Parece que foi ontem. Há cinquenta anos um grupo de estudantes secundaristas tinha um ideal e um sonho: liberdade de expressão e um ensino médio de qualidade. Os obstáculos eram muitos. Era o tempo do Estado Novo de Getúlio Vargas, não vivíamos numa democracia de fato.

A liberdade de expressão era vigiada pelos donos do poder e a ditadura fantasiada de governo populista deixava pouco espaço para a contestação dos estudantes, dos políticos de esquerda e dos intelectuais. Mas a garra destes estudantes fez surgir a UBES – a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. Com sua marca jovem e atuante, a UBES esteve presente em todos os grandes acontecimentos do país nestes últimos cinquenta anos. Seja nas ruas, nas escolas, nos debates.

Foram anos de lutas, de exigir direitos, de estar presente nos momentos importantes. E foram tantos os estudantes que se dedicaram a tantas lutas, que seria difícil fazer um quadro de todos esses anos de vida da UBES. Foram os presidentes, os vice-presidentes, vice-regionais, os diretores, o pessoal administrativo, nos grêmios, nas escolas e os estudantes nas ruas que mantiveram e mantém a pulsação da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. São eles que dedicam amor, tempo e esforço ao sonho comum de fazer com que a educação brasileira realmente seja de qualidade e atenda aos anseias de nossa gente.

A UBES surgiu no dia 25 de julho de 1948, no Rio de Janeiro, no Colégio Pedra II. Uma de suas principais bandeiras, já naquela época, era garantir o ensino público de qualidade e uma adequada formação profissional.

Se muitas coisas mudaram, infelizmente, continuamos com problemas ainda parecidos. A educação continua não sendo prioridade do governo federal, o vestibular continua funcionando como um funil e a maioria dos secundaristas não tem acesso ao ensino superior. Como se não bastasse, não temos um ensino técnico de qualidade, com amplitude nacional e direcionado para as expectativas do mercado de trabalho e da sociedade. Existem escolas públicas que realizam um bom trabalho educacional, mas a questão da educação não teve ainda o direcionamento correto, nem tão pouco o zelo que precisaria ser adotado pelos Governos estaduais e Federal.

Alguns momentos históricos

Em 1964 veio o golpe militar e a participação política dos estudantes foi ameaçada. A ditadura impedia qualquer manifestação ou até mesmo reivindicação, por mais simples que fosse. Os estudantes não se calaram e foram às ruas pedir democracia. A resposta do governo foi dura e se traduziu em repressão e tortura. Mesmo assim, o grito de liberdade ecoava das escolas e dos grêmios estudantis.
Cada vez mais a política dos militares endurecia. Aos poucos os grêmios foram impedidos de funcionar e com o fechamento da UBES pela ditadura um grande vazio tomou conta da política estudantil brasileira. Não que os estudantes tenham se calado, mas a clandestinidade era agora inevitável. Essa resistência fez com que o governo da época considerasse os estudantes inimigos públicos.

A situação que já era desesperadora piorou em 1968. Foi nesse ano que o assassinato injustificável do estudante Edson Luís detonou a Passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro, em 1° de abril. Edson foi morto pela PM com um tiro no peito. O protesto fora organizado para reivindicar mais verbas para a educação. A resposta do governo veio em forma de balas.

Foi na cidade maravilhosa que a repressão deixou sua marca mais evidente. O Rio fervia como centro cultural e político e os militares não deixaram por menos. Em 1968 foram mortos oito estudantes. São Paulo perdeu um estudante e Goiânia outro. Edson Luís foi morto pela polícia no Calabouço – Restaurante Central dos Estudantes – e a comoção pelo seu assassinato provocou uma série de protestos por todo país. No enterro do estudante uma multidão acompanhou revoltada – o que se transformaria na histórica Passeata dos Cem Mil.

A luta dos jovens pela valorização do ensino público e por mais verbas para a educação era vista como uma afronta, e a “porrada” era a única linguagem que a ditadura praticava. Mas os estudantes eram heróis sem capa nem espada, usavam seus corpos frágeis para tentar parar o “trator” dos militares.
A UBES é então fechada pela ditadura. Passam-se os anos e a luta continua.
Em 1981, durante o Congresso de Reconstrução, a UBES volta à ativa. O paulista Sérgio Amadeu é então eleito presidente. A História do Brasil e da UBES começava a mudar. Era momento de se voltar a falar de democratização do ensino público, diretas para diretor, passe livre para os estudantes de todo país e valorização do ensino técnico.

A UBES estava viva. Nem a tortura fora capaz de calar a força dos nossos jovens. Os anos oitenta foram época de reconstrução, de tentar minimizar os estragos do período militar.

Em 1985, a gestão da entidade era presidida pela amazonense Selma de Oliveira – a primeira mulher a presidir a UBES, após a reconstrução –, que liderou a campanha pela valorização do Grêmio Livre trabalho vital para o fortalecimento do movimento estudantil. Com esse projeto a UBES mais uma vez voltava sua força para as escolas, que havia sido obrigada a abandonar nos anos 1960 e 1970. A paraense Leila Márcia da Silva Santos presidiu a entidade entre 1990 a 1992, e os pontos fundamentais dessa gestão foram o direito à meia-entrada, a criação da carteira da UBES, o fortalecimento dos grêmios e a campanha pelo impeachment de Fernando Collor. A UBES teve um papel fundamental nesse processo político, indo às ruas, organizando manifestações, dizendo não a uma série de atitudes absurdas tomadas pelo governo "collorido".

A UBES em 1998

O ano de 1998 foi sem sombra de dúvida de muitas realizações para a UBES. As reivindicações não são muito diferentes das do início da UBES: verbas para educação, contra o sucateamento do ensino público.

Neste país a educação ainda não é assunto sério. Tanto que o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que é um conjunto de provas feitas pelos estudantes do 1° e 2° graus, realizado em 1997, avaliava a qualidade do ensino nos estados sem levar em conta as diferenças regionais. O Saeb, de 1995, mostrava que os alunos da 8ª série do 1° grau do Sudeste sabiam mais que os alunos da 3ª série do 2° grau de estados como Maranhão, Piauí, Acre e Ceará. Mas, o Governo Federal resolveu esperar o término das eleições para divulgar os números para não prejudicar a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Fato que demonstra mais uma vez o descompromisso com a educação e o compromisso com a politicagem barata.

De fevereiro a março de 1998 uma greve dos professores, principalmente universitários, que atingiu estados como São Paulo, Minas Gerais, Pará e Santa Catarina, levou os estudantes secundaristas novamente às ruas para protestar. Em São Paulo cerca de 1.500 estudantes foram às ruas para protestar contra a política educacional do governo de Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas. No Rio de Janeiro uma passeata no dia 1° de abril acabou em tumulto. E a polícia aproveitou, mais uma vez, para dar pancadas nos estudantes. Os manifestantes elegeram o Dia da Mentira para protestar contra o Governo Federal e exigir melhoria para os salários dos professores. Em Curitiba também houve ato e paralisações, no entanto, sem grandes transtornos.

A UBES foi atuante no protesto contra o provão do ensino médio mostrando, de forma bem humorada, através de um questionário respondido pelos alunos nos locais em que a prova foi aplicada, seu repúdio pela forma escolhida para avaliar o ensino – que deixa de lado questões fundamentais como a estrutura necessária para o desenvolvimento de um ensino de qualidade.

Com o movimento “Se Liga 16!” esteve junto com a UNE, as UEEs de cada estado e o Tribunal Superior Eleitoral, recrutando jovens e explicando a importância do voto. O trabalho que havia começado em 1992, com um sucesso surpreendente, foi retomado em 1998. Artistas jovens como Java Mayan, Thierry Figueira, Hugo Gross, Nívea Stelmann e Leandra Leal participaram ativamente da campanha para conscientizar os estudantes de um direito que pode mudar os rumos políticos do país. E a UBES estava lá mais uma vez.

Não podíamos esquecer de falar do estado do Ceará, onde um confronto entre estudantes e policiais em Fortaleza acabou ferindo nove secundaristas. A briga lá era pelo direito à meia-passagem.
Presente em todos os estados brasileiros, a entidade está organizada em vice-presidências regionais para facilitar o contato com os estudantes. A atual gestão tem investido no fortalecimento do movimento estudantil e, para viabilizar esse projeto, tem estado em contato com muitos secretários estaduais de educação, visando uma maior integração entre estudantes e o poder público. O resultado não poderia ser mais satisfatório já que a UBES tem conseguido assegurar a participação dos estados em muitos dos seus projetos. Um bom exemplo disso foi o acordo firmado entre a entidade e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) com o apoio da UNICEF e da UNESCO, durante o Seminário Internacional sobre Gestão Educacional, que aconteceu em agosto último. O acordo assinado no Rio de Janeiro prevê a cooperação para o desenvolvimento da Campanha da Paz. Entre as metas da parceria a criação do Dia Nacional de Trabalho Pela Paz e a criação de um Fórum de Debate na Internet (ubes.org.br) que pretende mobilizar os 40 milhões de estudantes secundaristas brasileiros através de palestras, debates e manifestações culturais.

Entre as vitórias conquistadas pela atual gestão da UBES está a reorganização da Associação Baiana de Ensino Secundarista, que estava fechada desde os tempos da ditadura. O trabalho na capital baiana visa fortalecer o movimento estudantil no estado e a organização na luta pelo ensino de qualidade. Foi realizado, ainda, um Congresso que reuniu aproximadamente mil pessoas e onde estiveram presentes diversas lideranças políticas como o ex-governador da Bahia João Durval, Pedro Stédille, Waldir Pires, além de expressivos nomes da política estudantil, assim como os diretores nacionais da UBES.

Nesse final de século a luta também não tem sido fácil. Entre as brigas por mais verbas para a educação, há a reforma inconsequente do Governo Federal para o segundo grau, o provão do ensino médio, a luta pela valorização do professor, crise econômica, escolas particulares querendo processar pais endividados – são os tempos em que dívidas na escola poderão parar no SPC… Enfim é como dizia Cazuza:

"O tempo não pára. Não pára não.
Eu vejo o futuro repetir o passado.
Eu vejo um museu de grandes novidades.
O tempo não pára".

* Juana Nunes é presidenta da UBES e Milla Tenenblat é jornalista.

Lugar de criança é na escola

De acordo com o IBGE em 1997, aproximadamente 2,7 milhões de crianças entre 7 e 14 anos estão fora das escolas. O Censo escolar diz que são 1,8 milhão. A revista Conjuntura Econômica publicou um artigo em fevereiro de Ib Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, afirmando que 3,1 milhões estão fora das salas-de-aula. Ainda segundo esse artigo a evasão pode chegar até o final do ano a seis milhões. Apesar da confusão dos números, a realidade está presente nas ruas das cidades do país. Muitas crianças perambulam na mendicância, deixando para a infância um rastro irreversível de pobreza e falta de oportunidade profissional. Esses serão os jovens do futuro. Que futuro?

A UBES está nas ruas também por isso. Para que os estudantes estejam na escola e que ali se dê nossa revolução social. Só dentro das salas-de-aula será possível mudar o ensino de 1º e 2° graus, e também o universitário. Educação é um todo, e a UBES, consciente disso, está presente em todas as lutas por um ensino melhor, por um país melhor.

FUNDEF corta verbas da educação dos estados

Uma das questões prioritárias para a UBES, em 1998, tem sido a discussão em torno do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF). Em debates com os secretários de educação estaduais e municipais de todo país, a UBES tem tentado “destrinchar” esse complexo dispositivo do governo federal, que desde sua criação em 1996 tem criado mais polêmica do que soluções práticas. A questão da educação no Brasil hoje passa essencialmente pela questão do financiamento. Para compensar as perdas é causadas pelo FUNDEF alguns governos a estaduais optaram pelo aumento das alíquotas do ICMS para compensar parte da receita, já que uma parcela do FUNDEF provém de 15% da arrecadação do ICMS. A perda de arrecadação decorrente da implantação do FUNDEF, em janeiro de 1998, atingiu estados como Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Minas Gerais e Espírito Santo. O governo federal, no entanto, alega que a criação do Fundo servirá para a melhoria dos salários dos professores do 1° grau, já que 60% dos recursos devem ser utilizados para aumentar a remuneração do professor.

De acordo com a lei, nos dez primeiros anos de vigência, 60% dos recursos deverão ser utilizados para o desenvolvimento do ensino fundamental. A lei garante que o governo federal deve complementar os recursos sempre que o valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente, valor este estipulado pelo presidente da República, só que, ao adotar essa medida, a variação de receitas também pode ser reduzida. Neste ano os estados e municípios acabaram tendo de arcar com a responsabilidade pela manutenção do ensino público.

A demora do governo para determinar o valor mínimo por aluno acaba desarticulando a política educacional de estados e municípios. O número de alunos matriculados no ensino básico determina os recursos do fundo que serão repassados a estados e municípios. O número de alunos é, assim, o único critério na repartição dos recursos oriundos do Fundo. Essa resolução causa uma perda maior para os estados que têm uma rede de ensino de 1º grau (que abrange principalmente o âmbito municipal) reduzida. A receita total do Fundo é dividida pelo número de alunos matriculados no ensino básico através de informações obtidas no censo educacional e pelo número de novas matrículas. Esse custo mínimo é determinado pelo Ministério da Fazenda, e não pelo da Educação. De 1997 para 1998 houve um aumento de apenas 2,3%. Ou seja, em 1998 o aluno custa R$ 315,00 por ano. Mas o acréscimo de matrículas (1.198.569 alunos) significaria um aumento de 4%, e um valor mínimo por aluno de R$ 429,00. O Projeto Toda Criança na Escola divulgou que foram feitas um milhão e meio de matrículas este ano. Mas um dado serve para questionar o valor estipulado pelo governo, que inviabiliza o investimento em melhores condições educacionais: um presidiário custa por mês em média R$ 300,00, praticamente o mesmo montante custa um aluno por ano.

EDIÇÃO 51, NOV/DEZ/JAN, 1998-1999, PÁGINAS 78, 79, 80, 81