A política de privatização em curso no Brasil tem origem externa. É parte fundamental, talvez a mais característica, da política neoliberal que o capitalismo pratica em escala internacional desde a década de 70. Começou pela Inglaterra, que buscou reenergizar sua economia por intermédio do fortalecimento do capital privado, da concorrência e da capitalização do Estado para controle do déficit público. A privatização, afastando o Estado da atividade econômica e de serviços públicos, abriria novos e amplos espaços para os grupos privados, ao mesmo tempo em que, promovendo receitas extras com a venda de estatais e a concessão de serviços, permitiria ao Estado saldar ou diminuir suas dívidas e investir em áreas que julgasse prioritárias.

No Brasil, essa política chegou quando o país ainda estava sob a batuta dos militares. As finanças públicas estavam enfraquecidas pelas dívidas externa e interna, juros elevados e gastos com o segundo choque do petróleo. Havia dificuldades para se manter o modelo de desenvolvimento econômico até então praticado no país, o da iniciativa estatal. A capacidade de investimento do Estado diminuíra.

O modelo de desenvolvimento sob a iniciativa estatal, exercido no Brasil durante décadas, foi a resposta dada pelo Estado brasileiro aos desafios do desenvolvimento, num quadro em que o capital privado nacional era débil para enfrentar os problemas postos e o capital estrangeiro não tinha interesse em investir. Esse tipo de política econômica promoveu a industrialização do país.

Na história do Brasil, a conformação desse modelo começa com o primeiro governo de Getúlio Vargas, após a Revolução de 30. Até então, desde D. João VI, em 1808, o Brasil organizara 17 estatais. Do primeiro governo de Getúlio até sua morte, passando pelo governo de Dutra, foram criadas 30 empresas do Estado. Juscelino, Jânio e Jango criaram mais 63. E no regime militar, de Castelo a Figueiredo, surgiram 274 novas estatais. Grandes estatais foram criadas na década de 50, a Petrobrás e a Eletrobrás incluídas. Muitas empresas que surgiram na década de 70 tinham pouca expressão econômica. Estudo oficialmente aceito registra a existência no país, nessa mesma época, de 582 estatais. (1)

As dificuldades que o Estado passou a enfrentar na passagem da década de 70 para a de 80 formaram a base objetiva da aceitação rápida pelos governantes brasileiros da receita privatizadora que chegava através do Banco Mundial e do FMI.

O primeiro passo do Estado brasileiro rumo à privatização foi dado no governo do general Figueiredo, ao criar, cinco meses após sua posse, em julho de 1979, com nome simpático e evasivo, o Programa Nacional de Desburocratização. O decreto que o criou diz que "a empresa nacional (deve)… se capacitar… a receber encargos … que se encontram sob a responsabilidade de empresas do Estado" e prevê "casos" em que será "recomendável a transferência do controle (da empresa) para o setor privado." Dois anos depois, em julho de 1981, o mesmo governo cria o "Programa de Desestatização" e a Comissão Especial de Desestatização. Com Figueiredo, cumpre-se portanto a primeira etapa da política de privatização, com o saldo de 20 estatais vendidas e mais 22 transferidas para Governos Estaduais ou fundidas a outras empresas.

Nenhuma dessas 20 empresas privatizadas no Governo Figueiredo tinham maior significado, sendo que, inclusive algumas, não deveriam ter sido estatizadas. De qualquer forma, merece destaque o fato de o programa de privatizações ter começado ainda no regime dos militares, justamente no período em que mais se desenvolveram empresas estatais no Brasil!

Daí por diante a privatização no Brasil tem crescido em marcha batida até hoje, sendo refreada em lapsos pequenos, mas em geral aprofundada em sua execução e ampliada em sua abrangência. Para sua consecução cria-se uma série de Programas e Conselhos, todos com nomes diferentes e parecidos, sucedâneos uns dos outros, a partir do primeiro, o Programa Nacional de Desburocratização.

A segunda etapa da privatização começa com o Governo Sarney, em 1985. Cria-se então o Conselho Interministerial de Privatização, depois Conselho Federal de Desestatização. Novas formas de privatização são definidas, prevendo-se desde a abertura do capital social das empresas até sua simples liquidação, passando por gestão privatizada, pulverização de ações, etc.

Nessa segunda etapa, 42 desestatizações foram concluídas, incluindo-se aí, transferências de empresas para Governos Estaduais, liquidações e 18 privatizações. Como algumas dessas 18 empresas já tinham sido empreendimentos privados, e foram estatizadas para serem salvas de falência, houve, de fato, algumas reprivatizações.

Com Fernando Collor de Melo, em 1990, tem início a terceira etapa da privatização no Brasil. No próprio dia da posse, o novo governo, no bojo de um pacote neoliberal de 20 medidas provisórias, promulga a MP 155/90, depois transformada em Lei 8.031/90, instituindo O Programa Nacional de Desestatização. A lei recoloca os objetivos gerais da desestatização brasileira, acentuando a retirada do Estado da economia; a redução da dívida pública; a concentração do Estado em atividades que lhe são essenciais; e a democratização do capital das empresas privatizadas. Além disso, o PND limitava a participação do capital estrangeiro nas privatizações, na proporção de 40%. Isto com Collor. Posteriormente, tal restrição desapareceu.

Até o impeachment do presidente, dois anos e meio depois de sua posse, o governo Collor privatizou 18 estatais, siderúrgicas e petroquímicas na maioria.

A etapa seguinte, marcada pela presidência de Itamar Franco, revelou contradições no processo de desestatização, certo esforço no sentido de controlá-lo em função de interesses nacionais e de moralizá-lo. De saída Itamar suspendeu os leilões de privatização previstos, entre os quais o da CSN e o da ULTRAFÉRTIL. Com o Decreto n° 724, foram definidas novas diretrizes para a privatização no Brasil, obrigando uma presença maior de moeda corrente; endereçando os frutos das privatizações a investimentos em áreas sociais e em ciência e tecnologia; obrigando os compradores a investir em meio ambiente; e dando ao Presidente poderes de avocar para si as decisões mais delicadas. A despeito disso, 17 estatais foram privatizadas durante o governo Itamar Franco.

Com o Governo de Fernando Henrique Cardoso inicia-se a quinta etapa da política de privatização brasileira, a maior e de mais amplo alcance.

No início desse governo, os privatistas achavam que até então havia sido acanhado o desempenho da privatização no Brasil. A redução de dívidas públicas situou-se bem aquém de programas realizados em outros países, inclusive da América Latina.

O Governo brasileiro, espelhando as orientações internacionais, considerou necessário, para dar novo ímpeto às privatizações, enfrentar um problema preliminar: alterar a Constituição em pontos em que a economia nacional ou estatal estivessem protegidas. E resolveu também fazer toda uma legislação a serviço da ampliação da privatização.

Assim, o governo promoveu a quebra do monopólio estatal do petróleo e das telecomunicações e a liberação da pesquisa e lavra do subsolo do país a empresas de qualquer nacionalidade, entre outras mudanças constitucionais. Criou, logo, uma nova sigla, sucedânea das velhas, quase com o mesmo nome delas, mas com poderes superiores – o CND, Conselho Nacional de Desestatização. Sancionou a Lei das Concessões, alargando o alcance do PND, que assim poderia não só vender estatais, mas fazer licitações para exploração de serviços públicos. O disposto em outra lei, a 9.074/95, permitiu ainda a transferência ao setor privado de concessões para exploração de serviços de energia elétrica.
Armando-se desses dispositivos legais, o Governo passou à ofensiva na privatização: organizou novo estoque de empresas para leiloar e enveredou por novas linhas de atividade.

O Decreto 1.481, de maio de 1995, incluiu no PND as Eletronorte, Eletrosul, Fumas, Chesf e a própria Eletrobrás. Remarcou todos os leilões suspensos no governo de Itamar Franco, inclusive os de oito petroquímicas. Confirmou os leilões da Light, RFFSA, Escelsa e Meridional. Incluiu 31 portos brasileiros na lista do CND. Sancionou a Lei 9.295 que abriu ao capital privado a telefonia celular, o transporte de sinais por satélite e outros segmentos de telecomunicações. E finalmente, em maio de 1997, afrontando toda uma movimentação nacional, levou a cabo a entrega da Cia. Vale do Rio Doce, vigésima privatização feita pelo Governo FHC e maior estatal já vendida no Brasil.

A submissão aos ditames externos

Chama a atenção em todo esse processo a submissão com que as elites brasileiras adotaram o receituário neoliberal de origem externa da privatização. É espantoso que uma política experimentada na Inglaterra em 1979 tenha começado a ser aplicada no Brasil ainda no mesmo ano, com os mesmos objetivos, métodos e conceitos. A rapidez com que se acatou aqui as diretrizes dos desenvolvidos, mostra como ainda é grande o servilismo atávico das nossas elites frente aos olhos azuis. (2)

O Brasil tem um imenso território, com desenvolvimento médio e profundamente desigual. Alavancar seu progresso, diminuir os fossos regionais e de classes, investir em regiões e áreas sem atrativos e levar em conta os interesses da Nação, que não se reduzem aos do mercado, exige Estado forte, do ponto de vista político, orgânico e econômico. Nenhuma Nação que tenha projeto próprio pode abrir mão dos conceitos de setor estratégico e empresa estratégica. Quem assim procedesse não poderia se desenvolver, diminuir os fossos sociais e regionais que lhe atormenta, nem ter liberdade, nem defender sua soberana.

O "valor" da estatal calculado pelo critérop do fluxo de caixa não tem nada a ver com o seu valor do patrimônio líquido real

Quando, em um país como o Brasil, um governo opta pela privatização em larga escala e em toda a linha, em função, basicamente, de se capitalizar para pagar dívidas e juros, está-se excluindo de suas obrigações nacionais, entregando trincheiras estratégicas ao controle de quem quer que seja, ou, em uma palavra, capitulando frente à ganância do grande capital.

A transferência de patrimônio público ao setor privado

A transferência de patrimônio público ao setor privado, na proporção gigantesca que tem sido feita no Brasil, é um fenômeno novo em nossa história. Relaciona-se com a busca das elites por redefinir o papel do Estado na nova configuração da economia mundial e avoluma-se pela esperteza dessas mesmas elites, céleres em definir políticas moralmente afrontosas de apropriação de bens públicos. A corrupção entra no processo como um ingrediente típico dessas elites e prolifera tanto mais quanto mais firme mostra-se o governo na sua decisão de acobertá-la.

Já na fase recente da inflação alta, o setor financeiro, pelo mecanismo da rolagem diária da dívida pública, transferiu do setor público para o seu circuito privado o que estudiosos de órgãos governamentais calculam em mais de US$ 100 bilhões. (3)

A política de privatização, desde o seu início no Brasil, passou a comandar as desapropriações dos bens públicos, feitas "dentro da lei", e a apropriação desses mesmos bens por parte de alguns grupos privados. Os gestores das privatizações adotaram o método de avaliar estatais recomendado pelas instituições estrangeiras, BID e FMI, o chamado método de fluxo de caixa. As avaliações são feitas pelo potencial de geração de resultados do seu ativo operacional, medido pelos fluxos de caixa projetados por um certo tempo, em cenários econômicos estipulados. O "valor" da estatal assim calculado não tem nada a ver com o valor do patrimônio líquido real que ela tem. De tal maneira que, quem compra uma estatal registra e declara imediatamente um valor, para o patrimônio que passou a possuir, bem maior que o "valor" pago pela dita estatal. É uma tramóia descomunal. A revista Exame, de agosto de 1995, publicou a lista das "500 maiores e melhores empresas brasileiras". Há diversos casos assombrosos. A Açominas, vendida em 1993 por US$ 598,5 milhões, dos quais só US$ 29,9 milhões pagos em dinheiro, em 1994 já declarava um patrimônio líquido real de US$ 4,0 bilhões, oito vezes o valor de sua venda e 133 vezes mais que a parcela paga em dinheiro.

Vinte e uma empresas que aparecem na lista das "500 maiores e melhores do Brasil" de 1995, foram estatais brasileiras privatizadas a partir de 1991, a saber: a Usiminas, CSN, Açominas, Acesita, Cosipa, CST, Piratini, Copersul, PQU, Petroflex, Poliolefinas, PPH, Polisul, Oxiteno, Politeno, Nitiflex, Cinique, Ultrafértil, Fosfértil, Embraer e Caraíba.

Essas estatais foram vendidas por US$ 6,66 bilhões, dos quais só US$ 1,19 bilhão foi pago em dinheiro. Na lista da Exame, aparecem com patrimônio líquido registrado de US$ 22,3 bilhões. Simplificadamente e em números arredondados, o que se passou foi o seguinte: um patrimônio público de US$ 22 bilhões foi vendido por US$ 6 bilhões, dos quais o governo só recebeu US$ 1 bilhão em dinheiro. Tudo isso dentro da legislação em vigor, criada com esse objetivo.

A propósito da "acumulação primitiva", que se deu nos albores do capitalismo, Marx observa que ela "não decorre do modo de produção capitalista, mas é seu ponto de partida". Ali, a burguesia ascendente apropriou-se de capital pela força e por conta do que Marx chamou de uma "legislação sanguinária contra os expropriados", Estes, legalmente, não tinham escapatória. A "legislação sanguinária" hoje em vigor no Brasil dá total guarida à expropriação do patrimônio do povo, que está sendo despojado de riquezas incalculáveis, imediatamente transferidas a grupos privados que, pelos métodos convencionais do jogo de mercado, não teriam como adquiri-las.

O Governo, ademais, promove em diversas estatais diferentes tipos de ajustes prévios às suas alienações. Tem gasto, em alguns desses ajustes, mais dinheiro do que recebe ao final da venda da estatal pelos preços aviltados já vistos. O Relatório do TCU de 1996 diz que "os ajustes financeiros realizados nas empresas alienadas no período de 1993 ao final de 1996, envolvendo quatro empresas (CSN, Cosipa, Açominas e Embraer), totalizaram R$ 3,8 bilhões, o que corresponde a 27 ,7% de toda a arrecadação do Programa Nacional de Desestatização". (4)

O uso das "moedas podres" é outro aspecto escabroso da privatização no Brasil. O que se tem chamado de "moedas podres", ou de "moedas de privatização", são títulos públicos desvalorizados, comprados no mercado com 20%, 30% e até 40% abaixo do valor de face, e que entram na compra de estatais com seu valor integral. Entre essas moedas podres, as mais usadas nas privatizações, especialmente dos setores siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes, foram certificados de privatizações, cruzados novos (a partir de setembro de 1992), debêntures da Siderbrás, obrigações do Fundo Nacional de Desestatização, dívidas securitizadas da União, títulos da dívida agrária, títulos da dívida externa e letras hipotecárias da Caixa Econômica Federal. Essas "moedas podres", depois de recebidas pelo governo, em pagamento de alguma estatal, transformam-se, de imediato, não em "moeda pouca", mas em "moeda "nenhuma", vez que simplesmente não são moedas, não é dinheiro, mas um monte de papel sem valor.

As "moedas podres" foram abusivamente utilizadas nas privatizações brasileiras. Do total de US$ 13,73 arrecadado pelas privatizações, de 1990 até 1995, US$ 8,8 bilhões entraram como "moedas podres" e somente US$ 4,93 foi recolhido em dinheiro. Houve casos em que as ditas "moedas podres" representaram a totalidade das moedas oferecidas em troca de estatais, como aconteceu nas privatizações da Acesita, Cia. Siderúrgica Tubarão, Aços Finos Piratini, Cosinor, Copesul, PPH, Polisul, Nitriflex, Fosfértíl, Goiasfértíl, Arafértíl, Celma, Mafersa, entre outras. Nesses casos o governo entregou essas estatais sem receber dinheiro algum, nem à vista nem a prazo.

O favorecimento de grupos privados

O Programa Nacional de Desestatização está promovendo uma rearrumação na burguesia brasileira. Grupos econômicos estão sendo fortalecidos, conglomerados estão sendo formados, monopólios têm sido favorecidos. No outro lado da balança há os que, não se fortalecendo, têm perdido força. Riqueza propriamente não tem surgido, pois a privatização é transferência de riqueza, não criação da mesma. Investimento estrangeiro aplicado em privatização ocupa fábrica, não a implanta.

Calcula-se que uns 20 grupos estejam se beneficiando enormemente com esse processo. E afirma-se que esse mecanismo esteja definindo "quais serão os conglomerados que deterão o poder econômico do Brasil nas próximas duas décadas". (5) Politicamente, o PFL, controlando o Ministério das Minas e Energia, tem sua influência na privatização das estatais de energia. O PSDB, da mesma forma na área de telecomunicações.

No setor petroquímico, o Grupo Odebrecht adquiriu grande parte das empresas privatizadas e desponta como o maior grupo petroquímico do país. É majoritário no Polo Petroquímico de Camaçari, tem forte presença em todos os outros polos e está prestes a constituir, em parceria com a Petrobrás, o Polo Petroquímico de Paulínia, no momento objeto de controvérsias legais.

No setor de fertilizantes, os beneficiários foram as multinacionais como Manah, Solorico e Cargil, que hoje exercem também o monopólio desse ramo da economia, controlando a UItrafértil, Fosfértil, Goiasfértil, Indag e a Arafértil.

No setor siderúrgico, o Grupo Gerdau, o Banco Bozano Simonsen e os Fundos de Pensões das Estatais foram os primeiros a se destacarem na aquisição das estatais do ramo. Até surgir por aí o estranho fenômeno do Sr. Benjamin Steinbruch.

Há cinco anos o empresário Benjamin Steinbruch era conhecido como um playboy herdeiro de parte de um grupo têxtil em dificuldades, o Vicunha, onde sua mãe, Dorothea Steinbruch controlava 18,25% das ações. Junto com seus irmãos Elisabeth e Ricardo, Benjamin detinha 2,25% das ações da Vicunha, o que jamais o credenciaria à ascensão meteórica que o transforn10u em poucos anos em um barão da economia brasileira.

Mas o fato é que o dito Benjamin Steinbruch, e o seu Grupo Vicunha, assumiram o controle da gigantesca Companhia Siderúrgica Nacional. É como se o rabo tomasse conta do elefante. Daí, Benjamin pulou para a Vale do Rio Doce e, apoiando-se em algumas parcerias, passou a controlar e/ou deter grande participação acionária na Light, CERJ, CST, Usiminas, Açominas, Fosfértil, Cosipa, Siderar, Bahia Sul Celulose, Alunorte, Valesul, Albrás, Nibrasco, malhas Nordeste, Centro-Leste e Sudeste da Rede Ferroviária Federal e Banda B de telefonia celular da Bahia e Sergipe.

É verdadeiramente espantoso o sucesso desse Benjamin. Deve deixar muito felizes os seus colegas de trabalho e de empresa, como o economista Paulo Henrique Cardoso, filho do Presidente Fernando Henrique Cardoso e marido de Ana Lúcia de Magalhães Pinto, do Banco Nacional, que recebeu R$ 9,6 bilhões do Proer para cobrir o rombo da sua falência.

A presença crescente do capital estrangeiro

Durante a fase anterior às privatizações, a presença do capital estrangeiro foi pequena. Certos tipos de empresa não lhe despertavam muito interesse, como siderurgia e petroquímica. Os fundos de pensão e os grupos financeiros foram grandes compradores nessa época. Além disso, algumas limitações inibiam o investidor estrangeiro, O que deixou de existir com a Resolução 2.062/94 do CMN.(6) O fato é que, se no ano de 1995, a participação do capital estrangeiro nas privatizações ficou em torno de 4% (US$ 417,1 milhões), em 1996 já chegou a 14% (US$ 1.864,7 miIhões)(7), com a expectativa de que chegasse a 30%.

Os ramos mais atraentes para o capital estrangeiro são os de energia e telecomunicações, além de mineração já esgotada com a venda da Vale. Nesses dois ramos aparecem muitas empresas estaduais, cujas alienações não eram aceitas pelos seus governos. Até que o governo federal acrescentou à "legislação sanguinária" um outro programa, o da antecipação de receita de privatização para Estados que prometessem vender suas estatais, com o assentimento garantido de suas Assembléias Legislativas. Com a quebradeira em que os Estados estão metidos, 14 deles logo aderiram ao programa, recebendo antecipações sujeitas a multas caso os leilões demorassem.
Neste ano de 1997, um consórcio norte-americano, tendo à frente o Noel Group, arrematou a Malha Oeste da RFFSA, que liga Bauru (SP) a Corumbá (MT). Foi a primeira vez que o capital estrangeiro comprou uma estatal do PND.

Na venda da Light, de novo apareceram como os principais compradores a estatal francesa, Eletricité de France, EDF, e duas norte-americanas. A empresa chilena Chiletra venceu a Eletricité de France na disputa da Cia. de Eletricidade do Rio de Janeiro, a CERJ. E já neste ano de 1997, o grupo espanhol Iberdrola adquiriu o controle acionário da Coelba, a estatal de energia elétrica da Bahia, que o governo baiano se dispunha a vender por R$ 615 milhões a menos do que pagaram seus compradores. As norte-americanas Southem Electric e AES, em parceria com o Banco Opportunity, também ingressaram nesse rico filão, adquirindo um terço do controle acionário d? Cemig, as Centrais Elétricas de Minas Gerais.

O Governo prossegue agora sua privatização explorando o rico filão de telecomunicações, da telefonia celular e da energia elétrica. A idéia é exigir pagamento em moeda corrente, e não mais aceitar "moedas podres", posto que o Governo FHC já começou a por à venda estatais que despertam grande interesse.

Os valores das vendas das empresas desses novos setores levarão a privatização brasileira a um novo patamar. Enquanto o setor petroquímico,já todo privatizado, significou 12% do que o PND arrecadou até agora, apenas o início das privatizações das telecomunicações já atingiu 11 % do mesmo total.

Está prevista para o ano que vem a venda da Embratel, por um valor estipulado de US$ 6 bilhões. As companhias telefônicas estaduais estão sendo avaliadas em US$ 17 bilhões. A telefonia celular da banda B daria ao governo de US$ 9 a US$ 10 bilhões. As quatro grandes geradoras de energia elétrica que o governo irresponsavelmente quer vender: Furnas, Eletrosul, Eletronorte e Chesf, dariam US$ 22 bilhões. Distribuidoras estaduais de energia de São Paulo, Sergipe, Pará, Mato Grosso e Rio Grande do Norte, somadas com as da Bahia, já privatizadas) resultariam em US$ 28,7 bilhões. A Coelba sozinha custou mais da metade que o governo arrecadou com a venda da Vale. E o valor estipulado para a Cesp, Centrais Elétricas de S. Paulo – maior geradora da América Latina depois de Itaipu, Eletropaulo (maior distribuidora do continente), e da CPFL, Cia. Paulista de Força e Luz, é de US$ 23,6 bilhões, mais que o dobro do que foi arrecadado com a venda do setor elétrico britânico.(8)

Com esses dados entende-se porque o programa de privatização brasileiro será o maior do mundo, se as coisas continuarem como estão indo. O Brasil, desde já, no cenário internacional, só perde em privatização para a Austrália. (9) Na América Latina ganha para todo mundo, inclusive porque a Argentina já entregou tudo que tinha e o México só não vendeu sua estatal do petróleo. Privatizaram tudo, entregaram tudo e não resolveram seus problemas de fundo.

Em setembro passado aconteceram três fatos ilustrativos: Antônio Ermírio de Morais, o maior empresário brasileiro disse que "A indústria nacional está desaparecendo … A médio ou longo prazo, o mercado será dominado por estrangeiros. Aí vão fazer o que quiserem. Veja só o que ocorre com o setor de autopeças. Não há mais empresa nacional. Só estrangeira. Cobram o que querem e fazem mal o serviço. Assim não dá" (10); Emílio Odebrecht, falando em frente ao Presidente Fernando Henrique, cauteloso, disse ser necessário mecanismos para proteger a empresa nacional; representantes de bancos privados nacionais começam a denunciar a "invasão estrangeira", dizendo-se alarmados com a investida do capital estrangeiro no setor bancário e a ameaça de aniquilamento que tardiamente começam a ver.

Um espectro ronda o horizonte brasileiro. Governantes que liquidaram, até agora, parte importante do patrimônio público e o transferiram para grupos privados, preparam alegremente nova e maior investida. Falam em megaprivatizações e asseveram que não vão receber, daqui por diante, "moedas podres". Querem "cash". E estão otimistas.

Grupos brasileiros não podem se aventurar a esses patamares. Na melhor das hipóteses podem ser testas-de-ferro de capital estrangeiro. E aí é que está. Vai ficando claro que essas megaprivatizações serão feitas para passar ao capital estrangeiro as empresas mais dinâmicas de nosso país e os serviços energéticos básicos. O governo não tem qualquer preocupação com interesses nacionais ou coisa do gênero. Prepara-se para entregar tudo. E o capital estrangeiro tem experiência demasiada para fraudar essas vendas maiores, tumultuar o que quiser, de tal maneira que, como a Argentina e o México, o país entregue tudo, perca tudo e ainda continue devendo.

O país é grande e pleno de riquezas.
O povo é laborioso e pode erguer uma grande Nação.
Inaceitável é vender a Pátria.

HAROLDO LIMA é deputado federal pelo PCdoB da Bahia. O presente texto compõe o informe especial apresentado ao 9° Congresso do PCdoB em outubro de 1997.

(1) Tabela 1, Criação de estatais no Brasil, vol. 5 de Subsídios para a Reforma do Estado, Desestetização, IPEA, 1994.
(2) Parafraseando "É o medo atávico dos olhos azuis", frase de diplomata citado por Paulo Nogueira Batista Jr. em "Entreguismo e globalização", 28/8/96, Folha de S. Paulo.
(3) Obra citada do IPEA, Apresentação, p. X.
(4) Relatório do TCU. p. 298.
(5) "A dança das cadeiras", José Fiori, Carta Capital, 20/08/97.
(6) Conferir Relatório do Tribunal de Contas da União, 1997, p. 301.
(7) Idem, p. 301.
(8) Dados de "Dinheiro da privatização abate dívida", Revista da Indústria, 11 de agosto de 1997.
(9) Idem
(10) Veja, de 24/09/97, pp. 13, 16e 17.

EDIÇÃO 48, FEV/MAR/ABR, 1998, PÁGINAS 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16