impossibilidade de sobrevivência para a quinta parte da população do planeta; na liqüidação da soberania nacional; na perversão da vida institucional democrática; na militarização crescente; no recrudescimento do racismo e do chauvinismo; no obscurantismo cultural e ideológico de que é expressão o pensamento único dogmático vigente, cultor do irracionalismo, do pragmatismo e da ditadura do mercado; na devastação ambiental; na proliferação das doenças endêmicas; na extensão da criminalidade entre os excluídos e nas altas esferas da administração pública e privada; na erosão dos valores éticos e humanistas; no flagelo do narcotráfico e da tóxico-dependência. Tudo o que é progressista e democrático encontra-se na alça de mira do obscurantismo ideológico do imperialismo e da reação mundial. No limiar do 3° milênio a humanidade está a braços com inaudita crise de civilização.

Inevitavelmente, a crise econômica, a ofensiva generalizada do neoliberalismo, os assaltos indiscriminados aos direitos dos trabalhadores e à soberania dos Estados nacionais provocam o descontentamento, a indignação, o protesto, a resistência e a luta dos povos em todos os continentes.

A invariável resposta da burguesia e da reação mundial, comprovando a tese de Lênin segundo o qual "o imperialismo é a reação em toda a linha", é o aumento das restrições antidemocráticas. Por toda parte, guardadas as particularidades nacionais e regionais, campeia o autoritarismo. Aqui e alhures, as classes dominantes, temerosas da resistência e luta dos trabalhadores e dos povos, modificam o arcabouço jurídico-político dos Estados, reforçam o aparato autoritário, elaboram legislações coercitivas, anti-sindicais e antidemocráticas, visando excluir da participação política as massas populares e as correntes avançadas de esquerda que as representam, especialmente os comunistas. Governos conservadores adotam medidas racistas e chauvinistas, com estatutos legais e medidas policialescas contra os imigrantes, do que é exemplo mais infamante a Lei Debré, na França. Perigosamente, na França, na Itália, Alemanha, Bélgica e Áustria ressurgem movimentos de extrema-direita, racistas e para-fascistas. O mundo vive o período de predomínio da reação, com perigosas ameaças à democracia e à paz.

Resistência dos povos e alternativa progressista

A contra-revolução neoliberal assestou duro golpe contra a causa do socialismo, o movimento comunista e as lutas de libertação nacional e social. A ofensiva antinacional, anti-social e antidemocrática ocorre nos marcos de uma situação política e ideológica ainda desfavorável às forças revolucionárias em todo o mundo. O impacto negativo das derrotas do socialismo sobre a luta dos povos pode ser aquilatado não somente pela brusca alteração na correlação de forças, mas também pela desorganização profunda que acarretou às fileiras comunistas e do conjunto do movimento transformador e pela criação de um ambiente de apostasia, desnorteamento, confusão política e ideológica, demissionismo e perda de perspectiva.

À primeira vista, a constatação de que vivemos um período histórico cinzento, pontilhado de ziguezagues e derrota temporária do movimento revolucionário, corroboraria a tese de que a história chegou ao fim e já não há perspectiva de transformação. Nada mais falso. Malgrado tudo, a luta pela superação do neoliberalismo e por uma sociedade mais avançada afirma-se e abre caminho.

É o que se observa no esforço pela defesa e fortalecimento do socialismo na China, em Cuba, no Vietnã, na Coréia do Norte e no Laos, em meio a dificuldades, com avanços e recuos, erros e acertos, realizando experiências nunca antes conhecidas, mas com a determinação de seguir adiante e descortinar um futuro de progresso social. Os comunistas brasileiros tomam como importante dever a tarefa internacionalista de apoiar tais países socialistas, sem entretanto considerá-los "modelos" perfeitos e acabados da nova sociedade. O Partido Comunista do Brasil aprovou o Programa Socialista na sua 8ª Conferência de agosto de 1995, definindo, em conformidade com sua compreensão da realidade mundial e brasileira e segundo critérios marxistas-leninistas, a sua própria visão de construção do socialismo, levando em consideração as lições retiradas das primeiras experiências de construção de um sistema avançado e as críticas aos erros cometidos. A visão do PCdoB considera anticientífico o modelo único de socialismo, sendo, portanto, tarefa das forças revolucionárias de cada país a definição de rumos e critérios para a edificação da nova sociedade.

Os sinais de resistência ao neoliberalismo são visíveis na América Latina, em cujos países gesta-se com níveis e formas diferenciados um amplo movimento de caráter democrático, nacional e popular contra a dependência e as ditaduras civis-constitucionais subordinadas ao imperialismo. Greves, distúrbios populares, plebiscitos contra as privatizações, movimentos de rua pela deposição de presidentes corruptos, entreguistas e antidemocráticos são fatos que se multiplicam no dia a dia da vida política e social dos países latino-americanos. A recente vitória eleitoral da FMLN em El Salvador e a quebra do monolitismo do poder do PRI, derrotado na cidade do México para o PRD, uma força de centro-esquerda, são fatores de alento para a luta dos povos latino-americanos e reforçam a resistência antiimperialista.

A resistência ao neoliberalismo está presente nas lutas contra o colonialismo e o racismo, de que é expressão maior o triunfo histórico do povo sul-africano contra o apartheid; na luta do povo angolano pela paz e na revolução armada no Zaire contra a ditadura de Mobutu; na rebelião dos camponeses em Chiapas; na luta dos países árabes pela afirmação de sua independência e do povo palestino por seu Estado nacional; nas rebeliões populares, operárias e estudantis na Coréia do Sul, no movimento libertador no Timor-Leste e em vários outros movimentos, de maior ou menor envergadura na vastidão do Orbe.

A elevação da temperatura da luta sindical e social na Europa é outro significativo sinal de que há resistência e luta contra o neoliberalismo. Destaca-se nesse contexto a iniciativa do proletariado francês, que realizou em 1995 uma greve já histórica de 24 dias combatendo a reforma reacionária da previdência. Somam-se nesse mesmo sentido as manifestações operárias na Alemanha e em vários países europeus contra o desmanche do Estado de bem-estar social e as marchas e jornadas contra o desemprego na Itália. Ainda na França, foi vitoriosa a greve dos caminhoneiros, depois de paralisarem o país por 11 dias, obtendo conquistas como a redução da jornada de trabalho e do tempo de serviço para aposentadoria, além de aumento salarial, que vão na contramão do projeto neoliberal. A derrota dos ultraconservadores na Inglaterra e a vigência de governos com plataformas diferenciadas das forças direitistas neoliberais na França e na Itália, com o apoio dos respectivos partidos comunistas, constituem eloqüente resposta das massas à ofensiva neoliberal e mais um fator de resistência aos planos reacionários da burguesia, com importantes repercussões em todo o mundo. A luta afirma-se e abre caminho na Rússia e nos países do Leste europeu, onde fervilha a inquietação social e é intensa a movimentação política. Hoje, passada mais de uma década desde o lançamento da perestroika, não é difícil verificar que a expectativa otimista difundida pelos ideólogos capitalistas sobre os desdobramentos e conclusões dos acontecimentos na Rússia e nos países do Leste europeu foi frustrada pela vida. Desenhou-se um quadro falso de prosperidade e ventura, enquanto o que se passa na realidade guarda mais semelhança com uma tragédia. Longe, muito longe, da sonhada estabilidade política, do desenvolvimento econômico e felicidade consumista, o que se observa é um quadro de crise, cujos sinais estão presentes nos acontecimentos da Albânia, nos impasses da Rússia e de outros países ex-socialistas, além do quadro de tensão nos Bálcãs e a emergência de novos conflitos relacionados com as pretensões expansionistas da OTAN rumo ao Leste europeu. A crise na Rússia e nos países do Leste europeu manifesta-se de forma explosiva em todos os campos da vida social – é uma crise econômica, social, política, moral, étnica e cultural. Deriva principalmente de dois fatores: em primeiro lugar, da fragilidade da classe que lidera a conturbada transição à economia de mercado. Sem um histórico de acumulação de capital, avançando com voracidade sobre o patrimônio público, revelou-se uma burguesia mafiosa; em segundo lugar (a enumeração não guarda ordem de importância), o drama da transição capitalista na ex-URSS e em todo o Leste europeu desenvolve-se dentro de outro drama ainda maior, o da crise econômica do capitalismo, que dificulta ao imperialismo empreender ações de maior alcance para promover a recuperação econômica daqueles países, os quais vão vivendo em degradação prolongada, uma agonia lenta, numa espécie de "terceiromundização", derivando daí a abrupta e virulenta liquidação das conquistas da revolução e do socialismo e a eclosão de lutas sociais e políticas de certa envergadura.

A luta e a resistência dos povos também encontram expressão nas múltiplas iniciativas visando a reunir, aglutinar e unificar, à base de plataformas anti-neoliberais, forças democráticas, progressistas e de esquerda. Destacam-se nesse sentido o Fórum de São Paulo, na América Latina, de que nosso Partido é ativo partícipe, e as ações comuns, inclusive com caráter de massas, desenvolvidas na Europa sob os auspícios de partidos comunistas.

O movimento comunista internacional, atingido por grave crise, decorrente da ação nefasta do oportunismo, das derrotas sofridas pelo socialismo e de graves cisões, dá mostras de revigoramento. Em todos os continentes, muitos partidos reafirmam sua identidade comunista, elaboram linhas políticas consoantes às exigências de nosso tempo e buscam meios e modos renovados para se acercar das amplas massas trabalhadoras. Não são poucas as iniciativas de articulação e unificação de pensamento e ação, visando reforçar a unidade e a afirmação de uma corrente lúcida, capaz e conseqüente, a fim de levar adiante a causa da luta pelo socialismo. Este processo, lento, sinuoso e a longo prazo, mas que já apresenta resultados visíveis em muitos países, constitui o melhor desmentido da sentença de "morte do comunismo" decretada pelos propagandistas a serviço do imperialismo.

Acumular forças e abrir caminho ao socialismo

Ao realçar a crise e a decadência do capitalismo, de natureza objetiva, e apontar os fatores de resistência, o Partido Comunista do Brasil considera também o quadro desfavorável da presente situação mundial, que obriga o movimento comunista e revolucionário a inscrever sua ação nos marcos da defensiva estratégica Tendo presente o conjunto da situação internacional e a perspectiva histórica, o Partido Comunista do Brasil, longe de prever o colapso automático do capitalismo e a abrupta desagregação do seu poder político, considera a evolução da luta dos trabalhadores e dos povos desde uma perspectiva positiva, partindo da constatação de que amadurecem gradativamente as condições para o crescimento dessa luta. Pouco a pouco, fazendo sua própria experiência, os povos adquirirão confiança, consciência e organização para as futuras batalhas decisivas contra o neoliberalismo.

Reafirmamos que não há solução consistente para os cruciais problemas da humanidade nos marcos do capitalismo. Em sua fase decadente, quando não se vislumbra a perspectiva de superação da crise, esse sistema só apresenta a perspectiva de crescimento da miséria social, de ameaças à democracia e à soberania das nações. O socialismo coloca-se como única saída global efetivamente progressista para a humanidade.

Ao reiterar esta convicção, os comunistas não perdem de vista as batalhas políticas, econômicas, nacionais, sociais e culturais parciais e setoriais colocadas objetivamente na ordem do dia e a busca de alternativas políticas concretas e viáveis que ajudem os trabalhadores, os povos, os movimentos de libertação e os partidos progressistas e comunistas a acumularem forças para sair vitoriosos nos grandes embates pela libertação nacional e social. Sob bandeiras amplas, pela democracia, a independência, o desenvolvimento, a defesa dos direitos dos trabalhadores, a paz e o progresso social, vão sendo formadas as grandes vertentes do movimento revolucionário contemporâneo, cujo desfecho histórico só poderá ser a vitória do socialismo. Ao assumir suas responsabilidades de partido de vanguarda em nosso país e perante o movimento comunista e revolucionário mundial, o Partido Comunista do Brasil dará sua contribuição nesta gesta libertadora da humanidade. II – Situação Nacional

O Brasil permanece uma nação dependente. O governo FHC, usando o pretexto da "globalização", subordina o país a um projeto que serve à hegemonia do imperialismo norte-americano. A tendência democrática que se reergueu com o fim do governo militar começou a ser invertida no governo Collor e retrocedeu no governo atual. O povo brasileiro sofre as agruras do autoritarismo, da perda de conquistas e da desestruturação nacional. O plano FHC é economicamente vulnerável e impõe o desmonte das instituições democráticas. Esta situação condiciona um quadro político que se caracteriza pela inconstância e instabilidade. Amadurece a possibilidade de vingar e crescer um grande movimento de oposição democrática, de reestruturação nacional e de retomada e ampliação das conquistas sociais. Nesse sentido, o PCdoB, por sua participação e intervenção no processo político em décadas recentes, está chamado a exercer importante papel.

Os anos 30: a industrialização tardia

O desenvolvimento desigual e dependente é o traço comum e duradouro que marca, desde a origem, a implantação do capitalismo no Brasil. As primeiras relações capitalistas no nosso país se desenvolveram ainda no seio da sociedade escravista. A efetiva consolidação e o desenvolvimento do capitalismo, no entanto, se deu no bojo das transformações econômicas, políticas e sociais deflagradas pela revolução de 1930, ainda que sob a marca da preservação de estruturas arcaicas como a brutal concentração da propriedade da terra nas mãos de grandes latifúndios. O esboço de uma política de industrialização ensaiado pelos dois primeiros governos republicanos (Deodoro e Floriano) foi completamente abandonado pela república dos fazendeiros que se seguiu à posse de Prudente de Morais.

O tema da industrialização recupera forças após a Revolução de 1930, percorrendo um ciclo que vai até o final do governo Vargas, em 1954, com o interregno da administração entreguista de Dutra. Nesse período, implantou-se grande número de indústrias de base – Fábrica Nacional de Motores, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Companhia Vale do Rio Doce, Petrobrás, Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) –, todas empresas estatais, e deu-se início à implantação da indústria moderna no país.

A eleição de Juscelino Kubitschek inaugura um novo ciclo, o desenvolvimentismo, voltado para a introdução de indústrias de bens de consumos duráveis, principalmente automóveis, eletrodomésticos e autopeças, com ampliação de infra-estrutura com ampla abertura ao capital estrangeiro.
O desenvolvimento baseado no latifúndio e no privilégio ao capital externo gerou tensões insuportáveis na sociedade. Parcelas crescentes do proletariado urbano e rural, do campesinato e das camadas médias urbanas exigiam reformas democráticas e a limitação aos privilégios ao capital estrangeiro. Em 1964, sob aberta inspiração dos EUA e de forças reacionárias internas, é derrubado o governo João Goulart e instalada a ditadura militar.

A facilidade dos empréstimos externos, combinada com a brutal repressão sobre os trabalhadores, propiciou, numa fase de governos militares, um ciclo de desenvolvimento conhecido como "milagre econômico" entre 1968 e 1974.

No início dos anos 1970 a situação começa a mudar. Os Estados Unidos retiraram parcialmente, e depois completamente, a garantia em ouro do dólar em circulação no mundo. Os juros internacionais subiram, explodiu a crise do petróleo. Em conseqüência, o crescimento do Brasil desacelerou e o país entrou num impasse. O general Geisel assumiu a Presidência e tentou uma saída para o alto: aumentar o endividamento para fazer frente aos compromissos externos e tentar diminuir a dependência do país, principalmente de energia.

Geisel tentou basear o desenvolvimento, mais uma vez, no capital externo, mas a dívida voltou a crescer descontroladamente. Seu governo não conseguiu terminar as obras que iniciou (Usina Nuclear de Angra, Ferrovia do Aço etc.). Nos EUA, Reagan assumiu o governo e voltou a elevar as taxas de juros. Os países do Terceiro Mundo com grandes dívidas quebraram em série. O Brasil quebrou em 1982. Quebrado, foi ao Fundo Monetário Internacional, e saiu de lá com a receita dos anos 1980 – a década perdida: aumentar as exportações para acumular saldo em dólares e pagar os serviços da dívida; diminuir as importações para economizar os mesmos dólares; cortar gastos sociais e arrochar salários.

O Estado e a política neoliberal

A eleição de Fernando Collor de Mello desencadeou o processo de abertura da economia brasileira à concorrência predatória dos oligopólios internacionais. Ele iniciou também a privatização em massa das estatais, principalmente no setor siderúrgico e petroquímico, e revogou a lei que protegia a indústria nacional de informática. A vitória de Fernando Henrique Cardoso nas eleições presidenciais de 1994 marcou um novo predomínio na onda neoliberal. Em dois anos de governo, ele conseguiu do Congresso a quebra dos monopólios estatais nas áreas de telecomunicações, petróleo e navegação de cabotagem; anunciou a privatização das empresas de telecomunicações e da Companhia Vale do Rio Doce, aprovou uma nova legislação sobre patentes, e deu pleno curso à integração associada aos interesses norte-americanos.

O programa de estabilização obteve sólido apoio das classes dominantes e aceitação de vastos setores das camadas médias brasileiras. O fato de ter debelado a espiral inflacionária neutralizou e iludiu contingentes significativos da população pobre. A aliança PSDB/PFL encarregou-se de transformar em programa de governo a conhecida e histórica subserviência das elites brasileiras aos interesses internacionais.

O neoliberalismo concebe um Estado mínimo nas atribuições de desenvolver o país, regular a economia, gerar emprego e fornecer serviços básicos como educação e saúde. Ao mesmo tempo, amplia as funções desse mesmo Estado quando trata de proteger os interesses dos monopólios, principalmente a alta rentabilidade de suas gigantescas aplicações financeiras custodiadas pelo dinheiro público.

O Executivo sobrepõe-se aos demais poderes. Dele partem a centralização e o controle das políticas de estabilização. O Legislativo vai se transformando em órgão auxiliar, homologador dessas políticas, dobrado a chibatadas quando ensaia qualquer veleidade de autonomia. Seu papel de fonte de soberania jurídica do Estado nacional é substituído por acordos e convenções impostos por organismos internacionais, e que, quando muito, são submetidos ao referendo do Congresso Nacional. A edição e reedição de medidas provisórias – o atual presidente é campeão, com uma média de 36 MPs ao mês caracteriza aberta usurpação, pelo Executivo, de atribuições do Legislativo. O Judiciário também é alvo da mesma tentativa de enquadramento para que seus julgamentos não ameacem as decisões, muitas vezes arbitrárias, e mesmo ilegais, da administração federal.

A "globalização" dependente pró-americana agravou ainda mais as fragilidades da economia brasileira no contexto internacional. Aumentou a dependência do país aos capitais externos para financiar a gigantesca dívida em dólar e promover investimentos internos; definiu a opção pelas indústrias de baixa tecnologia, e praticamente abandonou as indústrias do futuro, ligadas à microeletrônica, computadores, biotecnologia, robótica, novos materiais, entre outras. A privatização de empresas como a Vale do Rio Doce retira do Estado preciosos instrumentos de pressão e negociação das condições que são impostas ao país pelos monopólios internacionais.

O Brasil é constrangido a não tirar proveito das próprias contradições entre os blocos econômicos formados pelos Estados Unidos, pela Europa unificada e pelo Japão e sua área de influência. Associado ao projeto norte-americano, sem qualquer contrapartida, abre mão da reciprocidade natural na relação entre os países que preservam sua esfera de autonomia na relação entre parceiros iguais.

No caso do Mercosul, é notória a pressão americana para incorporá-lo, como extensão do NAFTA, ao mercado cativo de suas grandes empresas. Preocupado com os déficits descomunais na balança comercial, e pressionado por grandes setores industriais e comerciais do país, o governo brasileiro é levado a manifestar certa resistência às pressões norte-americanas contra o Mercosul e ensaiar uma aproximação com a comunidade européia. Mas é duvidoso que não capitule. também neste caso, aos interesses dos Estados Unidos.

A antiga doutrina de contra insurreição criada para dar cobertura aos golpes de Estado e intervenções para derrotar governos e movimentos democráticos e patrióticos no continente é agora substituída pela pregação da conversão das Forças Armadas da América Latina em meras guardas nacionais para enfrentar o narcotráfico e defender o meio ambiente. Tal orientação encontra resistência nas Forças Armadas brasileiras, mas FHC mantém sobre o assunto uma atitude de ambiguidade, embora na prática as reduções no orçamento com os gastos para defesa nacional sejam significativas da verdadeira posição do presidente.

A ofensiva conservadora se volta contra as conquistas sociais acumuladas pelo povo ao longo de décadas de lutas perseverantes contra as gritantes desigualdades da sociedade brasileira. O direito à assistência à saúde e ao ensino público e gratuito torna-se letra morta pela ação destrutiva do governo nessas áreas. A aposentadoria, a previdência pública, a carteira assinada, a licença maternidade, a livre organização sindical são arrolados como anacronismos. A degradação do meio ambiente atinge dimensão inaudita, ameaçando as próximas gerações, e as últimas reservas indígenas são invadidas e destruídas.

Os valores nacionais, a história e o passado de nossa gente são alvo do achincalhe dos governantes, travestidos em pregadores da excelência da "globalização" e da rapinagem imperialista. Em palestra no Colégio do México, templo do pensamento daquele país, FHC chegou ao cúmulo de comparar a "globalização" com o Renascimento. A hegemonia cultural do neoliberalismo esmaga a cultura nacional e estimula padrões estéticos de acordo com as regras do mercado e os interesses puramente comerciais.

O nível do desenvolvimento econômico atual

O PPA (Plano Plurianual), que FHC enviou ao Congresso para o período 1996-1999, previa um crescimento do PIB de 4% em 1996; 4,5% para este ano; e 5% para 1998 e 1999. Como se sabe, o Brasil cresceu apenas 2,8% no ano passado, e é muito pouco provável que alcance a meta programada para este ano. É verdade que nada há aí de surpreendente, uma vez que o PPA repete coerentemente as diretrizes do programa de estabilização que originou o Plano Real em 1993. Ou seja, preparar o Brasil para não crescer. Apoiar a estabilização econômica, como acreditava Fernando Henrique em 1993, na nuvem de capitais em circulação pelo planeta implicava em atraí-los com juros exorbitantes, o que certamente inibiria a capacidade nacional para investir e crescer.

A dívida externa alcançou 175,8 bilhões de dólares em 1996. Em 1994, no Ministério da Fazenda, FHC comprometeu o país com o pagamento de 141,3 bilhões de dólares até o ano 2000, na amortização de juros e principal da dívida. Na época, FHC ironizava as advertências dos críticos de seu plano e pintava horizontes róseos indicados pelo México e Argentina. Mas o desastre que abalou o México em 1994/95 obrigou o governo brasileiro a gastar 10 bilhões de dólares para evitar que o Brasil seguisse o mesmo caminho, e a Argentina só é citada hoje em dia como exemplo que deve ser evitado.

A dívida pública interna é o outro elemento desestabilizador da economia nacional. Ela somava R$ 125 bilhões em dezembro de 1994, pulou para R$ 170 bilhões em dezembro de 1995 e bateu na casa dos R$ 210 bilhões em junho de 1996. Cresce movida pelas taxas de juros estratosféricas e pelos dólares que o Banco Central transforma em reservas cambiais para garantir o retorno dos capitais que aqui entram.

Os déficits recorrentes na balança comercial (diferença entre exportações e importações) agravam as contas externas, aumentam a vulnerabilidade monetária, uma vez que para atrair dólares o governo eleva os juros e em seguida emite títulos para comprá-los.

Drenando recursos orçamentários crescentes para custear as despesas financeiras, o governo reduz cada vez mais os investimentos e os gastos sociais. No orçamento previsto para este ano, os recursos destinados ao pagamento de juros e serviços da dívida quase que igualam as demais despesas governamentais, e deverão superá-las em 1998.

O impacto dessa política sobre a população não poderia ser mais devastador. Sem investimentos na produção e em obras, o país acumula falências em massa de pequenas e médias empresas e assombrosas taxas de desemprego nas cidades e no campo. A Grande São Paulo registra a cifra recorde de 16% da mão-de-obra desempregada. Na indústria de transformação, esse percentual bate a casa dos 50%, refletindo aí os efeitos da abertura comercial descontrolada.

É iminente o colapso no sistema público de saúde. O Brasil mantém um gasto de 145 dólares/habitante para o setor, muito distante dos 300 dólares/habitante do Uruguai e Chile e incomparável com a média de 1.200 a 2.000 dólares da França, Estados Unidos e Inglaterra. O país registrou, em 1994, 550 mil casos de malária, 120 mil de dengue e é visível a deterioração dos programas de vacinação em massa sob a responsabilidade do governo federal.

A estrutura fundiária, mantida intacta ao longo de séculos, revela sua face cruel no drama dos trabalhadores rurais sem terra. Aproximadamente metade das terras cadastradas como propriedades pelo INCRA (153 milhões de um total de 325 milhões de hectares) são consideradas improdutivas, evidenciando que a concentração fundiária é socialmente perversa e economicamente iníqua. Mesmo entre as terras produtivas, a preservação de estruturas latifundiárias parcialmente modernizadas, marginaliza milhões de camponeses e assalariados agrícolas.

A educação pública padece da ausência de recursos. A repetência no ensino fundamental e de nível médio é de mais de 30%, e a evasão superior a 5%. No Nordeste, a repetência alcança 38% dos alunos matriculados. O analfabetismo entre a população com idade superior a 15 anos está em torno de 20%, e há 3,5 milhões de crianças em idade escolar fora das redes pública e privada de ensino.
O processo de monopolização dos meios de comunicação de massa cerceia a ampla difusão de conhecimentos, impõe visões autoritárias, parciais e comprometidas com os interesses das classes dominantes e do imperialismo.

Privadas de recursos, as universidades públicas vão perdendo completamente seu papel de centros de elaboração científica. As instituições de pesquisa e tecnologia assistem à evasão de talentos por falta de estímulo e salários dignos. Muitos pesquisadores vão para o exterior depois de amadurecer e completar seus estudos custeados pelo governo, que agora se nega a aproveitar seus serviços.
Agravam-se as condições de vida nos centros urbanos, sobretudo das massas populares, em conseqüência da precarização da situação de moradia, transporte e intensificação da violência urbana e aumento do tráfico de narco-entorpecentes.

O Brasil do Plano Real

É preciso considerar que a atual orientação econômica conhecida como Plano Real, é mais que um simples pacote ou medida de curta duração. A ela FHC deu o nome pomposo de Programa de Estabilização. As medidas propostas refletem a tentativa de enquadramento do Brasil aos modelos de integração subordinada concebidos pelos países imperialistas. A aplicação de tal orientação no Brasil significa a acentuação do autoritarismo, o agravamento do caos social e o aprofundamento da dependência do país.

O Plano Real agrava as restrições externas na formulação dos rumos e das possibilidades de nosso desenvolvimento. A introdução da âncora cambial combinada com elevação das taxas de juros e a abertura comercial tornaram irremediável a vulnerabilidade do país em suas contas externas. A semi paridade entre o real e o dólar estimulou as importações ao dar mais poder de compra à moeda nacional e ao mesmo tempo desestimulou as exportações, encarecendo nossas mercadorias pela valorização do real. A abertura comercial substituiu os tradicionais superávits por déficits recorrentes na balança comercial que, somados ao pagamento de juros, lucros, royalties, fretes e outros serviços, conduzem à dependência de dinheiro externo que só pode ser atraído pelos juros estratosféricos. A entrada desses dólares é financiada pela emissão de títulos, provocando o aumento da dívida interna.

Cria-se aí o círculo vicioso que conduz o plano pelo fio da navalha: os juros altos atraem os dólares, que financiam as contas externas mas impedem o crescimento sustentado do país. Como ao mesmo tempo o Brasil perde boa parte de sua base industrial e a taxa de investimento permanece baixa (15% do PIB, quando é quase o dobro entre os países de crescimento elevado), fica difícil encontrar na lógica interna do plano qualquer alternativa para o desenvolvimento nacional.

No seu Plano Plurianual o governo revela a crença no que poderíamos chamar de desenvolvimento importado: o financiamento externo em lugar da poupança própria. Prefeituras, Estados, e o próprio governo federal, como já fazem hoje, buscariam recursos externos para suas obras, como se pontes, escolas e postos de saúde só pudessem ser construídos com pagamento em dólar e não em moeda nacional.

A liquidação de parcela significativa de sua base industrial – o coeficiente importado no consumo de máquinas e equipamentos passou de 34% em 1994 para 47% em 1995 –, somada ao brutal endividamento externo, inibem as potencialidades nacionais e fazem do Plano Real uma cilada para o Brasil e um bom negócio para seus competidores, principalmente os Estados Unidos.

Aplicação do projeto neoliberal no Brasil

É preciso assinalar os antecedentes políticos da aplicação atual do modelo neoliberal no Brasil. Desde o início da década de 80, já se manifestava na América Latina a investida da oligarquia financeira mundial, sobretudo do imperialismo estadunidense, impondo o ajuste das economias de acordo com as novas regras do modelo neoliberal. A justificativa persistentemente invocada era de que as "economias fechadas" e a própria soberania nacional estariam superadas, sendo um estorvo ao novo processo de desenvolvimento. Os países latino-americanos passaram a ser submetidos a uma divisão internacional do trabalho que os subordinava mais acentuadamente à hegemonia dos Estados Unidos.

Em geral, as burguesias desse subcontinente procuravam assim se apressar na tentativa de tornarem-se sócias menores dos monopólios globalizados, aproveitando a nova forma de acumulação capitalista internacional. Em novembro de 1989 reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados, especializados em assuntos latino-americanos. As conclusões dessa reunião ficaram conhecidas como "Consenso de Washington". Nelas foi ratificada a proposta neoliberal do governo norte-americano e foram sistematizadas as linhas fundamentais de orientação aos projetos dos países da América Latina.

No Brasil, a evolução do projeto neoliberal se atrasou em relação à maioria dos países latino-americanos. Tal situação ocorreu, em certa medida, porque a economia brasileira alcançava elevado grau de complexidade e diversidade, provocando a resistência de setores dominantes prejudicados, e a reação popular diante da perda de conquistas garantidas pela Constituição de 1988, obstáculo a essa pretensão pois expressa, mesmo que de forma limitada, a realidade política pós regime militar, impregnada pelo crescente anseio democrático. Também no período do governo Collor não se manifestava ainda em todos os domínios o curso da tendência neoliberalizante.

O 8° Congresso do PCdoB, realizado em 1992, assinalava que o Plano Collor, transformado posteriormente no denominado "Projetão", foi concebido no contexto de forte pressão no sentido da intensificação da internacionalização da economia brasileira. Estava baseado nos paradigmas neoliberais. Estabelecia a necessidade de abertura rápida e completa do mercado nacional e preparava o terreno para garantir as melhores condições aos investimentos estrangeiros.

FHC preparou bases de fixação do plano neoliberal

O governo Itamar Franco, que se instalou com a queda de Collor, cumpriu apenas dois anos de mandato e encerrava no seu interior uma dualidade. Aparecia no curso de crescente pressão para a subordinação do país ao plano neoliberal, refletindo assim, intensamente, essa tendência dominante em seu governo. Por outro lado, expressava, também, tendência no sentido de frear o fluxo liberalizante, estimulada com a vitória do movimento pelo impedimento do presidente da República. Em consequência dessa duplicidade, seu governo teve uma linha ambígua e terminou por prevalecer a evolução da tendência neoliberal, apesar de ainda ter fracassado o processo de revisão constitucional impulsionado desde o governo anterior. O governo Itamar Franco foi submetido ao cerco crescente do centro de poder da "globalização", em sintonia com seus associados internos, exigindo a continuidade das reformas. Fez mudanças constantes no Ministério da Fazenda para atender às demandas do imperialismo norte-americano. O nome que acabou vingando nesse cargo estratégico foi o de Fernando Henrique Cardoso que através do Plano de Estabilização Monetária, produziu a nova moeda, ancorada no dólar estadunidense; criou um ambiente que favoreceu a sua eleição em 1994 e preparou as bases de fixação do plano neoliberal atual.

A oligarquia financeira mundial e seus aliados no Brasil vinham buscando insistentemente submeter o país às suas imposições, perseguindo formas e meios políticos e econômicos que permitissem alcançar esse objetivo. O fracasso de Collor, que iniciou a empreitada pretendida por eles, e a diminuição do ritmo liberalizante durante o governo Itamar levou-os à busca persistente de uma política que tornasse viável a solução neoliberal no Brasil.

Governo FHC – execução plena do modelo neoliberal no Brasil

A vitória da coalizão de centro-direita, encabeçada por Fernando Henrique Cardoso, na eleição presidencial de 1994. derrotando a aliança de esquerda encabeçada por Luís I. Lula da Silva, estabeleceu uma nova fase política. Foi retomada a orientação neoliberal, elevando-a ao patamar da sua aplicação plena no Brasil. Foram recompostas várias tendências dominantes, principalmente com o reforço dos setores associados à oligarquia financeira internacional. Atraiu também importantes parcelas das forças centristas do espectro político de então e conseguiu a simpatia de alguns setores de esquerda. cooptados pelo projeto neoliberalizante.

No plano político a aliança do partido de Fernando Henrique Cardoso, o PSDB, com o PFL tem sido o núcleo básico da vitória e da existência do governo FHC. O PSDB surgiu como dissidência do PMDB, para ocupar o lugar de centro-esquerda nas condições políticas do final da década de 80. Porém trocou a defesa de um programa de desenvolvimento nacional soberano e democrático pelo rumo da "subordinação" à "nova ordem" imperialista. No quadro político atual, o PSDB ocupa o espaço da "nova" direita, ou direita "moderna", cuja base social é a burguesia brasileira, principalmente financeira, que se tornou sócia menor do capital forâneo. Este partido cresce, compondo-se por três segmentos: o que assume a defesa da reestruturação neoliberal, segmento predominante, tendo à frente o presidente da República; outro, composto por pequenas parcelas que não aderiram completamente às fórmulas do projeto comandado por Fernando Henrique Cardoso; por último, os adesistas, atraídos pelo rápido aumento da carga de poder deste partido. Quanto ao PFL, sempre esteve colado ao poder e compõe-se fundamentalmente de forças conservadoras e tradicionais dos grandes centros e do interior.

No PFL pode distinguir-se a junção de uma direita que procura se reciclar ao capitalismo "moderno" e outra direita conservadora que procura se acomodar às novas regras capitalistas. Esta parte é composta principalmente por grandes proprietários rurais. Este partido tem sua maior implantação no Nordeste brasileiro. Demonstra maior coesão que os demais partidos das classes dominantes. À sua frente conta com poderosas lideranças regionais, gozando de crescente influência nacional. Vem sendo o ponto de apoio político fundamental ao projeto neoliberal de FHC, e tem conseguido tirar crescente proveito do lugar que ocupa no atual cenário nacional.

Os propósitos do governo FHC vão além do recorrente processo político que vivia o país. Ajusta-se rapidamente às demandas do centro de poder político-mundial, submetendo-se às exigências da oligarquia financeira internacional. Por isso, tornou-se imprescindível para ele retomar o processo de ruptura do modelo constitucional democrático instituído em 1988, para substituí-lo por outro, neoliberal. Desse modo, o êxito de seu governo depende da manutenção do impulso reformista. Mas, para isso, não basta o suporte parlamentar fornecido pelo PSDB e PFL. É preciso alcançar a maioria de três quintos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, exigência constitucional para aprovação das emendas.

Assim tornou-se indispensável, para os propósitos do governo, a adesão da maior parte do PMDB e de outros partidos às reformas. O PMDB foi, na sua origem (MDB), uma ampla frente de tendências opositoras ao regime militar. Após o fim da ditadura e a conquista da anistia e da legalidade de todos os partidos, o PMDB perdeu seu motivo aglutinador principal, transformando-se num aglomerado de forças conservadoras, moderadas e democráticas. Tornou-se politicamente uma corrente centrista, não conseguindo redefinir um programa comum partidário para a nova realidade em desenvolvimento – fazer avançar a transição democrática. A maior parte desse partido acabou apoiando as correntes conservadoras dominantes desde a Nova República, respaldando o "Centrão" durante a Constituinte de 1988. Apoiou as medidas reformistas do governo Collor. Contribuiu para a existência do congresso revisor. E agora fornece decisivo apoio às reformas de Fernando Henrique Cardoso. Uma parte menor de suas lideranças mantém uma linha democrática e resiste à escalada neoliberal. O governo, com o apoio do PMDB, conseguiu aprovar as reformas constitucionais que mudaram o Capítulo da Ordem Econômica da Constituição de 1988, abrindo caminho para a entrega do país aos donos da nova ordem imperialista. A maioria desse partido mantém seu apoio ao presidente da República e participa do seu governo. Disputa com o PFL o lugar de aliado prioritário de Fernando Henrique Cardoso. Projeto neoliberal é incompatível com democracia

As eleições municipais de 1996 não modificaram a correlação de forças políticas da nova fase inaugurada com a vitória de Fernando H. Cardoso em 1994. Mas é preciso destacar que o PSDB sofreu importantes derrotas, sobretudo na maior cidade do país, São Paulo, e também na capital mineira, Belo Horizonte. Não conseguiu eleger prefeito em nenhuma capital importante, apesar do imenso investimento realizado desde a Presidência da República. Entretanto, o resultado eleitoral de 1996 não abalou a estrutura de equilíbrio do governo FHC. Ele conta com o respaldo do "novo" capital, beneficiário direto das reformas. O poderio das parcelas dominantes apoiadoras do projeto neoliberal torna a grande imprensa, ela própria beneficiária das medidas de governo que protegem o capital, instrumento dessas forças, uníssona na defesa do "choque liberal". Talvez nenhum governante na história política do Brasil teve tanto apoio de mídia. Seus ideólogos e propagandistas referem-se incessantemente à "aprovação" popular ao Plano Real. Procuram lembrar o "prestígio" do presidente, forçando uma justificativa para a necessidade da realização das reformas que garantam o plano. As reformas são pomposamente apresentadas – para esconder sua virulência antipopular – como "mudanças contemporâneas necessárias, das quais o Brasil não pode estar de fora". O objetivo dessa intensa investida político-ideológica é exercer constante pressão sobre a sociedade, deixando-a refém da culpa pelo atraso do país e da ameaça da volta à inflação. Na frente parlamentar, para obter a maioria de três quintos necessários ao empreendimento reformista, distribui vantagens políticas a curto prazo e no varejo.

A trajetória recente do governo FHC demonstra de maneira eloqüente a incompatibilidade entre a reestruturação neoliberal e a democracia. Nesse sentido, destacam-se as formas ostensivas e ardilosas do manuseio do poder na aprovação das emendas constitucionais, o uso constante das Medidas Provisórias em questões fundamentais para o país, as propostas de reformas políticas restritivas à existência de um sistema partidário plural representativo, e a "metódica e crescente concentração de poder em prol do Executivo", denunciada à nação através de um Manifesto por um grupo dos mais eminentes juristas brasileiros e pelo Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça. Mais precisamente, o governo eleito em 1994 vai mudando o modelo constitucional promulgado em 1988 sem a necessária convocação de um Poder Constituinte. Para o êxito de seus objetivos contrários à democratização, recompõe o Estado, passando a assumir uma forma de governo civil autoritário constitucional, que exclui o povo e as correntes progressistas da normalidade do convívio democrático.

Dilema Estado ou mercado é truque ideológico

É preciso considerar os condicionamentos de fundo que levam a essa tendência autoritária dos governos de inspiração neoliberal. A experiência da luta crescente de resistência a tais governos demonstra aos povos que estão diante de uma recomposição regressiva do próprio capitalismo, da volta ao darwinismo social, anterior ao chamado Estado keynesiano, agora em dimensões mundiais. O dilema Estado ou mercado não passa de um truque ideológico. Na realidade, o que está subjacente é o desmonte do sistema alcançado pelas conquistas sociais e civilizatórias deste século, para fazer valer de forma mais escravizadora a acumulação capitalista. Portanto, como vem demonstrando a prática política, não é apenas a estatização que a crítica neoliberal combate, mas o Estado democrático. Este vai sendo substituído pelo Estado ditatorial neoliberal – instrumento direto de preparação e adequação da economia e da sociedade ao capital monopolista financeiro. O avanço da democracia só é possível com o avanço de verdadeiras reformas e sobretudo com a transformação de sentido revolucionário.

A aprovação da emenda constitucional que instituiu a reeleição do presidente da República e demais cargos executivos foi uma demonstração saliente do uso ostensivo do poder por FHC e sua gente, da coação política em proporção inaudita. Com base no PFL, PSDB e maioria adesista do PMDB, quebrou a tradição republicana brasileira de mais de cem anos em proveito próprio. Rompeu assim com um preceito constitucional fundamental da Constituinte de 1988 e que foi reafirmado no Congresso revisor em 1994, estilhaçando partidos, negociando diretamente com cada parlamentar, usando as formas mais rasteiras da politicagem. Para a "modernidade" justifica-se qualquer meio.

Para o neoliberalismo, reeleição é peça política essencial

A sustentação das novas políticas e reformas neoliberais nos países dependentes enfrenta ainda um grande desafio: a definição de uma política de longo prazo, que crie confiança na continuidade dessa orientação. As reeleições (eliminação da alternância no poder, ou pelo menos maior tempo de mandato) passaram assim a ser peça política essencial – âncora política – da estratégia da "nova ordem" global imperialista. Tem sido assim na Argentina, Peru, Brasil e outros países. O suporte financeiro internacional desses modelos em países como os da América Latina funda-se, em última instância, no fluxo permanente de capitais forâneos. Ou seja, no aproveitamento (submissão ao pagamento de juros estratosféricos) da onda de liquidez internacional, base do "milagre" da estabilização monetária. Essa onda vive em constante oscilação. A fragilidade e natureza fugaz desses projetos são considerados com bastante realismo pelos centros de poder internacional (Estados Unidos, Alemanha, Europa, Japão), que trabalham assim pela manutenção das mesmas autoridades, conhecidas e fiéis. É a forma encontrada para garantir a governabilidade do novo projeto em execução, diminuindo os riscos da sua própria natureza e da turbulência inevitável nos rodízios do poder.

O jogo bruto empregado na supressão da alternância na Presidência da República do Brasil não foi casual. Respondeu às exigências do grande capital internacional e brasileiro. No plano interno a aprovação da reeleição provocou o surgimento de um novo quadro político. O presidente atual passou a acumular maior poder. Tem a possibilidade de disputar as eleições de 1998 sem mesmo se desincompatibilizar. Entre os grupos dominantes não há a ameaça imediata de um concorrente que o suplante nas próximas eleições. Com esse resultado, Fernando H. Cardoso se afirma como única alternativa capaz de unificar a classe dominante em torno do seu projeto em curso. Na perspectiva das eleições presidenciais de 1998, passa a ser forte pólo aglutinador de forças políticas à direita e ao centro. Consequência disso é que criou maiores possibilidades de aumentar seu lastro de apoio político, com a imigração de lideranças nacionais e regionais em sua direção. Vitorioso com a aprovação da reeleição, o governo pretende acelerar as reformas denominadas administrativa, do sistema previdenciário, político-eleitoral; retomar a investida para restringir mais ainda direitos sociais dos trabalhadores e ampliar a ofensiva privatista em áreas estratégicas da economia.

A aprovação da emenda da reeleição, em contrapartida, trouxe o custo pesado das barganhas repetitivas que se acumularam e estão sendo cobradas. A ação arbitrária, sem disfarces, dos propósitos continuístas de FHC semeia animosidade até mesmo entre seus aliados mais próximos. A mudança concretizada através de acordos espúrios com governadores e prefeitos, interessados também nas suas próprias reeleições, fortalece a existência das facções oligárquicas nos Estados.

Toda essa sanha continuísta provoca profundo estrago nas já abaladas instituições políticas brasileiras. A reeleição de governadores e prefeitos (sem desincompatibilização) introduz um elemento estranho à tradição política nacional, quebrando o mecanismo do rodízio, que acomodava com esse expediente os interesses mais diversos no âmbito do Estado e do município.

Esta nova situação modifica o processo que permitia certa estabilidade, alimentando dessa forma a acumulação de novos fatores complicadores que podem desembocar em crise maiores. O desmonte das instituições políticas democráticas que o governo FHC vem perpetrando se torna mais ameaçador porque o chefe do Executivo quer governar como poder único, convencido de ser o eleito dos eleitos, agindo de maneira a combinar a arrogância com a farsa, no esforço desesperado de aprovar suas mudanças neoliberais. Intervém de modo sistemático na esfera legislativa e nesta estrutura de poder, e atropela o Judiciário. Instituições prestigiosas e tradicionais da sociedade civil como a CNBB, a OAB, a Associação de Magistrados e conselhos profissionais protestam contra o autoritarismo crescente, o estrago social provocado pelo plano fernando-henriquista e a dilapidação do patrimônio nacional. No terreno do movimento organizado de massas, entre os trabalhadores, setores médios, jovens, mulheres e forças culturais, aprofunda-se a incompatibilidade com a política governamental. E no seio das Forças Armadas é crescente a insatisfação de amplos segmentos com a entrega de setores estratégicos da economia e a submissão geopolítica do Brasil.

Formação de ampla frente oposicionista ao governo de FHC

O núcleo do esquema político mantenedor do governo FHC investe persistentemente, utilizando todos os recursos para desmoralizar, dissimular e conter a oposição. Tem se pautado em afastar qualquer ameaça de oposição, com base nas classes dominantes, à continuidade de Fernando H. Cardoso. Em relação ao campo de esquerda, busca sua divisão, cooptação de grupos e elementos vacilantes e o seu isolamento. Desde a eleição presidencial de 1994, o bloco eleitoral vitorioso procurou eliminar do seu campo a existência de concorrentes mais consistentes, forçando o então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, a desistir de concorrer ao pleito. Beneficiou-se também da longa campanha montada e dirigida contra Orestes Quércia, candidato do PMDB. Tudo, enfim, foi preparado visando impedir a dispersão de forças em torno de Fernando H. Cardoso, para melhor enfrentar a ameaça principal que vinha da esquerda, com a candidatura de Luís I. Lula da Silva. Atualmente, a conduta situacionista segue a mesma linha, aplicada ao quadro político presente.

Representante de importante setor das forças de direita, Paulo Maluf obteve significativo êxito nas eleições municipais de 1996. Foi vitorioso no pleito do mais importante município do país, derrotando o candidato mais destacado do PSDB, lançado pelo próprio FHC, e também a candidata das forças de esquerda, Luiza Erundina. Seu partido, o PPB, cresceu, ocupando o terceiro lugar entre os partidos mais votados nos cem maiores municípios. O partido de Paulo Maluf apóia as reformas do governo, defende as privatizações até em ritmo maior e sustenta as teses neoliberais. Seu maior ideólogo, o ex-ministro de governos militares Delfim Neto, critica o câmbio supervalorizado, argumentando que o país está importando supérfluos e que as "exportações são o único caminho para gerar emprego". De certa maneira, expressa anseios de setores produtivos industriais e agrários, ameaçados ou marginalizados pela reestruturação em curso. O objetivo de Paulo Maluf é construir uma alternativa oposicionista, baseada em forças de direita, ao governo FHC, mas não conseguiu ainda condições políticas para sua realização.

O fim do regime militar, depois de duas décadas de luta das forças de esquerda e democráticas contra a ditadura, abriu o processo de transição à democracia. Muitas conquistas democráticas foram alcançadas, representando expressiva vitória das tendências progressistas no Brasil. Essa evolução propiciou a retomada do crescimento dos partidos de esquerda, de base operária e popular. Assim nasceram alguns partidos, e outros conquistaram vida legal. A constituição da Frente Brasil Popular – PT, PCdoB, PSB – em 1989, nas primeiras eleições diretas para a Presidência da República após a ditadura, foi o ponto mais alto alcançado pelas forças de esquerda em eleições nacionais. O bloco de esquerda perdeu o pleito por pequena margem de votos. Mesmo com o impacto provocado pela crise do socialismo, e das limitações e obstáculos ao processo democrático, os partidos de esquerda de uma maneira geral continuaram crescendo no Congresso Nacional, assembléias estaduais, câmaras de vereadores, prefeituras e conquistaram os governos de alguns estados, apesar da derrota na eleição presidencial de 1994.

Governo tenta barrar crescimento oposicionista

O PT é o maior agrupamento partidário entre as forças de esquerda. Adquiriu maior dimensão política a partir do êxito da Frente Brasil Popular em 1989. No pleito municipal de 1996, dobrou sua bancada de vereadores, mais que duplicou o número de prefeitos e foi o partido mais votado, em aliança com outros partidos de esquerda, nos 100 maiores municípios do país. O PSB, que tem diferenças regionais acentuadas na sua formação e orientação, cresceu também, alcançando significativo desempenho naquelas eleições municipais. Conseguiu eleger, através de ampla aliança de forças de esquerda e democráticas, o prefeito de Belo Horizonte; triplicou sua bancada de vereadores e conquistou três prefeituras de capitais. O PCdoB, apesar de ter sido o alvo central da luta ideológica contra o socialismo e o comunismo, manteve crescimento ascendente. Dobrou sua bancada federal nas eleições de 1994 e, nas de 1996, duplicou o número de vereadores, e mais ainda o de votos.

Participou de 147 coligações municipais vitoriosas que elegeram prefeitos. O PCdoB e o PT são as forças de esquerda com maior influência e crescimento nos movimentos dos trabalhadores, popular e estudantil. O PDT sofreu baixas significativas no Congresso Nacional e em alguns Estados, sobretudo em bases tradicionais como o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. A sua legenda cresceu nas eleições municipais. Todavia, em função de sua composição heterogênea, em vários municípios ficou fora da frente de esquerda. Por sua origem, compõe ainda o campo da esquerda o PPS e o PV, que têm uma postura conciliadora com FHC, além do PCB, do PSTU e de outros grupos menores.

A investida desabrida do governo contra o movimento oposicionista e a ação uniforme da grande imprensa, cujo intuito é desqualificar a atividade oposicionista, provoca uma situação adversa e difícil para a atividade das correntes de esquerda. A reforma política pretendida pelo governo e seus aliados objetiva criar obstáculos ao crescimento das forças políticas populares e operária; ela está essencialmente voltada para eliminar os direitos democráticos e restringir o pluralismo na democracia representativa. Objetiva o abandono do sistema de representação proporcional, adoção de fórmula distrital mista, fixação de cláusulas de barreira à representação parlamentar, entre muitos outros itens.

Além disso, a cantilena ideológica dominante é marcada pelo refrão constante e uníssono de que "as esquerdas perderam o rumo da história" e "não possuem alternativa viável". Pretende dessa maneira desacreditar as tendências consequentes e dissuadir as menos consistentes. Apesar disso, as correntes de esquerda crescem, aumentam sua influência na sociedade, vão dando mostras de capacidade administrativa democrática em muitos locais e são as forças melhor situadas para refletir, ecoar e dirigir o descontentamento, as revoltas e os anseios dos trabalhadores e do povo. Essas correntes tornaram-se escoadouros próprios do pensamento crítico e antagônico ao modelo econômico-social que vai se instalando.

A base social de sustentação da frente oposicionista

A frente de oposição ao governo FHC tem na sua base o movimento dos trabalhadores e popular e tem o apoio da maior parte das entidades da sociedade civil. Pode se transformar em grande movimento oposicionista com larga base social de apoio. A execução do plano governamental impõe maiores sacrifícios ao povo. Na sua lógica autoritária e antipopular, tudo é feito em detrimento dos direitos sociais e trabalhistas. Na sua trajetória se acentuam a tragédia do desemprego crescente, desvalorização e precarização do trabalho, desregulamentação das relações de trabalho. A reforma agrária é tratada de forma demagógica, sem enfrentar o sistema de grandes propriedades latifundiárias. Não vai resolver o problema de milhões que precisam ter acesso à terra, comprando terras para assentá-los. O cortejo de regressão social soma-se aos profundos problemas da discriminação, apartação, criminalidade e violência que se agravam, conformando uma situação de profunda crise social.

Esta situação detona uma multiplicidade de ações, de lutas diversificadas em formas de protesto e revoltas. A luta dos trabalhadores reflete uma crescente tomada de consciência diante da ofensiva governamental contra direitos duramente conquistados. Apesar da situação desfavorável causada pela insegurança constante da perda do emprego, as massas trabalhadoras não deixaram de resistir. O número de greves no país em 1996 chegou a 1.258, o que significa um aumento de 20% sobre o ano anterior. As paralisações envolveram 2,54 milhões de trabalhadores e tiveram como bandeiras principais o atraso do pagamento salarial, melhores salários, redução da jornada de trabalho.

A ação de massas que ganhou maior envergadura por sua amplitude, combatividade, organização e papel catalisador na luta contra a política de FHC é a do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Ele conseguiu desmascarar e expor a demagogia social do governo FHC para toda a sociedade. Esse movimento cresce por quase todos os Estados e esse crescimento está relacionado a dois fatores essenciais: acentuada concentração da propriedade territorial e a expansão atual do desemprego nas cidades e no campo.

Os estudantes estão submetidos, como a maioria da juventude, a uma dupla negação de direitos: declínio da quantidade e qualidade do ensino público e das oportunidades de trabalho. Eles correspondem a um setor social que tradicionalmente se mantém ativo. Apoiados em suas organizações em vários níveis, reagem à avalanche privativista do ensino e à degradação do ensino público. Saem às ruas contra o "provão", em defesa da educação pública gratuita e da soberania nacional.

As manifestações contra as privatizações das grandes empresas estatais assumem importante papel na luta de resistência. Nomeadamente por sua maior amplitude, a luta contra a venda da Cia. Vale do Rio Doce. Ultimamente ganhou maior vulto a luta contra o desmonte do Estado no atendimento aos direitos na área de saúde e na defesa do SUS, englobando vastos segmentos sociais.

Movimento de massas pode alcançar fase mais avançada de luta

A fase atual da luta de massas e das manifestações da população caracteriza-se ainda pela predominância da variedade de objetivos e multiplicidade de ações sem interligação organizada. A evolução de uma situação cada vez mais desfavorável para a grande maioria do povo inevitavelmente vai criando o ambiente para a elevação da consciência política, aproximando os objetivos comuns da luta e elevando a ação organizativa. Uma tendência de reanimação do movimento de massas prospera. Cresce a pauta de atividades e jornadas de trabalhadores. Grandes concentrações nacionais começam ser programadas e realizadas.

O movimento de massas vai progressivamente se unificando, podendo alcançar uma fase mais avançada de luta. Refletindo essa situação, passo importante foi dado com a inauguração da Conferência Nacional em Defesa da Terra, do Trabalho e da Cidadania, com a função de articulação permanente, realizada no início de abril de 1997. Reuniu em nível nacional os movimentos sociais, entidades da sociedade civil, sindical, juvenis, de mulheres, de negros, indígenas, e personalidades comprometidas com a luta popular. Esse significativo evento realizou detido trabalho na busca da unidade trabalhadora, popular, estudantil, cidadã, direcionando suas energias às mobilizações encimadas pelas consignas de Reforma Agrária Já, Redução da Jornada de Trabalho Sem Redução do Salário, Contra a Privatização da Vale, Defesa do SUS, Por uma Política de Habitação Popular, Defesa da Educação Pública e Gratuita. A Conferência tem na sua pauta a realização de um grande Encontro Nacional Democrático e Popular. A extensa manifestação popular nacional do dia 17 de abril em Brasília, liderada pelo MST e com ampla participação de trabalhadores, funcionários públicos, estudantes e da população local, indicou uma viragem para um nível superior na luta de massas.

Portanto, uma nova fase de luta e organização popular e de amplos setores da população pode estar em marcha, propiciando assim enorme reforço de base à construção da frente de oposição contra a escalada neoliberal e pela reestruturação nacional, a democracia e a justiça social.

É preciso substituir o projeto oficial

A nova fase política, iniciada com a vitória da coligação que elegeu Fernando H. Cardoso, modificou o equilíbrio de forças que existia anteriormente, deslocando para a direita correntes que ocupavam uma posição intermediária ou de centro no plano político. O PMDB, maior partido no Congresso Nacional pós eleição de 1994, aderiu em sua maior parte aos planos do governo. O processo de direitização política prospera onde o projeto neoliberal avança, impondo a tendência de assimilação do centro pela direita. Por outro lado, a implantação do modelo liberalizante, submisso ao domínio da oligarquia financeira mundial, vai provocar a inconformidade da classe média e a revolta das camadas populares com o desenvolvimento mais concentrador e excludente. Progressivamente, aparecem no plano político novos contingentes em luta, que vão engrossar as correntes de esquerda. E, num efeito propagador, ressurgem outras forças que passam a ocupar o espaço político de centro. Nesta condição, não assumem as posições mais consequentes, mas procuram demarcar e se opor em importantes questões ao projeto governamental. Abrem-se assim possibilidades de aproximação e de concretização de parcerias entre a esquerda e o novo centro. Atualmente as posições que importantes parcelas do PMDB têm assumido, lideranças que se divorciaram do governo, setores inconformados com o autoritarismo e a "neocolonização" permitem uma convergência de propósitos comuns com as correntes de esquerda.

O plano de FHC vai provocando seus estragos no plano político, econômico e social. Diante disso, é inevitável a reestruturação e crescimento da oposição que se contrapõe ao avanço neoliberal. Entretanto é lógica a necessidade da recomposição das forças oposicionistas, posto que, pelo alcance mundial e nacional das mudanças, impõe-se unir a resistência e criar as condições da alternativa ao projeto neoliberal e avançar na perspectiva transformadora da sociedade. Partindo da resistência, chegar à formulação de um projeto alternativo, numa relação dialética que, para se tornar efetiva e possível de realização, depende do crescimento político, da mudança na correlação das forças políticas e da conquista do governo nacional pelas forças de oposição populares e democráticas. A evolução da luta política contra o governo neoliberal de Fernando H. Cardoso vai firmando de modo crescente, na maioria das forças de esquerda e em amplos setores políticos e sociais da resistência, a tendência de que é preciso substituir o projeto oficial por um que seja baseado em premissas distintas das que são consideradas e aplicadas atualmente.

Projeto alternativo à orientação neoliberal de FHC

Essa realidade em desenvolvimento fornece uma base política importante para o alargamento da frente oposicionista, que tenha como núcleo as forças de esquerda e se estenda aos vários segmentos democráticos e progressistas interessados na mudança da orientação neoliberal do governo de FHC.

Ao mesmo tempo, também, a possibilidade de reversão do atual quadro de forças – derrota da coligação de centro-direita, neoliberal, e a vitória de outra política, que seja contrária ao neoliberalismo – somente é possível por meio da formação de uma frente oposicionista de maior amplitude, que vá além dos segmentos mais conseqüentes. A premência dessas questões se impõe. Está em andamento a conformação dos campos políticos, visando à disputa da grande batalha eleitoral nacional de 1998. Por isso, em resumo, vai se colocando na ordem do dia a discussão de um programa progressista, possível de ser apoiado por forças políticas e sociais mais amplas. É esta a via que permite a vitória.

A construção de um projeto que defina uma alternativa de mudança ao projeto neoliberal, e que tenha o consenso de amplos segmentos políticos, está subordinada à participação conjunta de várias tendências oposicionistas, levando-se em conta suas experiências, contribuições e a evolução do movimento de resistência popular à política governamental. Não é trabalho de um só partido. A constituição do Bloco Parlamentar de Oposição na Câmara dos Deputados (PT, PDT, PCdoB, PSB) e no Senado Federal (PT, PDT, PSB, PPS), reunindo os partidos de esquerda. é um passo importante que indica a possibilidade concreta da formação da frente de oposição e do começo do trabalho comum, multipartidário. Nesse trabalho de elaboração multipartidária, o esforço inicial consiste em desvendar e unificar as premissas básicas do plano oficial para um diagnóstico comum.

Simultaneamente, estabelecer as premissas e pontos fundamentais de um projeto de reestruturação nacional, ampliação democrática e retomada do desenvolvimento em ritmo elevado e sustentado. Fernando H. Cardoso e seus ideólogos procuram esconder com zelo uma questão essencial: a opção que eles tomaram não é "natural". É a opção que coloca o Brasil num lugar subordinado, auxiliar, principalmente na reestruturação hegemônica dos Estados Unidos. Nas condições atuais, acarreta uma dependência mais profunda – o espaço nacional é desestruturado e o país se torna mais vulnerável –, com sua economia acoplada a uma imensa "bolha especulativa financeira". Busca sustentar a estabilidade em bases frágeis – o livre fluxo do capital forâneo.

Brasil reúne condições para alternativa própria de desenvolvimento

Essas são as premissas do plano FHC. Há outras possíveis? Sim. Política e tecnicamente não existe apenas a via neoliberal. Em primeiro lugar, o Brasil reúne condições estruturais – físicas, econômicas, recursos humanos e naturais – compatíveis com uma alternativa própria, baseando-se em seus recursos e evidentemente levando em conta a realidade mundial atual. O país já atingiu o nível de uma economia de desenvolvimento médio, diversificada e complexa. Em segundo lugar, é possível reunir as forças populares e democráticas numa larga frente oposicionista nacional, com base no movimento de massas organizado. Uma frente desse porte contaria com recursos humanos capazes e experimentados para uma nova administração do país. Em terceiro lugar, devemos levar em conta, na construção de uma política nacional, as contradições crescentes que ocorrem entre os Estados Unidos, a Alemanha-Europa e o Japão.

Nas condições atuais, sobretudo considerando a preparação para o desfecho eleitoral de 1998, quando estará em disputa a Presidência da República, os pontos básicos referencias para um programa antineoliberal, levando-se em conta as opiniões correntes na oposição mais consequente, são os seguintes:

– Governo democrático composto pelas correntes de oposição ao neoliberalismo, multipartidário, baseado nas forças democráticas e populares, que defina um Projeto Nacional com o objetivo da reestruturação nacional, a recuperação e ampliação das conquistas sociais e a retomada do desenvolvimento ao seu ritmo histórico brasileiro;
– democratizar a vida nacional, aprimorando o sistema proporcional de eleições; campanhas eleitorais financiadas por fundos públicos; redefinir o instituto da Medida Provisória; democratizar os meios de comunicação de massa; realizar consulta popular acerca dos grandes temas nacionais;
– democratizar o Judiciário, tendo em vista assegurar uma justiça independente, rápida e acessível ao povo;
– explicitar uma linha de política econômica que tenha como fator dinâmico da acumulação a valorização da base produtiva instalada, aproveitando-se ao máximo do excedente na formação da poupança interna, visando o aumento das taxas de investimento, de modo a incrementar a produtividade média da economia, estimular os setores capazes de gerar emprego e criar as condições para melhorar a distribuição de renda;
– recompor o sistema de moeda e crédito nacional, tendo em vista o amplo desenvolvimento do mercado interno como condição necessária para participação maior no comércio externo;
– estabelecer um plano de desenvolvimento essencialmente voltado para a extensão do mercado interno e na ampliação do mercado de trabalho;
– resolver o problema da dívida pública, reduzindo substancialmente as taxas de juros reais e reescalonando os prazos dos títulos, tendo em vista o redirecionamento da poupança para o investimento produtivo;
– fortalecer e recuperar as empresas estatais estratégicas; redefinir o sistema nacional de ciência e tecnologia e adotar uma política científica e tecnológica voltada prioritariamente para vencer os desafios do desenvolvimento econômico e social do país; elaborar um plano de crescimento industrial, agrícola, tecnológico e de serviços; estabelecer o modo de atração e a função do capital estrangeiro tendo em conta os objetivos econômicos estratégicos;
– rever os acordos acerca da dívida externa, celebrados desde 1994, visando a reverter o fluxo de saída de divisas (mais de 140 bilhões de dólares até o ano 2.000) a que o país está submetido;
– elaborar um sistema tributário progressivo, no qual os impostos e contribuições sociais cobradas incidam mais do que proporcionalmente sobre os setores de maior renda e riqueza;
– adotar políticas de combate às desigualdades regionais, visando uma melhor distribuição dos recursos nacionais, garantindo um justo equilíbrio federativo;
– garantir e desenvolver a seguridade social pública e implantar, em sua plenitude, o Sistema Único de Saúde;
– adotar políticas de democratização da cultura e da educação, recuperando, fortalecendo e universalizando o ensino público, gratuito;
– fixar a jornada de trabalho em 40 horas semanais, sem diminuição dos salários; salário-mínimo compatível com os critérios fixados pela Constituição;
– realizar reforma agrária que modifique a acentuada concentração da propriedade territorial, democratizando o acesso à terra e ao crédito, e investindo em infra-estrutura apropriada;
– realizar a reforma urbana para garantir o direito à moradia digna para amplas parcelas da população;
– adotar e aprimorar uma política ambiental tendo em conta a realidade dos ecossistemas do Brasil e recuperação de áreas degradadas;
– adotar, na questão amazônica, uma política de desenvolvimento auto-sustentável e de preservação desta Região, tendo em conta seu patrimônio biológico, sua biodiversidade e utilização racional de suas imensas reservas;
– assegurar a demarcação e a garantia da integridade das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas e o respeito à diversidade étnica e cultural;
– redefinir os objetivos geopolíticos do Brasil em função dos interesses nacionais; avançar a integração política, econômica e social dos países do Mercosul, superando os limites deste enquanto mera articulação comercial regional, para consolidá-lo como pólo galvanizador de uma integração mais ampla dos países da América Latina contra o hegemonismo norte-americano no continente, tendo como base de relação comum a igualdade de direitos, respeito mútuo e cooperação entre os países; e
– lutar com a maioria das nações e povos do mundo, por uma nova ordem mundial de paz, soberania, democracia e desenvolvimento.

Estas são referências, entre outras, que deverão ser discutidas mais amplamente no âmbito do movimento oposicionista. III – A participação do Partido no processo político

Neste 9° Congresso cumpre fazer um balanço da tática partidária considerando a evolução política recente. A participação do Partido Comunista do Brasil no curso dos acontecimentos políticos, nas instituições democráticas e no movimento de massas tem sido feita com o objetivo de defender os interesses dos trabalhadores, das massas populares, dos setores médios da população, dos jovens, das mulheres, dos negros, dos índios, dos excluídos, enfim da grande maioria da nação, na busca incessante de reforçar a unidade, elevar a combatividade e a organização do conjunto das lutas empreendidas contra os inimigos do povo.

PCdoB – combatente pela democratização do país

O Partido não é uma organização que apenas apregoa a transformação revolucionária ou é espectadora distante dos acontecimentos. Ele tem procurado agir politicamente ao nível do movimento real, exercendo influência em importantes resultados e desfechos na história política recente.
Em resposta às condições impostas pelo regime militar, o Partido assumiu o papel dirigente da resistência armada do Araguaia. Teve importante função precursora no final da ditadura, na luta por um governo democrático, pelo fim do Atos e leis de exceção, pela anistia ampla e irrestrita e pela convocação da Constituinte. E quando, diante do quadro de forças estabelecido, esgotou-se a possibilidade de derrotar a ditadura por meio das eleições diretas, participou da eleição presidencial no Colégio Eleitoral, apoiando a candidatura Tancredo/ Sarney para abrir passagem à redemocratização do país. A conquista da legalidade em 1985 permitiu ao Partido aparecer abertamente, com sua fisionomia própria. Pôde demonstrar sua identificação com as aspirações do povo de forma mais ampla. Alcançada a transição à democracia, aplicou-se em levá-la às últimas consequências.

Empenhou-se para que a tendência progressista predominasse na Constituinte de 1988, estimulando para isso o movimento de massas e intervindo diretamente nos seus trabalhos. Foram alcançadas importantes conquistas na Constituinte de 1988. Entre as forças avançadas que contribuíram para esse resultado, o Partido teve papel destacado e decisivo.

O governo Sarney não levou adiante a democratização do país e tornou-se imperativo para o Partido e as forças populares mais conseqüentes a busca do caminho para reerguer a democratização. A aproximação da eleição presidencial de 1989 levou o Partido a propor a formação de uma ampla frente democrática e popular para retomar o avanço do processo progressista. A proposta resultou na formação da Frente Brasil Popular, constituída pela maior parte das forças de esquerda. A FBP foi ao segundo turno das eleições, quando uma frente mais extensa foi montada com forças democráticas, quase vencendo as eleições presidenciais.

PCdoB – opositor à política neoliberal de FHC

A vitória da candidatura Collor abriu nova fase política no país, bloqueando a tendência democratizadora que se desenvolvia desde o declínio do regime militar, e iniciando a caminhada para a inversão das conquistas democráticas, que é aprofundada pelo governo atual. A queda do governo Collor e a entrada de Itamar Franco produziu breve interregno democrático, mas não chegou a barrar a tendência antidemocrática. Ao mesmo tempo, no plano mundial, fazia-se sentir o impacto da crise do socialismo, com forte reflexo em nosso país. A partir da virada produzida no quadro nacional, o Partido foi ainda a força pioneira em demonstrar os objetivos da política inaugurada pelo governo Collor, alertando para o início do derrube das fronteiras nacionais e da involução política. Simultaneamente o Partido enfrentou a escalada política-ideológica contra o socialismo e as idéias revolucionárias. Respondeu a essa investida, preservando a essência das idéias revolucionárias marxistas e se renovando para colocar-se a altura das mudanças ocorridas.

Hoje o Partido tem como marca, no plano político, o combate sem tréguas à política neoliberal comandada por FHC. Procura demonstrar que essa política segue a iniciada por Collor. Ela reverteu o processo de democratização retomado com o fim do regime militar, e submete o país a uma dependência mais profunda. O PCdoB defende e pratica firme oposição ao governo FHC, como condição essencial para o êxito da perspectiva democrática e progressista. Manteve firme posição e destacada atuação na luta contra a aprovação da emenda da reeleição do presidente da República. Teve importante papel precursor e condutor nas grandes jornadas populares iniciadas no final da década de 70 e que ganharam as ruas e tiveram apoio da maioria da sociedade, desde a luta pela Anistia às da Diretas Já e pelo impeachment do presidente Collor.

Cresce a influência do Partido no movimento sindical, através do apoio à CSC (Corrente Sindical Classista) da Central Única dos Trabalhadores, e em termos gerais no conjunto dos movimentos populares. Está ligado a organizações nacionais específicas de massas de jovens e mulheres.
Continua aumentando sua influência no movimento estudantil e juvenil. Na Câmara Federal o Partido destaca-se tradicionalmente por combinar combatividade com qualidade de sua intervenção. Hoje, a bancada federal do Partido destaca-se como importante pólo oposicionista dentro e fora do parlamento.
Desenvolve firme atividade contra as emendas constitucionais antidemocráticas e as reformas de FHC.
Assume importante papel na denúncia da função subalterna do Poder Legislativo em relação ao presidente da República. Coloca-se como centro de ressonância das reivindicações dos trabalhadores e da população oprimida. Participa da experiência pioneira da criação do Bloco de Oposição Parlamentar na Câmara dos Deputados. Nas assembléias estaduais e nas câmaras municipais as representações do PCdoB têm rumo idêntico ao seguido no parlamento nacional, levando em conta as realidades locais. Nas eleições municipais de 1996, o Partido foi vitorioso em alianças que elegeram 147 prefeitos, participando diretamente dessas administrações na maioria desses municípios. As experiências nos órgãos executivos, quando se aplica uma política justa, permitem, por um lado, maior ligação com as massas e, por outro, aprendizado de gestão administrativa nas esferas municipal e estadual.

PCdoB – contrário à reforma política antidemocrática

O crescimento do Partido está sujeito, evidentemente, a possibilidade de erros políticos que possa cometer. Entretanto, a ameaça real, o obstáculo maior à sua trajetória ascendente provém da chamada reforma política, menina dos olhos das correntes dominantes neoliberais. Essas correntes se fixam obsessivamente na questão da "governabilidade": garantir o avanço da reestruturação neoliberal e, ao mesmo tempo, conter o crescimento da resistência, sufocando-a. Pretendem manter a estabilidade política, o status quo dos partidos dominantes atuais, em detrimento de uma maior e mais diversificada formação partidária e representação parlamentar das correntes populares.

Esse é o conteúdo real da reforma política em andamento nas duas Casas do Congresso Nacional. Entre as propostas que compõem essa reforma, as mais perniciosas aos partidos populares são: a negação do sistema eleitoral proporcional e adoção do sistema distrital misto; a cláusula de barreira para o funcionamento parlamentar; a proibição das coligações proporcionais. O Partido procura desenvolver grande esforço no âmbito do parlamento, trabalhando junto aos aliados proposições alternativas, principalmente acerca das coligações, para garantir a participação parlamentar dos partidos menores. Todavia, não tem conseguido realizar ainda amplo trabalho de denuncia junto ao povo. A luta pela defesa da representação parlamentar do PCdoB, ameaçada pelo arbítrio das forças dominantes, deve ocupar lugar central na atividade de propaganda e de massas do Partido.

Tarefa política partidária – abrir caminho para superar o neoliberalismo

Pela experiência histórica dessas últimas décadas no Brasil, o crescimento e fortalecimento do PCdoB é condição essencial para o avanço conseqüente do processo transformador da sociedade. Por seu projeto programático, por sua trajetória política de rica experiência, contribuições e justa intervenção em momentos decisivos, ele se afirma cada vez mais como força conseqüente e respeitada O rumo que os setores das classes dominantes, tendo à frente o governo FHC, procuram impor ao país aprofunda a encruzilhada histórica em que se encontra o Brasil. A compreensão do Partido, explicitada em seu Programa, é a de que somente será possível abrir outro rumo superando o neoliberalismo, seguindo o objetivo da conquista do socialismo científico. A viabilidade do socialismo em nosso país depende da aplicação de um Programa voltado para responder às necessidades da fase de transição preliminar do capitalismo atual ao socialismo. O caminho para que seja alcançado o poder político que garanta essa transição compreende uma disputa difícil e formas variadas de aproximação.

O Partido atua no curso da vida política. Não pode ficar indiferente à alternativa que possa reconduzir o processo democratizador e progressista, criando condições para aproximação do objetivo maior. Hoje, a tarefa política se concentra no enfrentamento do mais importante desafio:

– Primeiro, reunir o máximo de forças políticas e sociais, concentrando grandes esforços na formação de vasto movimento político de resistência popular para fazer frente à investida neoliberal, invertendo a situação desfavorável ao avanço democrático e progressista;
– segundo, tornar vitoriosa a frente de forças democráticas, populares e nacionalistas que possa concretizar um novo projeto democrático, de reestruturação nacional e de acelerado desenvolvimento para o país;
– terceiro, diante da ofensiva para enquadrar e subordinar o desenvolvimento brasileiro às exigências dos circuitos globais do capital, ou a alternativa democrática de reestruturação nacional se aproxima do projeto de transição ao socialismo, abrindo caminho para superar o neoliberalismo, ou retrocede e acaba submetido por outras formas ao sistema neoliberal.

Cabe ao PCdoB e às forças populares mais conseqüentes fazer prosperar a tendência transformadora avançada, participando da conquista de objetivos intermediários, como meio de acumulação de forças e aproximação do objetivo maior – a transição ao socialismo. O Partido continuará divulgando e defendendo seu programa de construção socialista, procurando, dessa maneira, apontar a perspectiva mais conseqüente para superar o neoliberalismo, conquistando apoio social e político para esse grande empreendimento transformador da sociedade brasileira.

EDIÇÃO 47, NOV/DEZ/JAN, 1997-1998, PÁGINAS 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57