Maquiladores no México: um retrato do capitalismo global
Preste atenção na fronteira entre os Estados Unidos e o México. Um lugar por onde circulam 280 milhões de pessoas por ano; em que milhares de fábricas americanas se instalam do outro lado da divisa para ter mais lucros. É, ao mesmo tempo, o lugar onde se levanta um muro para bloquear a onda de imigrantes que se desloca do Terceiro Mundo para os Estados Unidos. Essa fronteira virou metáfora do capitalismo global contemporâneo, que se contradiz quando propõe a completa liberdade para capitais e mercadorias e a proibição da livre circulação dos trabalhadores. É onde se pode surpreender o neoliberalismo à vontade, expondo abertamente tanto o seu sucesso em acumular riquezas como sua negação em distribuí-Ia.
Se você olhar o mapa da fronteira entre os Estados Unidos e o México vai reparar que ela é imensa 3.140 km – desde o litoral do Oceano Pacífico, na Califórnia, até o Golfo do México, Oceano Atlântico. Atravessa a América do Norte em diagonal, de Oeste para Sudeste. Ao longo da linha fronteiriça localizam-se várias cidades, dos dois lados, como irmãs siamesas – San Diego (EUA) e Tijuana (México); Calexico e Mexicali; Nogales, Arizona e Nogales, Sonora; EI Paso e Ciudad Juárez; DeI Rio e Ciudad Acuña; Eagle Pass e Piedras Negras; Laredo e Nuevo Laredo; Mc Allen e Reynosa; Brownsvile e Matamoros…
Deve ser a fronteira mais movimentada do mundo. E se você quer ver como funciona o capitalismo global, ali é o lugar. Cerca de 3.650 empresas estrangeiras – as maquiladoras – se implantaram nas cidades mexicanas da fronteira e "extraem" diariamente a força de trabalho de 1 milhão de trabalhadores.
Maquiladora é o nome muito apropriado dado pelo povo mexicano a essas empresas porque elas recebem as peças, componentes, matérias-primas de fora e apenas fazem sua montagem, transformando-as em produtos terminados. O detalhe é que 98% das partes não são produzidas no México. Vêm dos Estados Unidos e da Ásia para serem montadas ali. Os produtos terminados atravessam a fronteira, recebem o selo Made in USA, e ganham o mundo. Por exemplo, aquela impressora Hewlett Packcard – deskjet 820 Cxi que você comprou com o selo Made in USA, tem peças de Taiwan, de Hong Kong ou Coréia do Sul e foi montada em Tijuana, numa maquiladora vizinha da fábrica da conhecida cerveja mexicana Tecate.
Corrida por salário baixo
Por que as empresas americanas se dão ao trabalho de mandar as peças para algumas centenas de metros além de seu território e depois trazer os produtos prontos de volta? Por que toda essa operação? Para se beneficiar dos salários dos trabalhadores mexicanos, um dos mais baixos do mundo. Um operário mexicano ganha 1 dólar e 47 centavos por hora. Um operário americano recebe 16,91 dólares. As indústrias americanas encontraram um jeito de importar trabalho mexicano, sem importar o trabalhador, empregando-o de acordo com os salários e leis trabalhistas vigentes no México.
Vantagens adicionais, mas não desprezíveis: é que assim fazendo escapam da forte pressão dos sindicatos de trabalhadores americanos e também evitam as exigências da legislação de defesa do meio ambiente dos Estados Unidos quanto ao tratamento ao lixo e rejeitos industriais, que aumentam os custos das indústrias. No México, os sindicatos são pelegos e controlados pelo governo. E a lei de meio ambiente fica mais frouxa a cada pressão americana. E tem mais: no programa "maquiladora" os empresários estrangeiros não pagam qualquer taxa alfandegária nem quando "exportam" as peças nem quando "importam" os produtos acabados.
É uma industrialização de enclave. Não tem nada a ver com a economia do México, não criou laços de complementaridade com a indústria mexicana propriamente dita, que está concentrada no interior do país, na região da capital e de Guadalajara. O setor maquiladora, embora localizado no México, é largamente dependente de decisões tomadas pelos executivos, consumidores e políticos nos Estados Unidos. E gera poucos benefícios para a parte da sociedade que está fora do enclave. Não era isso o que o governo mexicano esperava. E também não foi isso que o governo e as empresas americanas se comprometeram a fazer.
A industrialização da fronteira
No início dos anos 80, abalado por uma crise, o governo do México abandonou a política de desenvolvimento autônomo e de substituição de importações que vinha adotando até então, e aceitou a idéia de incorporar-se ao mercado global na condição de ator coadjuvante, de sócio menor dos Estados Unidos. Realizou, assim, no geral, o que no particular a necessidade já obrigava a muitos: os mexicanos face aos americanos têm sido há um século os trabalhadores subalternos, os que limpam a sujeira da festa da qual não participam, os que fazem o trabalho pesado e mal pago.
De acordo com essa nova política, o México passou a considerar estratégico o Programa de Industrialização da Fronteira Norte, um programa existente desde 1965, mas que até então se expandia lentamente. O acordo com os Estados Unidos previa que as empresas instaladas na fronteira com isenção de tarifas aduaneiras iriam usar matérias-primas, peças e componentes produzidos pelos mexicanos, e a esperança, portanto, era que estimularia a industrialização na região. Desde o início, sob a alegação de que a indústria do México não conseguia produzir com a qualidade e prazo adequados, os americanos tomaram essa parte do acordo letra morta.
Os operários mexicanos, entretanto, são capazes de operar a montagem de produtos da mais alta tecnologia. Começaram com trabalhos simples como o de montar brinquedos de plástico e lingerie de poliéster, procedimentos com madeira compensada, ou ainda, cortar peixe para processamento de sushi. E foram adiante: em Nuevo Laredo, os trabalhadores mexicanos da Allen Coach cortam Cadillacs e Lincoln Continental pelo meio e os transformam em luxuosas limusines. Atualmente, Ciudad Juárez e Mexicali se tomaram centros de montagem de materiais de alta tecnologia para a indústria militar e aeronáutica. Ali estão instaladas filiais da Hughes Aircraft, TRW, Rockwell, McDonnel, Douglas, Bell e Howell. Auditores e fiscais de controle de qualidade do Serviço de Administração de Contratos de Defesa do governo dos Estados Unidos cruzam a fronteira regularmente para vistoriar o material militar em montagem nas maquiladoras. (1)
Para executar esses trabalhos os operários têm de absorver processos que envolvem alta tecnologia e operar sofisticados equipamentos. Na indústria de semicondutores trabalham em ambientes climatizados e esterilizados. E usam robôs para montar delicadas máquinas. O valor adicionado por trabalhador ao produto passou de 5,8 dólares em 1983 para 7,8 dólares em 1989, uma indicação da elevação do nível tecnológico do processo.
A FORD mudou para Hermosillo
Um exemplo: desde a década de 70 a Ford estava acumulando enormes prejuízos, acossada pela concorrência de carros japoneses, que ofereciam preço baixo e alta qualidade, e pelo encolhimento do mercado. Precisava cortar custos. Mudar em busca de salários mais baixos foi parte da solução. A outra foi fazer aplicações de tecnologia e usar novos meios de organizar o trabalho sem enfrentar exigências dos sindicatos de trabalhadores.
Em meados da década dos 80, a Ford deixou dezenas de milhares de operários americanos desempregados em Michigan e foi para Hermosillo, uma cidade mexicana do estado de Sonora, a 250 quilômetros ao sul da fronteira, um lugar onde nenhuma indústria se instalara até então. Nessa altura, o governo do México já havia alterado a lei das maquiladoras, permitindo que se instalassem não só na fronteira, mas em qualquer parte do seu território. Em Hermosillo a Ford investiu 500 milhões de dólares numa moderna linha de estamparia e montagem para o acabamento de sua nova geração de carro compacto.
Ali ninguém havia trabalhado em indústria antes. Mas a Ford levou uma equipe de técnicos para treinar o pessoal. O grande atrativo era que podia pagar salário inicial de 1,10 dólar por hora. A empresa impôs condições que os sindicatos americanos jamais aceitariam. Estabeleceu um contrato de trabalho sem distinção entre especializados e simples montadores. Tirando vantagem dessa flexibilidade organizou os trabalhadores em células, o método japonês. Copiou o sistema usado pela empresa japonesa Mazda e foi além dela nas exigências de intensidade do ritmo de trabalho. O sucesso veio acima da expectativa. Em três anos estava produzindo ali o carro top fine em qualidade, o Mercury Tracer. Esse carro derrubou o Ronda Civic e foi considerado o subcompacto de mais alta qualidade vendido nos Estados Unidos em 1989. A Ford recuperou espaço no mercado e os altos lucros. (2)
O boi imigrante
Mais exemplos: em Torreón, estado de Coahuila, os empregados da Tyson Foods picam pernas de galinha vindas de Arkansas, empacotam-nas e enviam para os Estados Unidos de volta, de onde são mandadas ao Japão para serem vendidas como yakitori congelado. No Texas, o gado chega a cruzar a fronteira três vezes antes de ser consumido. Os bezerros nascem nos ranchos do México, são levados para crescer e engordar nos Estados Unidos, voltam ao México para serem abatidos e embalados. E são mandados outra vez para os Estados Unidos, agora para o consumo. Para justificar toda essa série de operações o negócio tem de ser lucrativo. A sua existência evidencia quanto os empresários americanos valorizam a diferença do valor da força de trabalho para o resultado final de seus negócios.
Vendo as maquiladoras de perto
Mesa Atay, em Tijuana
Em dez minutos de táxi se vai do centro de Tijuana, cidade fronteiriça mexicana da Baixa Califórnia, até Mesa Atay, um distrito industrial que fica no alto de um platô na periferia. Avenidas asfaltadas, quadras e quadras em que fábricas estão instaladas umas ao lado das outras, em tediosa seqüência. Ali estão os gigantes da eletrônica: Sanyo, Sony, Panasonic, Zenith, Matsushita, Hewlett Packard etc. em prédios fechados, isolados do forte calor e da poeira fina como talco. Essa zona industrial foi construída há poucos anos para a instalação das empresas maquiladoras. Só em Tijuana há 580 maquiladoras, empregando 110 mil trabalhadores. Além das fachadas dos prédios não há mais nada nessas avenidas planas que se cruzam. Nem árvores, nem bares. De vez em quando uma barraquinha de ambulantes, vendendo comida com muita pimenta. Exceto pelos caminhões e carros que passam, as ruas estão vazias. É hora de trabalho.
Dali se pode avistar San Isidro, um bairro da cidade de San Diego, Califórnia, Estados Unidos, a menos de 3 quilômetros de distância. Ao norte de Mesa Atay há um grande portão da Alfândega por onde passam incessantemente grandes caminhões – os trucks – indo e vindo dos Estados Unidos. O movimento não cessa nem pela noite. Tijuana se gaba de ser a maior montadora de aparelhos de TV do mundo. Mesa Atay também é vizinha do aeroporto internacional de Tijuana, de grande movimento de cargas.
Bermudez, em Ciudad Juárez
O Parque Industrial Bermudez em Ciudad Juárez, no estado de Chiuhauha, distante 1.500 quilômetros de Tijuana, é semelhante a Mesa Atay. O mesmo estilo de avenida larga, a seqüência de fachadas de indústrias, nomes famosos internacionalmente, as faixas e placas oferecendo trabalho: Queres trabajar? Aqui se concentram 350 maquiladoras, mais de 100 mil trabalhadores. Três anos atrás o lugar era deserto, só mato rasteiro e cascalho. Dessa avenida até EI Paso, Texas, Estados Unidos, são poucos quilômetros. Nas vizinhanças também há portões e pontes sobre o Rio Grande por onde cruzam caminhões e trens. Às três e meia da tarde, quando termina o turno do dia, as ruas inundam de ônibus e pessoas, saindo e chegando para o trabalho.
Há parques industriais semelhantes, ainda que menores, em Nogales, Sonora; Nuevo Laredo, em Nuevo Leon; Ciudad Acuña e Piedras Negras, em Coahuila; Reynosa, Rio Bravo e Matamoros em Tamaulipas. E não é só isso. Embora 80% das maquiladoras estejam nas vizinhanças da fronteira, atualmente espalham-se também pelo interior do México, onde podem pagar salários ainda mais baixos. Já chegaram a estados distantes como Durango, Jalisco e Yucatan.
As cidades explodem
Atraídos pela oferta de empregos jovens mexicanos vêm de todo o país para a região de fronteira. A população de Tijuana, que é de 1 milhão hoje, dobrou em dez anos. Ciudad Juárez virou um enorme aglomerado de cabanas de barro e as estimativas variam entre 1,5 e 2 milhões de habitantes. E assim por diante, como em Reynosa onde o número oficial de 450 mil habitantes é contestado, havendo quem fale até em 700 mil. É que chegam novas famílias todo dia, num clima de caos, de impotência dos governos para atender à demanda de serviços públicos. Para trás ficam as aldeias camponesas do interior, vilas fantasmas, e a agricultura abandonada. É como se uma parte do México estivesse em movimento rumo ao Norte, para a fronteira, para mais perto do sonho americano.
Sábado é uma festa
Sábado de manhã, estou no centro comercial de Laredo, no Texas, em frente à ponte internacional sobre o Rio Grande, que separa a cidade de sua irmã gêmea, Nuevo Laredo, no México. Uma multidão está cruzando a ponte, a pé e de automóvel vindo para o lado americano. Outra massa de gente está voltando, carregando pacotes, os automóveis retomam com os bagageiros lotados. As lojas do lado americano estão repletas de produtos baratos e de consumidores ansiosos. Os mexicanos curtem seu melhor momento em lojas do tipo da Wal Mart e comendo hambúrgueres, galinha frita, tomando Coca e Pepsy nas casas de fast food. Em todas as cidades da fronteira está acontecendo a mesma coisa. É que na sexta-feira as maquiladoras pagam os salários. E no sábado, os trabalhadores mexicanos vêm gastá-los nos Estados Unidos. Fecha-se o círculo do capital. O dinheiro está de novo em caixa.
Condições de trabalho "negreras"
Num aspecto o programa das maquiladoras obteve sucesso, na criação de 1 milhão de empregos, números de 1997. Os salários, porém, são muito baixos e não permitem senão uma vida miserável. O ritmo de trabalho, as funções repetitivas e exaustivas, a pressão e perseguição dos supervisares, criam condições "negreras", como dizem os operários querendo significar que equivalem a trabalho escravo.
O resultado é a insatisfação, a alta rotatividade. Os trabalhadores não param nos empregos, ou porque são facilmente demitidos ou parque não suportam a pressão. É comum o trabalhador já haver passado por diversas "maquilas", o popular diminutivo de maquiladoras. Desestimulados, diariamente milhares de jovens procuram imigrar para os Estados Unidos, tentando cruzar a fronteira, mesmo ilegalmente, em busca de salários melhores.
Enquanto isso, os empresários só pensam em aumentar o ritmo da produção. Recentemente, na inauguração da terceira fábrica da Sony em Tijuana, Katsumi Ihara, alto executivo da multinacional japonesa, anunciou com orgulho que nessa nova unidade se havia introduzido o conceito de administração por velocidade, "o que significará maiores prioridades em todas as operações que requeiram entregar a tempo seus produtos aos mercados". Sobre pagar horas extras nem uma palavra.
Em Ciudad Juárez, entrevisto Beatriz Lujan, coordenadora do escritório local da Frente Autentico dei Trabajo, uma entidade católica de organização dos trabalhadores na linha da Teologia da Libertação. A seguir, resumo o que me contou:
Os trabalhadores enfrentam muita dificuldade para se defender. Há uma íntima parceria entre a burocracia estatal mexicana, a elite econômica local e as empresas multinacionais. Uma das conseqüências é o controle pelo Estado do movimento sindical, dando força a sindicatos pelegos e impedindo a organização de entidades sindicais independentes. Tanto é assim que somente dez sindicatos não-pelegos conseguiram se formar em vários anos. Há sindicatos pelegos que atuam dentro das fábricas ajudando o empresário a controlar as manifestações dos trabalhadores.
Quando os trabalhadores conseguem um mínimo de organização, fazem uma greve ou encaminham uma reclamação coletiva à empresa ou à justiça do trabalho, a resposta é a demissão sumária de boa parte deles. Isso é fácil para as empresas, porque há sempre gente procurando emprego e porque a maioria das tarefas de montagem não exigem especialização.
Abuso contra as mulheres
Os jornais e panfletos dos trabalhadores estão coalhados de denúncias. O jornal Voces de Ia Frontera , de agosto de 1997, conta que "houve uma greve na RCA de Ciudad Juárez, para afastar sindicalistas pelegos. Foram afastados, mas outros iguais assumiram em seu lugar. E os líderes da greve acabaram demitidos". São muitas as manifestações contra o excesso de trabalho, a pressão, perseguição, maus tratos.
As maquiladoras preferem trabalhar com mulheres para poder pagar salários menores e porque supostamente reclamam menos. Por isso, 66% dos trabalhadores são mulheres, na maioria jovens. As denúncias de assédio sexual e de discriminação contra mulheres grávidas estão entre as mais comuns. O PRD, Partido da Revolução Democrática, uma força de oposição em ascensão no México, organizou em Tijuana uma Casa de Ia Mujer, para defesa dos interesses das trabalhadoras das maquiladoras. Também a entidade internacional Human Rights Watch fez uma investigação em várias cidades: Tijuana, Chihuahua, Reynosa, Rio Bravo e Matamoros e identificou os abusos, discriminação contra grávidas e assédio sexual. Enviou denúncias às matrizes de numerosas empresas multinacionais como Zenith, American Zettler, W.R. Grace, Carlisle Plastic, Pacifical Electricord e Sanyo. Algumas responderam, em geral negando essas práticas e prometendo tomar providências, "caso tal coisa viesse a acontecer". E tudo ficou por isso mesmo.
Em Voces de La Frontera se lê: "na companhia Favesa, de Ciudad Juárez, exigem que as mulheres tragam seus absorventes íntimos todo mês para demonstrar que não estão grávidas. Outras operárias contam que são vigiadas com a porta do banheiro aberta enquanto retiram amostras de urina… "
Outra notícia: "Na filial da Dae Woo de San Luis Coronado as trabalhadoras foram assediadas sexualmente pelo presidente da companhia e por diretores, que as ameaçaram de demissão, tocaram-nas e ofereceram dinheiro".
Prejuízos ao meio ambiente
A empresa Alco Pacifico abandonou 30 mil toneladas de escória de chumbo contaminando gravemente o solo. Essa empresa se encontra em uma bacia leiteira. A empresa nada fez até que diversas vacas que bebiam água de um rio vizinho morreram. Um rio em que a população lava roupa e toma banho. Intimada a retirar o chumbo do solo a empresa só o fez parcialmente. Este é apenas um exemplo de contaminação do meio ambiente pelas maquiladoras. Muitas empresas americanas têm trazido para o México a parte mais poluidora da sua produção e vão deixando montanhas de resíduos espalhadas pela região, contaminando o solo e os rios. O governo americano pressiona as autoridades mexicanas para que dêem a mais ampla liberdade para suas empresas se instalarem no país vizinho.
Pressionado, o México vai relaxando a legislação de defesa do meio ambiente. Uma das conseqüências mais graves é a contaminação dos dois rios mais importantes da região, que é desértica e tem pouca água – os rios Grande e Colorado.
México, O grande exportador de suor
O resultado desse processo é que o México tornou-se um grande "exportador" industrial. Em 1997 sua exportação alcançou 110 bilhões de dólares, o dobro da brasileira. A "produção" das maquiladoras, que o governo mexicano inclui em seus cálculos, contribuiu com cerca de 50% desse total. Com base nesses números, a economia cresceu 7% no ano passado.
Efetivamente, que riqueza se agregou ao patrimônio mexicano, além dos salários pagos aos um milhão de trabalhadores contratados pelas maquiladoras? Melhores estradas, modernização dos sistemas de comunicação, treinamento de mão-de-obra, dizem seus defensores. Para a população, pouca coisa, segundo indica estudo divulgado recentemente pelo professor Júlio Bolbinick, da Universidade do México: dos seus 96 milhões de habitantes, 60% continuam na pobreza. Destes, 27 milhões são tão pobres que quase não têm o que comer. A riqueza se concentra em favor de uma minoria. Apenas 1 em 6 mexicanos teve melhora de vida nos últimos anos.
A partir de 1993, com a assinatura do NAFTA, o Tratado de Livre Comércio, do México com os EUA e Canadá, a liberdade de ação das empresas americanas ampliou-se ainda mais. Esse, porém, não é um fenômeno puramente mexicano. O México é o exemplo, talvez o mais evidente, de um processo em escala mundial. A continuada queda de produtividade na indústria dos Estados Unidos tem levado suas empresas a se espalharem pelo mundo em busca de redução de custos. E a forma aparentemente mais bem sucedida de alcançar esse objetivo tem sido desfrutar dos baixos salários da força de trabalho dos países do Terceiro Mundo. Não é a toa que o governo americano insiste tanto na criação do ALCA, um acordo de livre comércio para todo o continente americano, em que suas empresas poderão se beneficiar mais amplamente desse tipo de negócio. Repisar essa proposta foi o principal objetivo do presidente Clinton em sua recente viagem ao Brasil, à Venezuela e Argentina. Quer nos convencer de que é um grande negócio. Para quem, cara pálida?
Marx dá risada
Essa corrida desesperada em busca da força de trabalho de baixo custo, do trabalhador não qualificado, semi-analfabetizado, ao mesmo tempo que a tecnologia se desenvolve num ritmo alucinado, com pesado investimento em métodos de produção e equipamentos, como auto mação, robótica, parecem um contra-senso. Encerra uma contradição cuja explicação desafia os teóricos.
A todo instante se ouve dizer que já não há lugar para os trabalhadores não-qualificados. E em todo o mundo o capital procura esse tipo de trabalhador. No México, por exemplo, robôs de milhões de dólares são operados por rapazes que outro dia estavam tirando leite de vaca na sua aldeia camponesa. O que significa isso?
Será porque os enormes investimentos e novas tecnologias resultam no encarecimento do produto, numa tendência persistente de queda da produtividade na indústria, caso em que se encontra a própria indústria americana? E a saída seria então buscar a redução do valor da força de trabalho – daí as maquiladoras espalhadas pelo mundo, a eliminação ("desregulamentação") dos direitos e conquistas trabalhistas e tantas outras medidas ditas em favor da "liberdade" do mercado.
Ou será que, apesar desses pesados investimentos em equipamentos e técnicas, eles não gerem riqueza nova, como todo capital constante? Marx dizia que os equipamentos e matérias primas não incorporam ao produto um novo valor, apenas transferem a ele parte do seu valor acumulado por trabalho anterior (o trabalho morto). E que nova riqueza, novo valor, só é criado a partir do uso de nova força de trabalho, o capital variável (o trabalho vivo). Seria por isso que, apesar dos equipamentos de alta tecnologia, a indústria precisa também do peão? Alguém pode contestar: na verdade, a indústria está cada vez reduzindo sua força de trabalho, demitindo grande número de trabalhadores. Sim, de acordo. Mas isso ocorre porque ela introduz novos equipamentos, mais tecnologia, na produção. Precisa de menos trabalhadores para realizar a produção. Mas estes são absolutamente necessários para que ela se realize, para que um novo valor seja acrescido ao produto. No caso das maquiladoras esse processo se realiza em etapas: um novo valor já terá sido incorporado às peças, aos componentes, aos materiais que chegam até o México para serem montados. E ali incorporam um pouco mais de valor novo com o suor dos trabalhadores mexicanos.
Mas há um outro lado nesse processo: os baixos salários obtidos pelos trabalhadores impede-os de adquirir muitos dos produtos que precisariam adquirir. Entretanto, a indústria produz cada vez maiores quantidades de produtos. Ela atua sob o imperativo de produzir com preços baixos, preços sempre mais baixos para que os trabalhadores (agora vestidos de consumidores) possam comprar. Para isso, precisa forçar a redução• de salários. Mas, com a redução de seus salários, os trabalhadores vão poder comprar menos…
Como sempre, produzir não é o problema. O problema é alguém comprar a mercadoria. Enquanto o gigantesco mercado dos Estados Unidos estiver absorvendo as exportações dos tigres, gatos e lebres maquiladoras, enquanto se mantiverem ali o pleno emprego e a atual euforia do consumidor americano, e enquanto as exportações americanas, por sua vez, encontrarem guarida nos outros países, essa bicicleta vai continuar rodando. Mas alguns parceiros da jogatina cambaleiam. As pedaladas parecem cada vez mais histéricas. Marx ri.
CARLOS AZEVEDO é jornalista e recentemente fez uma viagem ao longo da fronteira entre México e Estados Unidos a serviço da "Oficina de Informações" para realizar uma reportagem. Esse trabalho foi impresso no formato de uma revista chamada "Manifesto" e está circulando como número zero do que será um dos veículos de informação da Oficina. A matéria – texto de 50 laudas e cerca de 60 fotos – está na Internet -no site: (http:// www.hobbylink.com.br/oficina/ index.htm).
Para outras informações e para obter a revista impressa, entrar em contato com Oficina de Informações – fone-fax (0ll) 706-7166. Endereço: Av. São José, 1021 Osasco – SP – Cep 06283-125.
(1) The Great Divide – O Desafio das Relações EUA-México nos anos 90. De Tom Barry e outros. 1994. Grove Press – 841 Broadway – New York, NY 10003.
(2) Runaway America – Empregos e Fábricas dos Estados Unidos em Mudança. De Harry Browne e Beth Sims. 1993. Resource Center Press. Box 4056 – AJbuquerque – New Mexico 87196.
EDIÇÃO 48, FEV/MAR/ABR, 1998, PÁGINAS 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62