O objetivo deste artigo é elucidar a origem do déficit das contas públicas brasileiras e a utilidade de um superávit fiscal. Para tanto, analisaremos no período de 1991-1997 o comportamento das contas externas e públicas e suas relações com a Dívida Mobiliária Pública (DMP), bem como a natureza e a função dessa dívida (1).

Depois de frequentemente afirmado pelo governo e pelos “experts” transformou-se em voz corrente – na mídia e na opinião pública – que o maior e mais urgente problema que o Brasil tem que resolver para enfrentar a crise é o déficit nas contas públicas. O desequilíbrio fiscal foi erigido como principal fator de nossa vulnerabilidade externa. Segundo a versão corrente, esse déficit se originaria do desequilíbrio entre a receita e a despesa fiscais, decorrente do aumento dos gastos não-financeiros e agravado recentemente. se admite, pela aumento das taxas de juro da Dívida Mobiliária Pública (DMP). Ainda se afirma, destarte agora com menos ênfase, que a permanência dos juros altos no Plano Real decorreria do crescente volume dessa dívida e da necessidade de sua rolagem.
Como a elevação da dívida pública (formada pelas dívidas mobiliárias federal, estadual e municipal) deu-se em concomitância com o crescente aumento da entrada de divisas pelas contas de Capital, interpreta-se que a “poupança externa” estaria sendo desviada, via emissão de títulos, para financiar o déficit público.

Em decorrência, a principal solução para recuperar nossa credibilidade externa estaria na diminuição do déficit e sua extinção no mais breve tempo possível, através do corte dos gastos não financeiros (ou, menos preferencialmente, pelo aumento da tributação), como já está fazendo o pacote fiscal anunciado no início de setembro e o "programa de ajuste fiscal" em negociação com o FMI. O pacote de setembro, além de estabelecer um grande corte de despesas para o presente exercício, prevê a adoção – ainda este ano – de um plano plurianual de redução drástica do déficit nominal, tanto federal como estadual e municipal; segundo as negociações em andamento com o FMI, os governos devem atingir, em cada ano do triênio desse plano, cerca de 3% do PIB de superávit primário.

No entanto, apesar do “consenso” oficial, a origem do déficit e da Dívida públicas podem ter uma explicação bastante diferente. Analisaremos a seguir o comportamento dos principais fluxos financeiros ligados às contas públicas e externas, mostrando a correlação entre essas variáveis e a contribuição de cada uma à DMP, bem como a função desempenhada por essa no processo de acumulação, donde concluiremos que:

– déficit público é mais resultado do crescimento da dívida mobiliária pública – em volume e em custo – do que sua causa;
– crescimento da DMP, de 1991 para cá, decorreu, principalmente, da entrada líquida de divisas e do acúmulo dos encargos oriundos de sua rolagem; secundariamente colaboraram em seu acréscimo, em ordem de importância: os empréstimos de liquidez do Banco Central ao setor financeiro (a maior parte deles advindos do PROER) e, por fim, ao déficit primário de 1997;
– a função principal da DMP vem sendo viabilizar a constituição de capital monetário e sua valorização financeira, diretamente ou indiretamente como lastro do mercado mobiliário privado; sua existência propicia um piso mínimo de rentabilidade, em especial, aos capitais monetários externos (pertencente tanto a não-residentes como a residentes);
– através da expansão da sua dívida mobiliária o Estado brasileiro vem arcando com o ônus financeiro da manutenção de parte considerável da entrada de divisas sob a forma de capital monetário, produtor de juros; o que significa, ultimo ratio, que os encargos de financiamento do déficit externo em conta corrente, vêm sendo transferidos do setor privado para o Tesouro e para o Banco Central, através da arbitragem (2) entre as taxas de juros externas e internas;
– e, por fim, a estatização do ônus do financiamento da conta corrente externa foi o que provocou o atual desequilíbrio fiscal e a inviabilização financeira do Estado.

Essas conclusões levam-nos então ao âmago do problema: a escolha de uma solução para liquidar os débitos assumidos pela DMP e atingir o equilíbrio fiscal. Permitem-nos responder à pergunta fundamental: para que obter superávit primário?

O pagamento dos encargos desse financiamento estatal veio se dando, até o momento, pelo emissão de títulos (significando a crescente concessão de créditos sobre a renda nacional futura ao capital monetário). Agora, com a crise, não é mais possível continuar “rolando” os encargos da DMP, é a hora do capital monetário realizar seus ganhos e, principalmente, manter o valor de seus ativos. Embora haja discordâncias importantes entre o governo, os organismos multilaterais e as instituições financeiras internacionais em torno da solução da crise, existe o consenso de que, daqui por diante, os encargos assumidos sejam liquidados com recursos fiscais. Esses recursos adviriam da obtenção de superávits primários crescentes e suficientes para contrabalançar os encargos da dívida (ou seja, zerar o resultado nominal). Dito de outra forma: a solução privatiza a renda pública, priorizando a manutenção do valor do capital. No sentido prático, a solução defendida pelo Governo transfere e concentra renda, proporcionando a manutenção da estatização do déficit externo, transferindo seu ônus para as rendas do trabalho e do capital produtivo (extrator de mais-valia).
Tabela 1 (p. 24)

Isso nos revela a verdadeira relação entre o déficit público e a credibilidade externa: a continuidade do déficit nominal põe em dúvida a manutenção do valor do capital monetário expresso em títulos da dívida ou em outro qualquer ativo financeiro (já que os títulos privados são todos lastreados em títulos federais) denominado em reais. É a perspectiva dessa desvalorização do capital, entre outros fatores, que vem determinando a fuga de capitais iniciada em agosto passado.

A função e as fontes da Dívida Pública

O comportamento das contas públicas está ligado ao nível de produção e à distribuição de renda, como também às trocas externas e ao movimento de capitais.

Como a dívida pública cresce

No período de 1992 a 1997 o Brasil acolheu um saldo expressivo de divisas. Inicialmente, na primeira fase (1992-94), o saldo positivo se deu tanto por grandes superávits comerciais como pelas contas de Capital. Após 1994, com o explosivo déficit comercial e de serviços – contrapartida da nossa abertura – o saldo positivo registrou-se exclusivamente pelas contas de Capital.

A partir do final de 1994 – após a crise do México – esse grande saldo positivo de divisas ocorreu em um quadro restritivo de crescimento, determinado pela crescente dificuldade na utilização desse acúmulo de reservas no financiamento, em longo prazo, do déficit externo em conta corrente. Enquanto esse déficit se ampliava, a entrada líquida de divisas tendeu a cair, não mais sustentada por uma conjuntura externa de oferta favorável de capitais.

Com dificuldades de financiar o déficit em conta corrente, e pressionado para manter a abertura comercial e financeira, o governo sustentou durante todo esse período uma política monetária restritiva com juros elevados e arrocho creditício. A economia, à exceção da euforia de 1994, cresceu a taxas medíocres e a Formação Bruta de Capital Fixo, que chegou a crescer de A DMP está vinculada ao resultado das contas públicas e também de forma importante à circulação da moeda. Embora sirva como instrumento de obtenção de financiamentos do Estado e de regulação para a política monetária, sua principal função é sancionar a transformação de dinheiro em capital monetário (capital-dinheiro) (3), ou seja, o dinheiro que se transforma em mais dinheiro, sem passar pelo processo produtivo (4).
Gráfico 1 (p. 25)

Como instrumento de financiamento do Tesouro, a dívida compensará a emissão de moeda causada pelo déficit, neutralizando os efeitos macroeconômicos daí decorrentes (como veremos a seguir).
No caso de Estados e Municípios, não sendo emissores de moeda, a dívida é

18,11% do PIB em 1991 para 20,75% em 1994, estagnou em menos de 20% entre 1995 e 1997 (1) [Tabela 5].
Nesse quadro restritivo à acumulação produtiva, a quantidade de moeda excedente, oriunda principalmente da conversão cambial das divisas, foi enorme. Exceto a parte destinada à aquisição de empresas estatais, imediatamente esterilizadas pelo governo no serviço da DMPF (mas com pouco ou nenhum impacto na massa circulante) (2) (os recursos destinados à compra de empresas privadas, também muito significativos, permaneciam em circulação, apenas mudando de dono), e aquelas destinadas à especulação nas bolsas de valores (cuja dimensão sempre foi relativamente acanhada), todo o restante da massa de moeda buscou a Dívida pública como mecanismo de acumulação, tanto direta como indiretamente, já que os fundos de títulos de renda fixa, depósitos bancários remunerados e quase todos os demais ativos financeiros privados estavam vinculados, total ou parcialmente, ou ainda lastreados em títulos federais da DMP.

Os Estados, os municípios e o governo federal, até 1994 tinham conseguido superávits primários modestos mas crescentes, graças a um quadro de relativo crescimento e com os ganhos provenientes da elevada inflação. Após 1994, com a política monetária de juros elevados e crédito escasso, os governos infranacionais se defrontaram com uma situação de desaceleração das receitas, perda de rendas para a União (por conta da Emenda do Fundo Social de Emergência, depois Fundo de Estabilização Fiscal) e aumento dos custos de suas dívidas mobiliárias e contratuais. A pressão social, que obstruiu parte dos cortes planejados nas despesas do serviço público, contraída anteriormente ao dispêndio do déficit, tendo, nesse caso, os mesmos efeitos monetários e macroeconômicos, embora com menor amplitude (5).

É possível também que a dívida seja emitida antes de um déficit que se anuncie, tendo, nesse caso, os mesmos efeitos macroeconômicos de um déficit, mas em menor amplitude. Isso ocorre no caso dos Estados e Municípios que, não sendo emissores de moeda, precisam da antecipação de fundos para qualquer liquidação de despesas.

Como instrumento de política monetária, a emissão e resgate de títulos da dívida pública pelo banco central servem para atingir diferentes graus de expansão ou contração da quantidade de moeda, conforme se objetive. Esse processo mascara a verdadeira função da dívida mobiliária: a de sancionar a corrupção, o desperdício, e a visão, difundida pelo próprio governo Fernando Henrique, de que as dificuldades eram passageiras, levaram esses governos a uma situação paradoxal: manteve-se alto o dispêndio público não-financeiro, implicando déficits primários pequenos, mas crescentes; os custos financeiros explodiram, mais que duplicando em relação a 1993; a remuneração dos servidores públicos foram aviltados e os serviços sofreram forte sucateamento. Só o resultado primário do governo federal manteve-se positivo durante todo o período, à exceção de 1997, quando houve um pequeno déficit de 0,27% do PIB.

Mas mesmo durante a primeira fase, quando houve superávits primários constantes, não foi possível compensar a pressão sobre o crescimento da dívida, exercida pela entrada líquida de divisas e pelos seus próprios encargos em alta.

No segundo semestre de 1994 e no primeiro trimestre de 1995, quando os fluxos de capitais e o saldo da balança comercial se inverteram, levados pela mudança na conjuntura internacional de taxas de juros baixas – que culminou com a quebra do México – o volume da Dívida se estabilizou, fechando o ano com o mesmo valor que tinha atingido em junho. A inversão no movimento de divisas teria efeitos ainda maiores no saldo da dívida, diminuindo-o, não fosse o elevado volume de assistência de liquidez oferecido pelo Banco Central a instituições financeiras no último trimestre de 1994, atingindo 4,3 bilhões de reais. Muitos bancos brasileiros (especialmente os pequenos e médios bancos múltiplos) foram pegos no contrapé pela subida dos juros internacionais durante 1994, e com as dificuldades crescentes de rolarem suas linhas de crédito no exterior e internamente, ficaram sem liquidez para saldar seus compromissos (3). Para evitar o risco sistêmico, o primeiro a ocorrer capital monetário, produtor de juros, remunerando a moeda tanto direta como indiretamente. já que serve de lastro ao mercado mobiliário privado (6); assim a dívida viabiliza o processo de valorização financeira do capital.
Gráfico 2 (p. 26)

Esse processo de transformação da moeda em capital monetário é de suma importância e pode ser explicado da seguinte forma: existindo uma quantidade excedente de moeda em circulação, oriunda do fato de que seus proprietários (capitalistas) – dado às condições pouco atraentes de ganho ou inseguras de retorno – não se interessarem em torná-la direta ou indiretamente (por empréstimo bancário) em capital produtivo; a emissão de títulos públicos concede a esses proprietários a possibilidade, segura e minimamente rentável,

desde a crise da dívida externa de 1982, o Banco Central realizou empréstimos maciços, salvando o capital dos aplicadores. Essas operações terminaram anulando a diminuição da Dívida pública, ocasionada pela perda de divisas.
Com a volta dos fluxos de capitais no segundo trimestre de 1995, e as elevadas taxas de juro (a taxa de juro real média de 1995 foi de 31,1%, bem mais alta do que a já elevada taxa do primeiro semestre de 1994 que era de 22,1%), a dívida voltou a crescer fortemente. A partir de dezembro de 1994, a DPMF duplicou em 14 meses e a dívida mobiliária dos estados e municípios em 21 meses. A elevação dessa última dívida foi praticamente autônoma: nos anos de 1995 e 1996 a dívida líquida interna total estadual e municipal cresceu de 49,2 bilhões para 90,3 bilhões de reais, enquanto seus déficits primários no biênio totalizaram apenas 5,4 bilhões de reais.

No final de 1995 uma nova crise de liquidez do sistema financeiro desencadeou nova concessão maciça de empréstimos do Banco Central aos bancos. Várias instituições financeiras que tinham sido pegas pelo choque das taxas de juros externas no segundo semestre do ano anterior, sofreram novo choque com a súbita elevação dos juros internos em março de 1995, medida com a qual o governo federal resolveu enfrentar a crise desencadeada pela quebra do México no Natal do ano anterior. Seja porque já estavam endividadas pela iliquidez do final de 1994, seja pelo forte aumento da inadimplência dos seus devedores, muitas dessas instituições, que já vinham recorrendo a fraudes e manobras contábeis e financeiras, sucumbiram ao novo choque. A crise, que se iniciou com a liquidação do Banco Econômico, espalhou-se para outras grandes e pequenas instituições. Foi criada então uma linha especial de empréstimos de liquidez para bancos de transformar sua moeda em um ativo que gera juros, sem os riscos do processo produtivo ou comercial; é o que J. C. Braga denomina de processo de substituição da moeda por ativos geradores de juros (7).
Gráfico 2 (p. 27)

Visto pela ótica tradicional da teoria quantitativa da moeda, esse processo é explicado pelo fato de que, existindo uma maior quantidade de moeda em circulação, ela perderia valor intrínseco, provocando, em conseqüência, um aumento indesejável de preços; como os detentores de moeda são agentes privados, que podem optar pelo seu uso em consumo imediato (sic), o Estado só pode recolher esse excedente 'comprando-o' com títulos que gerem juros.

Claro está que esse processo também se procede na forma inversa: havendo melhores oportunidades de ganhos na acumulação produtiva, os títulos são resgatados e investidos, transformando o capital monetário em capital industrial ou comercial. No entanto, por razões ligadas ao declínio das taxas de crescimento das economias capitalistas em geral nas últimas décadas, e portanto do volume de acumulação produtiva (8), a tendência tem sido o crescimento da dívida mobiliária pública e não a sua diminuição (9).
Tabela 2 (p. 28)

Evidentemente isso faz com que o Estado assuma o ônus de manter rentável uma quantidade de riqueza (sob a forma de capital monetário), que em nada contribui para a criação de mais valor. Mas esse processo, longe de se constituir uma aberração, faz
parte do funcionamento normal do capitalismo; ele impede que o excedente de riqueza produzida (ainda na forma dinheiro) se transforme em excesso de capitais produtivos, gerando pressão sobre a taxa média de lucro, ameaçando a rentabilidade do sistema, ou, em permanecendo moeda, gere uma inflação que a desvalorize.

em liquidação: primeiro para os bancos privados, denominado PROER, logo seguida de outra para bancos estaduais, destinadas a saneá-las e facilitar sua venda ou privatização. Dessa vez a operação de salvamento de capitais monetários – medida apenas pelo acumulado de saldos dos empréstimos no Banco Central – custou a emissão de 6,2 bilhões de reais em novembro/dezembro de 1995, 10,8 bilhões (1,39% do PIB) em 1996, e mais 3,2 bilhões em 1997 (0,37% do PIB).
Nos anos de 1996 e 1997 o impacto contracionista sobre a dívida mobiliária causada pela diminuição do saldo líquido de divisas foi mais do que compensado pela emissão de moeda decorrente da assistência de liquidez do Banco Central e pelo crescimento autônomo, devido à rolagem dos encargos.

Durante todo o período foi possível rolar os encargos da Dívida pública com emissão de mais papéis (4). Isso significou a crescente concessão de créditos sobre a renda nacional futura ao capital monetário. Mas a desconfiança sobre a viabilidade de uma estratégia econômica, que já se esgotou em tantos países emergentes, determinou agora, com a crise da Rússia, a vontade de uma grande massa de credores de realizarem, no mais breve espaço de tempo, em divisas fortes, os ganhos e o principal de seus capitais.
Tabela 5 (p. 29)

Para os estados e municípios esse momento chegou antes, em 1997, quando seus governos, em crise, não puderam, muitos deles, sequer honrar o pagamento de juros vencidos. A desvalorização iminente dos capitais aplicados nesses títulos, fez com que o governo federal, mais uma vez, salvasse-os da insolvência, fazendo, a partir de dezembro daquele ano, a assunção das dívidas pelo valor ao par e a juro fixo, mediante o comprometimento de até 13% da renda tributária anual, no pagamento do serviço da dívida, assumindo os riscos de futuros aumento O aumento da tributação, que proporciona financiamento à despesa pública – no quadro histórico da fase contracionista – tem efeitos indesejáveis ao processo de acumulação. Seu caráter desapropriante, afeta negativamente os patrimônios e as rendas, significando, principalmente, a não transformação desses valores em capital monetário (e ainda pode, alhures, sancioná-los, em parte e indesejavelmente, como capital produtivo).
Antes de irmos adiante, é necessário alertar para o fato de que – no nosso ponto de vista e ao contrário dos economistas “quantitativistas” e da “teoria do equilíbrio” – quem determina, em última instância, a forma de acumulação do capital é o próprio movimento de sua valorização, fato que varia de intensidade e direção em função de fases historicamente determinadas; o que equivale a dizer que na fase expansiva do sistema, quando a taxa média de lucro tende a aumentar, a riqueza excedente (na forma moeda) tenderá a se transformar em capital produtivo (diretamente na forma industrial ou indiretamente na forma de capital bancário ou comercial); em sua fase contracionista (quando há superacumulação), quando a taxa média de lucro tende a decrescer, ele será atraído (exceto em alguns ramos de ponta, de privilegiados lucros) pela valorização financeira, e a acumulação sob a forma do capital monetário cresce. Como vimos acima, essa acumulação financeira vem tendo por base a dívida mobiliária pública. É evidente que as conjunturas nacional e internacional dos últimos anos se identificam com essa segunda fase, o que se denuncia pela tendência à estagnação e pelo papel hegemônico que nela exerce o processo de valorização financeira do capital.

Dessa forma, nossa análise do período 1991-97, no Brasil, será circunscrita a esse contexto histórico de restrição ao crescimento e tendência à financeirização.

Dito isto, passemos a examinar então os principais fatores através dos quais se dá a criação ou a destruição de moeda na economia e onde se observa a mediação da dívida mobiliária pública no processo de sua transformação em capital monetário (10). Esses fatores mais importantes são: o gasto público líquido; o câmbio de divisas por moeda nacional; os empréstimos e depósitos à vista de instituições financeiras (que são criadores privados de moeda); e os empréstimos de assistência de liquidez do Banco Central a essas instituições.

Porém, excluiremos do âmbito da análise os efeitos decorrentes de empréstimos e depósitos à vista nas instituições financeiras. Embora seja uma importante fonte de criação/ destruição de moeda e sua transformação em capital (o sistema financeiro funciona como o principal sancionador de capital nas economias), a sua capacidade de fazê-lo é regulada compulsoriamente pelo Banco Central, não se enquadrando no mecanismo geral “voluntário” da dívida mobiliária pública. No caso concreto, consideraremos que durante o período em tela o Banco Central vem exercendo o controle compulsório necessário sobre essa fonte, em consonância com as políticas monetária e econômica restritivas adotadas, carecendo de sentido a utilização do instrumento da dívida para controlá-la; faltaria para isso tanto conveniência financeira como política.

na taxa de juros desses papéis, recontratados com juros flutuantes. Dessa forma, capitais em valores nominais superiores a 40 bilhões de reais foram salvos da desvalorização ou mesmo da perda total, mantendo seu valor agora em títulos federais até o momento confiáveis e líquidos.
Agora, no segundo semestre de 1998, chegou a hora do próprio governo federal. A decisão de capitais – de propriedade de residentes e de não residentes – de se retirarem do país se prende à necessidade de resguardar o valor de seu capital. Mas, essa própria atitude implica necessariamente precipitar a desvalorização de todo o estoque de capitais dentro da economia nacional, como também em outros países e mercados. Esse mecanismo, que acaba por desencadear a fuga em massa de capitais, provocando enorme desvalorizações de ativos, cria uma forte comoção e ansiedade em Assim, usaremos a hipótese simplificadora de que a ação das instituições financeiras quanto à criação/destruição de moeda permaneceu neutra em relação à DMP (especificamente à DMPF).

O primeiro desses fatores é o dispêndio líquido do Estado em dinheiro. No caso de governos centrais, emissores de moeda, a execução fiscal (despesa e receita públicas) corresponde a criar e destruir capacidade de meio de pagamento dos entes privados, seja para a demanda de bens de consumo, de bens de capital ou para entesouramento. Particularmente no Brasil, onde a conta do governo federal é operada pelo Banco Central, ou seja, fora do meio circulante, qualquer despesa ou recolhimento de tributo significa, diretamente, emissão ou destruição de meios de pagamento. Nisto reside uma diferença básica entre uma pessoa privada e o Estado: se para a primeira é certamente ruinoso gastar mais do que recebe, isso não é necessariamente verdadeiro para o segundo. Dependerá do momento histórico em que se encontra e da composição desse gasto a mais, desse déficit. Se o déficit se transforma – numa circunstância de expansão do sistema em acréscimo à demanda, propiciando perspectivas adequadas de ganho ao capital, isso servirá para sancionar um acréscimo adicional de acumulação, de investimentos, que não só contribuirá para criar riquezas, seja em capital seja em meios de sobrevivência (salários), como retomará ao Estado, sob a forma de receita ampliada; formando um círculo virtuoso de expansão. Mas se esse déficit se der em um quadro de retração na acumulação (haja uma superacumulação), o seu efeito será o de criar moeda que tenderá a não se transformar em mais capital, gerando uma demanda de consumo ou o seu entesouramento; prejudicando, em ambos os casos, o ciclo de acumulação do capital.

É nesta última circunstância que se sentirá mais fortemente a necessidade de expansão da dívida mobiliária, pois como já vimos, haverá a necessidade de se sancionar a acumulação do capital monetário; pois a sua transformação pela via dos empréstimos bancários privados estará bloqueada pela provável estagnação da acumulação produtiva.

Também um superávit público, ao contrário do que vulgarmente se divulga, pode ter efeitos ruinosos sobre uma economia. Isso dependerá também da circunstância histórica do movimento geral do capital. No caso de superávit haverá diminuição dos meios de pagamento, o que pode destruir a possibilidade de consumo, não sancionando mais a continuação da acumulação do capital, ou mesmo – em casos mais severos – destruindo parte do valor do capital existente (ou até o reduzindo a zero), como aconteceu classicamente na grande depressão de 1929-33.

O segundo fator a considerar é o do câmbio de divisas pela moeda nacional. Se a entrada ou saída de divisas se dá em desequilíbrio, o saldo resultante determinará o aumento ou diminuição da quantidade de moeda doméstica. Isso provocará, no curto prazo, uma diminuição dos meios de pagamentos, destruindo porções de capitais ou de meios de consumo; ou, em sentido inverso, haverá de imediato grande disponibilidade de meios de pagamentos, pois não existirá – em contrapartida – nenhuma riqueza criada internamente a ser adquirida.
investidores e autoridades governamentais de todo o mundo, em especial dos países centrais (L. M.).

Notas
(1) MIRANDA, S.; REBELO, A.; PEREIRA, R. e outros. O Plano do Fundo do Poço. Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Brasília: 1995. MIRANDA, S.; PEREIRA, R. e outros. Três Teses contra o Plano Real. Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Brasília: 1997.
(2) A privatização arrecadou, até 1997, cerca de US$ 36,4 bilhões (em leilões, aquisições de empregados e aquisições do público), porém mais de dois terços desse valor foram abatidos de débitos relativos a outros passivos estatais (as “moedas podres”); os recursos em moeda, absorvidos pela dívida, já estão contidos nos resultados primários. Fundap. Indicadores Diesp, v. 7, n. 67, São Paulo: Julho-agosto 1998.
(3) A versão oficial do governo para as crises de liquidez do final de 1994 e de 1995 foi a inadequação de algumas instituições que não tinham se adaptado aos novos tempos de “estabilidade” e não souberam se adaptar a perda dos ganhos inflacionários com o “floating”, nem conseguido diminuir seus custos. Diante da realidade dos choques de juros e da resultante onda de inadimplência essa “explicação” é pouco crível e destinada ao “consumo popular” do comentaristas econômicos.
(4) Durante todo o período, só em dois exercícios houve liquidação de serviço da Dívida com recursos fiscais, sendo R$ 4,55 bilhões em 1996 e R$ 1,63 bilhão em 1997, valores, no caso, irrelevantes. Fonte: SIAFI. Tabela 3 (p. 31)

Da mesma forma, como se viu quanto ao resultado do dispêndio público, a depender da circunstância histórica do movimento de capitais, os efeitos de um saldo positivo de entradas de divisas equivalerá ao do déficit público, enquanto a saída de divisas se assemelhará ao do superávit.

Por fim, temos o último fator: os empréstimos de liquidez do Banco Central a instituições financeiras em dificuldades ou insolventes. No seu papel de emprestador final, o Banco Central geralmente avaliando o risco sistêmico que pode resultar da insolvência ou da dificuldade de honrar compromissos de uma instituição financeira, realiza operações de empréstimos que devolvem liquidez a depósitos e ativos financeiras de terceiros, ali aplicados. Embora de caráter eventual, essas operações podem envolver valores significativos, como aconteceram dentro dos programas PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro) e de saneamento de bancos estaduais a partir do final de 1995. Esses empréstimos representam para os capitais monetários abrigados em instituições insolventes uma verdadeira ressurreição. Capitais já destituídos de valor, porquanto ilíquidos e não mais produtores de juros, voltam à vida, têm nova oportunidade de valorização; assim como os demais capitais, mantida a circunstância de restrição à acumulação produtiva, não havendo demanda de crédito privado suficiente, voltam a ser sancionados pela emissão de dívida pública.

Detenhamos-nos agora sobre fatores derivados da própria DMP e que ocasionam o chamado crescimento autônomo: os encargos da dívida, os juros reais e a correção monetária.
Em circunstâncias como a examinada, de elevados juros reais por todo o período (à exceção de 1993) e, em parte considerável dele (1991 até o primeiro semestre de 1994), uma também considerável correção monetária, os fatores derivados têm importância considerável no montante final da dívida; em especial pelo fato de que sobre eles incidem os mesmos encargos de forma cumulativa.

As medidas dos resultados das contas públicas e das principais contas externas

O nosso propósito agora é analisar os efeitos dos fatores examinados acima na determinação do déficit público e da DMP, no período 1991-97. Como em 1991, afortunadamente, a dívida atingiu um volume muito baixo e o saldo externo (medido como
saldo líquido de divisas) foi ligeiramente negativo (11), esse ano se apresenta como excelente referência inicial para análise.

A partir do início da década de 1980 os saldos das contas públicas passaram a ser medidos pelo conceito de "Necessidade de Financiamento do Setor Público" (NFSP), que apresenta os saldos das contas por esfera de governo e estatais e através de três diferentes resultados: o primário (soma a receita menos a despesa não financeira), o operacional (soma do resultado primário com os juros reais pagos), e o nominal (que inclui além dos juros reais a correção monetária).
Ao contrário da medida tradicional de resultado das contas públicas, feita através do fluxo de caixa do Tesouro (entrada e saída de dinheiro), a NFSP mede os saldos de financiamento concedidos ao setor público pelas instituições financeiras e o público. Dessa forma se calcula primeiro o valor nominal, para depois se calcular, por exclusão, os resultados operacionais e primário. Como se vê os saldos nominais e operacional não implicam em saída ou entrada líquida em dinheiro, pois os pagamentos dos encargos da dívida (juros reais e correção monetária), por exemplo, podem ser feitos mediante a emissão de mais dívida, seja pela capitalização nos contratos, seja pela emissão de mais títulos na dívida mobiliária.

Com isso fica clara a diferença entre um resultado primário, realizado obrigatoriamente em moeda, e os outros dois resultados que podem ser realizados com o aumento do saldo devedor de empréstimos do setor público (12).

O comportamento das contas públicas, segundo o conceito NFSP, no período 1991-97, pode ser visto na Tabela 2.
Como estamos interessados em pesquisar os efeitos, primeiramente, das causas primárias da dívida, interessa-nos usar como referência os resultados primários das contas públicas, realizados em moeda. Ainda mais porque usando os resultados operacional ou nominal estaríamos incluindo o próprio serviço da dívida, caindo em uma referência circular. Os efeitos dos encargos na dívida serão analisados, também, e separadamente, quando avaliarmos o seu crescimento autônomo (13).
Nas contas externas estamos interessados no movimento líquido de divisas (a entrada e a saída de moedas estrangeiras em um período, anulam seus efeitos monetários internos). O valor líquido será obtido através dos saldos da Conta Corrente (balança comercial e de serviços) e da conta de Capital (empréstimos e investimentos), que abrangem a totalidade desse movimento.
Os empréstimos de assistência de liquidez do Banco Central ao sistema financeiro são representados de acordo com os fluxos acumulados a cada ano.

Os dados relativos a essas variáveis constam da Tabela 1. Para relativizar os valores e evitar as distorções monetárias advindas da vigência de diversas moedas e da violenta inflação registrada em parte do período, adotamos como unidade de medida o PIB (Produto Interno Bruto) de cada ano. Os dados foram convertidos em percentuais do PIB a partir de seus valores em moeda corrente (em reais ou em dólares).

Comportamento da Dívida pública em relação aos fatores primários e derivados

Analisaremos a seguir a correlação das diversas variáveis com o comportamento dos saldos da DMP. O saldo da dívida em 1997 duplicou, em percentagem do PIB, frente ao saldo de 1989, até ali, o maior da história, e mais que quadruplicou em dólares correntes.

Como se pode observar no Gráfico 1, os resultados primários das contas públicas acumulados no período tiveram comportamento inverso à evolução da DMP, enquanto o saldo líquido de divisas teve comportamento bastante similar, embora com um grande hiato entre os respectivos volumes.
O período se divide em duas fases bem distintas. De 1991 a 1994 (início da abertura e desregulamentação e implantação do Plano Real), que chamaremos de primeira fase, o país apresenta crescentes superávits primários nas contas públicas, equilíbrio na conta corrente externa e a volta das entradas de capital externo. Nessa fase a Dívida pública foi crescendo, acompanhando claramente a entrada líquida de divisas, exceto em 1994, quando o aumento do superávit primário e a queda relativa da entrada de dólares foi mais do que compensado pela subida dos juros reais e pela forte assistência de liquidez do Banco Central, ocorrida no último trimestre daquele ano. Comparando os fluxos líquidos dessas várias variáveis com o comportamento da DMP, o coeficiente de correlação chega ao expressivo valor de 0,9766 (14), ver Tabela 4 e Gráfico 2, corroborando fortemente nossa hipótese.

Na segunda fase, 1995-97 (Plano Real após a crise do México), a situação muda radicalmente: os resultados primários e o saldo em conta corrente entram em queda acentuada, transformando-se o último em forte déficit. O saldo primário do setor público apresentou equilíbrio nos dois primeiros anos e um pequeno déficit em 1997, com os superávits federais compensando os déficits estaduais e municipais. Já a conta corrente apresentou, de forma brusca, déficits significativos e crescentes; o saldo negativo do terceiro ano (em valores percentuais do PIB) quase duplicou frente ao do primeiro [Tabela 1]. Quanto ao saldo líquido de divisas, embora o movimento de capitais, no acumulado, tenha sido crescente, os déficits de conta corrente fizeram com que seu valor, após subir em relação à primeira fase, se mantivesse estagnado, começando a declinar em 1997. O saldo negativo da entrada líquida de divisas em 1997 já mostrava a crescente dificuldade de financiamento externo e o esgotamento da estratégia do Plano Real de abertura externa e desregulamentação.

Nessa segunda fase, o movimento das duas causas primárias (superávit primário e entrada líquida de divisas) praticamente se anularam [ver Gráfico 1], mas a dívida continuou crescendo com aceleração uniforme. A causa desse “descolamento” pode ser atribuída aos volumosos empréstimos de assistência de liquidez do Banco Central, registrados a partir do final de 1995, e pelo crescimento autônomo decorrente de juros, em valores absolutos e relativos, cada vez mais significativos. Essas duas últimas causas que já tinham aparecido no exercício de 1994, foram mais significativas na segunda fase. Enquanto a assistência de liquidez aumentou em 50%, frente à primeira fase, o acumulado dos juros reais duplicou. A Dívida pública passou a ter um componente de crescimento autônomo cada vez mais acentuado.

A soma dos fluxos líquidos de todas os fatores considerados, primários e derivados, quando comparada com a DPM, nessa segunda fase, mostra o impressionante coeficiente de correlação de 0,9978 [Tabela 4 e Gráfico 2].

Subtraindo-se o estoque da dívida em dezembro de 1990 (igual a 3% do PIB) obteremos a mesma curva do Gráfico 2, mas com uma significativa diminuição do hiato em relação à DMP [Gráfico 3].
Tabela 4 (p. 33)

Conclusões

Como fica demonstrado, os gastos não-financeiros dos governos pouco influíram no déficit fiscal, tendo seu saldo acumulado no período servido de grande freio à expansão da dívida pública. Os dois principais fatores de seu crescimento, a entrada líquida de divisas e as altas taxas de juros, estão intimamente relacionados. Essas taxas, longe de significarem o descontrole do gasto público, significam o esforço da política do governo de atrair capitais monetários na baldada tentativa de com isso financiar o crescimento pela via da abertura comercial. A maior parte do capital que para aqui migrou veio atraído pela valorização financeira e dela não pode se desligar.

O crescimento da dívida pública e o déficit público nominal refletem os custos de manutenção, por parte do governo Fernando Henrique, de uma estratégia de financiamento externo já ultrapassada quando da eclosão da crise do México e agora posta em cheque. A inadequação dessa estratégia está no fato de não ser possível financiar as contas externas, em longo prazo, com capitais de curto prazo. Esse custo equivale à manutenção de internação de divisas sem a equivalente e proporcional contrapartida de acumulação produtiva, que faz com que a remuneração final desses capitais monetários venha a ser feita diretamente pelo Estado. Em princípio esse custo foi pago com a emissão de mais títulos públicos e pela transferência de ativos estatais; mas, agora, os capitais monetários credores precisam de garantias fiscais para o rendimento de seus títulos, para que eles não sofram perda de valor. Exigem superávits primários e a aceleração da privatização do estoque de ativos estatais remanescentes. Superávit primário que será oriundo, necessariamente, de uma combinação de cortes em despesas não-financeiras e do aumento da renda tributária.

Nesse contexto, exigem também que o Estado brasileiro assuma o compromisso, com as instituições internacionais multilaterais, de adotar uma política econômica que privilegie o pagamento dos credores externos, a ser monitorada pelo FMI.

Uma solução alternativa, a ser defendida neste momento pelas forças que se opõem, no Brasil, à política da hegemonia da financeirização, à estagnação econômica e à exclusão social, deve ir no sentido oposto.

Devemos advogar uma solução que desvalorize o capital monetário, promovendo um drástico deságio na DMP, mediante uma significativa redução das taxas de juros e alongamento dos prazos (negociado ou não) reduzindo seus encargos à capacidade fiscal do Estado. Desse modo poderá se preservar – e aumentar – os níveis do investimento público e privado. Em conseqüência, o déficit em conta corrente deve ter como solução sua adequação à nova capacidade de financiamento externo – decorrente da conjuntura internacional de crise financeira – o que só pode ser conseguido mediante a adoção de uma moratória da dívida externa, um rígido disciplinamento do movimento de capitais, centralização do câmbio e pela consecução de um razoável superávit na balança comercial.

* Lecio Moraes é economista. Este artigo foi escrito originalmente como uma nota à bancada de deputados federais do Partido Comunista do Brasil, para fundamentar uma discussão sobre o ajuste fiscal, defendido pelo Governo Fernando Henrique, o FMI e outras agências governamentais como solução para a crise financeira e cambial do Brasil em setembro/outubro de 1998. Minha gratidão a Marilda Soares, amiga de sempre, pelo paciente trabalho de revisão e a Nanda N. Bandeira, pelo inestimável apoio de pesquisa.

Notas
(1) Usaremos “déficit das contas públicas”, “déficit público” ou “déficit”, para nos referirmos ao resultado nominal das contas do setor público, governo federal, Estados, Municípios e estatais, segundo o conceito de Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP). Resultado fiscal se refere ao setor público, exceto as estatais.
DMP é a dívida em títulos negociáveis emitida pelo Tesouro Nacional e pelo Banco Central (DMPF), e pelos Tesouros dos Estados e dos Municípios. Os valores referidos são relativos ao montante em poder do mercado: os títulos federais fora do Banco Central, e os títulos estaduais e municipais em circulação. A DMPF forma a parte mais importante da DMP, representando, em média no período 1991-97, 73% do total. Usaremos “dívida pública”, “dívida” ou “dívida mobiliária” como sinônimo de DMP; para o conjunto da dívida pública, que inclui também a dívida contratual (contratos com instituições financeiras e fornecedores do Estado) e outros passivos, usaremos “dívida pública total”.
(2) Arbitragem: modalidade de atuação financeira que permite ganhos através das diferenças entre taxas de juros em mercados diferentes.
(3) BELLUZZO, L. G. “Dinheiro e as Transfigurações da Riqueza”, em: Poder e Dinheiro: uma economia política da globalização, M. C. Tavares e J. L. Fiori, (organizadores). Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
(4) Isto não significa que o capital monetário crie valor; seus ganhos Guros) advém da repartição da massa de mais-valia com o capital industrial e o capital comercial. Marx (que o denomina capital-dinheiro) atribui a essa forma de capital a forma geral D – D' (O Capital, Livro 3, Capo XXI a XXIV).
(5) Nesse caso, o multiplicador do endividamento equivaleria ao de um empréstimo bancário privado, mas com a propensão a poupar igual a zero.
(6) De modo geral a emissão de títulos de crédito (privados) pelas instituições financeiras tem como contrapartida a manutenção de ativos em títulos públicos.
(7) BRAGA, J. C. “Financeirização Global”, em: Poder e Dinheiro, citado.
(8) HIRST, P. e THOMPSON, G. Globalização em Questão. Petrópolis, RJ, Vozes. 1998, p. 68-seg. CHESNAIS, F. A Mundialização do Capital, Xamã, 1996, p. 299. BAEZA, A. V. “La produtividad del trabajo a encuentro de la teoría marxista”, em: Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política n. 2, Rio de Janeiro: Sete Letras, 1998, p. 37.
(9) Embora déficits públicos causados por excesso de gastos não-financeiros possam aumentar a dívida pública, esta não é a causa principal nem a razão de sua existência. Como mostramos, na circunstância histórica dada, a função principal da dívida está no sancionamento da acumulação financeira e não no financiamento de despesa pública não-financeira.
(10) A rigor, além desses fatores primários principais e dos fatores derivados Guros reais e correção monetária, citados adiante), outros fatores de pequena monta ou eventuais também são fontes da Dívida – como a securitização de dívidas contratuais ou de outros passivos estatais. Porém pelo seu caráter eventual, seu pequeno valor ou pela difícil mensuração, mas principalmente por não determinarem o comportamento da Dívida, esses outros fatores serão desconsiderados pela análise.
(11) O volume baixo da dívida em 1991 deve-se à violenta contração de liquidez realizada pelo Governo Collor, em seu início, em março de 1990, que desvalorizou drasticamente
os títulos da volumosa dívida (que caiu de 15,4%, em 1989, para apenas 3% do PIB em 1990) herdada da década de 1980. A forte recessão do período 1990-91 aliada à pressão da banca internacional pela efetiva renegociação da dívida externa (esta herdada da década de 1970), determinou o saldo negativo no movimento de capitais nesse período.
(12) Graças a essa diferença de medidas é que é possível, e comum, que em um mesmo período o resultado de caixa do Tesouro seja superavitário enquanto o resultado nominal ou operacional seja deficitário.
(13) No caso, examinaremos apenas os efeitos dos juros reais; como usaremos os valores expressos em porcentagem do PIB a preços correntes, eliminamos a maior parte do efeito da correção monetária, desprezando-a como variável; embora o seu efeito cumulativo seja importante e não tenha sido eliminado; por ser de difícil medição e não alterar os resultados de nossa análise, optamos por considerá-lo junto aos demais fatores determinantes não- mensuráveis.
(14) O coeficiente de correlação mede a semelhança de comportamento ou dependência entre variáveis; seu valor varia entre + 1 e -1, sendo 1 o valor de coincidência máxima e zero a maior dispersão; o sinal indica se a relação é direta (+) ou inversamente (-) proporcional.

Entendendo a solução do governo e das agências internacionais
A solução que vem sendo defendida pelo governo e pelas agências governamentais e multilaterais (Tesouro americano, G-7, FMI, BIRD etc) embora com algumas diferenças importantes – busca atender a dois objetivos precípuos: minimizar a desvalorização de capitais e garantir sua liberdade de movimento, ou, em outras palavras, a possibilidade de seu resgate em divisas fortes.

O primeiro objetivo, a manutenção do valor do capital (em todas as suas formas) em nossa economia está vinculada: a) ao valor dos títulos públicos, em especial aos federais, devido à sua função de principal sancionador da acumulação financeira; b) a manutenção da taxa cambial. Por esse motivo a solução almejada pelo governo e pelas agências contempla a manutenção de altas taxas de juros, repúdio a qualquer iniciativa unilateral de reescalonamento dos prazos de vencimento, e a viabilização do pagamento dos seus encargos com recursos fiscais. Busca-se compensar momentaneamente, o risco de inadimplência da dívida, mantendo o seu valor e tentando deter o seu crescimento em “bola de neve”. Em especial, essa solução exige superávits primários e privatização de ativos estatais que garantam a monetização dos rendimentos sem risco de desvalorizar a moeda (a emissão de moeda para liquidação de encargos seria compensada pela destruição de moeda causada pelos superávits primários), significando a mudança da composição do gasto público, aumentando nele a participação das rendas de capital. A estabilidade da taxa de câmbio é necessária para preservar aos capitais que saírem ou aos seus rendimentos, perdas na conversão; no entanto, é possível conciliar uma desvalorização forte ou brusca, indesejada pelos credores, desde que seja monitorada e que haja seguro cambial (hedge) suficiente para o devedores internos e investidores como comentaremos adiante.

O segundo objetivo. a liberdade de movimento do capital pode ser viabilizado: a) pelo direcionamento da economia para um esforço de aquisição de divisas, por meio de superávits comerciais; b) pelo rebaixamento do nível da produção para o consumo interno. Enquanto a primeira estratégia garantirá as divisas necessárias à liquidação externa da rendas e do principal dos capital (juros, amortização, remessa de lucro; repatriamento de investimento etc, a segunda libera a maior quantidade possível de capital na forma monetária, retirando-o da produção ou de incentivando sua acumulação produtiva. Foi o que aconteceu na década de 1980 após a crise de 1982; naquele ano, o país cresceu pouco (exceto no experimento heterodoxo do Plano Cruzado), mais de 107 bilhões de dólares líquidos saíram do país para saldar o serviço da dívida e dos investimento (1) e uma quantidade expressiva de capital de brasileiros e residentes (estimada em 60 bilhões de dólares) abandonou o país, ilegalmente (2).
É evidente que essas soluções esbarram nos limites políticos e sociais da possibilidade de contração e de transferência de riqueza. Além disso, essas estratégias, longe de serem coerentes, são muitas vezes contraditórias entre si. Por isso os resultados são sempre incertos e é preciso estabelecer prioridades para as perdas.

Mesmo que haja um sucesso relativo e ocorra uma grande transferência das perdas para os assalariados, outros trabalhadores e para as pequenas empresas, é impossível mesmo assim, uma vez desencadeada a crise, não haver desvalorizações significativas dos capitais. Assim, no enfrentamento da crise, a tendência predominante entre as autoridades governamentais ou financeiras, tanto nacionais como internacionais, é privilegiar a proteção dos valores financeiros bancários, que formam o coração do sistema, onde se comanda o processo fundamental da acumulação. Essa prioridade, embora possa sacrificar parte do capital produtivo, protege o sistema de um risco letal. Daí advém a prioridade para esquemas financeiros internacionais de sustentação, que minimizem os riscos de pânico de realização, e a adoção de medidas recessionistas internas que liberem a maior quantidade de capital possível sob formas transferíveis para o exterior.

Uma das contradições mais evidentes dessas estratégias é que a política recessionista implica tanto em perdas comerciais para os países centrais, como em perdas de recebíveis financeiros decorrentes da insolvência de empresas. Na tentativa de minimizar essa última consequência, uma das exigências das agências e dos credores internacionais sempre é a estatização da dívida externa ou, pelo menos, de seu risco cambial, como também aconteceu na crise de 1982. Naquele ano o governo brasileiro se responsabilizou, inicialmente, pelo risco cambial de toda a dívida externa até então tomada; depois, em dezembro de 1982, pelo aval de toda a dívida, afeta o setor público; e, por fim, quando do primeiro acordo com os bancos internacionais de reestruturação da dívida, em fevereiro de 1983, o governo aceitou o papel de “primeiro devedor”, e não só de avalista, para todos os empréstimos que ingressariam, relativos ao chamado Projeto I (dinheiro novo), tanto para o setor público como para o setor privado (3). Atualmente grande parte da dívida externa também já foi estatizada pela assunção, por parte do Banco Central, do risco cambial, através da troca maciça de títulos públicos por outros com correção cambial ou denominados em dólar (4), proporcionando um seguro cambial barato para os grandes investidores ou devedores.

Com as vantagens em curto prazo que teria o saldo do comércio externo brasileiro com uma desvalorização significativa do real, e com a maior parte dos investidores e devedores internos com proteção cambial, não é de surpreender que o FMI esteja tentando incluir a obrigatoriedade de uma desvalorização da moeda no acordo do “programa de estabilização”. Embora afastada em um primeiro momento, a sua adoção em um futuro próximo não está descartada; tudo dependerá do desempenho da balança comercial, do sucesso da consecução de superávits comerciais nos próximos meses (L. M.).

Notas
(1) Saldo líquido, no período 1982-90, dos investimentos, empréstimos, financiamentos, outros capitais, pagamentos de amortizações e de juros e remessas de outros rendimentos de capitais. Banco Central, Boletim do Bacen, diversos números. Brasília.
(2) Entretanto, a dívida externa que era de US$ 61,4 bilhões ao final de 1981, ainda montava em 1990 a US$ 96,5 bilhões.
(3) BIASOTO JR. Geraldo. Dívida Externa e déficit público. Brasília: IPEA, 1992, p. 122.
(4) Em junho/1998 o volume de títulos da DPMF com correção cambial atingia US$ 42,4 bilhões; nos últimos meses esse valor vem crescendo significativamente. Banco Central, Boletim do Bacen. Brasília: agosto de 1998.

EDIÇÃO 51, NOV/DEZ/JAN, 1998-1999, PÁGINAS 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35