O Manifesto do Partido Comunista – 150 anos: anotações sobre os primeiros anos no Brasil
Ao investigar fontes e materiais para a elaboração de artigo sobre os 150 anos do Manifesto do Partido Comunista (1) notei que havia umas poucas referências sobre a repercussão política e a influência teórica do Manifesto em seus primórdios no Brasil. Intrigada, perguntei-me porque seriam tais referências tão sucintas e esparsas e pus-me a pensar se não teria interesse pesquisar a história do Manifesto Comunista no Brasil. Às primeiras buscas de fontes, logo notei que a tarefa seria de grande fôlego e de largo alcance, sendo necessário um campo de investigação maior e mais amplo que resultaria em um trabalho mais completo para manter a acuidade e precisão tanto da historiografia política como da memória literária. Tais objetivos, ultrapassam, de longe, as fronteiras deste artigo, que se limita tão somente a compilar algumas referências quase como uma revisão bibliográfica, situá-las em seu contexto histórico e fazer comentários, ainda que de forma inicial e um tanto quanto fragmentária, sobre os antecedentes e os primeiros tempos do Manifesto no Brasil, que envolvem a divulgação do marxismo e a formação teórica do proletariado e do movimento comunista.
Com o formato de anotações, compiladas sob o critério de buscar antecedentes e pinçar referências ao Manifesto, o presente artigo é apenas um trampolim para um mergulho mais profundo que resulte em um trabalho sobre a história dos primeiros anos e da trajetória do Manifesto no Brasil que talvez algum pesquisador possa querer realizar. 1848 no Brasil
Enquanto em 1848, na Europa, a classe operária enfrentava suas primeiras batalhas de classe, no Brasil mesclavam-se as lutas contra os restos de colonialismo e contra a escravidão. A época era a da Revolução Praieira, (Pernambuco 1842-1848), contra a dominação do comércio pelos portugueses e por reivindicações de caráter democrático-radical. Os "praieiros" lutavam contra o latifúndio e exigiam a "nacionalização integral do comércio de retalhos que passaria a ser exercido só por brasileiros" (2). Em 7 de novembro de 1848, marcham de diversos pontos do estado para a capital, lançando um manifesto programa que continha entre outros pontos os seguintes: voto livre e universal do povo brasileiro; plena liberdade de imprensa; trabalho com garantia de vida para os cidadãos brasileiros; inteira e efetiva independência dos poderes constituídos; extinção do poder moderador e do direito de agraciar (3).
Se o Manifesto Comunista à época na Europa "logrou uma divulgação apenas diminuta" (4), vindo a difundir-se após 1870 (5), não teria como ecoar no Brasil.
Os primeiros veios do socialismo
Mas as barricadas erguidas pelo proletariado europeu, principalmente na França em 1848 ressoaram no Brasil.
Idéias socialistas circulam em meio à intelectualidade. De caráter utópico, entremeiam-se às lutas sociais e às revoltas da segunda metade do século passado, a desmentir vivamente o mito do "pacifismo" na trajetória histórica da formação econômico-social brasileira. Vamireh Chacon considera a Insurreição Praieira como a expressão brasileira da "Primavera dos Povos" que eclodiu em 1848 na Europa e citando Joaquim Nabuco ("a política complicava-se com um fermento socialista") afirma que a Praieira tem "posição única enquanto pioneira eclosão do pensamento e ação socialista no Brasil" (6).
Em 1848 a classe operária européia já lutava contra o capitalismo. No Brasil, as lutas populares ainda enfrentavam o colonialismo e a escravidão
1845
Sob a influência das idéias socialistas, principalmente de Fourier, Vamireh Chacon aponta a quantidade de livros que "pululavam nas livrarias do Recife em 1845", entre os quais Vie de Charles Fourier, Examen et Défense du Systeme de Fourier, Débâcle de la Politique (Considérant), além de inúmeras revistas, tudo no idioma francês (7).
Mas, tanto Chacon quanto Linhares, vão assinalar que a primeira publicação propriamente socialista no Brasil virá a ser o jornal O Socialista da Província do Rio de Janeiro, em 1º de agosto de 1845. O jornal durou até 1847, baseava-se nos princípios de Fourier e definia o socialismo como "a fase de associação e harmonia, na qual os instintos humanos terão a liberdade de movimento necessária e criarão a riqueza, a alegria e a paz" (8).
1855
Para os mesmos autores, o primeiro livro sobre socialismo editado no Brasil é O Socialismo, em 1855, do general Abreu e Lima, que lutara junto a Bolívar e participara de revoltas no Brasil, inclusive a Praieira, a qual influenciou através de intenso debate jornalístico. Abreu e Lima, embora tendo assumido posições contraditórias, após afirmar que "o socialismo consiste na tendência do gênero humano para tornar-se uma só e imensa família", prossegue: "por que, ou de que modo se revela esta tendência? Pelos fenômenos sociais, e eis aí porque chamamos socialismo a esta tendência visível, palpável, conhecida por sua marcha sempre crescente, e sempre progressiva desde os quinze primeiros séculos da história" (9). Segunda metade do século XIX
Desencadeia-se processo de surgimento das fábricas no Brasil, havendo pouco mais de 50 fábricas por volta de 1850. Este processo se acelera a partir de 1870. Entre 1890 e 1914 criam-se 6.946 empresas industriais (10). Com as fábricas surgem também as primeiras associações operárias livres (11), as primeiras lutas e as primeiras publica-, ações operárias. Entre 1850 e o início do século XX proliferam jornais operários, de cunho revolucionário, em particular após 1870 e expandindo-se após 1890, sob a influência da imigração estrangeira, principalmente italiana, que trazia para o Brasil operários perseguidos na Europa e experientes em lutas. O movimento operário brasileiro, por razões históricas e fatores objetivos e subjetivos, é tardio e se inicia sob uma forte influência anarco-sindicalista , de conteúdo ideológico eclético.
1872
Primeiro artigo sobre o marxismo publicado no Brasil, no jornal republicano O Seis de Março, de Recife. Publicado em dois números do jornal, o artigo traduzido do espanhol, faz uma apresentação das idéias de Marx, e um resumo de sua vida (12).
1883
Primeira análise no Brasil das idéias de Marx feita por Tobias Barreto, em discurso de colação de grau dos bacharéis de 1883: "Karl Marx diz uma bela verdade, quando afirma que cada período tem as suas próprias leis (…) Logo que a vida atravessa um dado período evolutivo, logo que passa de um estádio a outro, ela começa também a ser dirigida por leis diferentes" (13). E mais tarde, em Estudos Alemães, Tobias Barreto dirá que Marx era "o mais ousado pensador do século XIX, no domínio da ciência econômica" (14).
1892
Primeira tentativa da fundação de um partido socialista no Brasil. Realiza-se um I Congresso no Rio de Janeiro, mas não se consolida um partido.
1895
Comemora-se pela primeira vez o 1° de maio no Brasil, "presumivelmente em local fechado" (15), na cidade de Santos, a partir de iniciativa do Centro Socialista, fundado, entre outros pelo médico Silvério Fontes. O Centro possuía uma biblioteca com livros de Marx e Engels, entre elas O Manifesto, "em edição presumivelmente vinda de Portugal" (16).
O mesmo Silvério Fontes, na apresentação do primeiro número do jornal do Centro, A Questão Social, em 15 de setembro de 1895, pronuncia-se em louvor a Marx (17).
1896
A conclamação "Proletários de todo o mundo, uni-vos", aparece pela primeira vez como epígrafe do jornal O Socialista, órgão do Centro Socialista de São Paulo (18). Embora não traduzido e não difundido largamente, o Manifesto já é conhecido no Brasil. Início do século XX
Marca as tentativas de organização da classe operária, o surgimento constante de novas publicações de cunho proletário e uma primeira onda de greves, violentamente reprimidas. De 1901 a 1908 há greves das mais diversas corporações, destacando-se, têxteis, trabalhadores em pedreiras, ferroviários, gráficos, em quase todo o país, especialmente, em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia. As greves reivindicam principalmente a redução da jornada de trabalho, mas incluem aumento salarial e melhoria das condições de trabalho. O espírito internacionalista da classe operária se manifesta em especial a partir de 1905, sendo realizadas memoráveis jornadas em solidariedade à Revolução Russa de 1905 e em protesto ao massacre dos trabalhadores russos.
1901
O jornal O Trabalho, "Órgão das classes Artísticas e Operárias", traz um medalhão de Marx na primeira página, com a conclamação do Manifesto: "Proletários de todos os países, uni-vos" (19).
1902
Segunda tentativa de fundação do partido socialista, com a realização em São Paulo do II Congresso do Partido Socialista Brasileiro. O partido dura apenas dois anos e só virá a constituir-se muitos anos depois, após várias experiências malogradas.
1905
Irrompem diversas greves, destacando-se a dos ferroviários, em São Paulo, a dos empregados de companhias de bondes, no Rio, a dos gráficos das oficinas de obras, em São Paulo, a dos têxteis e a dos trabalhadores em pedreiras.
1906
5 de fevereiro – grande comício de protesto em São Paulo contra o fuzilamento dos trabalhadores e do povo russo efetuado pela repressão czarista na Insurreição Russa de 1905.
Poderosa greve dos trabalhadores da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, acompanhada pelos tecelões da Fábrica São Bento, em Jundiaí. A greve dos ferroviários é brutalmente reprimida, há mortos e feridos em comício que se realizava em Jundiaí e, em São Paulo, comício de solidariedade promovido pelos estudantes "é dissolvido a sabre e patas de cavalo" (20). A repressão aos grevistas estende-se às famílias dos ferroviários, que têm seus lares invadidos e familiares espancados e perseguidos.
Realiza-se, no Rio de Janeiro, entre 15 e 20 de abril o I Congresso Operário do Brasil, convocado por diversos sindicatos da então capital do país. Comparecem cerca de 40 delegados de inúmeros sindicatos, a maioria do Rio de Janeiro e de São Paulo, mas, do Nordeste, comparecem representações do Ceará, de Pernambuco e de Alagoas. É o primeiro congresso operário realizado no Brasil, que lança as bases da COB (Confederação Operária Brasileira) que será fundada dois anos depois. No Congresso, predominam as posições anarquistas.
1907
Série de greves pela jornada de 8 horas de trabalho, a partir da orientação do Congresso Operário de 1906 que decidira para 1º de maio a implantação das 8 horas. Como a reivindicação não é atendida, inicia-se uma onda grevista.
Conseguem vitória os trabalhadores em pedreiras de São Paulo (segundo Linhares, a primeira corporação no Brasil a obter esta conquista) (21).
1908
Funda-se a COB (Confederação Operária Brasileira), no Rio de Janeiro, que passa a representar umas 50 associações operárias e inicia a publicação do periódico A Voz do Trabalhador (22).
1909
Publicado pela primeira vez em português o hino A Internacional, no número 10 do jornal A Voz do Trabalhador (23).
1910
Ano marcado pela Revolta da Chibata, dirigida pelo marinheiro João Cândido, contra o regime da chibata na Marinha. A revolta é violentamente reprimida, ocorrendo diversas mortes, mas o regime é abolido.
1911 a 1915
Nova onda de greves, contra a carestia, contra o desemprego, jornadas em favor da paz. Grande aumento de preços, principalmente de gêneros alimentícios em 1916.
1913
Segundo Congresso Operário Brasileiro, realizado em setembro, no salão do Centro Cosmopolita, no Rio de Janeiro, volta-se principalmente para o trabalho de organização sindical, com acentuada tendência anarco-sindicalista. O Congresso adota resolução sobre a paz e faz um balanço do grande movimento de agitação contra a carestia.
1917
Em julho, greve geral em São Paulo, paralisando todas as fábricas, durante vários dias. Todo o movimento na cidade parou por cerca de 30 dias. A greve assume características de conflagração, desencadeia-se violenta repressão aos trabalhadores e ao povo que realiza grandes marchas e comícios, principalmente na Moóca e no Brás, bairros operários de São Paulo. Há muitas prisões e mortes. Cria-se um Comitê de Defesa Proletária que dirige a greve geral. As reivindicações são várias: aumento salarial, jornada de 8 horas, abolição do trabalho noturno para mulheres e menores de 18 anos, abolição do trabalho nas fábricas para menores de 14 anos. Além destas de cunho trabalhista, o movimento grevista engloba reivindicações gerais, contra o aumento abusivo dos gêneros de primeira necessidade e contra a fome.
O movimento atinge tais proporções, que jornalistas de importantes jornais de São Paulo criam uma Comissão de Imprensa que se propõe a intermediar uma negociação entre o Comitê de Defesa Proletária de um lado e os industriais e o governo de outro. Firmam-se as bases de um acordo, em que os industriais fazem algumas concessões, como um aumento salarial de 20% (os operários reivindicavam 35%), o direito dos operários de criar associações, a não dispensa de operários grevistas, e o governo promete cumprir as disposições sobre o trabalho de menores nas fábricas, estudar uma legislação sobre o trabalho noturno das mulheres e menores de 18 anos, além de prometer o estabelecimento de preços razoáveis para os gêneros de primeira necessidade (24). O acordo é transmitido à massa operária pelos representantes do Comitê de Defesa Proletária, a 18 de julho, em grande comício que levou à Praça da Concórdia, segundo Everardo Dias, 80.000 pessoas (25).
Greve geral no Rio de Janeiro, dirigida pela Federação Operária do Rio de Janeiro, (FORJ), por aumento salarial e jornada de 8 horas. Calcula-se que a 23 de julho 50.000 operários estavam parados e no mesmo dia mais 23.000 metalúrgicos entram em greve. O movimento ganha as ruas e é reprimido a golpes de espada e a patas de cavalo (26).
Em novembro, primeiros ecos da grande Revolução Proletária na Rússia. Às informações distorcidas
da imprensa burguesa, os jornais operários procuravam desmentir, protestando contra as mentiras e exaltando os feitos revolucionários do proletariado russo. Sobre a Revolução Russa diz Di Cavalcanti:
"Quando estourou a revolução bolchevista russa tive a revelação do socialismo revolucionário" (27).
1918
Manifestações de rua em apoio à Revolução Russa. Começam a surgir os primeiros agrupamentos comunistas.
Em novembro, greve geral no Rio de Janeiro, iniciada pelos tecelões em Bangu, logo recebe a adesão dos metalúrgicos e dos operários em construção civil. Dirigida pelos anarquistas, a greve conclama à sublevação e à "reação violenta contra a prepotência dos patrões" (28). O movimento grevista é violentamente reprimido.
1919
Em maio, grande greve em São Paulo, contendo mais ou menos as mesmas reivindicações da greve de 1917. Segunda década do século XX
A partir da Revolução Bolchevique começa a sentir-se mais a influência dos comunistas no movimento operário do Brasil. Surge o grupo comunista de Cruzeiro (São Paulo). Hermogênio Silva será o delegado de Cruzeiro na fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922.
Outros agrupamentos comunistas são criados, como o do Rio de Janeiro, o de Niterói, o de Recife, São Paulo, Santos, Juiz de Fora. A literatura comunista, vinda principalmente do Uruguai e da Argentina e antes restrita às bibliotecas de intelectuais e de algumas lideranças operárias revolucionárias, tem maior penetração no movimento operário. Esclarecedor a respeito de publicações marxistas no Brasil é o livro de Edgard Carone, O Marxismo no Brasil, que faz um completo levantamento bibliográfico comentado da literatura marxista publicada no Brasil até 1964 (29). Carone demonstra que a influência do marxismo no Brasil aparece após a revolução russa, e embora os nomes de Marx e Engels tenham sido citados em jornais e revistas, proletárias ou não, desde 1872, conforme vimos nesta nossa breve compilação (30), "não há no Brasil até a Primeira Guerra Mundial nenhuma análise, satisfatória ou não, do materialismo dialético, e o mais curioso, nenhuma tradução de trechos ou artigos de Marx e Engels" (31). Carone demonstra, por outro lado, pelo levantamento de bibliotecas de militantes do movimento operário, que aqui circulavam regularmente obras de Marx e Engels, editadas em francês.
1920
Realiza-se no Rio de Janeiro o III Congresso Operário Brasileiro. Participam deste Congresso alguns dos futuros fundadores do Partido Comunista do Brasil, entre os quais Astrogildo Pereira e José Elias. A Liga Operária da Construção Civil de São Paulo propõe a adesão do Congresso à Internacional Comunista (Terceira), mas a proposta se transforma em uma saudação à Internacional.
1921
Surge o Grupo Clarté (Liga Intelectual para o Triunfo da Causa Internacional) constituído por um grupo de intelectuais com o objetivo principal de apoiar e divulgar as realizações da Revolução Russa. A partir de setembro passa a publicar a revista Clarté.
Constitui-se o Grupo Comunista do Rio de Janeiro que, em contato com o Centro Maximalista de Porto Alegre, toma a iniciativa de buscar entendimento com os demais agrupamentos com vistas à criação de um partido comunista. Começam os preparativos para a fundação do Partido Comunista do Brasil.
Circula, a partir de janeiro de 1922, a publicação do Grupo Comunista do Rio, a revista mensal, Movimento Comunista.
1922
Da unificação dos diversos grupos comunistas, funda-se o Partido Comunista do Brasil, em memorável Congresso nacional, entre 25 e 27 de março, na sede de uma associação operária do Rio de Janeiro. Os diversos grupos foram representados por 9 delegados, que, por sua vez, representavam 70 comunistas em todo o país. Os delegados eram: Astrogildo Pereira (Rio de Janeiro), Cristiano Cordeiro (Recife), José Elias da Silva (Rio de Janeiro) Joaquim Barbosa (Rio de Janeiro), Luis Peres (Rio de Janeiro), Hermogênio Silva (Cruzeiro, SP), Abílio de Nequete (Porto Alegre) e Manuel Cendon. A pauta do Congresso: exame das 21 condições de admissão à Terceira Internacional, estatutos do partido, eleição da Comissão Executiva Central, medidas em benefício dos flagelados russos na região do Volga e assuntos vários (32). Criado sob a influência da Revolução Socialista de 1917, e em meio a uma fase de "intensa efervescência política, acompanhada de levantes de quartel e de ações armadas" (33), o Partido Comunista do Brasil, embora de início não dominasse o marxismo (que como vimos era pouco conhecido no Brasil), virá a ser o principal divulgador desta doutrina no Brasil. Mesmo assim, obras fundamentais do marxismo somente foram publicadas na década de 40 (34).
1923
Primeira publicação do Manifesto, no Brasil, em números sucessivos do jornal A Voz Cosmopolita, semanário dos trabalhadores em hotéis, restaurantes e cafés do Rio de Janeiro (35).
1924
Publicado pela primeira vez em forma de livro, pelo Partido Comunista do Brasil, O Manifesto do Partido Comunista, traduzido por Otávio Brandão, alagoano, farmacêutico no Rio de Janeiro, ativo participante do movimento operário, colaborador do jornal A Voz do Povo, filiado ao Grupo Clarté, que, rompendo com o anarquismo, ingressa no Partido Comunista do Brasil, a convite de Astrogildo Pereira, em novembro de 1922. Será um dos fundadores, em 1925, do jornal A Classe Operária, órgão oficial do Partido Comunista do Brasil.
O primeiro Manifesto publicado em livro, no Brasil, é traduzido da edição francesa de Laura Lafargue, revista por Engels, tem 40 páginas e é editado pelo Partido Comunista do Brasil em Porto Alegre. Comenta Edgard Carone: "na capa, retrato de Marx. No final do texto original, nota do tradutor: 'Chamamos a atenção do proletariado do Brasil para a obra imortal de Karl Marx e Friedrich Engels, geniais, precursores de Trotsky e Lênin'. A tradução foi feita entre maio e julho de 1923" (36).
À guisa de conclusão
Conforme se vê por esta concisa trajetória historiográfica, baseada em levantamento bibliográfico, as poucas referências ao Manifesto, no Brasil, nos primórdios do movimento comunista, estão relacionadas com o pouco conhecimento do marxismo no Brasil. Apesar da profícua produção de jornais do movimento operário, seu teor é mais noticioso e conclamatório, não há quase nenhuma publicação de caráter teórico. No entanto, apesar de sua publicação tardia (76 anos após 1848). O Manifesto causa profunda impressão sobre aqueles que a ele tiveram acesso, intelectuais e lideranças do movimento operário. Interessante é o depoimento de Di Cavalcanti: "(…) A revolução de 1917 foi, porém, um clarão, e quando Antoninho Figueiredo pôs nas minhas mãos o Manifesto Comunista de Marx e Engels, eu senti a revelação de uma estrada nova no meu mundo cortado de caminhos estreitos, o mundo de meus pensamentos e de minhas inexperiências juvenis” (37).
Pode-se dizer, também que, desde 1848, há toda uma trilha de lutas percorrida pelo povo brasileiro, que está na gênese da classe operária do Brasil, seu crescimento enquanto classe em si e para si.
Portanto, os primeiros anos do Manifesto no Brasil, relacionam-se com o próprio desenvolvimento da classe operária brasileira, temperada nos movimentos grevistas do início do século, especialmente as greves gerais de 1917 e 1918 e após o grande impacto da Revolução Socialista na Rússia. Assim, ao calor das lutas, aumenta o nível de consciência de classe e a exigência teórica. Instigado pelo movimento, o Manifesto Comunista surge, no Brasil, também como resposta instigante ao nível de desenvolvimento da classe operária e a seu apelo revolucionário consciente. Não é, pois, ao azar, que a primeira edição do Manifesto no Brasil será feita pelo elemento consciente da classe, o Partido Comunista do Brasil, fundado em 25 de março de 1922, que, ao comemorar os 150 anos do Manifesto, comemora também seus 76 anos de luta.
* Professora (aposentada) de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia.
Notas
(1) Ver VALADARES, Loreta. “O Manifesto do Partido Comunista, 150 Anos Depois”, in Princípios n. 47, Anita Garibaldi, SP, novembro, dezembro, janeiro de 1997.
(2) LINHARES, Hermínio. Contribuição à História das Lutas Operárias no Brasil, Alfa-Ômega, SP, 1977, p. 29.
(3) Idem, ibidem.
(4) ABENDROTH, Wolfang. A História Social do Movimento Trabalhista Europeu, Paz e Terra, RJ, 1977, p. 27.
(5) VILAR, Pierre. “Marx e a História”, in Hobsbawn, Eric. História do Marxismo, vol, Paz e Terra, RJ, 1983, p.116.
(6) CHACON, Vamireh. História das Idéias Socialistas no Brasil, Civilização Brasileira, RJ, 1981, p. 21.
(7) Idem, p. 72, apud FREYRE, Gilberto. Um Engenheiro Francês no Brasil, Rio de Janeiro, J. Olympio, 1960, vol. 2.
(8) LINHARES, Hermínio, op. cit., p. 30 e CHACON, Vamireh, op. cit., p. 73.
(9) Idem, p. 32 e Idem, p. 119.
(10) BANDEIRA, Moniz et alii. O Ano Vermelho, Brasiliense, SP, 1980, p. A8.
(11) LINHARES, Hermírio, op. cit., p. 31.
(12) CHACON, Vamireh, op. cit., p. 168.
(13) Idem, ibidem.
(14) Citado por DULLES, John W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1977, p. 22, apud BRANDÃO, Otávio, “Combates da classe operária”, in Revista Brasiliense, n. 46, 1963.
(15) DEL ROIO, José Luiz. 1° de Maio, Cem Anos de Luta 1886-1986, Global, São Paulo, 1986, p. 98.
(16) PEREIRA, Astrogildo. Ensaios Históricos e Políticos, Alfa-Ômega, São Paulo, 1979, p. 47.
(17) DULLES, John W. F., in op. cit., p. 22, apud PEREIRA, Astrogildo. “Silvério Fontes, Pioneiro do Marxismo no Brasil”, in Estudos Sociais, n° 12, 1962.
(18) LINHARES, Hermínio, op. cit., p. 37.
(19) CHACON, Vamireh, op. cit., p. 178.
(20) DIAS, Everardo. História das Lutas Sociais no Brasil, Alfa-Ômega, São Paulo, 1977, p. 258.
(21) LINHARES, Hermínio, op. cit., p. 49.
(22) DULLES, John W F., op. cit., p. 30.
(23) LINHARES, Hermínio, op. cit., p. 51.
(24) DULLES, John W. F., op. cit., p. 55.
(25) DIAS, Everardo, op. cit., p. 303.
(26) DULLES, John W. F., op. cit., p. 57.
(27) citado por BANDEIRA, Moniz, in op. cit., p. 222, apud DI CAVALCANTI. Viagem de Minha Vida, Civilização Brasileira.
(28) DULLES, John W. F., op. cit. , p. 68.
(29) CARONE, Edgard. O Marxismo no Brasil (das origens a 1964), Dois Pontos, Rio de Janeiro, 1986, p. 31.
(30) Ver o ano de 1872 desta cronologia.
(31) CARONE, Edgard., op. cit., p. 31.
(32) DULLES, John W. F., op. cit., p.147.
(33) Partido Comunista do Brasil: 50 Anos de Luta, Edições Maria da Fonte, Lisboa, 1975, p. 37.
(34) idem, p. 68.
(35) CHACON, Vamireh, op. cit., p. 181; MONIZ, Bandeira, op. cit., p.146 e PEREIRA, Astrogildo, op. cit., p. 79. A respeito das primeiras publicações do Manifesto, sem ser sobre a forma de livro, Moniz Bandeira (op. cit., p.146) diz ter aparecido em um periódico socialista, no início do século, em Porto Alegre; e que em 1919 o Partido Socialista, no Rio de Janeiro, iniciara sua publicação na revista Tempos Novos.
(36) CARONE, Edgard., op. cit., p. 117.
(37) BANDEIRA, Moniz, op. cit., p. 222, apud, DI CAVALCANTI. Viagem de Minha Vida, Civilização Brasileira.
EDIÇÃO 49, MAI/JUN/JUL, 1998, PÁGINAS 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45