"Las leyes deben tener en cuenta el físico dei país, el clima, la calidad del terreno, su situacion, el género de vida de los pueblos, el grado de libertad que la Constituición puede dar, la religión de los habitantes, sus inclinaciones, sus riquezas, su número, su comercio, sus costrumbes: Este es el código que débemos consultar, no el de Washington".
Simon Bolívar

As necessidades de acumulação do capital, enfrentadas pelo capitalismo neste final de século, levaram às últimas conseqüências sua condição de sistema mundial, gerando mudanças significativas no modo de se produzir as coisas, na organização das empresas e em todo o espaço institucional sobre o qual se assentam as relações de mercado. A concorrência oligopolista, marca central do capitalismo contemporâneo, se estende de uma escala basicamente nacional para a escala planetária. Os novos desenvolvimentos tecnológicos, particularmente na área da microeletrônica, informática e telecomunicações, representam forte estímulo a esse processo de mudança, em proporção talvez comparável ao das ferrovias e navegação a vapor no início do século.

Por outro lado, é um fato inconteste que a economia mundial vem crescendo na década de noventa a taxas relativamente modestas quando comparadas com períodos anteriores, o que reforça ainda mais a necessidade de domínio de amplos mercados por parte das empresas e dos países imperialistas, para gerar retornos que viabilizem os montantes de investimento exigidos pelas novas tecnologias. O resultado concreto dessa nova situação é que uma empresa, para firmar sua imagem comercial precisa dominar, às vezes, 5%, 10% do mercado mundial em seu ramo de atividade, levando às últimas conseqüências a tendência do sistema para a concentração e centralização da produção e do capital. Mega fusões, incorporações e privatizações exacerbam, neste final de século, a substituição da livre concorrência pelo domínio dos monopólios, traço fundamental do capitalismo em sua etapa imperialista.

A Globalização Aumenta A Desigualdade

Existem hoje no mundo, segundo o relatório da ONU sobre investimentos mundiais de 1996, 38.747 empresas multinacionais que, juntamente com suas 265.551 filiais estrangeiras, dominam parte significativa da economia do planeta. Em 1995 essas empresas empregavam em todo o mundo cerca de 73 milhões de pessoas e possuíam um estoque de investimentos externos de 2,7 trilhões de dólares. O grau de concentração mundial do capital é, entretanto, muito maior do que esses números aparentam. Apenas as primeiras 100 maiores empresas respondem, sozinhas, por cerca de um terço do estoque total dos investimentos externos. Na realidade, não mais que 200 grandes multinacionais controlam a economia mundial. Enquanto o PIB mundial alcançou, em 1995, US$ 25,2 trilhões de dólares, o faturamento das 200 maiores empresas multinacionais do mundo totalizou US$ 7,85 trilhões de dólares, ou seja, 31,1% daquele montante. Seu lucro acumulado foi de US$ 251 bilhões. São grandes conglomerados que atuam em todas as áreas econômicas: da agricultura e extração mineral até a indústria e, hoje, principalmente nos serviços.

Além da brutal concentração do poder econômico nas mãos de uns poucos atores globais – as grandes multinacionais –, a globalização, longe do que o sentido usual do termo possa dar a entender, não aponta para a convergência dos padrões de desenvolvimento no mundo. Ao contrário, o que se vê, é um aumento sem precedentes da desigualdade, que ocorre tanto entre os países como dentro de cada um deles.

A UNCTAD, órgão das Nações Unidas que se ocupa do desenvolvimento por meio do comércio e do investimento, em seu "Relatório Sobre o comércio e desenvolvimento 1997", faz uma série de advertências sobre algumas características perturbadoras da economia mundial que apontam inequivocamente para o aumento das disparidades econômicas entre as nações e entre seus cidadãos.

De acordo com o relatório, o crescimento da economia mundial é lento demais, e insuficiente para gerar o número de empregos necessários para atenuar a pobreza; o fosso entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento se acentua cada vez mais e a desigualdade aumenta entre ricos e pobres no chamado Primeiro Mundo e no Terceiro.

Em 1965, o Produto Nacional Bruto (PNB) médio por habitante nos países ricos, representando 20% da população mundial, era 30 vezes maior que o dos 20% mais pobres; 25 anos depois, em 1990, essa diferença dobrou passando para 60 vezes. Na África, a renda média per capita é hoje de apenas 7% daquela dos países industrializados. Na América Latina, a média, que no final da década de 1970 era 1/3 da renda dos países desenvolvidos, caiu para apenas 1/4. A parcela da renda destinada aos salários cai em todo o mundo, enquanto a parcela da renda apropriada pelo capital, na forma de lucros, aumenta. A classe média, que nos países em desenvolvimento detinha entre 40% a 80% da renda, está cada vez mais reduzida. Mesmo entre trabalhadores qualificados e não qualificados a diferença aumenta, tendo esses últimos experimentado uma queda, em termos absolutos, de 20% a 30% nos seus rendimentos. Enquanto isso, emerge uma nova classe de rentiers que encontraram na rápida expansão da dívida pública e privada e das altas taxas de juros, que em vários países em desenvolvimento consome até 15% do Produto Interno Bruto (PIB), um mecanismo eficiente de valorização da riqueza e transferência de renda. A concentração pessoal de renda nunca foi tão grande.

Segundo a revista Fortune, um total de 358 bilionários concentra em sua mãos o equivalente à soma da renda dos 45% mais pobres da população mundial, ou seja 2,3 bilhões de pessoas. Só a riqueza pessoal de Bill Gates, dono da Microsoft, de US$ 36 bilhões, seria suficiente para comprar meia dúzia de países pobres.

As taxas de desemprego praticamente dobraram em todo o mundo nos últimos anos. Segundo a Organização Mundial do Trabalho (OIT), um bilhão de pessoas, ou 30% da força de trabalho mundial, encontram-se desempregadas ou subempregadas. Na União Européia o número de desempregados já passa dos 34 milhões de pessoas, número só atingido no período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial. Na América Latina a média do índice do desemprego vem crescendo ininterruptamente, desde 1993. Na Argentina a taxa de desemprego é de 18,3%, no Uruguai 12,5%, na Colômbia 11,2%, no Peru 9,2%, no Equador 6,8%. Mesmo nos países com taxas menores de desocupação – o Brasil, com 5,9%, entre eles –, parcelas muito altas da população sobrevivem graças ao subemprego.

Em recente artigo sobre o tema, o jornal inglês The Guardian chamou a atenção para o fato de – enquanto nas prateleiras dos supermercados de Londres é possível encontrar frutas e hortaliças produzidas em países africanos como Zaire, Quênia ou Moçambique – as populações subnutridas desses países dependerem pesadamente da importação de grãos dos Estados Unidos. Os fazendeiros de regiões inteiras desses países deixam de produzir alimentos para o consumo local e dedicam-se à plantação de flores para exportação, enquanto grande parte da população morre à mingua. Em nome do livre comércio e para fazer caixa para pagar as dívidas nacionais a comida deixa de ser algo produzido e consumido localmente. Na economia globalizada, as terras aráveis de qualquer parte do mundo tornam-se, assim, um recurso para ser utilizado pelo mundo rico e industrializado.

Grande parte das terras mais produtivas da América Latina, África e outras regiões pobres do mundo estão voltadas para a produção de suco de laranja, cacau, café, chá e flores para os consumidores do Primeiro Mundo. Enquanto isso a produção de grão vai sendo dominada por grandes companhias internacionais. A Cargill, empresa americana que domina grande parte do comercio mundial de sementes, tem 140 filiais, 800 fabricas, 300 escritórios em 60 países e fatura 23 bilhões de dólares por ano.

200 grandes multinacionais controlam a economia mundial. Elas atuam em todas as áreas econômicas: da agricultura e extração mineral até a indústria e, hoje, principalmente nos serviços

Esse quadro de extrema concentração do poder econômico em nível mundial está em profunda contradição com as centenas de regulamentações nacionais a que estão sujeitas essa grandes corporações em suas operações globais. Daí surgirem pressões cada vez mais fortes por parte desses conglomerados no sentido de gerar espaços econômicos e institucionais (leia-se reformas neoliberais) mais homogêneos e estáveis, capazes de reduzir em parte o alto grau de incerteza que ronda permanentemente as decisões capitalistas de investimento.

Esse processo de homogeneização das regulações nacionais na ocorre entretanto, de maneira uniforme em nível mundial. Em que pese a predominância atual dos Estados Unidos nos planos político, econômico e militar – para o que contribuíram de forma decisiva a desintegração do antigo Bloco Soviético e do Leste Europeu, os seis anos de crescimento continuo da economia americana e retomada da dianteira tecnológica por empresas americanas em segmentos industriais de ponta, particularmente, a microeletrônica(1) – a hegemonia americana é relativa. Enquanto no final da II Guerra Mundial os Estados Unidos respondiam por quase metade do PIB mundial, hoje sua participação mal passa dos 20%. A Europa e o Japão praticamente eliminaram a defasagem tecnológica em relação à industria americana na maioria dos setores e tem presença relevante em importantes segmentos da economia mundial, como eletrônica de consumo, automobilística e bens de capital. A União Européia, assim como o Japão – para não falar de China, que desponta como uma potencia emergente na virada do século – rivalizam com os Estados Unidos em importantes segmentos industriais. Na medida em que novas potencias econômicas vão se firmando, buscam polarizar em torno de si uma determinada área de influencia, valendo- se dos laços econômicos, políticos e culturais que proporcionam uma relação privilegiada. A esse processo denominamos globalização com regionalização.

O GATT 94 e a OMC

A conclusão da Rodada Uruguai (1986-1994) de negociações do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comercio) e a criação da OMC )Organização Mundial do Comercio) reflete o novo quadro da globalização em curso. Nos acordos anteriores, celebrados sob os auspícios do GATT, havia clausulas que facultavam o acesso preferencial dos países menos desenvolvidos aos mercados dos países desenvolvidos. Era facultativa a adesão a acordos internacionais, como os que regulavam a propriedade industrial. As margens de proteção à industria e a o mercado nacional eram grandes. Com o novo acordo, tudo isso acabou. Deixou de haver tratamento diferenciado para os países em desenvolvimento.

Mais que isso, forçou-se a abertura dessas economias às exportações dos países desenvolvidos. Em troca, praticamente nada foi dado, uma vez que as duas áreas de maior interesse para as exportações dos países em desenvolvimento, que eram a agricultura e o setor têxtil, continuam protegidas nos países desenvolvidos pelo Acordo sobre a Agricultura e o Acordo sobre Têxteis e Vestuário por pelo menos mais dez anos.

Reveladoras desse quadro são as dificuldades encontradas pelo Brasil em suas relações comerciais com os Estados Unidos. O governo americano taxa nossas exportações de suco de laranja em US$ 454 por tonelada, metade do preço do produto. As importações de carnes e as aves brasileiras estão proibidas nos Estados Unidos: uma lei americana exige que 75% dos cigarros fabricados naquele pais esse matéria- prima local; a legislação americana praticamente eliminou as exportações brasileiras de gasolina para aquele país.

Com a União Européia as dificuldades não tem sido menores. Enquanto em 1995 o Brasil importou de apenas dois países asiáticos 50.000 toneladas de tecidos artificiais e sintéticos, pelo sistema de cotas imposto pela União européia o Brasil consegui exportar apenas 2.288 toneladas para o conjunto de países europeus.

Os acordos celebrados na Conclusão da Rodada Uruguai do GATT refletem, no plano institucional, aquilo que a nova realidade do capitalismo mundial já vinha impondo na prática: maior abertura dos mercados dos países em desenvolvimento, alterações das regras para oferecer mais garantias aos investimentos estrangeiros, extinção dos subsídios destinados a proteger as indústrias nacionais da concorrência estrangeira, maior rigor na proteção da propriedade intelectual.

No Brasil, a aprovação da lei de patentes, o fim do dispositivo constitucional que estabelecia a distinção entre empresa brasileira de capital nacional e empresa estrangeira, e o gigantesco déficit na balança comercial – realizações do governo FHC expõe a amplitude da aplicação do projeto neoliberal em nosso país.

O fosso entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento se acentua cada vez mais e a desigualdade aumenta entre ricos e pobres no chamado Primeiro Mundo e no Terceiro

Mercosul: sentido político e econômico

A formação do Mercado Comum do Cone Sul da América Latina (Mercosul) entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, se de um lado pode ser vista como mais um passo do Brasil no sentido de se adaptar às imposições dos senhores do universo, por outro não apresenta as características centrais dos demais grandes blocos econômicos. Paralelamente a outros blocos de menor porte, como a Asean, que congrega Tailândia, Malásia, Filipinas, Indonésia e Vietnam, da EFTA, que reúne Noruega, Islândia, Liechtenstein e Suíça, o Mercosul não se caracteriza como um bloco marcado pela presença de um centro de poder político e econômico. O processo de formação do Mercosul apresenta mais elementos de integração do que de simples submissão ou adesão a um centro hegemônico de poder.

Em que pese o fato de o Mercosul ter nascido com o claro objetivo de promover e acelerar o processo de liberalização comercial na região, aos poucos vai ficando claro que ele pode ser um valioso instrumento de integração latino-americana, de forma a potencializar a capacidade de barganha dos países da região no atual processo de globalização da economia. Não se deve, naturalmente, confundir essa potencialização do poder regional de barganha com o simples protecionismo, como alguns querem fazer crer. Acusações, como a do economista do Banco Mundial Alexandre Yeats, de que o Mercosul é um bloco protecionista não fazem o menor sentido. As importações totais que o Mercosul faz do resto do mundo têm crescido a uma taxa anual de quase 20%, tendo aumentado de US$ 23 bilhões em 1990 para US$ 66 bilhões em 1996. No mesmo período, só as importações brasileiras de países fora do Mercosul aumentaram a uma taxa de 24% ao ano, passando de US$ 18 bilhões, em 1990, para US$ 45 bilhões, em 1996.

As preocupações nos meios políticos e acadêmicos norte-americanos de que negociar em bloco com os países da região seria muito complicado para os Estados Unidos, revela, por contraste, que esse é o caminho correto para os países da região. A proposta americana de negociar uma Área de Livre Comércio das Américas, tendo os Estados Unidos como núcleo e estabelecendo um processo de negociação caso a caso, tentando desconsiderar a existência do Mercosul, é uma clara evidência de que, mesmo tendo reduzido substancialmente as barreiras comerciais com o resto do mundo, o bloco em si mesmo representou um importante avanço na defesa dos interesses econômicos da região.

O Brasil e a Alca

A proposta americana de acelerar o processo de formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), destinada a liberalizar o intercâmbio comercial em 2005 do Alasca à Terra do Fogo, incluindo 34 países, exceto Cuba, não interessa ao Brasil e nem aos demais parceiros do Mercosul.
O fortalecimento das relações entre os países do continente é um objetivo desejável e passa necessariamente pela intensificação de seu intercâmbio comercial. Imaginar, contudo, que o caminho seja a adoção do livre comércio incondicional, nos moldes propostos pelos Estados Unidos, é um enorme equívoco.

Na história do capitalismo, os países que têm abraçado sem maiores restrições a bandeira do livre comércio são aqueles economicamente mais desenvolvidos, que têm possibilidade de tirar vantagens de sua posição dominante. Inversamente, os países mais distantes da fronteira tecnológica sempre procuraram atuar no sentido de defender suas próprias industrias e tentar evitar que as antigas e novas barreiras, impostas pelos oligopólios mundiais, impeçam o seu acesso aos setores industriais mais lucrativos e geradores de maior rentabilidade. Assim agiram os Estados Unidos e Alemanha no final do século passado e o Japão e os Tigres Asiáticos mais recentemente. Ainda mais se considerarmos que a proposta americana de acelerar o processo de liberalização é um caminho de mão única, onde o objetivo explícito dos Estados Unidos é, como afirmou a sua Secretária de Estado, Madeleine Albright, "assegurar que os interesses econômicos dos Estados Unidos possam ser estendidos à escala planetária" (2).

Em almoço recente com um grupo de embaixadores latino-americanos, a representante de comércio dos Estados Unidos, Charlene Barshefsky, afirmou que a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) representa um tremendo "almoço grátis" para os Estados Unidos.

Independente de tal incontinência verbal – aliás cínica e arrogante – ter como principal objetivo convencer o cada vez mais protecionista Congresso americano a aprovar, antes da viagem do presidente Clinton à América Latina, a autorização para que ele possa celebrar acordos de livre comércio com países latino-americanos e, desta forma, dar um impulso definitivo à formação da Alca, aponta para o fato concreto de que a referida afirmação é rigorosamente verdadeira.

Em que pese o radical processo de abertura comercial ocorrido na América Latina nos últimos anos, levando, inclusive, a que a balança comercial da região com os Estados Unidos se tornasse negativa, o fato é que ainda persistem, em determinados setores, barreiras tarifárias e não-tarifárias que os Estados Unidos gostariam de eliminar no comércio bilateral.

A figura do "almoço grátis" surge exatamente porque, em troca dessas vantagens, os Estados Unidos não necessitariam dar praticamente nada em troca. Tal assimetria se deve, em primeiro lugar, ao fato de os países latino-americanos serem pouco competitivos nas novas áreas que os Estados Unidos querem abrir ao livre comércio (serviços de telecomunicações, informática, serviços financeiros, investimentos etc.). Desta forma, não seria a existência de barreiras comerciais que nos impediriam de exportar produtos de alta tecnologia ou serviços de alto valor agregado para os Estados Unidos, mas sim, o fato de não produzirmos nada disso.

Maior abertura dos mercados dos países em desenvolvimento, alterações das regras para oferecer mais garantias aos investimentos estrangeiros são alguns pontos do acordo celebrado na conclusão da Rodada Uruguai do GATT

Portanto, não teríamos do que rec1amar. Segundo, nas áreas em que somos competitivos – produtos agrícolas, agroindústria, têxteis, calçados, siderurgia –, ou os Estados Unidos estão cobertos por acordos internacionais que os desobrigam a abrir imediatamente seu mercado, como os casos dos acordos sobre agricultura e sobre produtos têxteis celebrado na OMC, que jogaram a abertura desses mercados, de forma condicional, para depois de 2005, ou impõem, através de sua nada transparente lei de comércio, sobretaxas absurdas às nossas exportações alegando a prática de dumping pela indústria brasileira. Como não passa nem de longe pela cabeça deles alterar esses procedimentos, está absolutamente certa a senhorita Charlene Barshefsky ao afirmar que a ALCA será um tremendo "almoço grátis" para os Estados Unidos. E é desnecessário dizer quem pagará a conta!

Se os Estados Unidos estão tão interessados no livre comércio da região, por que não eliminam a tarifa aduaneira de US$ 477,00 por tonelada de suco de laranja concentrado que exportamos para lá, e que aumenta o preço ao consumidor em mais de 40%? Por que nos impingem uma cota de exportação de apenas 280 mil toneladas de açúcar, num mercado que importa 2,7 milhões de toneladas por ano? Por que nos impedem de exportar álcool, gasolina, frutas, camarões, carne bovina, suína e aves?

Porque sobretaxam nossas exportações de tabaco em 350%?

O Brasil, em seu processo recente de abertura comercial, reduziu sua tarifa média de importação de 52% para 14% sem obter dos Estados Unidos nenhuma contrapartida em termos de acesso a nossos tradicionais e mais expressivos mercados de exportação. Alguns segmentos industriais foram literalmente dizimados, e milhares de empregos desapareceram. Ir ainda mais fundo nesse processo sem dar aos agentes econômicos tempo suficiente para completar sua adaptação seria uma total irresponsabilidade do governo brasileiro.

Finalmente, não é possível aceitar, como querem os americanos, que a Alca seja uma mera extensão do Nafta (Tratado de Livre Comércio entre EUA, Canadá e México), simplesmente desconhecendo todo o esforço de integração regional da América Latina representado pelo Mercosul, que enquanto união aduaneira está inclusive num estágio superior ao de Zona de Livre Comércio, como propõem os Estados Unidos. Não podemos aceitar que toda a lógica e dinâmica do processo seja ditada exclusivamente pelos interesses americanos. Temos, por exemplo, boas relações comerciais e diplomáticas com Cuba, e para nós não há razão nenhuma para que ela esteja fora da discussão por simples imposição dos Estados Unidos.

Da mesma forma, a discordância americana quanto à proposta brasileira de formação de uma comissão parlamentar para acompanhar as negociações relativas à Alca revela que os Estados Unidos não estão nada interessados em discutir mais amplamente os termos de formação dessa área de livre comércio. Querem, na realidade, exercer sua prerrogativa de império econômico, e enfiar goela abaixo dos governos da região a sua proposta, sem que os principais interessados, isto é, o conjunto da sociedade de cada um dos países envolvidos, possam opinar sobre o assunto.

Mercosul e América Latina: presente e futuro

Se o Mercosul vier a diluir-se numa área de livre comércio polarizada pelos Estados Unidos, principalmente se o processo de adesão vier a ser negociado caso a caso, isto é, com os Estados Unidos no centro e os demais países a ele ligados como os raios de uma roda de bicicleta, com toda certeza as rotas de comércio acabarão totalmente livres no sentido Norte-Sul, e contingenciadas no sentido oposto. Sua única função terá sido a de servir de etapa no processo gradativo de homogeneização de políticas nacionais no que tange principalmente ao comércio exterior e investimento estrangeiro sob o domínio de um centro hegemônico. Esse é um cenário possível.

Outra possibilidade seria a adesão em bloco dos países da região à proposta americana da forma da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Seria uma alternativa menos danosa, dado que haveria, pelo menos em princípio, a possibilidade de negociar em posição um pouco mais vantajosa os termos dessa integração. Nenhuma dessas duas possibilidades, contudo, são realmente de interesse para os países do Mercosul, e da América Latina em particular.

Melhor seria ampliar o Mercosul de modo a integrar os demais países da América do Sul, e quem sabe do Caribe, num único grande bloco. Esse bloco, por ter características econômicas, políticas e culturais semelhantes poderia funcionar de forma muito mais harmônica e teria a vantagem de poder estabelecer acordos de comércio tanto com o Nafta, quanto com a União Européia ou os países e blocos da Ásia, levando em conta os interesses da região.

Esse tipo de integração nos parece um caminho muito mais razoável para lidar com as tendências globalizantes da economia mundial, mas sem perder de vista que esse processo não pode ocorrer, como hoje, apenas para o benefício de uns poucos países e empresas.

* Engenheiro, mestre em administração pública pela FGV/SP e doutorando em economia pela Unicamp.
** Deputado federal pelo PCdoB/SP.

Notas

(1) Hoje as cinco mais importantes empresas mundiais na área de microeletrônica e informática são americanas. A Microsoft domina a área de softwares; a Cisco, o mercado de roteadores da Internet; a IBM, os softwares para grandes computadores; a Intel, a produção de microprocessadores; e a Intuit, os softwares de finanças pessoais.
(2) The Wall Street Journal Europe. Bruxelas, 21 de janeiro de 1997.

BIBLIOGRAFIA

ANDERSON, Perry, "Balanço do neoliberalismo" in SADER, Emir e GENTILI, Pablo. Pós-neoliberalismo – As Políticas Sociais e o Estado Democrático, Paz e Terra. São Paulo. BITTENCOURT, Getúlio. "Queixas do Brasil contra os Estados Unidos" in Gazeta Mercantil, 30-06-1995, São Paulo.
FERRARI, Lívia. "Mais déficits comerciais", Gazeta Mercantil, 13-07-1995, São Paulo.
MACADAR, Beky Moron. "La Propuesta Neoconservadora del Mercosur" in Nueva Sociedad, Comercio, Estado y Estrategias de Dessarrollo, Dez/1994, Venezuela.
PAULINO, Luís Antonio. O Projeto de Integração Competitiva (Uma Avaliação Crítica da Política Industrial do Governo Collor), Tese de Mestrado, EAESP/ FGV, 1992, São Paulo.
____________________. "Novos Marcos Institucionais Para Formulação de Política Industrial no Brasil", Princípios, maio/junho/julho de 1996.

EDIÇÃO 47, NOV/DEZ/JAN, 1997-1998, PÁGINAS 6, 7, 8, 9, 10, 11