Manifesto comunista e a dialética da globalização
A grande força do Manifesto Comunista reside na sua captura do processo de ruptura histórica que constituiu o mundo moderno. Imputar a Marx e Engels a paternidade do conceito de "modernidade" é um evidente anacronismo, já que se trata de um conceito contemporâneo. Mesmo sem ser explicitamente teorizado, o "espectro" desse conceito ordena e comanda a condensada narrativa histórica que abre o Manifesto, tal qual a mão invisível de Adam Smith. A palavra "moderno(a)" aparece mais de uma dezena de vezes nestas páginas iniciais, referida, alternadamente, à "indústria", à "sociedade burguesa", à "burguesia", ao "proletariado", às "forças produtivas", às "relações de produção", ao "Estado representativo" e ao "governo". A chave fornecida no texto para compreender essas manifestações modernas é, precisamente, o processo de gênese, consolidação e expansão global do capitalismo. Em outras palavras, é o modo de produção capitalista que constitui a "modernidade", unificando e moldando o mundo "à sua imagem e semelhança"(1).
Esta identificação do protagonismo capitalista na constituição do mundo moderno permitiu a Marx e Engels captar, de forma singular, a natureza profundamente contraditória deste. Como bem observou Goran Therborn, o marxismo surgiu, desde cedo, como teoria e prática da "dialética da modernidade".(2) Ele captou, simultaneamente, o potencial emancipador embutido em desenvolvimentos como a industrialização, a urbanização, a alfabetização em massa, a dissolução de valores tradicionais, e a orientação voltada para um futuro aberto (não mais concebido como mera repetição do passado); e a natureza opressiva/desumana dos novos mecanismos de exploração, do despotismo fabril, e da generalização de uma racionalidade instrumental fria e calculista nos marcos da mercantilização de dimensões cada vez mais amplas da vida social.
Neste artigo quero destacar uma dimensão da "dialética da modernidade" inscrita no Manifesto que foi pouco explorada ou discutida pelos estudiosos até aqui: o da articulação contraditória de processos transnacionais e internacionais na constituição capitalista do mundo moderno.
O marxismo e as relações internacionais
A maioria dos estudiosos das relações internacionais considera a reflexão marxiana irrelevante para a compreensão do sistema internacional. O neo-realista Kenneth Waltz, por exemplo, situa a reflexão marxiana como a expressão mais completa do que ele chama de "segunda imagem" do conflito internacional: a que concebe a este como decorrência das estruturas internas dos estados, desconsiderando a dinâmica própria do sistema internacional.(3) Já Martin Wight, principal expoente da chamada "Escola Inglesa de Relações Internacionais", afirma que "nem Marx, nem Lênin, nem Stálin deram qualquer contribuição sistemática para a teoria internacional"(4). A mesma conclusão é sustentada até mesmo por autores que se mantém próximos da referência teórica marxista (embora partam de linhas opostas de argumentação). Justin Rosenberg, por exemplo, critica o Manifesto por desenhar uma imagem transnacional da expansão global do capitalismo, ignorando a sua dimensão internacional.(5)
Este descompasso entre o marxismo e os estudiosos das relações internacionais não é fortuito. Enquanto disciplina acadêmica que se concentra no estudo das relações entre estados no sistema internacional, a área de "relações internacionais" é filha do processo de institucionalização de "territórios" separados e especializados de saber nas universidades do mundo anglo-saxão no Século XX. O pensamento marxista, por sua vez, é herdeiro de outra tradição – a da filosofia clássica alemã, sobretudo hegeliana que prefere conceber as realidades sociais como totalidades historicamente produzidas (sendo avesso, portanto, a métodos que retalham o conhecimento social em compartimentos estanques). A compatibilização das duas tradições teóricas não é nada fácil. Ao tentar situar o marxismo no âmbito das principais polêmicas teóricas travadas no âmbito da sua disciplina, a maioria dos estudiosos de "relações internacionais" tendeu a apresentar o pensamento de Marx como caudatário das reflexões que afirmam a existência de uma sociedade "mundial" ou "internacional".(6)
Como foi observado por Fred Halliday (7), o pensamento marxiano não se encaixa muito bem em nenhuma das grandes polêmicas que varreram a disciplina ao longo deste século. Ele é simultaneamente "utópico" (ao formular um projeto alternativo de emancipação social) e "realista" (ao enfatizar os interesses materiais que comandam a ação humana e o papel desempenhado pela força na história); "científico" (ao pretender descobrir leis do desenvolvimento social) e "normativo" (ao destacar explicitamente a vocação transformadora da sua filosofia); "mundialsistêmico" (ao realçar a integração do globo em um único mercado mundial) e "estado-cêntrico" (ao reconhecer, teórica e politicamente, a central idade do poder de Estado para o exercício da dominação no plano doméstico e internacional). Apesar desta relação ambivalente e problemática com os paradigmas que viriam a polarizar o estudo das relações internacionais no Século XX, Marx e Engels fornecem, nas páginas do Manifesto, indicações absolutamente cruciais para compreender o sistema internacional moderno. É o que pretendo demonstrar em seguida.
A dialética da globalização no Manifesto
O Manifesto identifica, como processo constitutivo do mundo moderno, a expansão global do capitalismo histórico a partir dos seus confins iniciais no noroeste da Europa. Em um processo fulminante e avassalador, o novo modo de produção integrou, pela primeira vez na história, todo o globo em único mercado, subordinando, subvertendo e suplantando variadas formas de cultura e sociedade preexistentes. Nos marcos desta impressionante ruptura, as potências européias subjugaram, em poucas décadas, até mesmo os antigos impérios do Oriente, que haviam sustentado um desenvolvimento material superior ao da Europa durante séculos (até o advento da Revolução Industrial).(8)
Marx e Engels revelam, no Manifesto, como esta ruptura histórica foi preparada pela expansão global do capital mercantil na época dos descobrimentos e pela colonização que se lhe seguiu. Eles antecipam, aqui, um ponto que viria a ser desenvolvido mais amplamente no famoso capítulo 24 do Volume 1 de O Capital: o do papel da espoliação colonial no processo histórico de "acumulação primitiva" que viabilizou o advento do capitalismo moderno (i.e., industrial) no noroeste europeu. O que é destacado nas páginas do Manifesto é O impulso dado ao advento de novas formas de produção na Europa pela intensificação dos fluxos globais de comércio (via a exploração das novas rotas para os mercados da Índia e da China, a colonização da América e o ad vento do comércio colonial). Segundo Marx e Engels, foi precisamente a necessidade de atender esses mercados cada vez mais amplos que forçou a suplantação da antiga produção feudal-corporativa, inicialmente pela pequena produção independente, em seguida pela produção manufatureira, e, por fim, pela grande indústria (capitalista) moderna. É esta que, no Século XIX, colhe os frutos semeados pelas descobertas, unificando o mundo em um mercado único sob domínio inglês.
O capitalismo europeu, assim, já nasce imbricado a fluxos globais de comércio e riqueza. Ele se forma e desenvolve, portanto, como sistema transnacional desde o seu início. Mas este é apenas um lado da história contada pelo Manifesto. O outro é que a crescente centralização da propriedade, produção, riqueza e população propiciada pela transição a formas econômicas mais modernas tornou a nova burguesia ascendente (inicialmente comercial, depois manufatureira, por fim industrial e bancária) um importante contraponto social à dispersão do poder aristocrático. O resultado foi um processo de centralização política que resultou na formação de estados nacionais unificados no noroeste da Europa, sob a égide do poder secular absolutista (9). Os poderes fragmentados da antiga sociedade feudal foram "reunidos em uma só nação, com um só governo, uma só lei, um só interesse nacional de classe, uma só barreira alfandegária"(10). Segundo os estudiosos das relações internacionais, foi justamente o reconhecimento mútuo desses poderes territoriais soberanos no Tratado de Paz de Westfália em 1648 – ao término da sangrenta Guerra [religiosa] dos Trinta Anos que marcou a emergência do sistema internacional moderno.
A transição para o capitalismo no noroeste europeu constituiu simultaneamente, assim, um sistema transnacional (integrado a um mercado global em formação, nos marcos do qual a nova forma de produção se generalizou) e um sistema internacional (constituído por estados centralizados soberanos, inicialmente apenas na Europa). A própria formação dos impérios coloniais mercantis – e as grandes guerras comerciais que ela engendrou – foi conseqüência das tentativas de monopolizar à força os recém-constituídos fluxos globais de comércio e riqueza, usando o novo poder político concentrado dos estados nacionais. Estes, por sua vez, deflagraram processos de unificação e integração dos seus respectivos mercados internos, expropriando as terras comunais que viabilizavam economias camponesas de subsistência (i.e., forçando os camponeses a se transformar em "trabalhadores livres" sem terra). No Século XIX, o recém-consolidado capitalismo europeu se valeu do poder concentrado dos grandes estados centralizados para subordinar efetivamente o conjunto do globo à sua dinâmica, inicialmente através de uma agenda universal liberalizante (que favorecia o capital britânico) e, depois, via a montagem de novos impérios coloniais concorrentes (o Imperialismo). A articulação tensa e contraditória de dimensões globais e nacionais, portanto, está entranhada na modernidade capitalista desde os seus primórdios.
A ilusão da convergência
A imagem do mundo moderno revelada no Manifesto é a de um Janus bifronte, com uma face transnacional e outra internacional. Mas é, sem dúvida a face transnacional a que aparece de forma mais proeminente no texto. A razão para isto pode ser encontrada em uma nota metodológica de pé de página escrita pelo próprio Engels, onde este afirma que ele e Marx haviam "considerado a Inglaterra país típico do desenvolvimento econômico da burguesia"(11).
Como esta estava destinada a "criar o mundo à sua imagem e semelhança", o método adotado apostava em uma espécie de "efeito Orloff' através do qual o mundo poderia enxergar no espelho inglês o seu porvir. Mas isto pressupunha a convergência global para padrões econômicos, políticos, sociais e culturais únicos nos marcos do capitalismo. A força desta compreensão reside na sua identificação de um impulso expansionista insaciável do capital, que o empurra incessantemente para a busca de novos mercados em todo o globo. Em tempos da chamada "globalização", a atualidade desta leitura não poderia ser mais evidente. Mas a não ser para os globalistas mais empedernidos (nas suas versões apologética ou apocalíptica), várias passagens do Manifesto a este respeito soam, hoje, um tanto exageradas. O mercado mundial ainda está longe de "retirar da indústria sua base nacional" mesmo no caso das empresas multinacionais (12).
O humanismo universalista ainda está longe de substituir "a estreiteza e o exc1usivismo nacionais" como referência principal de identidade (como atesta o recrudescimento de movimentos chauvinistas e racistas pelo mundo afora). As inúmeras literaturas nacionais e locais ainda estão longe de serem engolidas por uma "literatura universal" única. Mesmo em relação a eventos históricos contemporâneos ao texto do Manifesto, vale registrar que foi necessária uma artilharia de sentido muito menos figurado do que a dos "preços baixos" para dobrar as "muralhas da China" e manter as rotas do comércio do ópio nesse país abertas para traficantes ingleses.(13)
A imagem predominante no texto clássico de Marx e Engels é, de fato, a de uma expansão territorial fulminante do capitalismo pelo globo, que, tal qual fogo na pradaria, consome todas as culturas e civilizações que encontra pelo caminho e torna crescentemente irrelevantes as fronteiras das comunidades políticas nacionais. A dimensão propriamente internacional do processo – que a própria obra fornece indicações teóricas fundamentais para compreender – fica em segundo plano. Mas isso torna o pensamento marxiano vulnerável à mesma crítica dirigida às teorias ocidentais da modernização no Século XX pelos teóricos do desenvolvimento, da dependência e dos sistemas-mundo: a de que, uma vez integrado economicamente o globo, não se pode esperar que as regiões incorporadas mais tardiamente reproduzam o mesmo padrão de desenvolvimento dos países onde o capitalismo se originou.(14)
Esta crítica foi antecipada por Trotsky ao afirmar que, dado desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo nos marcos do mercado mundial por ele criado, "a Inglaterra, em certa época, revelou o futuro da França, de certo modo o da Alemanha, mas de modo nenhum o da Rússia e o da Índia"(15). Em outras palavras, o mundo unificado pelo capitalismo não é moldado homogeneamente à imagem das suas sociedades centrais.
Para além das considerações metodológicas, há também razões histórico-contextuais para essa subestimação da dimensão internacional nas páginas do Manifesto. A obra é redigida apenas dois anos depois do cancelamento das Corn Laws na Inglaterra (que marcou o fim das práticas mercantilistas e o triunfo da agenda liberal dos industriais britânicos), em um período marcado pela dissolução dos antigos impérios coloniais nas Américas (para o qual concorreu ativamente o poderio inglês) e pela emergência de fortes movimentos liberais de oposição ao absolutismo no Continente europeu. O liberalismo, com sua ideologia desestatizante e desintervencionista, surgia como a teoria e prática par excellence do capitalismo industrial. O impacto das experiências de industrialização tardia nos Estados Unidos, Japão e Alemanha – que se valeram, de forma absolutamente não-liberal, do poder centralizado dos seus respectivos estados nacionais para promover ativamente a sua industrialização – só veio a ser sentido mais tarde.(16) As práticas do controle político sobre o dinheiro (via monopólio dos Bancos Centrais sobre a sua emissão) e do recrudescimento 'da expansão colonial por parte dos países capitalistas centrais também só se generalizaram posteriormente. Tudo isto contribuiu para que a imagem da modernidade capitalista pintada nas páginas do Manifesto fosse predominantemente transnacional.
A chave para a compreensão do sistema internacional
Nestes tempos em que o discurso dominante sobre a globalização se tomou um "senso comum", a dimensão transnacional da modernidade capitalista antecipada pelo Manifesto será, certamente, um dos aspectos mais destacados pelos comentadores do seu sesquicentenário. O argumento central que desenvolvi aqui, entretanto, é que a contribuição fundamental do texto para a teoria internacional reside em outra dimensão que permanece, em grande parte, obscurecida: sua compreensão da articulação contraditória de processos transnacionais e internacionais na constituição capitalista do mundo moderno.
Por este ângulo, a grande "novidade" do Século XX não foi propriamente a constituição de uma economia capitalista global (essa já se encontrava formada e consolidada no Século XIX), mas a expansão do sistema de comunidades políticas soberanas para o conjunto do planeta (na seqüência das crises do antigo sistema colonial-mercantilista nas Américas e do seu sucessor colonial-imperialista na África e na Ásia).(17) Esta constatação não ignora ou subestima o fato de que, sob o impacto de importantes inovações tecnológicas, a integração dos mercados globais se intensificou sobremaneira no Século XX, comprimindo as dimensões do tempo e do espaço no seu interior. Mas, segundo a pista teórica deixada pelo Manifesto, esses desenvolvimentos só vieram acelerar, de forma desigual e diferenciada, um processo secular que é inerente ao (e constitutivo do) capitalismo desde a sua origem. Neste sentido, o desenvolvimento e a difusão da informática e das telecomunicações no final do nosso século cumpre papel análogo ao desenvolvimento e difusão do telégrafo e da telefonia no final do Século XIX. É justamente o desenvolvimento combinado desses dois processos – a integração de mercados globais e a globalização da forma política do estado soberano – que dá ao sistema internacional a sua configuração contemporânea, marcada por uma distribuição extremamente desigual do poder político, militar, diplomático e econômico.
A narrativa histórica do Manifesto descobre, assim, o "elo perdido" da constituição do sistema internacional moderno (mesmo sem valorizar essa descoberta no seu próprio texto). Contra a compreensão axiomática do realismo, que concebe o balanço de poder como atributo permanente e recorrente de qualquer sistema de estados não subordinados a um governo comum (i. e., em condições de "anarquia"), Marx e Engels indicam que o surgimento de um sistema de estados soberanos no noroeste da Europa do Século XVII foi fruto de um processo histórico muito particular e concreto, associado ao advento de novas formas produtivas via o impulso comercial propiciado pelos descobrimentos. As novas relações sociais gestadas por este processo constituíram o elo institucional central que articula o mundo moderno: a existência separada de esferas políticas e econômicas autônomas, tanto a nível doméstico quanto internacional. É esta separação que permite e viabiliza, via uma estrutura legal de direitos de propriedade, fluxos de investimento para além das fronteiras nacionais.(18)
A institucionalização do saber acadêmico no nosso século encampou acriticamente essa separação de esferas política e econômica, encaminhando-se para o estudo isolado de cada uma delas (via "ciência política" e "economia pura"). Mesmo as abordagens de economia política internacional, que elegeram a interação entre ambas esferas no sistema internacional como o seu objeto precípuo de estudo, tenderam a assumir a sua separação como um ponto de partida não-problemático, em vez de explicar teoricamente o seu surgimento.(19) A compreensão histórica formulada no Manifesto permite desvendar precisamente esse surgimento, fornecendo uma chave crucial para a compreensão do sistema internacional moderno. Mas a plena exploração do potencial explanatório dessa chave exige que restabeleçamos, teoricamente, o equilíbrio contraditório entre as dimensões transnacional e internacional da dialética da globalização. Exige, em particular, que incorporemos explicitamente à reflexão de Marx e Engels a compreensão da natureza heterogênea do sistema internacional, em oposição aos modelos lógicos construídos sobre a premissa de estados homogêneos que predominam nos estudos de relações internacionais. A compreensão leninista sobre a variada combinação de estruturas econômico-sociais nas distintas formações sociais nacionais geradas no rastro da expansão global do capitalismo pode se revelar, aqui, um complemento teórico fundamental.
LUIS FERNANDES é professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC/Rio e do Departamento de Ciência Política da UFF.
(1) Karl Marx e Friedrich Engels, "Manifesto do Partido Comunista", in K. Marx e F. Engels, Textos – Volume 3, São Paulo, Editora AlfaOmega, s.d., p. 25.
(2) Güran Therborn, "Dialética da Modernidade: A Teoria Crítica e o Legado do Marxismo do Século XX", Dados – Revista de Ciências Sociais, Vol. 38, W. 2, 1995, p.248.
(3) Kenneth Waltz, Man, the State and War, Nova Iorque, Columbia University Press, 1959, sobretudo o capítulo V.
(4) Martin Wight, "Why is There no International Theory?", in H. Butterfield e M. Wight (ed.), Diplomatic lnvestigations, Londres, George Allen and Unwin, p.26.
(5)Justin Rosenberg, Isaac Deutscher and the Lost History of International Relations", New Left Review, W. 215, 1996, p. 8.
(6) Este é o conceito chave da chamada "Escola Inglesa". Além do Martin Wight, já citado anteriormente, ela inclui autores como C. A. W. Manning (The Nature of fnternational Society, Londres, Macmillan, 1975) e Hedley BulI (The Anarchical Society, Londres, Macmillan, 1977). O conceito de "sociedade internacional" remete a reflexões de Hugo Grotius, ainda no século XVII. Entre os autores que situam a teoria marxista como uma perspectiva de "sociedade mundial" estão Vendulka Kubálková e Albert Cruickshank (Marxism and International Relations, Oxford, Oxford University Press, 1989) e Tony Thorndike ("The Revolutionary Approach: the Marxist Perspective", in T. Taylor (ed.), Approaches and Theory in International Relations, Londres, Longman, 1988).
(7) Fred Halliday, "Historical Materialism and International Relations: an Introductory Engagement", mimeo.
(8) O primeiro volume do livro de Fernand Braudel, Civilização Material e Capitalismo Séculos 15-18, contém um mapa extremamente interessante a este respeito, confeccionado a partir de um levantamento do etnógrafo Gordon W. Hewes. O mapa em questão classifica, segundo os seus níveis de desenvolvimento material, as 76 principais civilizações e culturas existentes no mundo na época dos descobrimentos (cerca de 1500). As seis civilizações mais desenvolvidas nessa época, segundo a classificação, eram a japonesa, a coreana, a chinesa, a das planícies indonésias, a das planícies do Sudeste da Ásia, e a indiana. A do noroeste da Europa aparece apenas em sétimo lugar. Ver Civilization & Capitalism 15°-18° Century – Volume 1, Londres, Fontana Press, 1985, pp. 58-9.
(9) O Manifesto Comunista formula explicitamente esta compreensão do equilíbrio entre a burguesia e a nobreza como o fundamento social da formação dos estados absolutistas na Europa Ocidental. Perry Anderson argüi, em seu livro Linhagens do Estado Absolutista, que, para além do fortalecimento da burguesia, a centralização política foi expressão de uma reação da aristocracia ao enfraquecimento da sua dominação sobre o campesinato provocado pela generalização de relações monetárias no campo (ver Perry Anderson, Lineages of the Absolutist State, Londres, Verso, 1979). Essas diferenças de interpretação não chegam a afetar o argumento fundamental deste artigo, que destaca a articulação de processos transnacionais e internacionais na constituição do mundo moderno.
(10) Karl Marx e Friedrich Engels, "Manifesto do Partido Comunista", op. cit., p. 25.
(lI) Idem, p. 23.
(12) De 70 a 75% do valor adicionado das grandes empresas multinacionais dos países capitalistas centrais continua sendo produzido nos seus países de origem. Mais de 85% da sua atividade tecnológica é concentrada em bases nacionais. Ver, a este respeito, os estudos de Pari Patel e Keith Pavitt, "Large Firms in the Production of the World's Technology: an Important Case of 'Non-Globalization' ", Journal of International Business Studies, V. 22, W. 1, 1991 e de Paul Hirst e Grahame Thompson, Globalization in Question, Cambridge, Polity Press, 1996.
(13) A quase coincidência do sesquicentenário do Manifesto Comunista e da (enfim encerrada) ocupação britânica de Hong Kong atesta isto de forma eloqüente.
(14) Para a crítica das teorias da modernização, ver Paul Baran, A Economia Política do Desenvolvimento, Rio de Janeiro, Zahar, 1977; Andre Gunder Frank, "The Development of Underdevelopment", Monthly Review, Vol. 18, n.O 4, 1966; Immanuel Wallerstein, "The Rise and Future Demise of the World Capitalist System: Concepts for Comparative Analysis", Comparative Studies in Society and History, Vol. 16, n.o 4, 1974; e Fernando Henrique Cardoso, "Originalidade da Cópia: a CEPAL e a Idéia do Desenvolvimento", in F. H. Cardoso, As Idéias e Seu Lugar, Petrópolis, Vozes, 1993.
(15) Leon Trotsky, História da Revolução Russa – Vol. 3, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, p. 1009.
(16) Foi com base nesse impacto que Engels formulou, mais ao final da sua vida, o conceito de "capitalismo de Estado". Ver Friedrich Engels, "Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico", in K. Marx e F. Engels, Textos – Volume 1, São Paulo, Editora Alfa-Omega, 1977, pp. 53-5.
(17) O nosso século foi profundamente marcado também, é claro, pela tentativa de constituição de um sistema mundial socialista alternativo à economia global capitalista, mas como essa tentativa fracassou, não me ocupo dela no presente artigo.
(18) Este ponto é desenvolvido mais amplamente por Justin Rosenberg no seu livro The Empire of Civil Society, Londres, Verso, 1994.
(19) Ver, por exemplo, Robert Gilpin, The Political Economy of International Relations, Princeton, Princeton University Press, 1987.
EDIÇÃO 48, FEV/MAR/ABR, 1998, PÁGINAS 36, 37, 38, 39, 40, 41