O principal objetivo dos partidos de oposição na disputa pela presidência da República deste ano é derrotar o projeto neoliberal implantado por Fernando Henrique Cardoso e reverter os malefícios que ele já causou à nação e ao povo brasileiro. O programa da coalizão oposicionista deve refletir, com clareza, esse objetivo, que se traduz na exigência de romper o equilíbrio político dominante, que favorece os setores conservadores e seus aliados externos; fortalecer o Estado nacional, restabelecer seus mecanismos de financiamento e resgatar seu papel de promotor do desenvolvimento do país; finalmente, adotar um novo modelo de desenvolvimento, baseado nas necessidades do povo e do país, no fortalecimento do mercado interno e, portanto, auto-sustentado, autônomo.

A implantação de um programa com base nessas três exigências terá como conseqüência a ampliação da riqueza nacional, o aumento da produção de bens materiais e de serviços, criando condições para que os graves problemas sociais do país sejam resolvidos de forma duradoura. Não concordamos com a retórica neoliberal que procura apenas os paliativos das chamadas "medidas compensatórias", que distribuem escassas esmolas e não alteram, em nenhum aspecto, o perverso modelo econômico predominante.

O programa dos partidos de oposição deve estabelecer uma alternativa viável ao projeto neoliberal dominante. Sintetizar as idéias mais importantes desse projeto alternativo, definir seus pontos principais.

Muita gente diz que o projeto neoliberal de Fernando Henrique Cardoso é a única saída possível hoje, que não há alternativa a ele, e que a oposição "não tem programa", que suas idéias envelheceram e tornaram-se inviáveis. As forças dominantes dizem que o projeto neoliberal decorre de uma tendência histórica irreversível, que ele é quase uma fatalidade, que se impõe com a força de uma lei natural.

Mas isso não passa de propaganda enganosa. Em primeiro lugar, as forças de oposição têm um programa alternativo e sua formulação clara e coerente faz parte dos esforços de articulação da frente avançada, democrática e nacionalista que vai apoiar o anti-FHC. Em segundo lugar, a viabilidade desse programa decorre do próprio nível de desenvolvimento econômico e social alcançado pelo Brasil.

Ao contrário do que dizem Fernando Henrique Cardoso e os propagandistas da ordem, o programa neoliberal, que se traduz na chamada "globalização", não é um processo histórico irreversível. Sua verdadeira natureza, aquela que o governo oculta cuidadosamente, é outra. Ele é conseqüência das necessidades do desenvolvimento histórico do capitalismo. É uma resposta conservadora à crise desse sistema, e seu objetivo é encontrar e implantar novas formas de acumulação e reprodução do capital num sistema mundial sob hegemonia de uma só superpotência – os EUA. Apesar da existência de três grandes centros que impõem relações de dominação às nações – a Alemanha-Europa, o Japão e os EUA – em última instância, o que ocorre é um processo de recuperação da hegemonia americana, e a chamada globalização esconde a imposição principalmente dos interesses e do ponto de vista dos EUA – do grande capital norte-americano, das multinacionais ianques – às demais nações.

Ao optar pelo programa neoliberal, a classe dominante brasileira e seu atual paladino, o presidente Fernando Henrique Cardoso, aderem a esse processo de recuperação da hegemonia norte-americana. O próprio Ciro Gomes, que não forma nas fileiras da oposição conseqüente diz que o governo de FHC se conforma com as exigências da hegemonia americana. Ele usa o termo errado não se conforma, mas adere a essas imposições imperiais.

Mas esse caminho não é "natural" e nem "único". A alternativa a ele é possível porque o Brasil já alcançou um desenvolvimento capitalista médio, tem uma base produtiva instalada relativamente avançada, uma economia diversificada, produz quase tudo o que é necessário à vida. Daí as dificuldades e certo tipo de resistências que o projeto neoliberal encontra aqui. Essa base produtiva instalada, capaz de produzir de aviões e automóveis a locomotivas, infra-estrutura, petróleo, etc; permite um desenvolvimento autônomo, motivado pela expansão interna, cujo motor do crescimento possa ser o mercado interno.

Estes são os aspectos objetivos que tornam viável um programa alternativo ao dominante. Crescem também, no país, e se fortalecem, as condições subjetivas para sua implantação: a consciência da necessidade e da possibilidade de derrotar o neoliberalismo. É possível compor com um conjunto de forças políticas que tomam consciência da necessidade de outro caminho de desenvolvimento. E não são só as forças de esquerda, mas também setores médios e alguns setores empresariais. Há condições, portanto, para se buscar uma ampla unidade nesse sentido, compor as forças políticas capazes de levar esse programa à frente. E entre essas forças há grande quantidade de quadros com experiência administrativa que podem tornar realidade as propostas desse programa.

E mais, o mundo atualmente caminha, para usar uma expressão cunhada pelos chineses, para uma conduta multipolar. Um governo antineoliberal no Brasil, pela dimensão do país, pode ajudar a reforçar o pólo que levará ao desequilíbrio desse sistema mundial de forças cujo centro é a hegemonia dos EUA. E isso favorecerá também a aplicação, no Brasil e nos demais países, de um programa de desenvolvimento autônomo.

O Brasil vive contradições importantes em função de uma realidade em evolução. Uma delas é a insuficiência do ritmo de desenvolvimento. O país precisa de um desenvolvimento mais intenso e acelerado, para atender às necessidades não só de trabalho mas também de consumo de seu povo. Precisa de uma maior produção de bens e serviços. E as contingências do projeto neoliberal, que embaraça o desenvolvimento das forças produtivas no país, agrava essa necessidade.

Além disso – e como condição para que a retomada do crescimento acelerado ocorra – é preciso reerguer e fortalecer a nação. Vivemos uma investida para degradar o Brasil, o Estado nacional. As relações de dependência se aprofundam, tornando o país e seu povo caudatários de interesses externos, fazendo com que cada vez mais as decisões cruciais sobre a economia nacional sejam tomadas em centros estrangeiros contrários a seu desenvolvimento.

Outra contradição manifesta-se no campo da política. A exigência de ampliação e fortalecimento da democracia, da participação cada vez maior da população em todas as instâncias da vida nacional, da democratização dos meios de comunicação, das exigências daquilo que muitos chamam de cidadania, confrontam-se crescentemente com leis e instituições destinadas a restringir essa participação. Moldar a realidade de um governo ditatorial constitucional, uma espécie de ditadura que busca legitimar-se na Constituição e amparar seus golpes contra os poderes legislativo e judiciário na interpretação própria das leis, é um dos objetivos de Fernando Henrique.

Esta contradição entre as exigências democráticas e o autoritarismo descarado do governo decorre das imposições atuais do desenvolvimento capitalista, onde – muitos especialistas prevêem – apenas um terço da população encontrará trabalho regular, enquanto dois terços ficarão sem trabalho ou com empregos precários. O autoritarismo é uma preparação para controlar, submeter esses dois terços destinados pelo capitalismo a ficar de fora. A aplicação do projeto neoliberal não resolve, mas aprofunda essa contradição.

O desafio colocado para a oposição é reverter esta tendência. Não se trata apenas de redimensioná-la, melhorá-la, mas sim – é preciso insistir – revertê-la. Compreender esse desafio é fundamental. É preciso enfrentar, aqui, grandes contradições da realidade brasileira e mundial.

A primeira é aquela gerada pela dependência, pela submissão ao projeto hegemônico de uma grande potência, os EUA. Enfrentá-la e afirmar, perante ela, um projeto nacional autônomo, é uma das premissas do programa.

Na realidade atual, o novo padrão de acumulação capitalista baseia-se numa brutal transferência de riquezas para o capital financeiro e os grandes monopólios. Os mecanismos dessa transferência são os títulos da dívida pública, emitidos pelos governos e comprados pelos grandes centros financeiros.

Eles são oferecidos a juros altíssimos, sobretudo nos países "emergentes", cujo pagamento significa a transferência de grandes recursos públicos, do Estado, a esses grandes capitalistas. Para pagar seus juros ou resgatar esses títulos, os governos neoliberais vendem o patrimônio público – em condições desfavoráveis – que é comprado por essas mesmas forças. Em conseqüência, com o endividamento crescente e com a perda de empresas estatais, cujas receitas, além disso, não são suficientes para ressarcir as dívidas, o próprio Estado perde autonomia perante esses grandes grupos monopolistas.

Para enfrentar essa situação é preciso romper com a dinâmica em que o Estado se endivida com o grande capital e, depois, incapaz de saldar suas dívidas, entrega a ele o patrimônio público. O Estado precisa retomar sua capacidade de grande investidor, dirigente estratégico, alavancador do desenvolvimento e distribuidor de riqueza. Essa é outra das premissas do nosso programa. A capacidade produtiva instalada capacita o Brasil a desenvolver seu mercado interno e enfrentar essa situação; ela permite criar a poupança interna requerida pelos investimentos produtivos que o relançamento do crescimento da economia exige, de tal forma que passe a depender de forma apenas acessória e complementar do capital estrangeiro. Para isso, o desenvolvimento do mercado interno é essencial – ele será o fator dinâmico para a formação da poupança interna necessária para um modelo autônomo e auto-sustentado de desenvolvimento.

Outra premissa do programa é a questão da democracia. É preciso fomentar seu fortalecimento, aprofundá-la, ampliar a participação popular, criar as bases do amplo apoio interno exigido para implantar o programa da oposição. São elementos inseparáveis, a implantação desse novo tipo de desenvolvimento que o programa oposicionista pleiteia, e a ampliação e fortalecimento da democracia. A formação da maioria de forças em busca da alternativa anti-neoliberal depende desse amplo apoio popular.

Em plano mundial, o Brasil precisa também se ligar a todos os países que buscam um desenvolvimento próprio, uma saída própria. É preciso fortalecer a cooperação, o desenvolvimento, a paz, a soberania das nações e a democracia. Isso é essencial para que seja possível mudar a atual situação no mundo. A prioridade, para o Brasil, deve ser a busca de uma nova ordem mundial – a articulação dos países que buscam um desenvolvimento próprio, uma solução comum para problemas que agravam a situação de dependência e a espoliação das nações, como a dívida externa.

A capacidade de implantação desse projeto é, antes de tudo, política, e não técnica. O problema não é técnico. As soluções técnicas existem, mas sua aplicação depende da capacidade de unir amplas forças sociais e apoio popular – capacidade que é, antes de tudo, política. É uma ilusão, também, supor que as contradições que a atual situação apresenta possam ter solução no quadro que aí está. Ao contrário, dentro desses limites não pode haver solução alguma.

Muita gente fala na necessidade de um pacto pela estabilidade entre os candidatos à sucessão de FHC, talvez inspirados pelo que aconteceu na Argentina ou na Coréia do Sul, onde as oposições assumiram o compromisso de manter a política econômica vigente. É uma proposta sem sentido. A oposição não vai propor um programa que leve ao enfraquecimento da moeda nacional e à instabilidade na economia. O que está em jogo não é isso, mas um projeto de desenvolvimento que atenda às necessidades da população e seja auto-sustentado. Quem fala em pacto pela estabilidade coloca mal a questão. Na verdade, a pergunta a ser feita é outra, é sobre o modelo capaz de imprimir crescimento acelerado, produzir empregos e distribuir rendas, garantindo estabilidade efetiva à economia e à moeda. No modelo neoliberal de FHC, a estabilidade da moeda é precária, sustenta-se em bases muito frágeis e instáveis – o câmbio sobrevalorizado e juros altíssimos. E o projeto neoliberal não consegue sair dessa situação. Não é a esquerda que diz isso. A "estabilidade" do Plano Real é sua moeda, que é instável – o governo não consegue diminuir a sobrevalorização da moeda em relação ao dólar ou às moedas européias e japonesa. Com isso, o Brasil perde competitividade, suas exportações ficam mais caras. Os juros altíssimos, que representam violenta transferência de renda para a oligarquia financeira e atrai capitais de curto prazo, especulativo, é a outra perna dessa instabilidade.

O que procuramos é uma estabilidade duradoura, e sua saída é apoiar a moeda no desenvolvimento próprio, interno, sustentável. Nenhum país pode viver principalmente com o capital que vem de fora. E uma moeda forte de verdade deve estar baseada na poupança nacional. Fora isso, a moeda será sempre frágil. Acresce a isso que o governo promove uma abertura abrupta e desordenada da economia. Essa abertura deve ser planejada, soberana, levando em conta as necessidades de nosso desenvolvimento e a proteção de alguns setores da economia mais frágeis e, portanto, incapazes de concorrer com produtos importados. O ponto de partida do programa consiste em romper com a adesão ao projeto hegemonizado pelos EUA.

Esse programa tem prioridades diferentes das do governo atual em relação ao investimento, orçamento e ao consumo. Em relação ao investimento, ele deve levar em conta o nível de desenvolvimento da base produtiva instalada e prever intervenções nos setores de energia, transporte e comunicação, incentivar a indústria de máquinas e equipamentos tendo em vista aproximar setores atrasados da economia dos setores de vanguarda, apoiar o desenvolvimento da indústria de bens de consumo popular, agro-industriais, a construção civil (principalmente a construção de moradias).

Atualmente, os "novos" investimentos estão centrados na indústria automobilística – isto é, os investimentos do governo atendem às necessidades do capital estrangeiro, e a indústria automobilística é um exemplo. O capital estrangeiro que está entrando no Brasil praticamente não está ampliando a base produtiva do país, mas apenas comprando empresas já instaladas. Apesar disso não aumentar a capacidade produtiva do país, o governo ainda tem gasto muito dinheiro emprestando e incentivando esse tipo de investimento estrangeiro.

Ainda em relação aos investimentos voltados para o desenvolvimento, é preciso ter claro que o Estado continua a ser o instrumento mais importante, estrategicamente, como promotor do desenvolvimento. O orçamento é peça fundamental para a aplicação de um programa voltado a estes objetivos. Hoje, 70% do orçamento da União é comprometido com o pagamento de juros e parcelas das dívidas interna e externa. Em nosso programa, além de instrumento do desenvolvimento econômico, o orçamento deve atender às demandas do país, de seu povo. Ser usado para reconstruir a infra-estrutura social, com investimentos prioritários na educação, saúde, etc.

Em relação ao consumo, um governo das atuais forças de oposição vai incentivar o desenvolvimento da indústria de produção de bens de consumo popular, corno alimentos, vestuário, móveis, etc, que são fortes geradores de emprego, com baixo investimento de capital e grande capacidade de multiplicação, com repercussões favoráveis em todos os demais setores da indústria e da economia. Tudo isso no sentido de fortalecer e aprofundar o mercado interno, elevar o nível de desenvolvimento e diminuir o fosso que separa a sociedade brasileira, em duas partes – uma com padrões de vida próprios da Europa, e a grande maioria vegetando na pobreza, na miséria e na exclusão social. É preciso diminuir esse fosso, aproximar suas margens e, assim, eliminar essa dualidade da sociedade brasileira. Essa é a tarefa para uma governo formado pelas forças que hoje estão na oposição.

RENATO RABELO é vice-presidente nacional do Partido Comunista do Brasil.

EDIÇÃO 48, FEV/MAR/ABR, 1998, PÁGINAS 6, 7, 8, 9