Foi lançado no último dia 5 de outubro, na Livraria de Portugal, em São Paulo, o livro Nômades e sedentários na Ásia Central, de autoria de Miguel Urbano Rodrigues que dá conta de 4.000 anos de história. Nascido em 1925, no Alentejo, em Portugal, Miguel Urbano é jornalista e escritor, com mais de 50 anos de exercício profissional, tendo atuado em seu país e no Brasil, como editor de importantes veículos da imprensa nacional. Foi professor de História Contemporânea na Faculdade de Letras de Lisboa.

É também antigo militante comunista, valoroso lutador do povo português, tendo exercido o mandato de deputado federal pelo Partido Comunista Português e por esse mesmo partido, exerceu mandato entre 1990 e 1995 no Parlamento Europeu. Ao todo, já publicou 10 livros no Brasil e em Portugal, alguns pela Editora Brasiliense.

Nômades e Sedentários na Ásia Central é um livro recente. Escrito entre fevereiro de 1996 e outubro de 1998, Miguel Urbano dividia seu tempo de jornalista, professor e militante com a redação da obra. Nesse período, cruzou o Atlântico diversas vezes, carregando consigo sempre para consulta, em torno de 30 livros. A grande parte do texto final foi produzida nas cidades de Lisboa, Havana e São Paulo.
O nosso autor é modesto do ponto de vista intelectual. Ao dizer na introdução que não se propõe apresentar uma obra acadêmica, fruto de algum trabalho de investigação e pesquisa científica, acaba oferecendo à comunidade acadêmica em geral, aos estudiosos e pesquisadores do Oriente, aos amantes da história e da boa literatura, uma obra fantástica. Na verdade, apresenta ao mundo uma obra de reflexão, em especial para jovens estudantes.

Além do livro ter sido escrito em linguagem simples, acessível à grande maioria, o autor demonstra grande conhecimento da região não só pela teoria. Visitou, ao longo de sua vida, diversos dos países apresentados no trabalho.
Ao Ocidente em geral, e aos latino-americanos em particular, a Ásia é um continente praticamente desconhecido. Não nos chegou grande parte dessa cultura, dos seus costumes, das suas tradições, da sua religiosidade. Quando muito um pouco dos árabes e do islamismo. Nossa cultura ocidentalizada é greco-romana e judaico-cristã. Nossos livros de história contam muito sobre fatos e datas da Europa e da América, mas pouco falam do outro lado do mundo, a maior porção da terra e onde hoje e sempre viveram bem mais pessoas em toda a história da humanidade.

A obra trata de uma parte da Ásia, a Central. A geografia dessa região, nos últimos 2,5 mil anos foi profundamente alterada em termos de divisão política. Países e Impérios surgiram e desapareceram. O livro traz em suas páginas centrais, diversas lâminas coloridas contendo mapas da antiguidade mostrando a divisão territorial de impérios antigos. Na atualidade, a Ásia central compreende a Mongólia, o Tibete, os Turquestães. Afeganistão, Uzbequistão, entre outros. Mas devido à influência cultural e da importância para a obra, alguns povos foram introduzidos, como os persas, selêucidas e sassânidas. Mesma a Índia, que não faz parte da Ásia Central, aparece com um Capítulo (o X) e parte de outro (quando trata de Buda no Capítulo XVII). Fala-se da China e de suas fronteiras.

O conceito de povos nômades, no sentido vulgar do termo, relaciona-se com "(…) qualquer forma de vida errante, independentemente da base econômica ou sub-estilo de vida (…) Hoje estabelece-se uma diferenciação dos caçadores do paleolítico superior de um nomadismo cujo sentido se restringe ao gênero de vida dos grandes pastores, caravaneiros (comerciantes, escoltas e salteadores) e guerreiros em geral" (1). É deste segundo tipo de nomadismo que o autor trata. Povos e impérios que ocuparam as grandes regiões da Ásia Central, das estepes, foram estudados pelo autor, em especial no que diz respeito às transmissões de cultura, conhecimento e ciência.

Ibn Khaldun foi o primeiro intelectual árabe que estudou de forma consistente esse fenômeno, em especial no norte da África, dos povos nômades do deserto (em especial beduínos) e construiu uma teoria de ciclos de poder, onde os que eram nômades transformam em sedentários e posteriormente acabam vencidos pelos novos nômades que tomam as cidades e repetem esse ciclo. É o que alguns chamam de sociologia da beduinidade.

Mas de quem fala nosso autor? Ao longo de seus capítulos, redigidos em ordem cronológica histórica (começa com os aquemênidas e Alexandre e chega até o Afeganistão de hoje), retrata diversos povos e culturas, sob aspectos sociais, econômicos, militares e políticos.

Alguns dos povos nos são mais familiares, como os árabes, os persas, os turcos, os hindus, os mongóis e afegãos. Outros nos são desconhecidos, como os partos, os bactrianos, os kuchanos, os selêucidas, sassânidas, arianos e usbeques. Assim, o livro abre a perspectiva de conhecermos um mundo novo, para muitos desconhecido, mas com uma riqueza em termos de culturas e valores, que contrasta com nossa ocidentalizada, cujos valores estão centrados na individualidade, no egoísmo e na competição.

Trata também a obra de alguns grandes líderes na história. Retrata suas vidas, de forma breve, realçando os aspectos mais peculiares e importantes, alguns até mesmo sob um enfoque que autores acadêmicos não tratam. A obra nos traz informações sobre líderes mais conhecidos, entre esses Alexandre, Maomé (Mohamad em árabe) e Buda (Sidarta Gautama, em hindu), mas nos fala de outros não muito conhecidos, como Babur, Tarmelão, diversos califas árabes, entre outros.

Unindo duas importantes passagens do livro (árabes, da página 185 e sobre Tarmelão, na 261), um aspecto muito interessante nos chamou a atenção. Ele é conhecido entre os arabistas e os historiadores do Oriente como o encontro do maior líder guerreiro do mundo com o maior intelectual. Trata-se do exato momento quando Tarmelão (na verdade, Timur Lenk, que vai dar origem aos timuridas) encontra-se com o filósofo, sociólogo e jurista árabe Ibn Khaldun (p. 276), no final do século XIV, nas portas de Damasco (hoje capital da Síria e antes sede do Califado árabe).

Há diversos registros históricos desse encontro. O que nos fornece o autor, corrobora outros conhecidos. O grande guerreiro mongol, que preza o conhecimento e a cultura, manda chamar, impressionado com a sua fama, o intelectual árabe e com ele mantém profícuo debate. Faz-lhe perguntas e interroga-o sobre temas da época e da história do norte da Africa, o Magreb árabe, uma especialidade de Khaldun (tunisiano de nascimento). Por esse debate, o líder mongol manda conduzir em segurança Khaldun além das portas de Damasco. Mas há outra versão, talvez mais folclórica, que menciona o convite de Tarmelão para Khaldun trabalhar com ele. Este responde que não era nada sem os seus livros, e deles precisava. Diz que com eles, poderia "assessorar" melhor seu futuro líder. Tais obras estavam no Cairo, onde vivia sua família. Tarmelão autorizou-o a buscar seus livros e Khaldun acabou se livrando assim da prisão e, no Cairo, acabou tomando-se Grão Cadi Malikita (espécie de juiz da suprema corte muçulmana) (2).

Destacamos ainda a transcrição de parte do discurso de Alexandre, à frente de suas tropas, que davam demonstração de descontentamento e insubordinação.

É uma bela peça de oratória, ainda que não se tenha uma confirmação de cem por cento da autenticidade do trecho (p. 84-85). Uma passagem da história que nos mostra coragem, bravura, respeito aos subordinados e hábitos e comportamento simples e austeros dos chefes militares, coisas raras nos dias de hoje.

De fato, não se trata de uma obra acadêmica, exclusivamente teórica, cansativa. Pelo contrário, um trabalho que nos traz à luz, em especial para os latino-americanos, elementos de informação de povos e culturas que poucas vezes ouvimos falar.

Traz-nos à luz ensinamentos de beleza, justiça e igualdade, já praticados há mais de 2 mil anos, em absoluto desuso na atualidade. Com palavras simples e com paixão, Miguel Urbano nos revela um mundo do recôndito, um mundo de beleza, de mistério, de sabedoria com o qual não estamos acostumados. Extrair ensinamentos sobre esse passado longínquo, conviver com a diversidade e nela conquistar a unidade dos povos e países, é uma perspectiva que o livro acena.

Com bem disse Malraux, mencionado pelo autor em seu epílogo, é preciso manter nossos estudos e nossas paixões intelectuais até mesmo como uma obsessão, para que possamos extrair dele o maior proveito.

Notas
(1) Dicionário de Ciências Sociais, Editora da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1987, p. 820-821.
(2) Esta passagem é retratada pelo Professor José Khoury, em sua magistral tradução dos Prolegômenos, de Ibn Khaldun, direto do árabe. Editado em São Paulo pelo Instituto Brasileiro de Filosofia. Volume I, p. 553, 1958.