De várias maneiras, a heterogeneidade do sistema de ensino superior e de investigação científica reproduz as distorções históricas – sociais e regionais – que o país vem arrastando, como bolas de ferro nos calcanhares, desde os tempos de colônia.

Para começar, a pesquisa nacional concentra-se sobretudo nas universidades públicas e nos centros de pesquisa vinculados ao governo. Uma fração menor se encontra nos centros de pesquisa e desenvolvimento de empresas estatais e em institutos estaduais. A indústria responde por parcela muito pequena desse esforço: a de origem estrangeira tem demonstrado, inclusive, total desinteresse em repetir aqui os investimentos em pesquisa que suas matrizes já realizaram nos países centrais.

Ocorre, paralelamente, uma grande concentração nos centros de pesquisa da região Sudeste, responsável por 80% dos resultados mensurados pelas agências de fomento, 45% somente no Estado de São Paulo. Do contingente de pesquisadores baseados em São Paulo, por exemplo, pouco mais de 16 mil, 11.215 estão nas universidades, 3.237 nos institutos de pesquisa federais ou estaduais e 1.237 em empresas públicas ou privadas.

Essa massa considerável de cientistas mostra uma clara correlação com a expansão do programa de pós-graduação nacional, embora evidencie igualmente uma "sangria" nos quadros de faixa etária mais avançada, aposentados precocemente por receio de perda de direitos previdenciários ou atraídos por universidades particulares, que remuneram bem, mas não têm interesse específico na pesquisa.

Problemas de economia interna à parte, alguns desdobramentos positivos dessa nova realidade podem ser observados, como por exemplo o expressivo crescimento, a partir de 1975, da participação brasileira na massa de trabalhos científicos publicados em revistas internacionais indexadas. Ainda que essa participação não passe de 0,61 % do total da produção mundial (maior, em todo caso, que nossa participação de 0,04% no movimento geral de patentes registradas nos Estados Unidos), pela primeira vez o Brasil passou a fazer parte do grupo das vinte nações que mais publicaram no mundo em termos de ciência e tecnologia. As publicações refletem de alguma forma o esforço de pesquisa em andamento.

O Brasil investe cerca de 0,9% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento, percentual sem dúvida significativo em termos latino-americanos, mas ainda modesto em relação ao investimento proporcional feito nos países centrais (entre 2,5% e 4% de seus respectivos Produtos Internos Brutos). Considerando que uma economia como a norte-americana tem volume cerca de dez vezes maior que a da brasileira, daí resulta que ambos os investimentos em pesquisa e desenvolvimento mantêm uma relação em torno de quarenta para um.

Sendo a diferença a superar inimaginável, cabe ao país a alternativa bastante razoável de apontar sua pesquisa na direção que mais lhe interessa, abrindo nichos de relevância social e procurando, tanto quanto possível, potencializar o desenvolvimento socio-econômico.

Além do crescimento quantitativo e qualitativo, será necessário mobilizar o esforço nacional para desenvolver vantagens comparativas em áreas específicas – antes de mais nada, defini-Ias -, incorporar demandas sociais e gerar tecnologias apropriadas à realidade urbana, rural, industrial, agrícola e cultural do país. Isso tem muito a ver com o amadurecimento da pós-graduação, o adensamento dos programas de pesquisa e a necessidade da dar ao país um perfil mais competitivo no mercado mundial, tarefa que, sob todos os aspectos, reserva um papel importante à Universidade. Que, levando em conta sua constituição tardia e sua expansão sem precedentes, demonstra ter muito mais futuro que passado e, numa perspectiva histórica mais longa, excelentes razões para não se cobrir de desânimo. ~

Hermano Tavares é reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Este artigo foi publicado originalmente na Folha de 5 Paulo em 17/2/2000

EDIÇÃO 56, FEV/MAR/ABR, 2000, PÁGINAS 78