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A perspectiva histórica do socialismo

1 de fevereiro de 2000

Publicado originalmente na Revista Princípios, edição 56, Fev-Abr, 2000, Pág. 8-11.

O movimento comunista vive grande crise, teórica e prática. No início do século XX uma situação semelhante foi identificada e enfrentada por Lênin. O movimento revolucionário adquire assim nova perspectiva, especialmente com a Revolução Russa de 1917.

Ainda hoje o movimento revolucionário vive uma fase defensiva ligada às derrotas sofridas pelo campo socialista. Surgiram muitas dúvidas e incompreensões. Mais do que nunca é necessário defender os fundamentos da teoria revolucionária e tratar conseqüentemente dos novos fatores que se acrescentaram à realidade objetiva.

Certos estudiosos, pretensamente marxistas, têm feito declarações públicas que expressam posições radicais contrárias aos fundadores do marxismo-leninismo. Buscam a causa da derrota na própria teoria revolucionária de Marx e Engels. Um deles chegou a falar de “marxismo sem utopia”. Mas Marx e Engels foram justamente as personalidades do mundo da ciência que mais combateram, em seu tempo, as teorias e os pensadores utópicos. Foi na polêmica exaustiva com tais concepções que desenvolveram o materialismo dialético e histórico.

Esse quadro atual de crise e dúvidas exige um balanço e a indicação de perspectivas.

A fundação da ciência social

A segunda metade do século XIX foi intensamente marcada pelo desenvolvimento da teoria e o aprofundamento da ciência social. Em todos os campos a ciência se desenvolveu. Darwin, Hegel, Feuerbach e outros gigantes do pensamento humano atuaram nesse período. Todo esse acúmulo de conhecimento fazia parte de um ambiente de discussão e efervescência sobre o estudo dos problemas da sociedade. Novas e complexas questões teóricas foram colocadas na ordem do dia. É nesse contexto que Marx e Engels desenvolveram as idéias mais avançadas e criaram a ciência social, a teoria revolucionária. Até então os problemas eram encarados empiricamente. Marx e Engels superam esses limites e, com o trabalho desenvolvido por eles, a teoria adquire o caráter de ciência.
Isso não aconteceu por acaso. As coisas não nascem espontânea ou voluntariamente. São necessárias as condições objetivas para a elaboração da teoria científica. O capitalismo havia alcançado pleno desenvolvimento e já expunha nitidamente suas contradições. Novos problemas teóricos surgiam como fruto dessa realidade objetiva. O marxismo se desenvolve, assim, em um momento de avanço do capitalismo que exigia pesquisas mais profundas. Esse processo diz respeito ao próprio progresso da sociedade humana.

A segunda parte do século XIX é, assim, marcada pelos esforços teóricos, que resultaram em grande progresso do pensamento humano. É um momento rico em avanços da filosofia e dos conhecimentos científicos relacionados a ela, que resultam na criação da teoria revolucionária, do materialismo dialético e histórico. Só para exemplificar, temos desse período O Capital, uma obra monumental, em que Marx analisa a estrutura do capitalismo, suas contradições e suas perspectivas.
A teoria revolucionária não foi concebida nem se desenvolveu pacificamente, mas enfrentando profundas lutas e contradições – envolta pelos sérios problemas que se delineavam, à época, na tentativa de realização prática da teoria, do confronto teórico e político, no âmbito da Liga dos Comunistas e da I Internacional.

No início do século XX apareceu a contribuição genial de Lênin. Fundamentado em Marx e Engels, ele foi capaz de detectar os novos fenômenos que ocorriam no capitalismo e que não existiam quando os fundadores do marxismo viviam. Identifica uma nova etapa do sistema capitalista. Até então esse sistema se apresentava como o capitalismo da livre concorrência. Na virada do século XIX para o XX, o sistema dá um salto e atinge uma nova etapa – que Lênin examinou com profundidade, descobrindo suas características históricas objetivas – o imperialismo. Lênin escreve O imperialismo, etapa superior do capitalismo, evidenciando os novos problemas apresentados pelo capitalismo colocados objetivamente na ordem do dia. Assim, o líder da Revolução Russa contribui para desenvolver a ciência social, defendendo ao mesmo tempo a teoria criada por Marx e Engels.

Lições do século XX

Assim, a segunda metade do século XIX e o início do século XX assinalam a elaboração da teoria revolucionária. Se examinarmos o decorrer do século XX percebemos que é o século das grandes revoluções sociais, das grandes lutas libertadoras. Apresenta uma seqüência de importantes lutas revolucionárias nunca vistas antes na História. Inicia com uma tentativa de revolução na Rússia em 1905 e tem, em 1917, a primeira revolução socialista – a primeira grande vitória do proletariado mundial, um acontecimento excepcional. Nessa mesma quadra histórica, outro acontecimento de vulto foram as batalhas revolucionárias na Alemanha, em que se destacou o nome de Rosa Luxemburgo.

O século XX é marcado ainda por outras gigantescas revoluções, como a Revolução Chinesa. Se a revolução de 1917 teve como cenário o fim da Primeira Grande Guerra, a Revolução Chinesa se deu no curso de uma longa batalha de cerca de 30 anos, que envolveu também a Grande Marcha. Por sua importância, ela se equipara à Revolução de Outubro na velha Rússia.

Nesse século tivemos também a revolução no Vietnã – uma luta heróica contra a dominação colonial em que o povo daquele pequeno país enfrentou e derrotou a França e a grande potência, os Estados Unidos. Também a Coréia do Norte fez sua revolução popular. Episódio relevante foi também a Guerra Civil Espanhola, marcada por um grande combate contra o fascismo e a reação franquista, luta em boa parte dirigida pelo Partido Comunista da Espanha.

Após a II Grande Guerra ocorreram as revoluções nos países que formaram posteriormente o campo socialista do Leste da Europa – Bulgária, Romênia, Hungria, Tchecoslováquia,
As revoluções do século XX comprovam a teoria de Marx, Engels e Lênin
Polônia, Iugoslávia e Albânia realizaram revoluções populares no quadro da luta antifascista, que em seu conjunto constituíram um importante acontecimento de alcance mundial.

A segunda metade do século XX é marcada também pela luta do povo cubano. Em Cuba, vence de início um movimento nacional-libertador, que depois evolui para se transformar na Cuba socialista, que resiste, apesar do cerco dos Estados Unidos.

Nesse século Ocorreram ainda muitos movimentos revolucionários que se desenvolveram no processo de luta contra o imperialismo e conformaram o movimento pela descolonização. Em Portugal triunfa a Revolução dos Cravos, derrotando o regime fascista e pondo fim ao colonialismo na África. Inúmeras revoluções de caráter nacional e anticolonial tiveram lugar em vários continentes. A América Latina, e também o Brasil, viveu diversos períodos de efervescência revolucionária.
Assim, se examinarmos o século XX, veremos que é o século da rebeldia e dos grandes movimentos libertadores, dos maiores movimentos progressistas que a Humanidade registra.

O que isso significa senão a confirmação da teoria de Marx, Engels e Lênin? O que eles elaboraram e fundamentaram com a ciência social foi comprovado na prática pelas revoluções desse século. Essas grandes lutas se deram sob o prisma das apreciações – maduras e completas – de que o capitalismo já apresenta sua necessária superação.

Hoje se concentram críticas sobre as elaborações de Marx, Engels e Lênin, procurando caracterizá-los como “positivistas” por terem afirmado que o socialismo seria inevitável. São argumentações que, no fundo, servem à defesa do capitalismo. O que Marx e Engels afirmaram foi que – historicamente – é inevitável a superação do capitalismo pelo socialismo, do mesmo modo que foi a superação do feudalismo pelo capitalismo. Esse tipo de crítica à teoria marxista é, na verdade, uma maneira de defender de forma envergonhada o sistema capitalista.

Ao mesmo tempo que enfrentamos combate ao marxismo-leninismo, como lutadores de vanguarda não podemos deixar de verificar os problemas que ocorreram no movimento comunista e revolucionário. E nesse importante estudo temos algumas lições a extrair.

A mais importante nos diz que temos de considerar que a transição do capitalismo ao comunismo não é espontânea nem tarefa de curto prazo. Esse é um dos grandes ensinamentos que os problemas mundiais enfrentados pelas revoluções no século XX nos colocaram. A transição do capitalismo ao comunismo é uma grande etapa histórica que não pode ser medida em décadas. Nessa etapa histórica haverá vitórias e derrotas, avanços e recuos. O processo de transformação da sociedade vai se dar numa etapa de maiores dimensões porque a vida demonstra que o socialismo não é algo perfeito e acabado, que feita a revolução, tudo será resolvido. É, ao contrário, um novo modo de produção, uma forma nova de organizar a sociedade, nos marcos de um difícil processo para conquistar a consciência das pessoas.

As relações capitalistas de produção nasceram no seio da sociedade feudal junto às novas formas que levaram à ascensão do capitalismo. Já as relações socialistas de produção não podem surgir dentro do sistema capitalista, que é inteiramente, e por princípio, contrário a elas. O novo modo de produção socialista só pode nascer com a vitória da revolução proletária. Mas como construir a nova sociedade? Não há receita nem modelo a seguir, pois as nações do mundo são diferentes há algumas vivendo em fases quase feudais e até em certo sentido escravistas; há outras bastante avançadas. O novo regime foi criado em nações atrasadas, como a velha Rússia. Na China, as tarefas são imensas com uma população de mais de 1 bilhão e 200 milhões de habitantes. Não são fáceis nem simples as realizações e conquistas da revolução. As derrotas nos ensinam que a revolução, uma vez vitoriosa, está sempre cercada pelo capitalismo – que tem os meios de influenciar indivíduos isolados e camadas dos países revolucionários. A transição ao socialismo é, assim, problema de toda uma etapa histórica.

Por outro lado, essa compreensão não nos deve deixar paralisados com a derrota nem enredados com suas conseqüências negativas. Ao contrário, devemos ter presente a noção de que a etapa histórica de transição já começou e vai prosseguir. O século XXI será marcado por intensas lutas e prenhe de movimentos revolucionários.

Compreendendo não ser fácil a passagem do capitalismo ao socialismo, temos ao mesmo tempo a percepção de que está em nosso alcance a possibilidade de acelerar o processo para a passagem à nova etapa histórica.

Quais são os fatores que podem apressar a superação do capitalismo?

O primeiro envolve o devido equacionamento da questão da consciência social. Não se conquista facilmente a consciência das pessoas. É fundamental que o grande desenvolvimento da ciência social e da teoria revolucionária, além de ganhar as fileiras do Partido Comunista, abarque as grandes massas da população. Lênin já dizia que sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário; quer dizer, sem a formação de uma consciência social revolucionária, não há revolução que se concretize e se sustente. É uma tarefa na ordem do dia no mundo inteiro a de desenvolver o processo de formação de uma consciência social avançada e levá-la às grandes massas do povo. Portanto, é tarefa fundamental do Partido elevar sua formação teórico-ideológica e promover a conseqüente disseminação da teoria na sociedade.

O segundo fator é a existência do Partido Comunista – a questão do Partido como fomentador dessa consciência social. Na sociedade ele é o portador da consciência revolucionária, que não nasce espontaneamente no contexto social, nem mesmo nos movimentos popular e operário. Esse é um problema teórico de grandes dimensões. O Partido Comunista é o único que pode difundir a teoria revolucionária e ganhar o conjunto da população para a compreensão dos fenômenos da sociedade. Assim, ao contrário do que dizem certos pensadores sobre o papel da classe operária e do Partido, é ele uma necessidade histórica, fundamental na aceleração da etapa de transição.

Não concordamos com os falsos teóricos quando afirmam que a teoria marxista está errada porque não se concretizou a previsão de Marx e Engels de que a revolução socialista ocorreria nos países mais desenvolvidos. Isso nos remete a uma diferenciação importante na análise da teoria. Há afirmações que, mesmo tendo sido feitas pelos autores clássicos, não fazem parte da teoria revolucionária propriamente dita. Constituem tentativas de aplicação da teoria, opiniões conjunturais.

Lênin enfatizou a esse respeito que havia chegado a época das revoluções proletárias, das grandes lutas contra o capitalismo, caracterizando esse sistema como portador da reação em toda linha e da intensificação do jugo nacional – o imperialismo.

Esse problema envolve todos os povos do mundo em nossa época. Mesmo no Brasil já compreendemos que não ocorrerá revolução sem se enfrentar o inimigo maior – o imperialismo – o que põe em relevo a questão nacional. O capitalismo não tem saída. O monopólio se aprofunda cada vez mais em todas as partes e ramos da economia. A riqueza se concentra nas mãos de um pequeno grupo de pessoas e as megafusões aceleram esse processo.

Por isso, entendemos que a revolução é inevitável. Porém, não é automática. Depende de um gigantesco trabalho de disseminação da consciência social, da teoria revolucionária e de um grande esforço do Partido para organizar o povo.

João Amazonas é presidente nacional do Partido Comunista do Brasil – PcdoB

EDIÇÃO 56, FEV/MAR/ABR, 2000, PÁGINAS 8, 9, 10, 11

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