A história de Pernambuco nos mostra que seu povo tem uma grande altivez e espírito de luta. Desde o período colonial nos deparamos com uma série de movimentos cívicos, eivados de protestos e violências, nos quais o povo e parte da elite se opõem, de armas na mão, à truculência e às arbitrariedades dos governantes.

Estes movimentos começam com a luta dos indígenas opondo-se à dominação portuguesa com a guerra dos bárbaros; tivemos a Insurreição Pernambucana de 1645, contra os holandeses, a legendária guerra dos Palmares, a famosa Guerra dos Mascates, a Revolução Pernambucana de 1817, a Confederação do Equador, a Guerra dos Cabanos, a Revolução Praieira, a Campanha Abolicionista, a Conspiração da rua Velha, com a marcha de Cleto Campelo em direção à área em que se encontrava a coluna Prestes, a Revolução de Trinta, a chamada "Intentona Comunista", de 1935, que não foi nem intentona nem comunista e, modernamente, tivemos a campanha da redemocratização de 1945.

Os historiadores têm sido pouco precisos em caracterizar e conceituar estes movimentos, sobretudo os chamados de insurreição, de revolução e de rebelião. Assim, desde a época em que ocorreu (1831-1836) a luta dos Cabanos contra o poder constituído, ela foi denominada de "guerra", como fora a luta dos senhores de engenho de Olinda contra os mascates, no século anterior (1710-11), enquanto a revolta das populações pobres e rurais do mesmo período, ocorrida na Amazônia, era chamada de "cabanada". A revolta de 1930, em que houve forte participação popular, foi chamada de revolução; o movimento de expulsão dos holandeses foi denominado, desde o século XVII, como Insurreição, sem que se levasse em conta o critério dominante de que a palavra revolução estaria ligada ao desejo ou à transformação de estruturas sociais, enquanto a expressão rebelião indicaria os movimentos armados que procuravam apenas mudar os grupos que detinham o poder.

Quanto à revolução Praieira, formaram-se dois grupos de estudiosos que a caracterizavam de forma diferente, tendo havido fortes debates e questionamentos sobre o assunto em 1948/49, por ocasião das comemorações do centenário, quando se defrontaram as duas correntes. Nessas homenagens, quando o governador de estado era o historiador Barbosa Lima Sobrinho, ele e Eládio Ramos, em plaquetes então publicadas (1948), classificaram-na mesmo como rebelião, de vez que os seus principais líderes eram senhores de engenho e desembargadores, pessoas naturalmente ligadas às classes dominantes, embora admitissem a participação de pessoas com idéias republicanas e socialistas, como Borges da Fonseca e Abreu e Lima. Do outro lado, Amaro Quintas, defendia ardorosamente, em livro famoso (1967), que o movimento praieiro tinha forte conteúdo social, influenciado pelos acontecimentos na Europa e pelas idéias defendidas por Antônio Pedro de Figueiredo, em sua revista O Progresso (1950). Posição semelhante tinham o jornalista Fernando Segismundo (1949) e, até certo ponto, o historiador e antropólogo Edson Carneiro (1960). Mais recentemente, este acontecimento vem sendo estudado por numerosos historiadores, havendo posicionamentos os mais diversos ao analisá-lo.

Ao nosso ver, fatos dessa natureza são complexos demais para se encaixar em modelos e referências teóricas; em uma luta política, seja ela armada ou não, geralmente se agrupam os excluídos do poder; mesmo havendo pouca afinidade entre eles, visando derrubar os que detêm o poder; alcançada, porém, a vitória, logo começam as disputas, esfacelando-se a coesão e novos embates começam pela disputa na mesma pelo poder. Este fato é constatado não só nas pequenas revoluções da América Latina, como nas grandes revoluções, semelhante à Francesa e à Russa. A primeira se iniciou com a tentativa de implantação da monarquia constitucional, mas a quebra do sistema de controle levou a disputas entre vários grupos, como os girondinos e os jacobinos, e terminou dando oportunidade a que Napoleão se apossasse do poder e implantasse o regime Imperial. Na Rússia, após a tomada do poder, houve lutas antes e após a morte de Lênin.

Pensamos como Marcos Carvalho (1998) que a Praieira ocorreu num momento de enfraquecimento do poder central, provocando uma sucessão de revoltas que tiveram continuidade – a chamada guerra do Moraes na região da mata seca, a formação do exército praieiro em Água Preta, com a marcha para o Recife, sob a influência dos desembargadores, deputados liberais, a formação de uma guerra personalizada, dirigida por Borges da Fonseca, o "Repúblico", a revolta da Serra Negra no Pajeú e, finalmente, a "guerra das matas", dirigida por Pedro Ivo e Caetano Alves. Aí se encontravam, com maior ou menor influência, os senhores de engenho que se opunham à família Cavalcanti/Rego Barros, os intelectuais de formação liberal que desejavam a federalização do Império, os republicanos saudosos da 1817 e 1824, como Borges da Fonseca, e populares das classes menos favorecidas que, ligados a Caetano Alves, relembravam os cabanos e obedeciam às ordens e diretrizes do herói máximo da revolução, o capitão Pedro Ivo Veloso da Silveira. Figura de guerreiro popular, nascido em casa nobre em Olinda, da fanu1ia dos defensores dos princípios e diretrizes oligárquicas. Seu pai Pedro Antônio Veloso da Silveira, lutara contra os cabanos e era oficial da Guarda Nacional, tendo sido peça-chave no processo de rendição dos mesmos. É difícil, ao nosso ver, classificar a Praieira como uma revolução social, admitindo que o movimento militar que conflagrou Pernambuco, de 1848 a 1851, resultou da confluência de várias correntes sem que houvesse uma diretriz dominante; este fato se pode observar ao ler o livro do historiador Mário Márcio de Almeida Santos (1994) sobre Borges da Fonseca.

A situação político-social da província

No período imperial a política era controlada pelos grupos ligados ao governo estabelecido na Corte, que dependia inteiramente da vontade do imperador; este, por sua vez, podia
dissolver a Câmara e convocar eleições, quando pretendia favorecer o partido dominante na Câmara.

Pela aplicação do Poder Moderador, o imperador “fazia” a Câmara, através de eleições em geral fraudulentas, e o Ministério. Além disso, podia escolher quem iria ocupar um lugar no Senado – vitalício –, em uma lista tríplice, eleita pela província, da mesma forma que podia nomear os presidentes de província; na época, os jornalistas de oposição chamavam este poder de "imperialismo".

Afastados do poder, os praieiros ficaram, com maioria da população da província, contra o governo conservador que se inaugurava

Nos anos 40 do século XIX, a política pernambucana era dominada pelas famílias ligadas à economia açucareira, a que Tobias Barreto chamou de "açucocratas"; os senhores de engenho mais ricos recebiam títulos de nobreza – barões, viscondes, condes e até
marqueses – que, se não lhes davam salários ou rendas, davam influência que poderia trazer grandes vantagens econômicas e políticas.

Com a ascensão do Gabinete de 23 de março de 1841, assumiu o poder em Pernambuco, Francisco do Rego Barros que seria presidente da província por dois períodos e agraciado com os títulos de barão, visconde e conde. Engenheiro, trabalhador, bem organizado e contando com o apoio de farm1ias a ele ligadas, realizou uma série de melhoramentos na cidade do Recife e também no interior da província. Para isso, trouxe a Pernambuco uma missão de engenheiros franceses, chefiada pelo socialista L. L. Vauthier, alguns dos quais se fixaram em Pernambuco, casando-se com moças da terra, como Henrique Augusto Millet.

Em seu governo, profundamente conservador, os proprietários de terra tiveram grande poder, tendo sido apelidados de "baronistas" e acusados de se apropriarem de bens do estado, daí serem chamados pelos inimigos de "guabirus". A queda do ministério conservador de Silva Maia, em 1844, e a sua substituição pelo ministério liberal de Almeida Torres, em maio de 1845, cognominado "dos áulicos", provocou a designação do deputado baiano Chichorro da Gama para governar Pernambuco, implantando uma estrutura de poder que iria contrariar os baronistas. Os liberais se mantiveram no poder até 29 de setembro de 1845, quando ascendeu o ministério do marquês de Olinda que enviou para Pernambuco, como presidente, Herculano Ferreira Pana (15 de outubro a 25 de dezembro). O presidente, como de praxe, começou a desmontar a estrutura dos liberais, substituindo as autoridades por outras ligadas ao seu partido, contrariando os interesses tanto dos liberais como de correntes que se opuseram aos mesmos. Desenhava-se uma nova luta e o Diário Novo, jornal de propriedade de Luís Roma, e que atuava na rua da Praia, foi o porta voz da oposição, daí passar o partido liberal a ser chamado de "praieiro".

Os desmandos de Herculano Ferreira Pena e o desmonte da máquina montada por Chichorro da Gama, provocaram impactos fortes sobre as lideranças praieiras. No período imperial, sobretudo antes das eleições com votos diretos, o controle político era feito através de eleições por turnos, que exigiam renda mínima para eleitores e para candidatos a deputados e senadores, além do controle policial dos cidadãos, pela organização da Guarda Nacional e pelo processo de recrutamento militar. De posse de cargos no interior da província, fazia-se o controle político da mesma e se exercia, com grande rigor hierárquico, o controle das vantagens políticas e econômicas. Além disto, os proprietários rurais tinham em suas propriedades uma grande quantidade de dependentes-escravos, empregados, lavradores e foreiros – que lhe deviam obediência cega. Do maior ou menor controle destes. dependia a maior ou menor parcela de poder que o proprietário dispunha.

O desmonte da estrutura de poder dos praieiros colocou contra o governo conservador que se inaugurava toda uma série de beneficiados da situação decaída e a maioria absoluta da população da província, como informaria ao conselheiro João Alfredo. anos depois. o visconde de Camaragibe, chefe conservador (Andrade, 1988).

A incerteza quanto ao futuro e o receio de repressão, levaram os chefes liberais da região da Mata Seca – situada ao norte do paralelo do Recife –, em sua maioria senhores de engenho, a se levantarem em Olinda, a 7 de novembro de 1848, visando a desestruturar o domínio conservador. O principal líder do movimento, naquele momento. foi Manuel Pereira de Morais. senhor do engenho Inhamã, em Igarassu.

O movimento, à proporção que se desenvolvia, aglutinava pessoas de tendências as mais diversas, como o advogado Borges da Fonseca, conhecido por suas idéias republicanas e sua impulsividade, apesar de ter sido um inimigo acérrimo da “praia” (Santos, 1994). Também nos meios intelectuais tinham alguma influência as idéias defendidas na revista O Progresso pelo filósofo Antônio Pedro de Figueiredo, de orientação socialista. Socialismo utópico a que se filiara, na época anterior à "Praia", o engenheiro francês L. L. Vauthier e o inquieto general Abreu e Lima.

A luta

A rebelião propriamente dita realizou-se por etapas que foram se sucedendo e tomando características próprias em cada período; foi iniciada a 7 de novembro de 1848, em Olinda, quando os amotinados, compreendendo que dispunham de maior chance de apoio no interior, foram para o norte, de onde partiram para Igarassu e Goiana. Procuravam a área de influência de senhores de engenho liberais, como Manuel Pereira de Morais. Ocuparam, sucessivamente, as duas cidades, depois de enfrentar os legalistas em Maricota, hoje, Abreu e Lima, e em Muçupinho. O apoio do rico senhor de engenho de Inhamã, fez com que a revolta fosse chamada, inicialmente, de "guerra do Morais". Depois do combate de Muçupinho, em que o governo teve uma vitória pouco expressiva, eles se dirigiram para Nazaré da Mata, que foi ocupada, a 12 de novembro, por Joaquim Gonçalves Guerra, influente senhor do engenho do vale do Siriji.

Enquanto o grupo se dirigia para esta área, ao noroeste do Recife, outro, chefiado por João Roma, abandonou a capital e ocupou, ao sudoeste do Recife, as matas densas de Catucá, onde outrora se localizara um importante quilombo. Certamente o bravo militar, que participara de numerosas lutas no início do período imperial e durante a regência, previa a importância de se instalar numa área próxima ao Recife e utilizar a tradicional tática pernambucana de "guerra de guerrilhas".

Enquanto isso, a disputa de espaço na imprensa se acirrava com os artigos do general Abreu e Lima, o famoso general das massas, em ataques ao governo e às novas autoridades "guabirus". O governo da província tornou-se mais radical quando Herculano Ferreira Pena foi substituído, na Presidência, por Manoel Vieira Tosta, que intensificou a repressão aos liberais. Nessa ocasião, os deputados da "praia", liderados pelo desembargador Joaquim Nunes Machado, retornaram ao Recife, esperançosos de obter uma conciliação e a cessação da luta. Vieira Tosta, porém, mostrou-se intransigente, o que forçou a elite intelectual da praia a lançar um manifesto, no dia 25 de novembro, começando a parte mais intensa do movimento revolucionário. Agora a revolta estava fortalecida com a unanimidade da representação liberal, formada por expoentes como Antônio Afonso, Vilela Tavares, Lopes Neto, Arruda Câmara, Costa Rego, padre Francisco de Faria e Peixoto de Brito. Vários deles eram desembargadores no Tribunal do Recife. Interessante é salientar que Nunes Machado tudo fez para evitar a expansão da conflagração, chegando a afirmar que pressentia a sua morte na mesma, o que ocorreu a 2 de fevereiro de 1849.

Nos meses de novembro, dezembro e janeiro ocorreram fatos importantes, como o lançamento do manifesto dos deputados liberais apoiando o movimento revolucionário (25 de novembro de 1848), as sugestões de Borges da Fonseca, de expansão da área de luta às províncias vizinhas – Paraíba e Alagoas – e o lançamento em Nazaré, do Manifesto ao Mundo (Andrade, 1997). O manifesto foi inusitado, sobretudo levando-se em conta as dificuldades de comunicação daquela cidade do interior de Pernambuco com o mundo; era inusitado também face à sua posição ideológica e ao que advogava:

a) o voto livre e universal para o povo brasileiro; b) a plena e absoluta liberdade de comunicar o pensamento por meio da imprensa; c) o trabalho como garantia de vida para o cidadão brasileiro; d) o comércio a retalho só para os cidadãos brasileiros; e) a inteira e efetiva independência dos poderes constituídos; f) a extinção do Poder Moderador e do direito de agraciar; g) o elemento federal na organização; h) completa reforma do poder Judiciário, em ordem de assegurar as garantias e os direitos individuais dos cidadãos; i) a extinção da lei do juro convencional; j) a extinção do atual sistema de recrutamento".

O Manifesto ao Mundo dos praieiros teve uma posição ideológica avançada para a época

O documento era assinado por importantes chefes liberais, como Borges da Fonseca – possivelmente o autor da redação – Manoel Pereira de Morais, João Roma, Henrique Pereira de Lucena, João Paulo Ferreira, Leandro Cezar Paes Barreto e João Batista de Amaral e Melo. Os líderes liberais que estavam no Recife não concordaram com este manifesto afirmando que se tratava de documento apócrito. O fato mostra claramente a divisão política e ideológica entre os praieiros, com uma facção que desejava apenas mudanças de posição no controle do poder e outra que defendia mudanças de estrutura. É oportuno lembrar também que nenhuma das duas facções teve a iniciativa de tocar no problema da escravidão ou da abolição do tráfico, no momento em que havia forte pressão inglesa pela abolição do tráfico negreiro.

Começava-se a terceira fase da luta em que os liberais, mesmo divergentes quanto ao Manifesto ao Mundo, mantiveram a sua unidade e elegeram áreas em que se concentraram e passaram a desenvolver a guerra de guerrilhas; essas áreas foram as matas de Catucá, próximas ao Recife, tomando vários bairros da capital vulneráveis aos ataques de surpresa, e a região de Água Preta, com matas extensas e de difícil acesso onde se desenrolara, alguns anos atrás, a chamada guerra dos Cabanos (1831-36).

Organizaram um governo chefiado por Peixoto de Brito, que possuía experiência militar, e deixaram na capital o deputado Lopes Neto, que enviava informações aos rebeldes e publicava editoriais do Diário Novo, em que colaborava Abreu e Lima que, envelhecido, não tinha condições de partir para o campo de batalha. O governo não deu trégua aos rebeldes e convocou para o comando de suas tropas o general José Joaquim Coelho, oficial português naturalizado, que se destacara nas lutas do período Regencial e era considerado enérgico e competente. O general resolveu tomar a ofensiva fazendo uma caminhada em direção à Água Preta onde os rebeldes tinham o seu quartel general; estes, compreendendo que a capital ficaria desguarnecida, marcharam contra a mesma onde chegaram para o ataque, a 2 de fevereiro. Organizaram-se em duas colunas: uma do sul, sob o comando de Borges da Fonseca, da qual faziam parte Pedro Ivo, Lucena e Leandro Cezar e a do norte sob o comando de Manuel Pereira de Morais, com João Roma e João Paes.

O movimento sobre a capital foi feito com grande rapidez e a coluna do sul, passando por Bonito e Gravatá, penetrou no Recife pelos Afogados, tomando a povoação e a porção meridional da cidade. O governo. instalado no Palácio do Campo das Princesas, sentiu-se ameaçado, de vez que os rebeldes ocuparam o bairro de São José chegando à ponte da Boa Vista, à rua Nova e ao início da atual rua do Imperador. Igual desempenho não teve a coluna do norte, que foi detida no largo da Soledade não chegando ao centro da cidade para apoiar o avanço da coluna do sul; na Soledade, atingido por uma bala, foi mortalmente ferido o líder Nunes Machado, cujo corpo foi levado para a igreja de Belém, na Encruzilhada.

O general Coelho, compreendendo que a capital e o governo se encontravam em perigo, voltou rápido ao Recife onde os liberais já estavam desanimados com o insucesso da Soledade e procuravam recuar, abandonando o bairro de São José com uma certa dificuldade porque a maioria da tropa, formada por pessoas do interior, não sabia se dirigir nas ruas tortuosas e estreitas do Recife. O ataque e o insucesso do Recife consolidaram o governo de Vieira Tosta e selou a sorte dos praieiros. Alguns chefes começaram
a fugir para o exterior, à espera de uma futura anistia, enquanto outros, como Borges da Fonseca e Pedro Ivo, recuaram para o interior procurando continuar a guerra.

O movimento sobre a capital foi feito com grande rapidez e a coluna do sul penetrou no Recife pelos Afogados, tomando a povoação e a porção meridional da cidade

O governo imperial, então, através dos presidentes Vieira Tosta e Carneiro Leão, iniciou um processo que iria condenar um grande número de pernambucanos, com o fim de eliminar o espírito liberal, tradicional na província, e consolidar o sistema unitário imperial. Nabuco de Araújo, então juiz no Recife e atuante militante do partido conservador, que só mudaria de partido, posteriormente, tomando-se influente chefe político liberal, seria um juiz implacável dos seus opositores. Joaquim Nabuco, seu filho, em livro clássico, lançado em 1896, procurava justificar a atitude do pai, então juiz.

A agonia da "Praia"

Após a derrota do Recife, a Praia entrou em agonia. Dividiu-se em dois grupos: um, liderado por Borges da Fonseca e apoiado por João Roma, que se dirigiu para o norte, levando a revolta até o Brejo de Areia na Paraíba; outro, sob a liderança do capitão Pedro I vo, voltou à Água Preta e procurou ressuscitar a famosa guerra usada pelos cabanos, a guerra de guerrilhas, que foi chamada de "guerra das matas".

O grupo de Borges da Fonseca voltou à Goiana, que ocupou após combate, e seguiu para o Brejo paraibano pelo vale do Capibaribe Mirim. No engenho Pau Amarelo travou batalha com as forças legais, quando o engenho foi incendiado e um dos seus chefes, o legendário João Roma, foi mortalmente ferido, falecendo poucos dias depois. Na Paraíba ele ocuparia a cidade do Brejo da Areia, em zona agrícola e canavieira, mas não pôde manter o controle militar por não obter apoio da população, retomando ao Recife e se estabelecendo nas matas de Catucá, reduto de negros que fugiam à escravidão e de brancos que se opunham ao governo. Com o passar do tempo ele foi desgastando, perdendo apoio e poder, sendo aprisionado no dia 30 de março de 1849. O retomo ao Recife foi feito de forma humilhante para o grande jornalista e advogado, detestado pelos conservadores por sua capacidade de luta e sua posição política republicana.

A guerra das matas apresentou uma série de contradições: Pedro Ivo, filho do coronel Pedro Antônio Veloso da Silveira, grande proprietário de terras na região, conservador e detentor de postos militares, e um dos homens do governo que se destacou na luta contra os cabanos (Andrade, 1965), apelou justamente para as lideranças cabanas para lutar contra as forças governamentais. Das principais lideranças cabanas apenas Caetano Alves atendeu ao seu apelo e reuniu homens em armas, contribuindo para a conquista da povoação de Água Preta. Vicente Ferreira de Paula, o principal líder cabano, mantinha-se fiel às suas idéias absolutistas, mas foi atraído pelo presidente Carneiro Leão, posteriormente Marquês do Paraná, a apoiar o governo. Ele concordou, mas não merecendo a confiança do hábil político, ao se apresentar no Recife foi preso por ordem do mesmo e transferido para Fernando de Noronha, onde ficou dez anos sem ter processo formado. Ao ser libertado já não tinha condições de saúde nem influências políticas entre o povo que conduzira durante cerca de vinte anos.

Ainda assim, Pedro Ivo, destemido, manteve a luta até o início de 1850, quando, aconselhado por seu pai e com a promessa de anistia, entregou-se às autoridades governamentais em Salvador. Faltando com a palavra, o governo enviou-o para o Rio de Janeiro, onde ele foi preso no forte de Laje do qual, só em 1851, conseguiu fugir e partir clandestino para a Europa. Ao passar o navio pela costa nordestina, ele faleceu inexplicavelmente e seu corpo foi lançado ao mar. O fato estarreceu a nação e seu nome era tão respeitado que mereceu poemas laudatórios de dois dos maiores poetas brasileiros de então: Álvares de Azevedo e Castro Alves.

Merece referência ainda a repercussão da Praieira no sertão, mais precisamente no vale do Pajeú, com disputas entre famílias tradicionais, como os Campos, os Paz, os Nogueira e os Ferraz, que resultaram no episódio da serra Negra, onde Nogueira da Paz tentou consolidar o movimento revolucionário até dezembro de 1849. Conquistado pelos legalistas o grande bastião sertanejo, Nogueira da Paz retirou-se, praticamente só, para a caatinga (Gominho,
1993) onde seu corpo foi encontrado, dias após a morte.

A vingança

A repressão à Praieira foi feita com o maior rigor e dela só escaparam alguns líderes que, ao compreenderem a iminência da derrota, se homiziaram em navios e partiram para o exílio, como Manuel Pereira de Morais e Félix Peixoto de Brito e Meio. Outros, foram condenados à prisão perpétua em Fernando de Noronha, como o velho general Abreu e Lima, que durante o conflito tivera grande atuação, defendendo as reivindicações da "praia" no Diário Novo, e Borges da Fonseca, advogado e republicano. Abreu e Lima, aproveitou o tempo em que ficou na prisão para estudar o arquipélago, escrevendo um ensaio de grande utilidade geográfico-ecológica, depois publicado na revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.

Conclusões

Com a derrota da Praieira e a prisão ou exílio dos seus líderes, cessou a série de revoluções ou rebeliões pernambucanas controladas pelos dissidentes das classes dominantes no período imperial. Passaram os pernambucanos, em lutas parlamentares, com freqüentes manifestações de rua, à disputa em tomo da questão religiosa e da libertação dos escravos e, finalmente, da República. Ainda ocorreria uma revolta expressiva e com grande participação popular que ficou conhecida como "O Quebra Quilos". Com a República, novas ocorrências insurrecionais – não teria condições de afirmar revolucionárias – abalaram o Recife, o que demostra que, no estado, há sempre uma ala da classe dominante disposta a divergir do poder constituído e a apresentar programas avançados em defesa da população, dos excluídos.

* Geógrafo, historiador e diretor do Centro de Estudos Históricos Rodrigo Mello Franco de Andrade, da Fundação Joaquim Nabuco, Recife/PE.

Notas

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