Joaquim Nabuco não foi somente o importante líder abolicionista mas também um escritor de muitos méritos, que usou seu talento como instrumento de luta nas campanhas em que se envolveu. Uma excelente amostra de seu pensamento consta da coletânea Joaquim Nabuco, organizada e introduzida por Paula Beiguelman, que, atendendo à solicitação de Princípios, fez esta apresentação.

A vida pública de Joaquim Nabuco se inicia em 1878 com sua eleição a deputado pelo Partido Liberal. No ano seguinte, os deputados abolicionistas se confrontam com as tentativas da Escravidão para aprofundar seus recursos de repressão. O resultado é o desencadeamento do movimento abolicionista parlamentar, que logo se propaga à imprensa e à opinião em geral. Dessa primeira participação efetiva do abolicionismo na prática, decorre uma definição com respeito à conduta política dos seus adeptos, enquanto integrantes das fileiras de um ou outro dos partidos imperiais que se revezavam no poder. Assim os abolicionistas estabeleceram o princípio de uma lealdade exclusiva à sua causa, embora em prejuízo dos interesses circunstanciais de seu partido. Ou seja, o fato de Sinimbu, chefe do gabinete, ser liberal, não impedia os abolicionistas liberais como Nabuco, de combatê-lo.

O ministério seguinte, que assume em 1880 presidido por Saraiva, já encontra a campanha abolicionista em curso. À revelia do gabinete, que deseja evitar o tratamento parlamentar da questão escrava, Nabuco se empenha em apresentar um projeto marcando um prazo para a emancipação geral. A Câmara chega a votar a urgência requerida, mas o governo transforma o debate da proposta em questão de gabinete, frustrando-a por falta de quorum. Como os abolicionistas já contavam com ampla receptividade em praticamente toda a imprensa do Rio, o incidente adquire intensa repercussão nacional, transformando Joaquim Nabuco, na frase de Patrocínio, no “maior vulto do país político”. Nesse mesmo ano de 1880, complementando a intensificação da propaganda, era fundada, no dia 7 de setembro, a Sociedade Brasileira contra a Escravidão.

A eleição de 1881, proposta por um gabinete que os abolicionistas haviam combatido, marca uma conjuntura negativa. A agitação promovida pelos ativistas e tribunos populares prosseguia, mas no âmbito propriamente político a luta sofrera um revés. É nesse contexto que Joaquim Nabuco, derrotado nas urnas e reconhecendo não ser o momento dos políticos mas “dos homens de ação” que “podiam tornar a abolição um fato consumado no país antes de o ser na lei”, aceita o lugar de correspondente do Jornal do Comércio em Londres. De lá continua mantendo-se em íntimo contato com os companheiros, ao mesmo tempo que prossegue alertando a opinião dos vários centros europeus e buscando apoio internacional.

Esse é também um período de intenso estudo e trabalho, principalmente em pesquisas no rico acervo do Museu Britânico. O prefácio de O abolicionismo, datado de Londres, é de 8 de abril de 1883. Aqui no Brasil, André Rebouças registrava no seu Diário, em 30 de outubro do mesmo ano: “Termino a leitura e anotação do livro de Nabuco – O abolicionismo”. Consciente da importância da teoria para nortear a ação revolucionária que o movimento se propunha, Nabuco se referirá a essa obra como “o serviço maior que pessoalmente prestava à propaganda”.

Com efeito Joaquim Nabuco, diversamente de outros críticos, não se limita a catalogar as mazelas nacionais, ou a apresentar soluções no plano organizatório institucional mais imediato, mas propõe-se a construir a problemática brasileira em torno de um eixo fundamental. É em Nabuco, portanto, que uma moderna e consistente reflexão crítica brasileira deve buscar seu patrono histórico.
A libertação do Ceará em 1884 abre uma nova etapa política que determina o imediato e apoteótico regresso do líder ao Brasil. Rebouças registra em 17 de maio: “Chega de Londres, no Tamar, o amigo Nabuco, em extrema debilidade nervosa (despepsia por excesso de trabalho)”.

A fase que se inicia com a chamada do gabinete de Dantas ao poder e culmina com a eleição para a Câmara, é o ponto alto da campanha abolicionista. Na euforia que decorre de perceber-se o movimento em termos de uma “minoria que conta com o futuro e se sente crescer rapidamente”, a eloquência de Joaquim Nabuco alcança os seus momentos mais inspirados. Ante a receptividade revolucionária estimulada pelo entusiasmo coletivo, o líder, desenvolvendo uma ação pedagógica nos seus discursos e conferências, procurará conquistar para a teoria abolicionista a opinião criada pela propaganda dos tribunos populares. Aliando a situação dos escravos à dos dominados livres e progredindo para a denúncia do caráter negativo do sistema mesmo para os seus aparentes beneficiários, desvenda ao povo as tarefas mais amplas do abolicionismo, para além do horizonte da emancipação stricto sensu. O movimento, que arrogava um mandato da raça negra, passa a assumir a representação da sociedade total.

Assim, portanto, dessa conjugação de teoria e práxis resultou a produção intelectual do período abolicionista, da qual selecionamos para a coletânea Joaquim Nabuco fragmentos de escritos e discursos que procuramos ordenar de forma a comunicar ao leitor a unidade que liga o conjunto diversificado se suas peças. Esses textos revelam a coerência interna de um raciocínio que, dando expressão à perspectiva política imputável ao escravo, submete a sociedade a uma crítica global, desvendando-lhe os fundamentos e captando-lhe o devir. Não se elabora apenas uma proposta de ação visando a superar a ordem vigente, mas se busca nortear a própria ação, definindo a dinâmica de constelação de forças no desenrolar das situações concretas.

O abolicionismo, tal como formulado por Nabuco, aspirava não apenas à eliminação do estatuto jurídico do escravo, mas a supressão do próprio sistema baseado na economia tropical em que a escravidão se inseria, sistema esse capaz de sobreviver a ela. Daí a decepção dolorosa quando o movimento se dispersa no dia seguinte ao do trinfo em 1888: o ciclo revolucionário que fecundara sua reflexão se encerrava.

Perplexo, Nabuco procura “refazer seu cérebro” privilegiado, agarrando-se com afinco a novas e várias atividades no campo intelectual. Foi assim que nos legou Um estadista do Império, fruto de um trabalho iniciado em 1893, e ainda em fase de conclusão em 1897. Trata-se de obra fundamental na historiografia do Império, principalmente no que concerne ao estudo do Segundo Reinado, até os anos 70 do século XIX. Transcendendo os limites da biografia de seu pai (Nabuco de Araújo) o ensaísta procura deslindar, no emaranhado de eventos, o fio condutor para a construção de uma sequência histórica, traçada a partir de fatos estabelecidos com rigor, sensibilidade e empatia. Um estadista do Império é uma obra que, pela riqueza de informações para o esclarecimento de questões relevantes, se presta a uma “leitura aberta” em vários níveis e de ângulos diversos, dependendo da “pergunta” específica proposta pelos leitores. Daí o caráter simplesmente “ilustrativo” no caso de uma escolha de textos pertencentes a uma obra desse tipo.

Em suma, o foco de interesse intelectual se alterava: o intenso labor de pesquisa, realizada com exemplar scholarship, como que se desvinculava da problemática anterior. Ou seja, Um estadista do Império é novo e diferente com respeito a O abolicionismo; as obras não guardam o vínculo e a relação que existem, por exemplo, entre o Manifesto e O Capital…

Na coletânea que organizamos, a seleção dos textos procurou obedecer ao grau de importância da respectiva temática para o próprio autor, privilegiando, portanto, a etapa abolicionista.
Por fim, acrescentemos que a leitura de Nabuco abolicionista continua sempre estimulante, principalmente na atual conjuntura em que é necessário resistir às tentativas de enquadramento subordinado do país ao sistema internacional em crise e à investida contra os direitos sociais dos trabalhadores.