Como reflexo da situação geral do país, a língua portuguesa está sendo vítima de degradação sem precedentes. Palavras estrangeiras, de grafia e sons incompreensíveis ao povo, são utilizadas abusivamente na comunicação do dia-a-dia, no comércio, nos rótulos de produtos, nas faixas de rua, na imprensa e na publicidade. A estrangeirice contamina até as autoridades. O presidente da República, em entrevista à rede de TVs educativas, fala em faz track (quantos de nós sabem que significa via rápida, um procedimento típico da administração política americana?)

Anúncios de serviços públicos traduzem literalmente do inglês expressões que não usamos, como o fez a Anatel, ao trocar o velho e bom interurbano pela americanizada locução chamadas de longa distância.

Contra esse processo de "desnacionalização linguística", na expressão do crítico literário Wilson Martins, apresentamos um projeto de lei na Câmara dos Deputados. Além de providências do Poder Público, para proteger e incentivar o ensino e a aprendizagem, a língua portuguesa será tratada como um bem soberano do patrimônio cultural do Brasil. Terá uso obrigatório no trabalho, nas relações jurídicas, na expressão oral, escrita, audiovisual e eletrônica de todos os documentos e eventos públicos, bem como deverão ser escritos ou falados em português os meios de comunicação, a publicidade, as embalagens e toda e qualquer comunicação pública dentro do território nacional, com as ressalvas e exceções cabíveis.

O uso desnecessário, abusivo ou enganoso de palavra ou expressão estrangeiras será considerado como lesivo ao patrimônio cultural brasileiro. Os infratores serão punidos com multas de até 13.000 UFIRs CR$ 12.610,00), sem prejuízo de sanções de natureza civil e penal pelo crime de corromper o idioma. Promotores de eventos públicos terão de traduzir para o português cabalas bilíngues como "1º Salão Home Office Telework". Restaurantes que usam asneiras do tipo "delivery" deverão substituir a expressão inglesa pela portuguesa entrega em domicílio. Quem usa "sale" terá de escrever liquidação. Toda comunicação oficial, inclusive a publicidade de repartições e instituições controladas pelo Poder Público, deverá ser feita em português claro, proibindo-se o Banco do Brasil de anunciar seu "personal banking", e o IBGE, de exibir na Internet uma página com o impertinente título de "IBGE Teen".

O povo brasileiro não tem obrigação de conhecer palavras ou idiomas estrangeiros. Cabe-lhe, se tiver os meios, incluindo educação pública de boa qualidade, conhecer e defender a língua nacional, oficializada na Constituição e em leis federais desde a década de 1930.
Proteger o idioma é defender a nacionalidade. Se é na língua materna que melhor expressamos nossos sentimentos, é também com ela que elaboramos o pensamento e coletivamente construímos a verdadeira identidade nacional.

Como nos ensinou o médico e escritor Frantz Fanon, natural da Martinica que assumiu a causa da independência da Argélia, nos anos 1950 e 1960, e produziu uma obra considerada a bíblia das lutas de libertação nacional daquele período, a língua é o primeiro instrumento da consciência de um povo. E completou:

"Se a cultura é a manifestação da consciência, não hesitarei em afirmar, no caso que nos ocupa, que a consciência nacional é a forma mais elaborada da cultura". A seguir, leia a justificativa e a íntegra do projeto:

A História nos ensina que uma das formas de dominação de um povo sobre outro se dá pela imposição da língua. Por quê? Porque é o modo mais eficiente, apesar de geralmente lento, para impor toda uma cultura – seus valores, tradições, costumes, até mesmo o modelo socioeconômico e o regime político.

Foi assim no antigo oriente, no mundo greco-romano e na época dos grandes descobrimentos. E hoje, com a marcha acelerada da globalização, o fenômeno parece se repetir, claro que de modo não violento; ao contrário, dá-se de maneira insinuante, mas que não deixa de ser impertinente e insidiosa, o que o torna preocupante, sobretudo quando se manifesta de forma abusiva, muitas vezes enganosa, e até mesmo lesiva à língua como patrimônio cultural.

De fato, estamos a assistir a uma verdadeira descaracterização da língua portuguesa, tal a invasão indiscriminada e desnecessária de estrangeirismos – como holding, recall, franchise, coffee-break, self-service – e de aportuguesamentos de gosto duvidoso, em geral despropositados, como "startar", "printar", "bidar", "atachar", "database". E isso vem ocorrendo com voracidade e rapidez tão espantosas que não é exagero supor que estamos na iminência de comprometer, quem sabe até truncar, a comunicação oral e escrita com o nosso homem simples do campo, não afeito às palavras e expressões importadas, em geral do inglês norte-americano, que dominam o nosso cotidiano, sobretudo a produção, o consumo e a publicidade de bens, produtos e serviços – para não falar das palavras e expressões estrangeiras que nos chegam pela informática, pelos meios de comunicação de massa e pelos modismos em geral.

Ora, um dos elementos mais marcantes da nossa identidade nacional reside justamente no fato de termos um imenso território com uma só língua, esta plenamente compreensível por todos os brasileiros de qualquer rincão, independentemente do nível de instrução e das peculiaridades regionais de fala e escrita. Esse – um autêntico milagre brasileiro – está hoje seriamente ameaçado.

Que obrigação tem um cidadão brasileiro de entender, por exemplo, que uma mercadoria on sale significa que esteja em liquidação? Ou que 50% off quer dizer 50% a menos no preço? Isso não é apenas abusivo; tende a ser enganoso. E à medida que tais práticas se avolumam (atualmente de uso corrente no comércio das grandes cidades), tornam-se também danosas ao patrimônio cultural representado pela língua.

O absurdo da tendência que está sendo exemplificada permeia até mesmo a comunicação oral e escrita oficial. É raro o documento que sai impresso, por via eletrônica, com todos os sinais gráficos da nossa língua; até mesmo numa cédula de identidade ou num talão de cheques estamos nos habituando com um "Jose" – sem acentuação! E o que falar do serviço de clipping da Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados, ou da newsletter da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano da Presidência da República, ou, ainda, das milhares de máquinas de personal banking do Banco do Brasil – Banco DO BRASIL – espalhadas por todo o País?

O mais grave é que contamos com palavras e expressões na língua portuguesa perfeitamente utilizáveis no lugar daquelas (na sua quase totalidade) que nos chegam importadas, incorporadas à língua falada e escrita sem nenhum critério linguístico, ou, pelo menos, sem o menor espírito de crítica e de valor estético.

O nosso idioma oficial (Constituição Federal, art. 13, caput) passa, portanto, por uma transformação sem precedentes históricos, pois que esta não se ajusta aos processos universalmente aceitos, e até desejáveis, de evolução das línguas, de que é bom exemplo o termo caput, de origem latina, consagrado pelo uso desde o Direito Romano.

Como explicar esse fenômeno indesejável, ameaçador de um dos elementos mais vitais do nosso patrimônio cultural – a língua materna –, que vem ocorrendo com intensidade crescente ao longo dos últimos 10 a 20 anos? Como explicá-lo senão pela ignorância, pela falta de senso crítico e estético, e até mesmo pela falta de auto-estima?

Parece-me que é chegado o momento de romper com tamanha complacência cultural, e, assim, conscientizar a nação de que é preciso agir em prol da língua pátria, mas sem xenofobia ou intolerância de nenhuma espécie. É preciso agir com espírito de abertura e criatividade, para enfrentar – com conhecimento, sensibilidade e altivez – a inevitável, e claro que desejável, interpenetração cultural que marca o nosso tempo globalizante. Esse é o único modo de participar de valores culturais globais sem comprometer os locais.

A propósito, Machado de Assis deixou-nos, já em 1873, a seguinte lição:
"Não há dúvida de que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos, é um erro igual ao de afirmar que a sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A este respeito a influência do povo é decisiva. Há, portanto, certos modos de dizer, locuções novas, que de força entram no domínio do estilo e ganham direito de cidade" (In: CUNHA, Cunha. Língua Portuguesa e Realidade Brasileira, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro Ltda., 1981, p. 25 na ortografia original de 1968).

Os caminhos para a ação, desde que com equilíbrio machadiano, são muitos, e estão abertos, como apontado por Ediruald de Mello, no seu artigo "O português falado no Brasil: problemas e possíveis soluções", publicado em Cadernos Aslegis, n° 4, 1998.

O projeto de lei que apresentamos é proposição com caráter geral, a ser regulamentada no pormenor que vier a ser considerado como necessário. Objetiva promover, proteger e defender a língua portuguesa, bem como definir o seu uso em certos domínios socioculturais, a exemplo do que tão bem fez a França com a Lei na 75-1349, de 1975, substituída pela Lei na 94-665, de 1994, aprimorada e mais abrangente.

O projeto trata com generosidade as exceções, e ainda abre à regulamentação, a possibilidade de novas situações excepcionais. Por outro lado, introduz as importantes noções de prática abusiva, prática enganosa e prática danosa, no tocante à língua, que poderão representar eficientes instrumentos na promoção, na proteção e na defesa do idioma pátrio.

A proposta em apreço tem cláusula de sanção administrativa, em caso de descumprimento de qualquer uma de suas provisões, sem prejuízo de outras penalidades cabíveis; e ainda prevê a adoção de sanções premiais, como incentivo à reversão espontânea para o português de palavras e expressões estrangeiras correntemente em uso.

Nos termos do projeto, à Academia Brasileira de Letras continuará cabendo o seu tradicional papel de centro maior de cultivo da língua portuguesa do Brasil.
Cumpre destacar que a sociedade brasileira já dá sinais claros de descontentamento com a descaracterização a que está sendo submetida a língua portuguesa frente à invasão silenciosa dos estrangeirismos excessivos e desnecessários, como ilustram pronunciamentos de linguistas. escritores, jornalistas e políticos, e que foram captados com humor na matéria "Quero a minha língua de volta!", de autoria do jornalista e poeta José Enrique Barreiro, publicada há pouco tempo no Jornal do Brasil.

Em segundo lugar, há de ser lembrada a reação positiva dos meios de comunicação de massa diante da situação que aqui está sendo discutida. De fato, nunca se viu tantas colunas e artigos em jornais e revistas, como também programas de rádio e televisão, sobre a língua portuguesa, especialmente sobre o seu uso no padrão culto; nesse sentido, também é digno de nota que os manuais de redação, e da redação, dos principais jornais do País se sucedam em inúmeras edições, ao lado de grande variedade de livros sobre o assunto, particularmente a respeito de como evitar erros e dúvidas no português contemporâneo.

Em terceiro lugar, cabe lembrar que atualmente o jovem brasileiro está mais interessado em se expressar corretamente em português, tanto escrita quanto oralmente, como bem demonstra a matéria de capa – "A ciência de escrever bem” – da revista Época de 14-06-1999.

Por fim, mas não porque menos importante, as comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil se oferecem como oportunidade ímpar para que discutamos não apenas o período colonial, a formação da nacionalidade, o patrimônio histórico, artístico e cultural da sociedade brasileira, mas também, e muito especialmente, a língua portuguesa como fator de integração nacional, como fruto – tal qual a falamos – da nossa diversidade étnica e do nosso pluralismo racial, como forte expressão da inteligência criativa e da fecundidade intelectual do nosso povo.

Posto isso, posso afirmar que o projeto de lei (PL) ora submetido à Câmara dos Deputados pretende, com os seus objetivos, tão-somente conscientizar a sociedade brasileira sobre um dos valores mais altos da nossa cultura – a língua portuguesa. Afinal, como tão bem exprimiu um dos nossos maiores linguistas, Napoleão Mendes de Almeida, no Prefácio de sua Gramática Metódica da Língua Portuguesa (28ª ed., São Paulo, Saraiva, 1979), "conhecer a língua portuguesa não é privilégio de gramáticos, senão dever do brasileiro que preza sua nacionalidade. (…) A língua é a mais viva expressão da nacionalidade. Como havemos de querer que respeitem a nossa nacionalidade se somos os primeiros a descuidar daquilo que a exprime e representa o idioma pátrio?"

A íntegra do projeto

Art. 1°. Nos termos do caput do art. 13, e com base no caput, I, § 1° e § 4º do art. 216 da Constituição Federal, a língua portuguesa:
I – é o idioma oficial da República Federativa do Brasil;
II – é forma de expressão oral e escrita do povo brasileiro, tanto no padrão culto quanto nos moldes populares;
III – constitui bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro.
Parágrafo único. Considerando o disposto no caput, I, II e III deste artigo, a língua portuguesa é um dos elementos da integração nacional brasileira concorrendo, juntamente com outros fatores, para a definição soberania do Brasil como nação.
Art. 2°. Ao Poder Público, com a colaboração da comunidade, no intuito de promover, proteger e defender a língua portuguesa, incumbe:
I – melhorar as condições de ensino e de aprendizagem da língua portuguesa em todos os graus, níveis e modalidades da educação nacional;
II – incentivar o estudo e a pesquisa sobre os modos normativos e populares de expressão oral e escrita do povo brasileiro; III – realizar campanhas e certames educativos sobre o uso da língua portuguesa, destinados a estudantes, professores e cidadãos em geral;
IV – incentivar a difusão do idioma português, dentro e fora do País;
V – fomentar a participação do Brasil na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa;
VI – atualizar, com base em parecer da Academia Brasileira de Letras, as normas do Formulário Ortográfico, com vista ao aportuguesamento e à inclusão de vocábulos de origem estrangeira no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.
§ 1°. Os meios de comunicação de massa e as instituições de ensino deverão, na forma desta lei, participar ativamente da realização prática dos objetivos listados nos incisos anteriores.
§ 2°. À Academia Brasileira de Letras incumbe, por tradição, o papel de guardiã dos elementos constitutivos da língua portuguesa usada no Brasil.
Art. 3º. É obrigatório o uso da língua portuguesa por brasileiros natos e naturalizados, e pelos estrangeiros residentes no País há mais de 1 (um) ano, nos seguintes domínios socioculturais:
I – no ensino e na aprendizagem;
II – no trabalho;
III – nas relações jurídicas;
IV – na expressão oral, escrita, audiovisual e eletrônica oficial;
V – na expressão oral, escrita, audiovisual e eletrônica em eventos públicos nacionais;
VI – nos meios de comunicação de massa;
VII – na produção e no consumo de bens, produtos e serviços; VIII – na publicidade de bens, produtos e serviços.
§ 1º. A disposição do caput, I-VIII deste artigo não se aplica:
I – a situações que decorram da livre manifestação do pensamento e da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, nos termos dos incisos IV e IX do art. 5º da Constituição Federal;
II – a situações que decorram de força legal ou de interesse nacional;
III – a comunicações e informações destinadas a estrangeiros, no Brasil ou no exterior;
IV – a membros das comunidades indígenas nacionais;
V – ao ensino e à aprendizagem das línguas estrangeiras;
VI – a palavras e expressões em língua estrangeira consagradas pelo uso, registradas no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa;
VII – a palavras e expressões em língua estrangeira que decorram de razão social, marca ou patente legalmente constituída.
§ 2°. A regulamentação desta lei cuidará das situações que possam demandar:
I – tradução, simultânea ou não, para a língua portuguesa;
II – uso concorrente, em igualdade de condições, da língua portuguesa com a língua ou línguas estrangeiras.
Art. 4º. Todo e qualquer uso de palavra ou expressão em língua estrangeira, ressalvados os casos excepcionados nesta lei e na sua regulamentação, será considerado lesivo ao patrimônio cultural brasileiro, punível na forma da lei.
Parágrafo único. Para efeito do que dispõe o caput deste artigo, considerar-se-á:
I – prática abusiva, se a palavra ou expressão em língua estrangeira tiver equivalente em língua portuguesa;
II – prática enganosa, se a palavra ou expressão em língua estrangeira puder induzir qualquer pessoa, física ou jurídica, a erro ou ilusão de qualquer espécie;
III – prática danosa ao patrimônio cultural, se a palavra ou expressão em língua estrangeira puder, de algum modo, descaracterizar qualquer elemento da cultura brasileira.
Art. 5º. Toda e qualquer palavra ou expressão em língua estrangeira posta em uso no território nacional ou em repartição brasileira no exterior a partir da data da publicação desta lei, ressalvados os casos excepcionados nesta lei e na sua regulamentação, terá de ser substituída por palavra ou expressão equivalente em língua portuguesa no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de registro da ocorrência.
Parágrafo único. Para efeito do que dispõe o caput deste artigo, na inexistência de palavra ou expressão equivalente em língua portuguesa, admitir-se-á o aportuguesamento da palavra ou expressão em língua estrangeira ou o neologismo próprio que venha a ser criado.
Art. 6º. O descumprimento de qualquer disposição desta lei sujeita o infrator a sanção administrativa, na forma da regulamentação, sem prejuízo das sanções de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas, com multa no valor de:
I – 1.300 (mil e trezentas) a 4.000 (quatro mil) UFIRs, se pessoa física;
II – 4.000 (quatro mil) a 13.000 (treze mil) UFIRs, se pessoa jurídica.
Parágrafo único. O valor da multa dobrará a cada reincidência.
Art. 7°. A regulamentação desta lei tratará das sanções premiais a serem aplicadas àquele, pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que se dispuser, espontaneamente, a alterar o uso já estabelecido de palavra ou expressão em língua estrangeira por palavra ou expressão equivalente em língua portuguesa.
Art. 8°. À Academia Brasileira de Letras, com a colaboração dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, de órgãos que cumprem funções essenciais à justiça e de instituições de ensino, pesquisa e extensão universitária, incumbe realizar estudos que visem a subsidiar a regulamentação desta lei.
Art. 9º. O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo máximo de 1 (um) ano a contar da data de sua publicação.
Art. 10. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

EDIÇÃO 55, NOV/DEZ/JAN, 1999-2000, PÁGINAS 63, 64, 65, 66, 67