Com a crescente onda de desemprego no Brasil e no mundo, a questão da qualificação profissional tornou-se um tema obrigatório. Incontáveis seminários e uma avalanche de obras têm tratado do assunto na fase recente. Neste sentido, o livro de Fernando Fidalgo surge em excelente oportunidade. Além de atual, apresenta uma leitura crítica, sob a ótica marxista, desta complexa questão, contestando muitos dos mitos em voga. Para isto, utiliza volumosa pesquisa, a partir das experiências em curso na França e no Brasil.

Logo de cara, o livro indica que a ênfase dada ao assunto pelos organismos do capital visa basicamente a elevar os níveis de produtividade das empresas e aumentar sua capacidade competitiva. Não há nenhum interesse humanístico, libertador, por parte do patronato e de seus governos. Pelo contrário, as políticas de formação implementadas atualmente levariam "ao aprofundamento das distorções distributivas, ao transferir para o interior dos sistemas formativos a atual lógica da concorrência intercapitalista". Estariam em sintonia com o processo de mundialização do capital e de divisão internacional do trabalho.

Neste processo, a formação profissional deixa de ser responsabilidade do Estado e passa a situar-se nas relações contratuais individualizadas entre empresa/trabalhador. Ela não visa a qualificação do trabalho, mas unicamente a "competência" individual. "A empresa passa a ser entendida como o lugar privilegiado da produção de competências, enquanto que as instituições escolares se responsabilizariam fundamentalmente pela formação inicial, compreendendo as habilidades básicas e as específicas", argumenta o autor.

A análise meticulosa das experiências diferenciadas em curso na França e no Brasil servem para confirmar esta tese central. No caso francês, em função da educação básica ser uma
prioridade do Estado, caberia ao patronato "formar os mais aptos", compondo uma elite competitiva nas empresas. O livro destrincha cada um dos mecanismos patronais usados com este fim: Capital Tempo de Formação (CTF), Balanço Individual de Competências, Co-investimento e outros. Ele denuncia ainda a brutal transferência de recursos públicos para as políticas formativas sob controle direto das empresas.

Já no Brasil, com o dramático quadro do ensino, a ação empresarial neste campo teria três metas: interferir na gestão das políticas educacionais, até mesmo na definição de currículos; reforçar seus instrumentos próprios e impermeáveis de formação (Sistema S); e via ação direta das empresas nas escolas públicas. O governo, por sua vez, estaria interessado em "forjar um novo trabalhador capaz de adequar-se aos mercados informais e/ou precários de trabalho". Essa orientação, de cunho neoliberal, é desmascarada no livro, que privilegia o estudo do Planfor (Plano Nacional de Educação Profissional), do Ministério do Trabalho.

Apesar das diferenças, decorrentes da forma de inserção de cada país na divisão mundial do trabalho, ambas as experiências formativas estariam submissas à lógica do mercado. Na França, "favorecendo os integrados, os mais qualificados, em síntese, os trabalhadores com melhores vantagens competitivas em relação ao conjunto da população". No Brasil, servindo a "finalidade de ajuste dos perfis profissionais dos excluídos, dos menos qualificados, dos que têm menos poder de competição por empregos".

Para atingir tais objetivos, entretanto, governo e patronato dependeriam do envolvimento passivo dos trabalhadores. Daí o empenho em criar instâncias "paritárias", atraindo os organismos de representação dos assalariados. No caso brasileiro, essa parceria se dá via administração do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT) e cria novos desafios para os sindicatos. "Aceitar o jogo da negociação, participando dos conselhos tripartites, implica assumir o risco (…) de fortalecer ainda mais os processos de exclusão e diferenciação social. Ausentar-se desse processo, entretanto, significa vir a ter poucas possibilidades de influir para que as necessidades sociais sejam contempladas".