“Sou contra o FMI mandar no Brasil” – “Wall Street gosta dos juros altos para os seus especuladores, mas isto é bom para a economia brasileira? Isso cria empregos no Brasil?” Tais afirmações não são de nenhum esquerdista mas do economista norte-americano Jeffrey Sachs, da Universidade de Harvard (1). Elas evidenciam como se generalizou a avaliação do caráter de completa submissão da política econômica brasileira aos interesses dos banqueiros, particularmente dos banqueiros internacionais.

Esta política irresponsável foi criando uma vulnerabilidade crescente em nossa economia. Face à crise do México as autoridades federais diziam que a realidade do Brasil era outra, que aqui era diferente e que nossa economia era estável.

A oposição progressista sempre criticou a vulnerabilidade do Plano Real alertando para o fato de que caminhávamos para sermos a “bola da vez” da especulação internacional.

Diante das críticas da oposição o governo sempre respondia afirmando que a economia brasileira era sólida. Quando veio a crise da Rússia o governo disse que a crise existia, mas era internacional.
Todavia a crise repercutiu fortemente sobre o Brasil. Para tentar conter suas consequências o governo decidiu aumentar as taxas básicas de juros de 19% para 29%. Era o caminho para aprofundar a recessão. Por outro lado o governo estabeleceu um Pacote Fiscal com a meta mínima de redução de despesas em torno de R$ 10,4 bilhões em 1998, sendo que R$ 5,4 bilhões em investimentos e R$ 5 bilhões em atividades. Porém nenhuma medida foi tomada no sentido de alterar as questões estruturais da vulnerabilidade de nossa economia.

O governo não queria reconhecer a gravidade da crise e sua responsabilidade. Durante as eleições escondeu a crise. Evitou debater o problema com o objetivo de enganar o povo. Recentemente o diretor geral do FMI afirmou que “os brasileiros estão pagando um preço elevado por suas tergiversações econômicas durante o período eleitoral e pós eleitoral”. Até um representante dos banqueiros internacionais vem a público denunciar a manipulação eleitoral feita por Fernando Henrique. Os fatos são tão evidentes e sua subserviência tamanha que o presidente sequer se defendeu da acusação.

Após as eleições, com a crise dos países asiáticos, a repercussão sobre o País foi violenta. Novas e mais radicais medidas foram adotadas pelo governo. As taxas de juros formam elevadas para 41%. Mais do que nunca o Brasil passou a ser o paraíso da especulação financeira.

Novo Pacote Fiscal é editado com vista a uma economia de R$ 28 bilhões, sendo que R$ 12,2 bilhões viriam de cortes de gastos do governo e das reformas e R$ 15,8 bilhões viriam do aumento de receita.
Nesse quadro é fechado novo acordo com o FMI e este se compromete a intermediar uma ajuda de US$ 41,5 bilhões de dólares que terão como objetivo garantir débitos internacionais em torno de US$ 60 bilhões que o Brasil terá de saldar.

Todavia, para não prejudicar os especuladores internacionais e não revelar a gravidade da crise o governo procurou manter a situação insustentável de sobrevalorização do real.
Diante da gravidade da crise e da vulnerabilidade da economia brasileira os capitais especulativos começaram a sair em debandada. Num prazo de 5 meses o País perdeu em torno de US$ 40 bilhões de reservas.

Na tentativa de conter a evasão de divisas o Brasil adota uma taxa de câmbio flutuante e o dólar dispara. Vários bancos ganham rios de dinheiro com esta manobra.
O desmonte da chamada âncora cambial com a flutuação do dólar levou os banqueiros internacionais e o FMI a exigirem a elaboração de um novo acordo, com a adoção de condicionalidades mais rigorosas.

O acordo com o Fundo Monetário Internacional

Com o fato inédito da presença aberta de funcionários do Departamento do Tesouro Norte-Americano nas negociações, foi finalmente anunciado o novo acordo com o FMI pelo ministro da Fazenda e por Stanley Fischer, o “número 2” do FMI e representante norte-americano naquele organismo.
Trata-se do acordo mais radical imposto ao Brasil. Seu objetivo fundamental é assegurar as condições para o pagamento dos compromissos internacionais, para isto submetendo o País a uma profunda recessão, ao desemprego e à completa subordinação de sua política econômica aos interesses dos banqueiros internacionais.

O FMI se transformou em um governo paralelo no Brasil. As políticas postas em prática por FHC são receitas elaboradas pelo Fundo, expressando os interesses dos banqueiros internacionais

O professor de economia canadense Michel Chossudovsky falando da orientação imposta pelo FMI aos países endividados afirma que “o mesmo cardápio de austeridade orçamentária, desvalorização, liberalização do comércio e privatização é aplicado simultaneamente em mais de cem países devedores. Estes perdem a soberania econômica e o controle sobre a política monetária e fiscal; seu Banco Central e Ministério da Fazenda são reorganizados (frequentemente com a cumplicidade das burocracias locais); suas instituições são anuladas e é instituída uma “tutela econômica”. Um “governo paralelo” que passa por cima da sociedade civil é estabelecido pelas instituições financeiras internacionais. Os países que não aceitam as “metas de desempenho” do FMI são “colocados na lista negra”. O professor canadense também afirma “por que países soberanos acabaram ficando sob a tutela das instituições financeiras internacionais? Porque estavam endividados, o que deu às instituições de Bretton-Woods o poder de obrigá-los por meio das chamadas “condicionalidades” anexas aos acordos de empréstimo, a redirecionar “apropriadamente” suas políticas macroeconômicas de acordo com os interesses dos credores oficiais e comerciais” (2).

O acordo firmado recentemente com o FMI segue literalmente estas orientações. Está longe de ser uma decisão soberana do governo brasileiro em função de nossas necessidades. É uma imposição do FMI atendendo aos interesses dos credores internacionais.

O referido acordo intitulado Memorando de Política Econômica projeta para 1999 um crescimento negativo do PIB de 3,5% a 4%. É a consequência natural da política de juros altos e de restrição da demanda interna para gerar excedentes exportáveis e assegurar o pagamento da dívida. Esta recessão levará ao aprofundamento do desemprego e a uma maior desorganização da nossa economia.
O fim da chamada âncora cambial com a flutuação do valor do dólar colocou a necessidade da criação de uma nova âncora para a política econômica como forma de conter o crescimento da inflação. Segundo o acordo esta nova âncora deverá ser “a política monetária, combinada com o fortalecimento do ajuste fiscal e uma firme política salarial para o setor público” (3).

A linguagem rebuscada do texto do acordo tem por objetivo tentar enganar a opinião pública sobre a gravidade das medidas impostas. Quando se fala que a nova âncora deve ser a política monetária, o fortalecimento do ajuste fiscal e uma firme política salarial do setor público, na verdade o acordo está afirmando a continuidade da política de altos juros, a necessidade de maiores cortes orçamentários e de uma política de arrocho salarial para o setor público.

O texto do acordo fala da volta de uma inflação em torno de 10% na primeira metade do ano. Porém não admite qualquer medida que vise a correção salarial. Fica evidente que os trabalhadores deverão pagar pelo “reajuste da economia” garantindo a lucratividade dos especuladores internacionais.

A meta do superávit primário do Setor Público deverá passar de 2,6% para 3,5% do PIB em 1999, representando um acréscimo de 8 bilhões de reais de cortes orçamentários. Como já foi dito anteriormente o déficit primário não inclui as despesas com juros e amortizações. O texto prevê medidas para melhorar o superávit primário destacando-se dentre elas o aumento dos preços domésticos de energia e outras tarifas públicas, aumento do IOF sobre empréstimos, aumento da contribuição dos militares à seguridade social e redução dos gastos orçamentários federais com salários.

Nestes três primeiros meses houve um superávit primário da ordem de 5,1 bilhões de reais. Porém houve um déficit nominal (incluindo os juros e amortizações) de 64 bilhões de reais. Fica evidente mais uma vez que a questão essencial do déficit público não são os gastos governamentais, mas sim os gastos com juros e amortizações da dívida. Ao insistir no corte das despesas públicas esta carta de intenções impõe maiores sacrifícios ao povo, agravando nossos problemas.
O objetivo do estrangulamento do setor público da economia fica evidenciado com a meta de superávit prevista no acordo para as empresas do setor público, através de cortes nos investimentos das empresas estatais.

O Memorando afirma que “os acordos de reestruturação de dívida entre o governo Federal e os estados determinam que estes últimos devam gerar superávits para servir a dívida restruturada”. Aqui reside um dos problemas essenciais surgidos com os governadores dos estados, em particular com o governador de Minas Gerais, Itamar Franco. Ocorre que o governador de Minas não aceita o corte de despesas públicas fundamentais como o pagamento de professores ou a alimentação para os detentos para assegurar o pagamento de dívidas. Tal atitude é inteiramente correta e expressa os interesses do povo mineiro.

Esta é a questão essencial que está colocada para o povo brasileiro. O governo argumenta que necessita saldar dívidas com os credores internacionais para assegurar a confiabilidade dos banqueiros. Por acaso o governo não tem dívidas e compromissos com o nosso povo?
O presidente Fernando Henrique Cardoso está de tal forma envolvido com o projeto neoliberal, com os interesses do grande capital, que perdeu toda a sensibilidade para o fato óbvio de que a ótica, o ponto de partida de qualquer política de governo, é o do interesse de seu povo e de seu país. Por isto o centro de qualquer projeto deve estar na geração de riquezas para o país, na melhoria de vida de seu povo e não na geração de dólares para saldar compromissos com especuladores internacionais.

A diretriz do FMI da liberalização financeira é seguida à risca na Carta de Intenções, não somente através da privatização dos bancos públicos mas também através da ampliação do capital estrangeiro em nosso sistema bancário. Assim diz o texto “o governo exercerá com determinação a sua política, já em curso, de conceder maior eficiência e reduzir, ao longo do tempo, o papel dos bancos públicos na economia".

Dentre as condicionalidades impostas pelo FMI as chamadas reformas estruturais jogam um papel decisivo. Visam criar condições legais para o enquadramento do País dentro dos parâmetros econômicos do Consenso de Washington e do FMI.

O texto do acordo diz que “o governo brasileiro reafirma o seu compromisso” com os termos do acordo anterior que “forneceu uma visão abrangente da agenda de reformas estruturais do Governo no curto e médio prazos”, prestando assim contas, ao FMI, do que já foi feito.
As reformas iniciais colocadas em prática pelo governo se relacionaram com a Ordem Econômica. Em seguida vieram as reformas previdenciária e administrativa.

O texto do acordo fala da importância da reforma tributária e da introdução de um novo IVA (Imposto de Valor Agregado), um imposto indireto sobre o consumo. A reforma tributária de fato é importante, porém para combater a evasão fiscal, para reduzir os impostos sobre o povo e os pequenos produtores e aumentar os impostos sobre os grandes grupos econômicos e a especulação financeira. Todavia a reforma tributária defendida pelos neoliberais e adotada pelo governo visa exatamente o inverso: a redução da carga de impostos sobre o capital e sua ampliação sobre o trabalho. Daí a redução dos impostos diretos e a ampliação dos impostos indiretos através do imposto sobre o consumo, que atinge a todos indistintamente.

Uma reforma política para restringir a democracia é uma conseqüência necessária do projeto neoliberal. Só é possível aplicar esta orientação com a restrição da liberdade política. Com a limitação da liberdade de organização partidária. Por isso o próprio presidente procura colocar esta reforma na pauta do Congresso.

Quanto ao argumento de que o país não tem recursos, os fatos demonstram o contrário: somente de juros o Brasil vai pagar 130 bilhões de reais este ano

Outra questão-chave presente na Carta de Intenções é a disposição do governo de “acelerar e ampliar o escopo do programa de privatização”. O texto fala do desejo do governo de completar a privatização das companhias federais geradoras de energia e iniciar no próximo ano a privatização das redes de transmissão de energia. Fala da venda de ações de empresas já privatizadas como a Light, a CRVD, além da venda de ações da Petrobras.

O texto fala, também, de “estudos” sobre o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, BNB e Basa. Na verdade o objetivo é a privatização de todas estas instituições. Aliás dirigentes do FMI e banqueiros reclamam a imediata privatização da Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa Econômica
Federal.

Michel Camdessus, diretor-gerente do FMI, anunciou, lá fora, que o Brasil vai privatizar o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, indicando a existência de “acordos secretos” do governo com o FMI, pois o presidente Fernando Henrique havia negado tal propósito (4).
Quanto à Petrobras os órgãos de divulgação informam sobre a decisão do governo em vender partes da empresa. O objetivo imediato é a venda de refinarias da Petrobras, abrindo caminho para a privatização de toda empresa.

A experiência recente tem demostrado o resultado das privatizações. Além das vendas das empresas retirarem valiosos instrumentos de política econômica das mãos do Estado, representam um grave prejuízo pois estão sendo vendidas a preço vil. Por outro lado as conseqüências sociais desta política irresponsável estão ficando cada vez mais visíveis como no caso da Light do Rio de Janeiro e da Telefônica de São Paulo. Como o objetivo principal das empresas privatizadas é o lucro, a redução de gastos para atingir este objetivo termina por debilitar o nível dos serviços prestados.

FMI e banqueiros X interesse nacional

A Carta de Intenções assinada com o FMI faz concessões extremamente danosas ao nosso futuro enquanto Nação. O texto diz que a eliminação de mercados cambiais distintos “abre caminho para uma próxima aceitação pelo Brasil das obrigações contidas no artigo VIII, seções 2, 3 e 4 da Carta constitutiva do FMI”.

Tais dispositivos implicam a “não imposição – sem a aprovação do Fundo – de restrições aos pagamentos e às remessas relacionadas com exportação e importação de bens e serviços, juros, lucros e dividendos e royalties”. A proibição de tais restrições agrava as desvantagens do produtor nacional sujeito a juros altos e prazos curtos. Implica, também, em não manter “regimes monetários discriminatórios” ou “práticas monetárias múltiplas” exceto com a concordância do FMI. Segundo o economista Lecio Morais da Liderança do PCdoB, “dentro dessa proibição poderá caber a centralização do câmbio, adoção de regimes especiais de câmbio com determinados países como os do Mercosul e a existência de câmbios separados com taxas diferenciadas para o comercial, financeiro e de turismo”. Na verdade significa o país abdicar de uma política monetária e cambial própria, submetendo sua política econômica aos interesses dos banqueiros internacionais.

Tais compromissos asseguram o “livre fluxo de capitais”, ou seja o Brasil se vê impedido de tomar medidas em defesa de sua economia impedindo, por exemplo, a evasão de divisas através da centralização do câmbio.

O livre fluxo de mercadorias é assegurado no texto quando se afirma que “o governo mantém seu compromisso com a política de liberalização comercial”. O resultado desta política é a abertura indiscriminada para a importação de produtos estrangeiros com graves prejuízos para a economia nacional. Enquanto os países desenvolvidos tomam medidas de proteção de suas economias levantando barreiras para as importações de produtos estrangeiros, o Brasil abre de forma indiscriminada suas fronteiras econômicas.

Mas o FMI quer mais do que isto. Quer um Banco Central sob seu comando. Por isso o texto fala de um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional “com vistas a fortalecer a independência operacional do Banco Central”. Esta independência em relação ao governo significará a dependência total em relação às regras e determinações do sistema financeiro internacional, através do FMI.
Ao analisar a questão dos Bancos Centrais Michel Chossudovsky afirma “a chamada 'independência do Banco Central em relação ao poder político' é exigida por ele 'como remédio contra a propensão inflacionária dos governos'. Na prática isto significa que o FMI e não o governo controla a emissão da moeda”. Ou seja, nestas condições o FMI, em nome dos credores, “fica na posição de virtualmente paralisar o financiamento do desenvolvimento econômico real”.

Outro dispositivo absurdo e atentatório à nossa soberania era o de que as reservas brasileiras ficariam sob o controle do Banco Central norte-americano quando atingissem 20 bilhões de dólares. É importante lembrarmos que o acordo do FMI com o México impôs a este país que o controle da conta de petróleo passasse a ser feita pelo Banco Central dos Estados Unidos.

A formulação explícita sobre o controle de nossas divisas terminou por não ser colocada pelas possíveis repercussões políticas. Porém no dizer da economista Tânia Bacelar “permanece implícita no montante disponível para a intervenção no mercado e na trajetória projetada para as reservas líquidas em julho que continua sendo de 20 bilhões de dólares”.

O professor José Luiz Fiori, analisando o acordo com o FMI afirma que “como garantia pelo empréstimo internacional que lhe concederam o governo ofereceu uma transferência de "capacidade de decisão", o que transforma o Brasil na primeira cobaia internacional de um experimento que combina, num "mercado emergente", a aceitação contratual e compulsiva das regras e prescrições do Acordo Multilateral de Investimentos (o AMI que ainda não foi assinado pelos países desenvolvidos) com as regras já aceitas pelo Brasil da Organização Mundial do Comércio e mais uma fórmula nova e não constitucionalizada de dolarização da economia. Com isto o governo proíbe-se, automaticamente, o uso de qualquer tipo de controle do movimento dos capitais, investimentos e remessas de lucros e dividendos e, obviamente, de qualquer tipo de política industrial e comercial. Compromete-se, além disso, com a automática elevação da taxa interna de juros em caso de perda de reservas, delegando ao FMI o controle 'informal' e mensal de sua política monetária e trimestral de sua política fiscal” (5).

Mais um passo para a completa submissão de nossa política econômica está sendo arquitetado através da adoção do chamado currency board. Trata-se de um sistema colonial adotado pelos ingleses em seus domínios, no século passado, e atualmente é praticado nas praças financeiras internacionais como Cingapura, Hong Kong e adotado pela Argentina desde 1991. Segundo Celso Furtado este sistema é o da dolarização da economia, ou seja da livre conversão da moeda local em dólar e isto implica que se “deve compartilhar com o sistema financeiro internacional o governo do país”.

O FMI quer um escritório permanente no Banco Central para melhor monitorar nossas empresas

A Carta do IBRE (Instituto Brasileiro de Economia) afirma que com o currency board o Banco Central “perde o poder de emissão discricionária de moeda” afirmando ainda que “sua sustentação depende de estreita harmonização entre as políticas econômicas nacionais e as externas (particularmente, a do país detentor da moeda – âncora)”. A “estreita harmonização” é, na realidade, a total dependência de nossa economia à economia norte-americana. A adoção deste sistema representa a completa abdicação da formulação de uma política econômica própria.

Para não deixar dúvidas sobre sua pretensão de controlar a economia do país o FMI colocou como exigência o funcionamento de um escritório permanente desta instituição dentro do próprio Banco Central.

Por tudo isto vai ficando cada vez mais claro que o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso é um governo de traição nacional. E por isso a luta em defesa da soberania nacional ganha corpo.

A globalização financeira e a soberania nacional

O aspecto mais importante da chamada globalização é a globalização financeira. Ela decorreu, no dizer do professor Luís Fernandes, menos do desenvolvimento tecnológico e mais de uma decisão política de “estados-chaves do sistema internacional – com destaque absoluto para os Estados Unidos – em forçar a liberalização e desregulação do sistema financeiro internacional” (6).

E o centro desta questão se relaciona com o livre fluxo de capitais. Atualmente regras para a livre circulação dos capitais e das mercadorias são criadas e impostas a quase todos os países do mundo. Criam-se normas internacionais, evidentemente correspondendo aos interesses dos países mais desenvolvidos, que obrigam os demais a elas se submeterem.

O Acordo Multilateral de Investimentos (AMI), que ainda não foi aprovado pelos países desenvolvidos, pretende impor regras sobre a circulação de capitais e a garantia dos investimentos estrangeiros no exterior. E o FMI e o Banco Mundial são os instrumentos desta política do capital financeiro.

Irresponsabilidade Monetária

A mais nova e maior mentira oficial que está sendo divulgada para a sociedade brasileira atende pelo nome de Lei de Responsabilidade Fiscal. A grande imprensa tem se encarregado de repercutir os releases governamentais, consolidando as versões dos ministros da Fazenda, Pedro Malan, e do Orçamento e Gestão, Pedro Parente. Nada mais que uma edição completa e atualizada da lei de ajuste fiscal, justamente nos termos do memorando técnico com o Fundo Monetário Internacional.
O projeto prevê ainda a criminalização dos gestores públicos. O projeto determina que o aumento de despesas em seguridade social tem de ser compensado pelo corte em outros programas, ou pela instituição de novos impostos. Se o prefeito ou o governador não corta projeto para fazer essas compensações está incurso nos crimes previstos por essa lei. Em contrapartida, a ampliação das despesas com a dívida mobiliária não precisa ser compensada. O alvo do projeto é o controle sobre as despesas não financeiras para assegurar a geração de superávits primários, garantia de ganhos para o mercado financeiro. A lógica é conceder ao Poder Executivo a autorização legal para justificar cortes e mais cortes em todas as áreas sociais para o pagamento de dívidas.

A Lei de Responsabilidade Fiscal segue à risca a cartilha do FMI e promove uma absurda violência contra a soberania nacional, proibindo sumariamente que a União promova renegociações dos acordos das dívidas dos estados e municípios.

Sérgio Miranda, deputado federal do PCdoB/MG. O FMI se transformou em um governo paralelo no Brasil. As políticas colocadas em prática pelo governo federal de há muito não são políticas que expressam os interesses de nosso povo. São receitas elaboradas pelo FMI expressando os interesses dos banqueiros internacionais.

Dizer, como faz Fernando Henrique, que este é o caminho único, é falso. Ao se render a tais imposições o Brasil retorna à condição de semicolônia e passa a se orientar por interesses que não são os nossos. O caminho que interessa ao povo brasileiro exige uma decisão política que Fernando Henrique não tem condições de adotar. Por isto a maioria das forças políticas já concluiu que Basta de FMI, Basta de FHC.

O país necessita de um novo modelo de desenvolvimento. Necessita romper com o FMI e submeter o pagamento das dívidas externa e interna ao objetivo central da retomada do desenvolvimento. Por isto o país precisa definir qual o montante de recursos de que necessita para investir para, em função disto, estabelecer quanto e quando tem condições de pagar a dívida. É inaceitável continuarmos convivendo com uma situação em que o povo brasileiro trabalha para pagar juros aos banqueiros.

As diversas forças políticas em conjunto com o povo brasileiro necessitam construir uma alternativa política para o país que coloque o centro de gravidade na retomada do desenvolvimento, com a redução drástica das taxas de juros. Que formule uma política de estímulo à retomada do desenvolvimento industrial e agrícola com uma política creditícia orientada neste sentido. Uma política de geração de empregos e de aumento do poder aquisitivo da população com o objetivo de melhorar o padrão de vida do nosso povo e estimular o mercado interno. Defina uma política de reforma agrária ampla e massiva que dê terra e condições de produção ao trabalhador sem-terra e aos pequenos produtores rurais.
Política de desenvolvimento científico e tecnológico nacional com o fortalecimento das universidades públicas. Fortalecimento do Sistema Único de Saúde. Ampliação do processo de democratização do país com a democratização dos meios de comunicação e o acesso das entidades da sociedade civil aos órgãos de comunicação de massa. Democratização do processo eleitoral com o financiamento público de campanha e a mais ampla liberdade de organização e funcionamento partidários.
Os defensores do “caminho único” afirmam: esta alternativa não é possível. Isto irá nos isolar do sistema econômico mundial, o país não tem recursos para financiar tal alternativa; e outros argumentos de quem está submetido à lógica do capital financeiro internacional.

Quanto ao argumento de que o país não tem recursos, os fatos demonstram o contrário. Somente de juros teremos de pagar este ano 130 bilhões de reais. O problema é que os recursos que temos estão sendo destinados ao pagamento de uma dívida impagável, com juros usurários. O país deve decidir soberanamente que o pagamento da dívida está condicionado ao objetivo número um do país: a retomada do desenvolvimento.

Quanto ao argumento de que nos isolaremos a vida demonstra que o capital flui para onde as riquezas estão sendo geradas. Tanto assim que, através de um caminho totalmente diferente do que estão nos impondo, a China hoje é um dos países para onde fluem os maiores volumes de investimentos de capital estrangeiro. Só que se trata de capital produtivo e não do capital especulativo que é o que tem vindo para o Brasil.

Denunciar a falsidade do caminho único e mostrar a alternativa democrática e popular para o país é a tarefa do momento. Isto tem que ser feito nas universidades, sindicatos, entidades de classe e sobretudo através da mobilização do povo nas ruas.

As mais amplas forças sociais, econômicas e políticas se unem na crítica à política econômica do governo e exigem a alteração do modelo de desenvolvimento do País. Esta tem sido a posição de inúmeros partidos políticos entre os quais o PCdoB, PT, PDT e PSB. É a posição assumida por OAB, CNBB, CUT, UNE, CONTAG, MST e muitas outras entidades. A própria FIESP levantou a bandeira do crescimento econômico e da geração de empregos.

O país necessita da união de todos os brasileiros nesta luta. O instrumento desta mobilização é o Movimento em Defesa do Brasil e a forma de luta é o povo nas ruas exigindo a alteração dos rumos do Brasil.

* Advogado e membro da Comissão Política da Direção Nacional do PCdoB.
Notas
(1) Folha de S. Paulo, 07-03-1999.
(2) CHOSSUDOVSKY, Michel. A globalização da pobreza, Moderna, 1999.
(3) Memorando de política econômica – Carta de Intenções do governo brasileiro com o FMI, março de 1999.
(4) Folha de S. Paulo, artigo de Aloysio Biondy, 20-03-1999.
(5) FIORI, José Luiz. “A Ilusão do Desenvolvimento”, artigo especial para Folha de S. Paulo.
(6) FERNANDES, Luís. “A crise do novo endividamento e a velha dependência”, Revista Princípios, dezembro de 1998.

EDIÇÃO 53, MAI/JUN/JUL, 1999, PÁGINAS 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22