Este trabalho tem por objetivo analisar as conseqüências, para o país, da quebra do exercício do monopólio estatal do petróleo pela Petrobras e chamar atenção para os encaminhamentos futuros, de forma a preservar a soberania nacional e garantir que o Brasil continue a perseguir uma melhor posição no cenário internacional.

Inicialmente destacamos o importante papel que o setor estatal, e particularmente a Petrobras, vem desempenhando para o desenvolvimento nacional. Em seguida, comentamos as circunstâncias externas e internas que levaram à quebra do exercício do monopólio estatal do petróleo pela Petrobras, tecendo algumas considerações sobre o encaminhamento do assunto em diferentes países.
E, finalmente, analisamos as mudanças já ocorridas no Brasil no setor do petróleo, tentando mostrar a importância do papel regulador que a Agência Nacional do Petróleo ANP – poderá jogar nos rumos desse estratégico setor.

O setor produtivo estatal e o papel da Petrobras no desenvolvimento do país

O desenvolvimento industrial do Brasil teve um grande impulso no período entre as duas guerras mundiais. O primeiro Governo Vargas, adotando o capitalismo de estado, construiu grandes empresas estatais, como a Companhia Siderúrgica Nacional (1941) e a Companhia Vale do Rio Doce – CVRD (1942), esta última através da nacionalização de uma empresa norte-americana (Itabira Iron Company). Cabe ressaltar que o governo brasileiro, ao assumir a CVRD atendia também aos interesses dos Estados Unidos e Inglaterra, que precisavam de fontes seguras de minérios por estarem envolvidos na guerra. Nessa época, foram também criados órgãos governamentais voltados para o planejamento da produção de setores estratégicos, como o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) e o Conselho de Águas e Energia Elétrica (1939).

O capitalismo de estado se expande ainda mais no segundo Governo Vargas, de 1950 a 1954. Em 1952, foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e, em 1953, a Petrobras. A
criação da Petrobras foi resultado de um amplo movimento popular nacionalista.

No Governo Kubitschek (1956-1961) ocorre a implantação no país de grandes indústrias de bens de consumo duráveis, principalmente estrangeiras. A idéia do nacional-desenvolvimentismo é substituída pela de desenvolvimentismo (Plano de Metas). É nesse período que o Brasil passa a ser considerado um país industrializado. Entretanto, ainda permanece com uma gama de problemas de difícil solução como, por exemplo, a inflação e a dependência da importação de equipamentos e de tecnologia. Isso se reflete em sérios problemas de balanço de pagamentos.

A partir de março de 1964 instala-se no país o regime militar, que fica no poder por cerca de 20 anos. Esse regime ditatorial e antidemocrático, apesar de alinhado aos interesses norte-americanos, impulsiona o setor estatal. Adota uma política de endividamento e de investimentos para incentivar as exportações, de forma a manter o equilíbrio no balanço de pagamentos (modelo de substituição de importações). Essa política tem resultados positivos imediatos, na época do "milagre brasileiro", mas tem sérias conseqüências até hoje para o país a partir do momento em que se modificam as condições de liquidez no mercado financeiro internacional (redução do fluxo de recursos e elevação das taxas de juros). Nessa época, as estatais passam a ser utilizadas para a contratação de financiamentos externos, aumentando o nível e o perfil de seu endividamento.

As grandes estatais brasileiras, como a Petrobras, Cia Vale do Rio Doce, Eletrobrás, Telebrás, Banco do Brasil e BNDES, com estruturas abrangendo todo o território nacional, foram as responsáveis pelo desenvolvimento nacional, fornecendo o supol1e básico para que o país atingisse a posição de décima economia do mundo. Vale ressaltar que elas são praticamente as únicas responsáveis pelos investimentos na área tecnológica no país.

Na área de petróleo, até os anos 1950, 7 empresas dominavam a exploração e produção mundial de petróleo (as "Sete Irmãs"): Royal Dutch Shell, Exxon, Texaco, Mobil, Chevron, Gulf, British Petroleum (estatal inglesa) e CFP (estatal francesa). Nessa época não havia preocupação alguma com o esgotamento dessa fonte de energia.

Até a Segunda Guerra Mundial, o Brasil era visto apenas como um mercado para os produtos refinados nos EUA e na Inglaterra, não havendo interesse internacional nem em explorar suas reservas desconhecidas, nem em instalar refinarias no país. Com a Segunda Grande Guerra, o Brasil sofreu com a falta de combustíveis e o petróleo começou a ser visto como estratégico, iniciando-se o movimento nacionalista que culminou com a criação da Petrobras .

A Petrobras foi criada para executar o monopólio estatal do petróleo e gás no Brasil, tendo desempenhado firmemente esse papel desenvolvendo o refino no país, criando uma rede básica de infra-estrutura com investimentos em transportes e tancagem, explorando as bacias sedimentares brasileiras e investindo fortemente em pesquisa tecnológica e na produção de petróleo e gás natural, principalmente na plataforma continental brasileira. Possui, hoje, 11 refinarias, chegando, inclusive, a exportar derivados de petróleo para os Estados Unidos.

De acordo com a revista especializada Petroleum Intelligence Weekly (PIW), que destaca as 50 maiores empresas de petróleo do mundo, em dezembro de 1992, a Petrobras apresentava reservas descobertas de 8,1 bilhões de barris, que correspondiam a 0,82% das reservas mundiais. Em 1993, a publicação Dil & Energy Trends indicou o nível de 7,1 bilhões de barris como reservas brasileiras, que garantiriam 14,9 anos de consumo interno, correspondendo a 0,3% das reservas mundiais.

Apesar do Brasil não ser um grande produtor de petróleo, aqui foi descoberta uma das dez maiores reservas de petróleo do mundo, no mar, na Bacia de Campos, e isso na vigência do monopólio estatal, como resultado do esforço de técnicos e trabalhadores nacionais.

Em 43 anos a produção de petróleo da Petrobras cresceu 33.000%. Com a produção inicial de apenas 2.700 barris/dia, na Bahia, hoje produz 889 mil barris/dia (com picos de 920 mil barris/dia), principalmente na Bacia de Campos. Até o final do ano de 1997, este limite deve alcançar 1 milhão de barris/dia, prevendo-se um aumento de mais 500 mil barris/dia no ano 2000. As reservas atuais situam-se no patamar de 14,1 bilhão de barris de óleo e de 158 bilhões de m³/dia de gás natural. No refino, o Brasil passou a ser auto-suficiente, partindo de uma produção de derivados de petróleo de 2.500 barris/dia para os níveis atuais de 1.500.000 barris/dia.

Quanto ao gás natural, não há quantidade suficiente de produção nacional, uma vez que a maior parte desse produto, nas reservas brasileiras, vem associado ao petróleo. Entretanto, há gás não associado na Região Amazônica, nas jazidas de Urucu e Juruá, que deverá brevemente ser utilizado para geração de energia elétrica na Região Norte. Os estados da Região Nordeste possuem gás natural que vem sendo muito importante para o desenvolvimento local. Na Região Sudeste e nas demais áreas do país, apesar de alguma produção, principalmente nas Bacias de Campos e Santos, a Petrobras está providenciando a importação necessária visando o aumento da participação do gás natural na matriz energética brasileira. É importante ressaltar que tudo isso já vinha sendo feito sem a quebra do monopólio da Petrobras.

Resumidamente, podemos dizer que a Petrobras é uma empresa moderna e competitiva, com posição de destaque em várias atividades da indústria do petróleo, como no caso, por exemplo, de tecnologia em águas profundas. Atua em mais de 10 países através de sua subsidiária Braspetro. Foi a responsável pela implantação das indústrias petroquímica e de fertilizantes no Brasil, com enorme sucesso. Na distribuição de derivados de petróleo detém cerca de 35% do mercado, competindo, através de sua subsidiária Petrobras Distribuidora (BR), em condições de igualdade com as grandes multinacionais instaladas no país: Shell, Esso e Texaco.

Atualmente, a empresa importa 60% das suas necessidades de petróleo da América Latina e da África, exportando principalmente produtos industrializados para esses países, contribuindo para a melhoria do balanço de pagamentos nacional.

Além disso, a Petrobras está investindo na melhoria do seu perfil de refino, visando a produção de derivados mais nobres e valorizados.

Podemos verificar que, nos seus 43 anos de existência, a Petrobras foi capaz de abastecer o mercado nacional sem causar nenhuma paralização na economia, aos menores custos, tendo assim sempre cumprido as metas para as quais foi criada. A construção de uma indústria do petróleo nacional gerou a consolidação da Petrobras, a maior empresa do país. Assim, uma modificação no setor, através e Emenda Constitucional, traz graves conseqüências para o desenvolvimento econômico brasileiro.
Os antecedentes da quebra do monopólio da Petrobras

Sob a fachada da globalização, instigada pelos Estados Unidos e pelas nações dominantes no sistema capitalista, impôs-se um caminho aos países não desenvolvidos, sinalizado como o único possível, de inserção nesse processo de "globalização". Esse movimento colocou em segundo plano a busca de realização de um projeto nacional por parte da maioria dos governos desses países em desenvolvimento, entre eles o do Brasil.

Na realidade, esse movimento baseia-se no projeto neoliberal, que tenta sufocar o desenvolvimento de alternativas viáveis e que reflete os interesses das forças econômicas do capitalismo internacional. Os principais princípios neoliberais pregam: o Estado mínimo, a desregulamentação, a privatização, a hegemonia do mercado, a liberalização e a estabilização da moeda como metas prioritárias. Trata-se de um retorno à teoria econômica de Adam Smith da "mão invisível" do mercado. E essa política passou a ser amplamente divulgada pela mídia internacional.

Uma das características mais maléficas desse pensamento é o abandono das particularidades nacionais e da própria formação histórica local, mostrando um caminho único universal que tende a perpetuar o poder e as vantagens comparativas dos países hegemônicos. Trata-se de um movimento que utiliza mecanismos de dominação novos e eficientes que visa construir uma nova ordem econômica unipolarizada, com alguns centros disputando o poder e uma enorme periferia submissa e sem projetos nacionais.

Para a sua divulgação, passou a ser omitido até mesmo o caminho histórico das grandes potências atuais que, mais de uma vez, implementaram fortes medidas protecionistas visando seu próprio desenvolvimento. Tanto os Estados Unidos, como a Alemanha e o Japão, bem como outros países desenvolvidos, sempre priorizaram seus projetos nacionais e aplicaram, ao longo do tempo, o protecionismo econômico quando isso foi julgado necessário e, na verdade, agem assim até hoje. Isto é, eles pregam uma política que eles mesmos não aplicam nas suas economias locais. Esse movimento toma um novo impulso com o esfacelamento da União Soviética.

Vale ressaltar que o Brasil, país de capitalismo tardio, vem, ao longo de sua história, sempre sofrendo interferência dos países fortes e do capital internacional no seu desenvolvimento, e permanece, até hoje, como uma nação periférica no cenário internacional. Assim, não está escapando dessa onda neoliberal que invade o mundo.

Os Governos Collor e Fernando Henrique deixaram de lado qualquer idéia de desenvolvimento nacional independente. Esse direcionamento atinge principalmente as grandes empresas estatais, deflagrando uma campanha nociva e falsa contra tais empresas, dentre elas a Petrobras.
A partir do Plano Real, para garantir o fluxo de recursos externos, é escolhido o caminho das privatizações das empresas estatais. Adota-se a abertura comercial visando incentivar a competitividade. O agente principal do processo de desenvolvimento, segundo a corrente vigente, não pode mais ser o Estado.

Assim, capitais estrangeiros são atraídos mediante a venda de empresas estatais, sem a realização de novos investimentos na economia, de modo a possibilitar que sejam saldados os compromissos internacionais do país. Dessa forma, a indústria brasileira está sendo desmantelada, enquanto são fortalecidas, por exemplo, algumas empresas estatais estrangeiras, como a francesa Electricité de France, que comprou a Light.

Na área do petróleo, originalmente dominada pelas "Sete Irmãs", verificou-se, ao longo do tempo, o crescimento de importância das empresas estatais como a Petrobras. No ano de 1992,28 empresas estatais detinham 83% das reservas petrolíferas mundiais, enquanto as 22 maiores empresas privadas da indústria do petróleo tinham apenas 4,5% dessas reservas.

O argumento de que a abertura propiciará maiores investimentos e descoberta de mais petróleo não tem sentido

Essa situação fez com que fosse deturpado o critério de classificação das empresas de petróleo para divulgar a importância das multinacionais da área. Assim, quando se fala nas maiores empresas do setor, em vez de se utilizar como critério o volume de reservas, que listaria 9 estatais entre as 10 maiores empresas do mundo, passou-se a dar preferência a classificações por volume de vendas (4 estatais dentre as 10 maiores). Se considerado como balizamento o volume de refino, destacam-se 4 estatais entre as 10 maiores. Pela produção de petróleo, identificam-se 7 estatais dentre as 10 maiores.

A partir dos anos 90, ficou clara a situação de escassez de reservas das grandes multinacionais da indústria do petróleo e tomou-se de importância vital para elas a obtenção de novas reservas, sob pena de terem seu futuro ameaçado. Daí a importância do acesso a essas novas reservas propiciado pela abertura dos monopólios em diversos países, envolvendo lucros, ou perdas, de bilhões de dólares. Na realidade, o movimento de abertura do setor petróleo tem, por trás, cerca de 10 multinacionais tentando reconquistar posições perdidas. Trata-se de uma tentativa de manutenção e crescimento de um monopólio ameaçado.

Por outro lado, as grandes estatais do setor, para manter suas posições, têm caminhado no sentido de uma maior verticalização, obtendo mais lucratividade.
Assim, observa-se um movimento das grandes multinacionais e das grandes estatais no sentido de se prepararem para a próxima década, quando devem esgotar-se as reservas dos pequenos produtores mundiais. No futuro, deverão se manter como exportadores de petróleo apenas os seguintes países: Irã, Arábia Saudita, Iraque, Emirados Árabes Unidos, Kwait, Venezuela e México.
Quanto às mudanças que vêm ocorrendo no setor, é importante analisar o comportamento da Venezuela, do México, da Noruega e de alguns países do Oriente Médio. Esses países, com reservas abundantes, investiram na internacionalização e fortalecimento de suas empresas estatais, que passaram a realizar parcerias sob seu comando. Até mesmo a abertura de concessões está sendo feita sob total controle das estatais, a partir de um planejamento estratégico cuidadosamente elaborado.

A Inglaterra e a Argentina optaram por um caminho diferente, que está servindo de modelo ao Brasil e, apesar de não serem detentoras de grandes reservas, escolheram a abertura do setor petrolífero. A Inglaterra, entretanto, possui 2 das maiores multinacionais. Já a Argentina, está vendo o desmoronamento do setor no país e deve enfrentar dificuldades no futuro.

Recentemente, verificou-se a reabertura do setor petróleo em países como: Colômbia, Equador, Chile, Paraguai, Albânia e Cuba. Entretanto, esses países não têm recursos, reservas significativas ou tecnologia. A Rússia e a China passaram a fazer parcerias com as multinacionais para a exploração de suas reservas, tendo em vista suas insuficiências tecnológicas e de recursos, para atendimento de suas necessidades.

Na realidade, verifica-se, historicamente, que todos os países desenvolvidos têm ou tiveram importantes estatais de petróleo. Desses países, os que privatizaram suas estatais só o fizeram condicionados à passagem do controle dessas empresas a empresários nacionais e após a internacionalização da companhia, tendo antes testado amplamente seus mecanismos de regulação.
Os Estados Unidos são um caso à parte, onde o setor é totalmente aberto e onde atuam as grandes multinacionais, mas com fortes mecanismos tradicionais de regulação.

As grandes multinacionais voltaram a ganhar posições no cenário mundial do petróleo, refletindo a abertura do setor, bem como a falta de tecnologia e de recursos de alguns países produtores.
Cabe destacar que o setor de petróleo continua sendo estratégico até os dias atuais, haja visto o fato de ainda ser capaz de gerar conflitos internacionais, como no caso da recente guerra dos Estados Unidos com o Iraque. Atualmente, o petróleo é responsável por 63% de toda a energia consumida no mundo e deve permanecer como a fonte primordial de energia até 2050. Além disso, a demanda por petróleo situa-se, em sua maior parte, nos países desenvolvidos, que não possuem reservas.

Dessa forma, vai ficando claro o cenário que levou à quebra do exercício do monopólio estatal do petróleo pela Petrobras. É resultado da adoção de uma política neoliberal, voltada a atender os interesses dos grandes países capitalistas e aos anseios das grandes multinacionais da indústria do petróleo que, dessa forma, passam a ter acesso às reservas petrolíferas brasileiras.

O argumento de que a abertura propiciará maiores investimentos e descoberta de mais petróleo não tem sentido. Desde o início do século, os investimentos de empresas estrangeiras no país, em todos os setores de atividade, montaram a cerca de US$ 72,5 bilhões. Num período muito mais curto, de 40 anos, desde a sua criação, a Petrobras, sozinha, investiu US$ 80 bilhões.

Além disso, tendo em vista a experiência brasileira com os contratos de risco, durante 13 anos, confirma-se a pequena contribuição do capital estrangeiro no aumento da produção de óleo e gás no território brasileiro. Os 243 contratos de risco assinados com 35 empresas estrangeiras geraram investimentos que montaram a US$ 1,25 bilhão na perfuração de 79 poços, obtendo-se algum sucesso apenas na produção de 1 poço. A Petrobras, nesse mesmo período, investiu US$ 23 bilhões, perfurou 8.203 poços e obteve grandes êxitos, principalmente na plataforma continental, na Bacia de Campos.

Cabe acrescentar que a Petrobras já vem desenvolvendo seu programa de investimentos valendo-se, além dos seus recursos próprios, de financiamentos diretos externos, de várias modalidades, inclusive através de operações de leasing de plataformas de produção de petróleo, tendo em vista seu porte e sua reputação no mercado internacional. Além disso, vem desenvolvendo parcerias há algum tempo, bem como racionalizando seus custos. Dessa forma, não é válida a alegação de que há necessidade urgente de abertura do setor para atrair capitais externos imprescindíveis ao crescimento do setor e à viabilização de novas descobertas.

Por outro lado, há algum tempo prevalece um movimento do próprio Governo Federal no sentido de inviabilizar a lucratividade e o crescimento das empresas estatais, com o objetivo de comprovar as teses neoliberais, traduzido em cortes orçamentários indiscriminados e em controle dos preços dos produtos. E essa política vem afetando profundamente os resultados da Petrobras. Mesmo assim, ela vem conseguindo manter sua posição de destaque e seu papel propulsor do desenvolvimento nacional.

Entretanto, a quebra do monopólio da Petrobras, hoje, já é uma realidade e, assim, temos que trabalhar no sentido de minimizar as conseqüências negativas da adoção do caminho escolhido.
A quebra do monopólio da Petrobras e suas conseqüências para o país

De acordo com o artigo 177 da Constituição Federal de 05.10.88, relativamente ao petróleo, derivados e gás natural, constituem monopólio da União: I. A pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
II. A refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III. A importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV. O transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem.
Esse monopólio, pela Lei 2004, era exercido exclusivamente pela Petrobras. Com a Emenda Constitucional n° 9, de 09.11.95, a União passou a poder contratar empresas estatais ou privadas para a realização dessas atividades, observadas as condições a serem estabelecidas em lei.
A Lei n° 9478, de 06.08.97 (I), regulamentou essa Emenda Constitucional, criando:
– O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para propor políticas nacionais e medidas específicas aplicáveis ao setor energético;
– A Agência Nacional do Petróleo (ANP) para atuar como órgão regulador da indústria do petróleo, vinculado ao Ministério de Minas e Energia.

Com essa lei o monopólio estatal do petróleo continua pertencendo à União Federal consoante com o texto constitucional de 1988. O que houve foi a extinção do exercício desse monopólio pela Petrobras, que passa a ser apenas uma empresa atuante no mercado. Com as modificações introduzi das, passa-se de um sistema monopolista estatal para um modelo de livre concorrência na indústria do petróleo e gás no país.

A Petrobras deixa de ser a executora exclusiva desse monopólio e torna-se possível a exploração e produção das jazidas de petróleo e gás por outras empresas privadas, mediante concessões ou autorizações. Ora, na prática, essas empresas passam a ter o direito sobre as reservas brasileiras e não há como tirar delas esse direito, como se comprova pelo histórico de concessões – vide o caso dos sistemas de rádio e televisão (ex: Rede Globo). Assim, a chamada flexibilização do monopólio estatal pode implicar, na realidade, na quebra efetiva do monopólio estatal do petróleo.

Na área de exploração e produção de petróleo serão feitas licitações, das quais a Petrobras participará, e as descobertas serão de propriedade das empresas que poderão exportar sua produção, desde que a demanda nacional tenha sido atendida.

Se não houver um controle adequado, não poderá ser impedida a aceleração da produção dos campos de petróleo visando a recuperação rápida do investimento realizado por empresas estrangeiras, propiciando o esgotamento precoce das reservas estratégicas brasileiras. Mesmo que a exportação da produção esteja condicionada ao atendimento do mercado nacional, uma vez que essa condição tenha sido cumprida, nada impedirá que o excesso produzido por uma grande empresa que tenha instalado uma plataforma de produção na Bacia de Campos, por exemplo, seja enviado por navio a seu país de origem. Daí a importância da regulamentação e do controle governamental necessários.

Aliás, pode-se considerar que, na situação atual do mercado mundial de petróleo, é conveniente importar óleo e poupar reservas para épocas de aumento de preços e escassez desse produto. É importantíssimo que a ANP esteja atenta e fixe regras que possibilitem o tratamento estratégico da questão petróleo e a manutenção das reservas nacionais nos níveis necessários para garantir o crescimento do país, inclusive incentivando a produção no exterior pela sua empresa estatal.

Levando-se em consideração as tendências de concentração da produção de óleo em alguns poucos países e de esgotamento das reservas extraídas a baixo custo no mundo, espera-se uma futura elevação dos preços do petróleo. Assim, as concessões a serem adjudicadas pela ANP deverão ser objeto de um criterioso planejamento estratégico tanto para definição da oferta de áreas para exploração, quanto para a fixação do nível de produção das jazidas já descobertas, sob pena de se comprometer a soberania nacional à dependência maior de nações poderosas.

Para a determinação das áreas e das épocas bem como das formas de sua disponibilização para a exploração por terceiros, esse planejamento estratégico deverá ser executado de forma a se definir os níveis desejáveis de produção de óleo e gás, levando-se em conta fatores tais como: a probabilidade de reservas no território brasileiro (reservas potenciais) as projeções da demanda nacional de derivados, a projeção dos preços do petróleo no mercado internacional, as fontes alternativas de energia, a manutenção do nível de reservas de petróleo necessário, etc.

Na área de refino e transporte, bastará autorização da ANP para a realização do investimento por qualquer empresa interessada.

Quanto ao refino, vale citar a auto-suficiência da maior parte dos países desenvolvidos em produtos refinados, assim como ocorre hoje no Brasil. Entretanto, tendo em vista a existência, atualmente, de capacidade ociosa no mundo, os lucros do refino não são substanciais. Assim, não pode haver restrição à produção, pela Petrobras ou por qualquer outra empresa que atue na área, dos diversos subprodutos obtidos a partir de seus derivados primeiros, sob pena de se afetar sua rentabilidade. As refinarias, em todas as partes do mundo, constituem-se em pólos de desenvolvimento industrial, dos quais o refinador não pode ser proibido de participar.

Entretanto, na situação atual, dificilmente algum investidor implantará uma nova refinaria no país. O interesse será apenas na indústria petroquímica e outras instaladas a partir dos subprodutos do refino. Assim, para manter a Petrobras fortalecida, além da possibilidade de sua participação nesses novos segmentos de mercado, é essencial que a empresa seja mantida como um todo, com a flexibilidade necessária para a operação integrada de suas II refinarias, de forma a garantir o suprimento do mercado nacional. Além disso, deverão ser realizados investimentos pela estatal na melhoria do perfil do refino no país, consubstanciados em ampliações e instalações de novas unidades que propiciem a produção de derivados mais nobres e rentáveis. É importante que o novo órgão regulador incentive e apóie essa forma de atuação da Petrobras.

No futuro, as importações de petróleo e derivados serão liberadas. Entretanto, a importação de derivados dificilmente poderá ser feita a custos mais baixos do que a compra desses produtos da Petrobras, com instalações em praticamente todo o território brasileiro. Entretanto, tem que ser bem fiscalizada a questão de realização de algum tipo de dumping por alguma empresa estrangeira que objetive concorrer com a Petrobras. Além disso, a concessão de autorizações para importação só deve ser feita após análise dos seus efeitos sobre a produção nacional, sobre o atendimento ao mercado brasileiro a longo prazo e sobre a possibilidade de colocação dos excedentes do país no mercado externo. A possibilidade de abertura das importações de derivados pode ter reflexos no equilíbrio dos agentes no mercado brasileiro, que pode ficar sob o domínio de grandes empresas multinacionais já em operação no país.

Foi também implantado no país o open access, ou seja, os sistemas de transporte e armazenamento da Petrobras poderão ser utilizados pelas demais empresas do setor, mediante pagamento de taxa, se houver espaço disponível. Esse open access terá que ser objeto de estudos para que sua implantação seja devidamente explorada e controlada pelos órgãos responsáveis, de forma que a Petrobras não seja prejudicada e continue fortalecida.

A realização de parcerias pela Petrobras feita criteriosamente e com o controle da estatal, até certo ponto, pode ser benéfica, propiciando a ampliação de seu programa de investimentos. Entretanto, se levada a extremos, pode resultar na perda de controle e na privatização gradativa da empresa e no seu controle por companhias privadas. Isso pode ocorrer, por exemplo, com a passagem indiscriminada de ativos da Petrobras para subsidiárias e associadas.

Além disso, a ANP, ao fazer concessões às grandes empresas multinacionais, deveria exigir, em troca, a participação da Petrobras, a estatal brasileira, em grandes projetos no exterior, de forma a ampliar a atuação internacional da empresa petrolífera nacional, ou seja, exigir contrapartidas. Aliás, é este o caminho que a Petrobras vem seguindo nas parcerias que está implementando.

Para evitar a cartelização do mercado do petróleo no país, uma tendência internacional, a Petrobras tem que ser mantida como uma estatal forte. Nesse sentido, torna-se imprescindível a continuidade dos investimentos da empresa em pesquisa e tecnologia para que ela possa perseguir urna posição ainda melhor no Brasil e no mundo. A Petrobras deverá continuar a atuar sob contrato de gestão, sem que se perca a transparência de sua atuação, mas com maior agilidade nas decisões, e mantendo-se sua verticalização integrada "do poço ao posto".

A ANP tem como desafio atuar de forma que as mudanças na indústria do petróleo e gás se traduzam em ganhos efetivos para a sociedade. Para que ela atinja seus objetivos com sucesso, há alguns problemas a serem superados, tais como a falta de tradição da administração pública brasileira em matéria de regulação, um alto grau de protecionismo ainda vigente e as distorções existentes nos preços dos derivados. Tendo em vista a existência de competência técnica no setor apenas na Petrobras, a ANP deve trabalhar em estreita colaboração com aquela empresa.

A atuação da ANP terá implicações para o futuro. Seu papel poderá ser desastroso se não levar em conta o ambiente nacional e internacional e não tiver como principal referência o desenvolvimento do Brasil e os interesses de seu povo.

ANA MARIA ROCHA é jornalista e presidente do PCdoB/RJ. Este artigo foi apresentado no curso de Políticas Públicas e Governo da UFRJ, na unidade coordenada pelo professor Luiz Pinguelli Rosa.

(I) Destacamos alguns pontos dessa Lei:
– Poderão participar das atividades petrolíferas no país empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no Brasil.
– Os dados e informações sobre as bacias sedimentares brasileiras, bem como sobre as atividades de pesquisa, exploração e produção de petróleo e gás natural, serão transferidos pela Petrobras à ANP, mediante remuneração a ser estabelecida pela ANP.
– As atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural serão exercidas mediante contratos de concessão, concedidas através de licitação.
– Três meses após a publicação da Lei, a Petrobras submeterá à ANP seu programa de exploração e produção e terá seus direitos sobre os campos em produção ratificados pela ANP
– Nos blocos em que houver realizado descobertas comerciais, a Petrobras poderá prosseguir nos trabalhos pelo prazo de 3 anos e, se obtiver êxito, poderá prosseguir nas atividades de produção.
– A construção e operação de refinarias e de unidades de processamento e de estocagem de gás natural, bem como ampliação de sua capacidade, serão objeto de autorização da ANP, mediante a apresentação de projeto.
– A construção de instalações e a efetivação de qualquer modalidade de transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, seja para suprimento interno ou para importação e exportação, serão objeto de autorização da ANP.
– No prazo de 180 dias após a publicação desta Lei, a ANP expedirá as autorizações que ratificarão a titularidade das instalações existentes.
– Os dutos de transporte e terminais marítimos existentes ou a serem construídos poderão ser utilizados por qualquer interessado, com preferência do proprietário, mediante remuneração ao titular das instalações (caso não haja acordo entre as partes, a ANP fixará essa remuneração).
– A atividade de importação e exportação de petróleo e seus derivados será objeto de autorização da ANP.
– A Petrobras, direta ou indiretamente, poderá exercer, fora do território nacional, qualquer uma das atividades integrantes de seu objeto social.
– A União manterá, no mínimo, 50% mais 1 ação do capital votante da Petrobras.
– A Petrobras e suas subsidiárias ficam autorizadas a formar consórcios com empresas nacionais ou estrangeiras, na condição ou não de empresa líder, objetivando expandir atividades, reunir tecnologias e ampliar investimentos aplicados à indústria do petróleo.
– A Petrobras deverá constituir uma subsidiária com atribuições específicas de operar e construir seus dutos, terminais marítimos e embarcações para transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, podendo essa subsidiária associar-se, majoritária ou minoritariamente, a outras empresas.
– A Petrobras poderá transferir para seus ativos os títulos e valores recebidos por qualquer subsidiária, em decorrência do Programa Nacional de Desestatização, mediante redução de sua participação no capital social da subsidiária.
No prazo de transição fixado em 3 anos, os preços serão desregulamentados e as importações compatibilizadas com os critérios de desregulamentação de preços. Além disso, será feito um acerto de contas entre a Petrobras e a União.
Lei n° 9.478, de 06.08.97.
A Regulamentação do Setor Petrolífero Brasileiro: Refletindo sobre o Futuro, coordenação de Luiz Pinguelli Rosa.
Artigos de José Fantine.
"Projeto Nacional e Nova Ordem Mundial", de Luiz Marcos Gomes, in Revista Princípios, fev/mar/abr de 1997.
"O Petróleo é nosso", de Haroldo Lima, in PCdoB na Reforma Constitucional, 1996.

EDIÇÃO 48, FEV/MAR/ABR, 1998, PÁGINAS 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23