Acaba de ser lançada a obra A condição política na pós-modernidade: a questão da democracia, da professora e presidente da associação docente da PUC-SP Madalena Guasco Peixoto. O livro é produto de sua tese de doutorado e, desde já, se apresenta como uma elaboração teórica que qualifica ainda mais a militante e um texto militante que assimila, critica e propõe a ultrapassagem dos principais dilemas teóricos e práticos da sociedade do capital neste final de milênio.

Analisando e sintetizando – no sentido dialético do termo, isto é, como resultado de múltiplas determinações – o mundo contemporâneo e os principais pensadores que elaboraram em torno ou contra a pós-modernidade, como Jean-François Lyotard, Jean Baudrillard, Fredric Jameson, David Harvey e Boaventura de Souza Santos, a preocupação da autora é debater o problema da democracia na atualidade.

Se a chamada pós-modernidade se apresenta como fragmentária em oposição à totalização, indeterminada frente à causalidade, caótica diante do processo histórico, mas ao mesmo tempo reconhece a globalização em que a economia mundial se apresenta, é de se perguntar se sua justificativa teórica não é uma atraente armadilha ideológica para a justificativa da ofensiva neoliberal? Ou, no espírito brechtiano, é de se perguntar a quem serve a defesa de uma economia global, ao mesmo tempo que se professa a impossibilidade de uma apreensão globalizante desse mesmo mundo? Sem deixar de reconhecer a crise do marxismo, aprofundada pela crise das experiências socialistas, qualquer análise da realidade econômica, social e política atual não pode ignorar que desde a década de 1970 o capitalismo mundial não consegue manter as taxas de lucro e crescimento do período posterior à Segunda Guerra Mundial. Os irracionalismos e relativismos indicados pelos pressupostos teóricos da argumentação pós-moderna, na verdade, procuram justificar – e daí a crise do socialismo e a ofensiva neoliberal impulsionam tal aparência – a impossibilidade de qualquer projeto coletivo emancipatório para o futuro.

Pois são estes dilemas e questionamentos do contexto político, social e econômico deste final de século que Madalena Peixoto propõe-se a entender, vinculando-os aos campos cultural, artístico e teórico, portanto resgatando e revigorando a abordagem totalizante. Remar contra a maré dos modismo intelectuais, mas sem deixar de enfrentá-los, torna-se um alento para todos aqueles que acreditam que a história não tem fim, muito menos quando esse fim é a democracia liberal.

A negação da possibilidade científica na teoria do conhecimento, identificada pelos pós-modernos como apenas mais um "jogo de linguagem" ou um "discurso", na verdade, constitui-se na mais recente construção de tendências agnósticas e relativistas, que sob o rótulo de inovação teórica, apenas reelaboram teses metafísicas e idealistas do pensamento social dos últimos séculos. Diante da heterogeneidade da condição pós-moderna proposta por Lyotard e do moderno consenso via ação comunicativa de Habermas, os marxistas têm se perguntado se termos abstratos – se esvaziados de conteúdo, como modernidade e pós-modernidade – podem oferecer alternativa para responder ao aprofundamento da exploração capitalista pela qual passamos. Talvez, a resposta comece em se debater e contrapor-se à armadilha que os teóricos pós-modernos querem colocar a todos. Ou seja, não seria percebendo a modernidade como sinônimo de projeto de construção burguesa de mundo e, a pás-modernidade como expressão teórica de crise desse mesmo projeto (daí a ofensiva neoliberal), que estaria a chave para os marxistas iniciarem a crítica radical – própria da riqueza metodológica desse paradigma – dos pressupostos teóricos da retomada liberal e do irracionalismo pós-moderno.

Nesse sentido, os marxistas não estão aí para realizar a modernidade ou defender uma pós-modernidade de resistência (até porque resistência no sentido extremo do termo ainda é ação apenas defensiva), mas sim para romper com ambas.

Creio que uma leitura atenta da obra da professora Madalena deixa implícita a reflexão que se desdobra na alternativa colocada acima, a qual repõe as questões contemporâneas em torno das diferenças de classe, do problema do poder e do Estado, tão negligenciadas pelo discurso de neoliberais e pós-modernos. Eis o recurso metodológico totalizante feito pela autora e que desvenda os signos e simulacros da condição pós-moderna. Aqueles são constatados por Lyotard e Baudrillard, mas apenas como ponto de partida das bases reais dos problemas contemporâneos, pois o ponto de chegada resulta nesses pensadores em conclusões abstratas. Nesse caminho, exige-se de todos uma leitura crítica dos meios de comunicação de massa que nos tempos neoliberais têm contribuído para desarticular uma concepção do social centrada na coletividade do mundo do trabalho.

Outro ponto significativo debatido no livro A condição política na pós-modernidade, a partir das reflexões de Fredric Jameson e de David Harvey, é a abordagem sobre a condição pós-moderna como expressão teórica do capitalismo tardio, no caso do primeiro, ou como a produção das idéias do capitalismo financeiro flexível, no exemplo do segundo. Ambos fugiriam de outra armadilha construída pelos pós-modernos que negam qualquer possibilidade conceitual.

Exemplo disso é o abandono da categoria modo de produção no entendimento do capitalismo, cujo objetivo é descontextualizar um sentido para a história. Diríamos ainda mais: que o abandono do conceito de imperialismo – reforçado ideologicamente pela tentativa de estabelecer em tese o fim do Estado-nação – contribui para a desconstrução teórica feita pelos pós-modernos com intuito de omitir o predomínio mundial do capital financeiro, que resulta na justificativa deste e na sociedade de mercado, através de um discurso que propõe a impossibilidade de se entender e conhecer a dinâmica do processo histórico.

Como considera a autora, devemos entender o conjunto de tendências e possibilidades do todo social, o qual também é constituído pelo heterogêneo, pois o fato do processo histórico revelar tendências (mesmo heterogêneas como as identidades étnicas, raciais, de gênero, etc) não retira seu caráter processual e de luta entre as classes sociais. Sua conclusão é esclarecedora mais uma vez: concepções que transformam linguagem, cultura e discurso em negação da realidade retiram a preocupação com qualquer possibilidade teórico-prática de transformação qualitativa da sociedade atual (p. 85). Por isso os referenciais da história como processo nos pressupostos marxistas da totalidade são fundamentais para o entendimento do debate de idéias hoje em curso (p. 102). Mas essa não é só uma questão teórica acadêmica; é uma questão teórico-prática para todos aqueles que buscam transformar a história. Nessa linha de raciocínio, como afirma a autora, o aumento e a diversificação dos atores sociais não supõem o desaparecimento das classes sociais nem retira o acirramento da luta entre elas, pois os diferentes movimentos sociais possuem sua próprias identidades e dinâmicas, não podendo apenas ser vistos nos limites estritos da luta entre as classes, mas, se colocam em destaque as contradições que o capitalismo engendra, não têm condições, por si só, de buscar a radicalidade de superação da sociedade capitalista (p. 224).

Assim a armadilha pós-moderna esta desvendada: em um mundo de diferenças nada pode ser geral, nada pode ser universal, global, apenas o capital e sua forma de acumulação na sua hegemonia pelo espaço e pelo lugar (p. 246). Entre muitos esclarecimentos, a complexa obra aqui resenhada, é recomendada para acadêmicos e militantes como contribuição essencial ao alargamento do debate atual.

Onde fica a democracia, o social e a política? Se há o fim de todas elas é preciso deixar aqui questões não levantadas em A condição política na pós-modernidade por Madalena Peixoto, mas que só podem ser sugeridas quando somos instigados por textos como este. A crítica irracionalista pós-moderna ao liberalismo e ao marxismo, argumentando a falência desses, em época de crise da sociedade do capital, não está implícita na retomada mundial de práticas fascistas? Foi muito diferente a crítica nacional-socialista na Europa ou integralista no Brasil na década de 1930 ao liberalismo e ao marxismo em relação a certas proposições pós-modernas? Por que o capital, para levar adiante o seu projeto neoliberal, se torna cada vez mais antidemocrático? Nunca é demais lembrar o Marx da abertura de O 18 Brumário de Luis Bonaparte, para o qual os fatos e personagens de grande importância na história do mundo aparecem duas vezes: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. A tragédia já viveu-se nos anos 1930. Estaríamos vivendo o período da farsa?