O POVO CHINÊS tem uma longa e dolorosa experiência de agressões imperialistas, que retalharam seu território, impuseram-lhe pesados sacrifícios, e só foram contidas após a vitória da revolução, em 1949.

Seu repúdio contra o bombardeamento de sua embaixada, em Belgrado, a morte de três compatriotas e o ferimento de outros 20, revela essa lição histórica. Ele foi imediato e preciso, voltando-se contra a embaixada dos EUA em Pequim, reeditando cenas ancestrais de revolta e rebelião contra agressores estrangeiros.

A desculpa da Otan e dos EUA, de que aquele foi um erro trágico, é difícil de se aceitar ante sua sofisticada máquina de guerra e espionagem. Mais plausível é a acusação das autoridades chinesas de que a ação foi proposital, uma demonstração de força do imperialismo.
Teria sido a sinalização de uma virada histórica, reiterando que, agora, desde o fim da URSS, só há uma superpotência mundial, os EUA, secundada pela Alemanha e pelo Japão, cujo domínio não aceita contestações ou caminhos alternativos. E que tem, na guerra, um poderoso mercado para suas economias e indústrias.

É uma virada histórica para o passado; como no período anterior à Revolução Russa de 1917 e à formação de um bloco de poder alternativo no mundo, o imperialismo retorna – modernizando-a – à política das canhoneiras que arrasou cidades e nações insubmissas, numa arrogante, irresponsável e perigosa visita da Otan e dos EUA às fronteiras de uma nova guerra mundial.
Enquanto o governo e o povo chinês resistem ao imperialismo e os iugoslavos são agredidos, FHC vai aos EUA, ao encontro do líder da nação agressora, o presidente Bill Clinton.

Lá, anuncia que o pior já passou. Pior para quem? Para os banqueiros internacionais, ou para o povo brasileiro? Ele vem repetindo esse refrão: a confiança externa voltou e, agora, o governo vai voltar-se ao desenvolvimento e à criação de empregos. O otimismo voltou, anuncia-se. O real foi salvo, a catástrofe não ocorreu, e o país estaria ingressando – para usar uma imagem poética criada por Goethe – num “mar calmo” e numa “viagem próspera”.

Mas o mundo real é menos poético, e mais mercenário. A face verdadeira do otimismo de fachada dos marqueteiros do governo e de FHC é escamoteada para a opinião pública, revela-se nos excelentes negócios que os novos arranjos financeiros do governo oferece ao grande capital.

A queda do valor do real foi uma verdadeira bênção para os bancos. A grande burguesia industrial e a agricultura de exportação também tiveram ganhos enormes, antes mesmo do anúncio pelo BNDES, no final de abril, do refinamento da dívida externa em dólares de empresas estatais e privadas brasileiras. Isto é, o governo, que é um antiestatista radical nas questões que dizem respeito à vida do povo, à economia nacional e à soberania do país, vai estatizar as dívidas externas das empresas, assumindo o risco externo que elas aceitaram ao contratar empréstimos estrangeiros que lhes deram enormes lucros, e que agora são verdadeiros espectros que ameaçam suas contabilidades.

O otimismo do governo está baseado na mesma receita que, aplicada desde 1994, criou os males atuais. Para os trabalhadores, os setores nacionalistas e progressistas, esse parece o otimismo dos navegantes da nau dos insensatos. Os desempregados contam-se aos milhões, os trabalhadores rurais marcham pelo país e intensificam as ocupações de terras, as pequenas e médias empresas são sufocadas pela falta de crédito e retração do consumo, as universidades públicas são sucateadas, os soldados do exército não têm nem mesmo munição de festim para seus treinamentos – o país está sendo desmantelado. Tudo isso para seguir a imposição do FMI, adotada pelo governo como cartilha talmúdica, que privilegia o pagamento de uma dívida externa que foi feita sem consulta aos brasileiros, para atender os interesses dos grandes banqueiros e capitalistas internos e estrangeiros.

Comissão Editorial

EDIÇÃO 53, MAI/JUN/JUL, 1999, PÁGINAS 3