Pensar a educação desde meados do século XIX até o presente momento é a nossa tarefa, ou seja, pensá-la a partir das grandes transformações econômicas, sociais, políticas e culturais que geram a sociedade liberal burguesa, a partir da transição do modo de produção da sociedade feudal para a afirmação e consolidação do modo de produção capitalista. Historicamente, as revoluções industrial e francesa junto com a independência americana são apontadas como os grandes momentos da afirmação liberal burguesa. Também ocorreram grandes transformações na filosofia, na economia, na biologia e na psicologia, campos profundamente integrados com a educação e que têm, com ela, uma constante interlocução.

O modo de produção capitalista se constitui num' processo de formação histórica, adquirindo fisionomias diferentes, que de uma forma bem ampla, poderíamos apresentar pelos títulos dos quatros livros de Eric Hobsbawn sobre este período.

A Era das Revoluções: 1789 a 1848. É o período que vai da Revolução Francesa até as revoluções liberais de 1848, quando estas praticamente completam o seu ciclo, pelo menos na Europa Ocidental.
A Era do Capital: 1848 a 1875. Marca a passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista, em que vão desaparecendo as pequenas empresas concorrentes entre si, para começarem a se estrutural as grandes empresas e conglomerados econômicos, seja no campo produtivo, seja no campo financeiro, normalmente interligados.

A Era dos Impérios: 1875 a 1914. O mesmo processo que ocorrera com as empresas passa a ocorrer então, com as nações, através da grande corrida imperialista. As grandes nações dividem entre si os países do mundo, transformando-os, sob novas e mais sofisticadas políticas de dominação, em objetos de interesses econômicos, políticos e estratégicos. Esta política levou às inevitáveis guerras imperialistas.

A Era dos Extremos: 1914 a 1991. O breve século XX. Neste período ocorrem as guerras, as crises do liberalismo, a ascensão do socialismo e da social democracia, até o esfacelamento da União Soviética e do triunfo, pelo menos momentâneo, do capitalismo. Isto propiciou o recrudescimento das políticas liberais, conhecidas pelo nome de neoliberalismo.

Poderíamos ainda tomar a divisão que Mírian Jorge Warde faz, em sua tese de doutorado, quando apresenta o liberalismo em três momentos diferentes: O liberalismo clássico, que vai do período de sua formulação teórica, consolidando o capitalismo, em que a burguesia é uma classe revolucionária em ascensão na qual o capitalismo vive a sua fase concorrencial. O segundo momento seria o do capitalismo monopolista, em que a burguesia já vitoriosa, luta para manter a nova ordem, vivendo uma intensa fase de acomodações e de conflitos com o movimento operário. O terceiro momento, chamado de liberalismo multifacetado que, como o próprio nome diz, assumirá fisionomias diferentes. Nesta fase os monopólios já estão consolidados e o movimento operário também tem a sua estruturação assegurada, tendo para isto ao menos um sólido referencial teórico.

Creio ser ainda necessário fazer uma distinção entre capitalismo e liberalismo. Enquanto o primeiro se constitui no modo de produção propriamente dito, o segundo será o seu corpo teórico, doutrinário, visando dar-lhe suporte e legitimação. É a ideologia do sistema capitalista, visando a construção hegemônica e a transformação das suas verdades em senso comum. Os principais elementos doutrinários contidos no liberalismo e que, portanto, se constituem nos seus mais sagrados dogmas, são os princípios do individualismo, da liberdade, da propriedade, da igualdade e da democracia. Esta ideologia abre um mundo de sonhos, de perspectivas e de crenças, sobretudo no campo da educação.

No modo de produção feudal e no absolutismo as pessoas eram vistas como súditos e agora, na perspectiva liberal, são transformadas em cidadãos. A afirmação dos princípios liberais se dará pela via revolucionária e o grande meio de difusão e de universalização de seus princípios se dará através da escola, uma vez que os púlpitos ainda estão ligados à velha ordem.

Assim como o capitalismo se rearticula em momentos diferentes, o mesmo também ocorre com relação à educação que, no entanto, sempre tem como função, dar o suporte ideológico e se constituir num elemento produtivo, pela qualificação dos recursos humanos para o capital. É lógico que estas funções serão percebidas e receberão reações.

Estas articulações ou reações se constituem nos seus grandes paradigmas, em tomo dos quais os teóricos da educação procurarão construir as suas concepções teóricas metodológicas. Os grandes enfoques que estarão presentes em todos eles sempre serão os do indivíduo, das classes sociais, (seja para a sua afirmação ou negação) do Estado, da sociedade e do mercado. Poderíamos agrupar estes grandes momentos da educação em quatro unidades diferentes, em que os teóricos, também com posições diferenciadas, olham para a educação. Citaremos estes momentos para depois nos determos nas teorias do Capital Humano, Neoliberalismo e do Neoconsevadorismo.

Num primeiro momento se pensa a educação como um processo de inserção do indivíduo na sociedade, sob diferentes perspectivas, tendo sempre presente a questão da educação como construção ou reconstrução. Os principais paradigmas deste momento serão os do positivismo, do pragmatismo, do Marxismo e o da Igreja Católica.

No segundo momento a ação educativa será acrescida de um elemento chamado planejamento por parte do Estado. Para que a educação propicie os resultados desejados pela sociedade ela deverá ser planejada pelo Estado. Assim teremos em Mannheim a educação voltada para se ter uma sociedade democrática e participativa e do outro lado os teóricos do capital humano, afirmando que a educação deverá ser planejada para a obtenção mais justa. Neste momento a educação ganha um forte componente econômico, de mercado.

A educação liberal, que já sofrera as sua contestações com o Marxismo, recebe agora mais uma. O alvo a ser atingido será o de anular o esforço entusiasta, de construção hegemônica, através do criticismo. Os paradigmas que até então, com exceção do Marxismo, procuravam inserir o indivíduo numa sociedade harmônica em que ele encontraria os seus espaços, com o seu desenvolvimento pela educação, é agora negado. Voltam as críticas ao sistema capitalista e é feita a denúncia de que a escola reproduz e reforça as relações sociais e de produção do sistema. A escola é denunciada como dual, como reprodutora o sistema e como um aparelho ideológico do Estado. Inclusive a desescolarização é defendida.

Finalmente volta para a educação a perspectiva economista e tecnocrática. A educação sai da esfera dos chamados direitos da cidadania e será vista como um serviço disponível no mercado, a não ser aquela útil para o sistema. A educação sairá da esfera do público, dirigindo-se ao privado. Revê-se assim uma posição tradicional do liberalismo, que revê a atuação do Estado no campo da educação. São os tempos do Neoliberalismo e do Neoconservadorismo, que inclusive já merecem livros com sugestivos títulos como Pedagogia da Exclusão e O Horror Econômico. (1)

A educação como investimento. A teoria do capital humano

A teoria do Capital Humano representa mais uma tentativa de rearticulação do liberalismo, em que a educação passa a ser considerada como um capital e como tal, será objeto de investimentos. Estes ficarão por conta de uma ação planejada do Estado, tendo sempre como parâmetro a relação entre custo-benefício. Esta nova articulação do liberalismo busca responder essencialmente aos anseios de desenvolvimento e de ascensão econômica através do planejamento do Estado e de investimentos aplicados na educação. Assim, consideram as contradições do capitalismo, não como estruturais mas como contingenciais e que podem ser resolvidas com investimentos em educação pois, esta provoca mudanças profundas no ser humano. Também será neste momento que entrarão em cena as agências internacionais de "cooperação" para o financiamento de projetos educacionais.

A referida teoria considera a educação como uma mercadoria. Com a divisão do trabalho se diminui o tempo socialmente necessário para a produção de mercadorias, aumentando assim, consideravelmente, o lucro. O que então deve ser feito é a otimização dos recursos humanos na qualificação para o trabalho. O trabalho passa a ser visto como uma mercadoria especial, que também poderá ser vista como capital. Esta preparação não será só para o trabalho, também será para a vida do trabalhador, para melhor negociar a sua força de trabalho e obter status e cargos. A teoria responsável por uma mudança bastante significativa no campo educacional, que volta o seu olhar para o mercado, encontrando nele as grandes linhas definidoras, buscando na educação a prioridade para a formação técnica e para o aumento da produtividade.

É o momento da entrada em cena dos economistas, que buscam sustentar esta teoria com elementos teóricos desde Adam Smith, dos primórdios do liberalismo. Schultz e seus companheiros, não chegam no entanto, ao cerne da questão, que se localiza na base material de produção e nas relações sociais dela decorrentes. Nesta perspectiva, vê-se que todo o processo do investimento na educação para a qualificação do "Capital Humano" só tem uma finalidade que é a de obter maior lucro com a extração maior demais valia. A teoria, que prevê a ação centralizada e planificada por parte do Estado teve uma certa receptividade, em virtude de uma certa recuperação econômica do capitalismo, que entrou numa fase de crescimento, tanto nos países desenvolvidos, como na aceleração da produção industrial entre os países subdesenvolvidos, fato que gerou muitas e melhores oportunidades de trabalho. A teoria do Capital Humano também trouxe para a educação, os famosos tecnocratas.

Frigotto, em seu livro A Produtividade da Escola Improdutiva faz uma precisa análise desta teoria e nos recomenda, como contraposição para esta mistificação ideológica, uma sólida formação do trabalhador, tanto na perspectiva tecnológica e profissional, quanto na dimensão sócio-histórica. O trabalho dentro da perspectiva Marxista precisa ser visto em sua totalidade, seja na compreensão específica da produção, como nas relações sociais que são estabelecidas.

Com a teoria do Capital Humano temos, pela primeira vez, a eleição do mercado e a inserção produtiva do homem neste mercado, como a prioridade da educação. Neste momento, no entanto, ainda se vislumbra a perspectiva de que através da educação voltada para a produtividade possa se impulsionar o processo de desenvolvimento sócio-econômico.

O neoliberalismo e o neoconservadorismo

Perry Anderson, no livro Pós Neoliberalismo (2) nos faz um balanço deste movimento. Neste balanço o Neoliberalismo é considerado como uma reação ao Estado intervencionista e de bem estar. O seu texto de origem é o livro O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek escrito em 1944. Em 1947, O mesmo Hayek convoca os que compartilhavam com as suas posições, para o famoso encontro de Mont Pélerin, donde nasceu a Monte Pélerin Society.

Persistentemente e contra as perspectivas do momento, eles se reúnem a cada dois anos, afirmando e reafirmando as suas crenças. Suas idéias irão ganhar força, apenas a partir da década de 70, com a crise generalizada que se instala no interior da sociedade capitalista, que passa a ser vista como uma conseqüência do Estado de bem estar. A função redistributiva do Estado, no entendimento deles, fere o lucro e a acumulação e, em conseqüência, a expansão das atividades econômicas, gerando um fenômeno que já na época foi chamado de estagnação. No contexto da crise dos anos 70 o seu receituário começa a fazer eco. O Estado deveria ser forte para romper com o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro e, pequeno ou mínimo, nos seus gastos sociais e empreendimentos econômicos.

A estabilidade monetária seria o primeiro mandamento, acompanhado da disciplina orçamentária, da contenção de gastos sociais, da redução dos impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas, e da criação de taxas de desemprego para baixar a pressão sobre os salários. Com estas medidas, acreditavam, em breve o crescimento voltaria e a crise seria superada.

Estas medidas passam a se constituir em plataformas eleitorais dos principais partidos conservadores e os resultados eleitorais começam a aparecer. Os seus teóricos são contemplados com prêmios Nobel e seus representantes no campo político, começam a ganhar eleições. Tatcher se elege em 1979, Reagan em 1980 e Khol em 1982. Ao final da década de 80 quase toda a Europa era governada por adeptos do neoliberalismo. Aí, para completar o quadro, ocorre o desmoronamento do chamado socialismo real com os episódios de 1989 e de 1991. Vem então a pregação do fim, do fim de tudo. O fim das ideologias, das utopias e das classes sociais. Tudo isto irá contribuir para uma reconstrução ideológica.

Na America Latina houve uma experiência pioneira no governo de Pinochet, no Chile, mas com a chegada da década de 90, o ideário neoliberal estará também sendo implantando na América Latina. Aqui houve três formas diferentes de acesso ao poder. A primeira foi a via militar, a segunda pela via eleitoral, marcada pela traição, em que se pregava a social democracia e, uma vez instalado no poder se praticavam as políticas neoliberais e finalmente pela via eleitoral com pregação neoliberal, exercendo um fascínio sobre as massas com elementos misturados de populismo e a estabilidade monetária.

Perry Anderson conclui o seu balanço, afirmando que o mundo, mesmo aplicando o receituário neoliberal, entra em nova e profunda recessão, sendo por isso mesmo, sob o seu aspecto econômico, um fracasso. Socialmente, foi um sucesso pois o mundo está marcadamente mais desigual e injusto. O maior êxito, no entanto, Anderson o aponta para o campo ideológico. O receituário neoliberal transformou-se no senso comum das massas, numa construção hegemônica que dificilmente encontra precedentes.

Hoje estamos assistindo às primeiras reações significativas a este movimento com as vitórias eleitorais dos trabalhistas na Inglaterra e dos socialistas na França diante deste verdadeiro "Horror Econômico".

No plano teórico O Caminho da Servidão, de Hayek, lançado em 1944, é o primeiro marco. O seu ataque é contra o poder do Estado para impor qualquer tipo de limite aos mecanismos "naturais" do mercado, o que seria uma ameaça letal às liberdades políticas e econômicas. Explicitamente os seus ataques se dirigiam contra os setores que já apontamos mas, na essência, os seus ataques se dirigem ao socialismo soviético. Só que isto era difícil de fazer, em virtude das alianças na segunda guerra mundial. Investe então contra os mecanismos distributivistas do Estado de bem estar e da democracia participativa, que impõem limites pela via tributária e pela via da organização coletiva, ao lucro e a sua acumulação, o que, segundo eles, impede a expansão econômica e as suas conseqüências. O mercado passa a ser, não apenas o delimitador das atividades econômicas mas também será o definidor das políticas do campo social, nos direitos da chamada cidadania, que estavam a caminho de sua universalização.

Neste terreno do social somam-se os princípios econômicos da doutrina aos princípios do conservadorismo. Assim Friedman, para trazer o direito à educação para a esfera do privado, do mercado, invoca o princípio da liberdade de escolha, da escolha da escola dos filhos por parte dos pais. Os pais têm o direito de escolherem a escola dos filhos e neste sentido aceita até a ajuda do Estado, através de políticas compensatórias, no financiamento da educação. A forma de se fazer isso, seria pela concessão de bolsas às famílias mais carentes, para que mediante elas, os pais pudessem escolher para os filhos, as melhores escolas. Entra aí em cena, outro princípio fundamental do neoliberalismo que é o da competição. A competição é um dos seus valores mais sagrados. Os neoliberais atribuem as mazelas da educação ao fato de sua transformação num direito universalizado.

A institucionalização deste direito criou uma corporação de professores e uma burocracia estatal egoísta, ineficiente e corporativista que precisa ser desarticulada. A instituição escolar precisa ser sacudida pelo princípio da competição. As escolas precisam competir entre si e os alunos e os seus pais precisam ter a liberdade de escolher a melhor escola para os seus filhos e assim todas elas se tornarão melhores. As escolas precisam ser colocadas sob a ótica do mercado e do privado, da competição e do lucro.

Uma das melhores formas encontradas para efetivar isto foi a instituição da terceirização no ensino – em curso em vários países – e das escolas cooperativas, das quais já temos as primeiras experiências e o seu princípio consagrado na nova LDB.

Dentro destas perspectiva, que já vêm desde a teoria do Capital Humano, a educação não terá mais na construção do sujeito e da cidadania, o seu principal enfoque, eixo que será deslocado para a preparação para atuar no mercado, na produção de "cidadãos produtivos". A inversão no mercado, cada vez mais competitivo, será a busca do novo "paraíso" almejado.

Com o passar das primeiras experiências, vimos que estas políticas – onde foram implantadas eliminaram a escola gratuita e acentuaram a criação de dualidades nas redes de ensino, além de alimentarem preconceitos de toda a ordem. A adoção destas políticas já recebeu a denominação de "Pedagogia da Exclusão", análise feita num significativo trabalho organizado por Pablo Gentili. (3)
As agências internacionais e a educação

Ao final da segunda guerra mundial foram criadas uma série de agências internacionais, que imediatamente se transformaram em instrumentos de monitoramento das políticas econômicas e sociais das grandes potências. Estas receberam a significativa denominação de "agências de cooperação" e visavam levar aos países que ainda não haviam chegado ao desenvolvimento, a cooperação financeira internacional, a eficiência do planejamento e a racionalidade administrativa dos países desenvolvidos. Assim, estes países, em breve tempo superariam os seus problemas, frutos de um atraso histórico e superáveis com a adoção das medidas a serem implantadas pelas agências de "cooperação" internacional.

Estas agências primeiramente financiaram projetos ligados aos setores produtivos, especialmente os vinculados aos setores infraestruturais como a energia e estradas ou ainda ligados à produtividade na agricultura. Porém, muito cedo entram na elaboração de políticas sociais, especialmente para o campo da educação. Assim a CEPAL, órgão regional da ONU, para a América Latina e para o Caribe, já na década de 60, receitua políticas educacionais para toda a América Latina, voltadas para o desenvolvimento, através da adoção de medidas tecnocráticas, obedecendo aos princípios da teoria do "Capital Humano".

Já na década de 70 também o Banco Mundial entra na linha do financiamento de projetos educacionais. A orientação política de seus projetos será a de alívio à pobreza e à contenção do seu crescimento. Neste sentido financiará, primeiramente projetos ligados ao ensino técnico passando depois a investir maciçamente no ensino primário, mais barato, com retorno mais rápido na produtividade e com efeitos extraordinários na contenção da natalidade, contendo, assim, o crescimento da pobreza. Os resultados destas políticas são contestados mundialmente. Os seus empréstimos, de "cooperação", têm apenas o nome, sendo na verdade empréstimos comerciais, convencionais, caríssimos, tratados com extrema rigidez e que contam com vultosos recursos dos países tomadores do empréstimo, como contrapartida de co-financiamentos. Estes empréstimos se constituem hoje num dos principais componentes da dívida externa, dos países do chamado terceiro mundo. No entanto, por uma série de razões, os países, os estados e até mesmo os municípios continuam tomando estes empréstimos. No dizer da professora Marília Fonseca (5) estes empréstimos deveriam atender mais aos interesses da educação do que aos do Banco.

A intervenção mais clara das agências internacionais na educação ocorreu em 1990, com a realização da Conferência de Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia e convocada simultaneamente por quatro agências internacionais: A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco); o Programa das Nações Unidas para a Infância (Unicef); o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial.

Deste encontro resultaram "posições consensuais" na luta pela satisfação das necessidades básicas de aprendizagem de todas as crianças, jovens e adultos. Os países que chegaram a estas "posições consensuais" têm em comum a baixa produtividade de seus sistemas educacionais e o fato de serem os países mais populosos do mundo. São eles: Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão. Assim, por um compromisso firmado por estas agências promotoras do encontro, estes nove países "consensuaram" a elaboração de seus planos decenais de educação, pautados por princípios comuns como os de prover às crianças, aos jovens e adultos as "competências" fundamentais requeridas, especialmente as necessidades do mundo do trabalho. "Consensuaram" ainda, universalizar oportunidades, com eqüidade, fortalecer acordos, parcerias e compromissos. Para a viabilidade da execução destas medidas deverão ser implantadas alianças e parcerias, promovidas a eficiência e equalização no financiamento e implementadas uma série de medidas, no atendimento às crianças.

Em suma, a educação ganha novas finalidades e uma nova linguagem, que será universal e, cada vez mais distante dos educadores e de suas organizações e cada vez mais próxima e afinada com a voz dos empresários, mostrando assim a total submissão dos interesses da educação aos novos ordenamentos do mercado.

Neoliberalismo e neoconservadorismo: a educação brasileira

No Brasil, o neoliberalismo ganhou mais forma com Collor, que desde a campanha bradava contra os "marajás", incrustados no Estado que queria desmantelar. Já no governo Itamar se alimenta primeiramente uma perversa hiperinflação para que
as medidas de controle monetário e de estabilização financeira fossem pedagogicamente assimilados e produzissem os resultados eleitorais esperados. Assim, O neoliberalismo chega plenamente ao poder, através de Fernando Henrique Cardoso, que se elege usando as roupagens da social democracia. Os pilares básicos do neoliberalismo passam a ser rigorosamente cumpridos. Segundo Nereide Saviani, eles formam o segundo tripé: desestatização/desnacionalização; desregulamentação/ desconstitucionalização; desuniversalização / desproteção. (4)

O programa de governo de FHC, contido no documento Mãos à Obra Brasil, apresenta a educação, como um dos dedos da mão levantados, apontando-a como uma de suas prioridades. FHC investe nas políticas neoliberais por todos os lados. Uma de suas grandes frentes está no Congresso Nacional, onde está se promovendo a desconstitucionalização, onde já conseguiu desregulamentar a economia, o que já lhe permitiu fazer algumas privatizações, das quais a da Vale do Rio Doce foi a mais significativa. Outras reformas estão em curso, mas estão encontrando maiores resistências, como é o caso das reformas administrativas e da previdência. A tributária está aguardando vez, numa conjuntura mais favorável.

A educação já teve as suas reformas, todas dentro dos princípios neoliberais. Pela emenda constitucional n° 14, a União já se desobrigou do financiamento do ensino fundamental, transferindo esta responsabilidade para os Estados e Municípios e já consagrado pela lei 9424/96. Está em curso uma reforma universitária, com uma nova reforma constitucional, mas com os seus princípios já em parte aprovados no capítulo sobre o ensino superior, na nova LDB. Nesta nova LDB também estão inscritos muitos de seus princípios como a anterioridade da família sobre o Estado no dever de educar; na consagração do princípio da equidade sobre o da igualdade; no privilegiamento às instituições privadas de ensino, isentando-as da gestão democrática e concedendo-lhes generosos recursos públicos e principalmente pelos mecanismos de centralização e da conseqüente negação dos princípios da democracia participativa. Assim é a composição do Conselho Nacional de Educação e a desconsideração do Fórum Nacional de Educação, previstos no projeto de origem do legislativo. O MEC passa a ter superpoderes, centralizando em suas mãos toda a definição de políticas educacionais e os mecanismos de avaliação. Apenas a execução é descentralizada (art. 8 e 9). O ensino profissional, confuso e contraditório nos capítulos sobre o ensino médio e profissional, recebe um decreto governamental (n° 2208/97) depois que o projeto encontrou resistências na Câmara. Por este decreto, o ensino profissional e o ensino básico passam a ser modalidades de educação não formal e de duração variável. Está assim, fora do ensino médio.

Mas já antes destas novas legislações, ainda no início de seu governo, FHC anuncia o programa "Acorda Brasil, está na hora da Escola"! Neste programa são anunciadas as cinco metas prioritárias do governo para a educação: dinheiro para o ensino básico, diretamente para as escolas; valorização do professor, preparando-o para ensinar melhor, através da TV educativa, do ensino à distância; investimento em material didático; definição dos conteúdos do ensino com o currículo básico nacional e finalmente um sistema nacional de avaliação.

No discurso neoliberal sobre a educação, predomina a necessidade da formação de uma mão de obra mais qualificada e flexível, de acordo com as novas tecnologias e dando-se ênfase no ensino de matemática, das ciências exatas, na linguagem e na informática. Fala-se ainda na otimização dos recursos humanos e na transferência para a comunidade, das responsabilidades do seu financiamento. Também encontra-se presente um forte componente ideológico com o discurso da "qualidade total".

No documento Mãos à Obra Brasil! o governo apresenta as suas metas para os três níveis de ensino e os meios para atingi-las:

Para o ensino de primeiro grau: obtenção de melhores índices de aprendizagem através da fixação de parâmetros curriculares básicos; da redução da repetência; do treinamento de professores através do ensino a distância; dotação das escolas com TV vídeo para o uso da TV educativa e a ampliação do ritmo da universalização do ensino nas quatro primeiras séries.

Para o segundo grau: elevar o padrão do ensino a níveis internacionais; atualizar e modernizar os currículos, adaptando-os ao mundo de hoje; permitir que se curse simultaneamente o ensino regular e o técnico; ampliar a colaboração entre União, Estados e Municípios (transferência de responsabilidades); adotar novos métodos de formação de professores e novos programas; novas metodologias de ensino; ofertar cursos de profissionalização imediata; articular melhor com o ensino superior e estabelecer parcerias com a iniciativa privada (privatização).

Para o ensino superior: elevar a qualidade da graduação pela avaliação; ampliar as matrículas nas instituições federais; diversificar os cursos de graduação e pós-graduação com novas carreiras mais adequadas ao mercado de trabalho; vincular o credenciamento à avaliação; promover a autonomia e estimular a qualificação de professores.

O governo pretende atingir estas metas transformando o MEC numa entidade de coordenação e de formulação de políticas; estimulando, financiando e avaliando resultados; promovendo a articulação entre os sistemas educacionais; buscando a participação da comunidade; promovendo o repasse direto dos recursos; descentralizando a merenda escolar e o livro didático e ainda aprovar a LDB, o que já aconteceu através da Lei 9394/96 e que consagra muitos dos princípios aqui enunciados.

Em suma, o neoliberalismo vê a humanidade pelo seu ângulo de mercado e a ele tudo submete, desde a formação das pessoas até a estruturação política e a organização da sociedade. O indivíduo terá como função máxima a sua inserção produtiva na sociedade, em um mercado cada vez mais competitivo. Não conseguindo se adaptar a esta função, será então motivo de exclusão. O Estado não mais oferecerá garantias de direitos, atuando na contraposição do direito do cidadão/dever do Estado, para ser apenas o árbitro para que as leis do mercado fluam naturalmente. Para implementar estas políticas, evidentemente a burguesia recorreu ao conservado ris mo e ao reacionarismo. O autoritarismo e a centralização estão presentes em todos os governos neoliberais assim como a aversão à participação organizada da sociedade civil. O conceito de globalização e de universalização são categorias válidas apenas para o capital e não para a expansão dos direitos da cidadania. Esta será cada vez mais restrita e os direitos, já transformados em serviços, estarão disponíveis no mercado.

Os liberais mais progressistas, que propugnavam a universalização da educação e a construção de uma sociedade democrática, foram vencidos pelos conservadores e, enquanto os teóricos do capital humano defendiam os investimentos em educação para a promoção de um Estado desenvolvimentista, hoje só se pensa na desnacionalização e na universalização do capital. O mercado será o ente supremo e invisível da organização da sociedade. O Estado será apenas árbitro e jamais o responsável pelo desajuste dos indivíduos. Pelo contrário, estes indivíduos, quais órgãos doentios de um tecido social, necessitarão de um tratamento cirúrgico, de extração, através de políticas deliberadas de exclusão social, que obviamente, para serem efetivadas, precisarão de um Estado extremamente autoritário e forte na sua ação repressiva para promover a exclusão dos economicamente não arianos.

Por doutrina pedagógica sempre se concebeu uma filosofia de vida, uma concepção de homem e de sociedade, que seria transmitida através de instituições que seriam as porta vozes destas teorias.
O liberalismo, como a doutrina do sistema capitalista, sempre tratou a escola com especial interesse e segundo Althusser, se transformou no principal aparelho ideológico do Estado, de inculcação da ideologia burguesa. Com o advento do liberalismo e da sociedade industrial houve praticamente a universalização do ensino fundamental, fato consolidado nos países do capitalismo hegemônico, já ao final do século passado. No entanto, havia diferentes visões, filosofias de vida, concepções de homem e de sociedade. Os positivistas atribuíam à educação, funções conservadoras ou conformadoras, de preservação da sociedade com um ensino moral burguês, que daria aos indivíduos uma segunda natureza social. Já Dewey e Mannhein apontavam para a dinâmica, para uma atuação inteligente dos indivíduos ou para uma ação planejada para corrigir distorções.

Planejar para o desenvolvimento econômico foi uma mudança bastante radical que a educação sofreu. Mudou o enfoque. Agora a educação não mais se centra na formação do indivíduo como sujeito, como ser histórico, mas como indivíduo com perspectivas econômicas. O Estado deveria investir em educação e isto lhe traria retornos econômicos. Esta teoria caiu depois nas mãos dos que pensaram o Estado Mínimo. Nele o Estado não mais será o promotor, o agente do desenvolvimento. Será espectador e árbitro de uma "força invisível", chamada mercado, em função e em torno do qual toda a sociedade será estruturada. Quem não se integrar neste mercado não terá mais vez, pois o Estado não mais terá a responsabilidade de assegurar direitos. É uma nova organização da sociedade com o Estado mínimo para as questões sociais e máximo, forte, repressivo e coercitivo, na aplicação das políticas de exclusão.

A isso se contrapõe um olhar global, uma visão da totalidade. Mais do que nunca temos hoje a clareza de que o capitalismo não é um sistema que incorpora o humano. Os seus valores são outros: lucro e acumulação. A base material deste sistema precisa ser destruída para poderem se estabelecer novas relações sociais, construídas a partir de novos valores. A nossa função será a da apropriação teórica para uma ação mais qualificada. Perry Anderson, em seu balanço do neoliberalismo, ao final, destaca que o seu maior êxito foi obtido no campo ideológico, na construção hegemônica. Então será este o nosso campo de ação. Desmontar este discursos, este "consenso criado", este mito do fim de tudo, é a nossa tarefa e esta é uma das finalidades do nosso aprendizado. O sonho da construção do homem omnilateral precisa continuar sendo alimentado.

PEDRO ELÓI RECH é secretário de assuntos educacionais do Sindicato dos Professores das Redes Públicas Estadual e Municipais do Paraná e mestrando em Educação pela PUC/SP.

(1) GENTILI, Pablo, Pedagogia da Exclusão, Petrópolis, Vozes, 1995. FORRESTER, Viviane, O Horror Econômico, São Paulo, UNESP, 1997.
(2) GENTILI, Pablo & SADER, Emir (Orgs.), Pós-Neoliberalismo, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995.
(3) GENTILI, Pablo, Pedagogia da Exclusão, Petrópolis, Vozes, 1995.
(4) SAVIANI, Nereide, Governo FHC, Neoliberalismo e Educação (texto mimeografado).
(5) TOMMASI, Lívia de, WARDE, Mírian Jorge, HADDAD, Sérgio (orgs,), O Banco Mundial e as Políticas Educacionais, São Paulo, Cortez, 1996.

EDIÇÃO 48, FEV/MAR/ABR, 1998, PÁGINAS 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80