Os 18 vôos que partem diretamente para Miami mostram a face rica e neoliberal da Venezuela. A outra face habita as favelas, sofre o preço daquela “modernidade” e foi quem, em 25 de julho, deu uma vitória esmagadora ao Pólo Patriótico, frente democrática e progressista unida em torno do presidente Hugo Chávez, na eleição para a Assembléia Constituinte. Os conservadores ainda controlam a Justiça, o Congresso e os governos estaduais, uma representação ultrapassada pelos resultados eleitorais deste ano. Contra eles, o governo de Chávez reconhece a prioridade da política e procura transformar o Estado e consolidar o poder antes de voltar-se às reformas econômicas e sociais.

Já na Colômbia, a oligarquia é posta em xeque pelas Farc que, após 35 anos de luta, tornam-se uma alternativa de poder e controlam uma área do tamanho de Sergipe. Contra seus avanços, os EUA declararam a Colômbia parte de seus interesses nacional, aumentando a “ajuda militar” em meio bilhão de dólares, para o “combate do narcotráfico”.

A ameaça de intervenção militar norte-americana não está afastada, e pode assumir formas diversas antes de chegar ao desembarque de tropas. O uso de forças locais, “contra o narcotráfico”, é uma delas. “Os EUA”, acusa o chanceler venezuelano José Vicente Rangel, “querem fazer da luta contra o narcotráfico o cavalo de Tróia para debilitar a segurança de nossas nações”. Outra forma seria o uso de tropas latino-americanas – e o presidente argentino Carlos Menem prestou-se ao papel lamentável de liderar a tentativa fracassada de articular essa intervenção.

Menem vive condenação popular semelhante à de FHC, reprovado por dois terços da opinião pública. Mas, se Menem está no fim, FHC inicia seu segundo período insistindo no neoliberalismo, que acumula sinais populares de insatisfação – eles extravasam as pesquisas e explodem em manifestações inesperadas para muitos analistas e o próprio governo, como a greve dos caminhoneiros em julho.

A realidade social impõe-se; Fernando Henrique vê mudanças sociais que interpreta como o surgimento de uma nova classe média (O Globo, 08-08-1999) no papel de nova vanguarda que deixa no passado categorias operárias e assalariadas como os metalúrgicos ou os funcionários públicos, cuja manifestação mais visível de atraso seriam suas organizações sindicais ou partidárias.
Sociologia ligeira, que reconhece o movimento da sociedade e tenta dar-lhe uma expressão teórica para desqualificar a sociedade civil organizada e, ao mesmo tempo, sugerir que tais setores novos, se organizados, apoiariam seu governo e o projeto neoliberal – opinião temerária desmentida pelos fatos.
FHC acerta ao comparar-se a D. Pedro II, sob quem o país teve as modernidades da época – selos, trens, telégrafo, telefones, escolas para surdos e mudos – antes de muitos países mais avançados; mesmo não tendo escolas para a população, com surtos de epidemias graves e sendo a última nação civilizada a abolir a escravidão. Os capitães do mato (o arcaico) podiam usar o telefone (o moderno) para encontrar seus escravos fugitivos. Arranjo de arcaico vestido de modernidade semelhante ao do governo de FHC que com razão poderá ser visto, no futuro, como um Pedro II, que a oposição da época apelidava de Pedro Banana.

Comissão Editorial

EDIÇÃO 54, AGO/SET/OUT, 1999, PÁGINAS 3