Faleceu na Espanha, aos 96 anos, em outubro de 1999, o poeta Rafael Alberti. Ninguém se referiu particularmente à sua contribuição à moderna poesia espanhola, às suas pesquisas de comparações e metáforas para a construção de uma linguagem poética no seu sentido de totalidade. Alberti foi da geração de Lorca, Antônio Machado, Hernandez. Foi também da geração de Picasso, Salvador Dali, Chabás, José Maria Platero, Blasco Garzón, e um dos seus mais destacados membros. Com uma particularidade: era comunista. Comunista que ligava sua inspiração aos compromissos sociais com os seus semelhantes: pastores, marinheiros, prostitutas, ciganos, operários, camponeses, homens sem-teto, sem remédio para as feridas: os homens de Máximo Górki. Por outro lado, a poesia de Alberti é feita através de uma técnica altamente elaborada, oscilando do soneto às experiências surrealistas.

O espectro temático da sua obra abarca desde os anjos simbolicamente representados com diversos significados, aos acontecimentos dramáticos e sangrentos da Guerra Civil espanhola. Usa também o touro, simbolicamente, com significados poli valentes. Como contraponto lírico-dramático, a exemplo de Neruda, ele desenvolve o sentimento marinho e a figura do mar como símbolo de libertação permanente.

Era um poeta de dimensão olímpica, quase perfeito na sua dicção simbólica e na sua construção técnica. Quando se referia ao mar – ele foi também um pintor de marinhas cantava-o num diapasão solene:

Cantan en mi, maestro mar, metiendose
por los largos canalis de mis huesos,
olas tuyas que son olas maestras,
vueltas a ti outra vez en un unido,
mezclado y solo mar de mi garganta:
Gil Vicente, Machado, Garcilaso,
Baudelaire, Juan Ramón, Ruben Dario, Pedro Espinosa, Góngora … y Ias fuentes
que dan voz a Ias plazas de mi pueblo.
………………………
Te meti, desde nifío, chica mar, en mi frente
y alli fuiste creciendo en oleaja,
hasta hacerte mujer
y hombre a un mismo tienpo .
………………………
Me asomé a ver el mar. Y vi tan solo una mujer llorando
contra el cuarto menguante de una luna creciente

O mar, para Alberti era um símbolo de libertação permanente e ele o usa tanto nas produções de lírica amorosa, como nas obras de cunho social e político no primeiro plano. O poder de transfiguração da realidade criada por esta poesia leva-nos a conjecturar quais as razões do seu esquecimento posterior e o silêncio quase total sobre a sua importância e o destaque permanente sobre a poesia de Lorca. A própria vida de Rafael Alberti talvez explique em parte o fato. Participante político, viveu todo o drama da República Espanhola, da Guerra Civil (1936-1939) sua derrota e a amargura do exílio permanente por vários países. Quando a consciência democrática do mundo voltava-se para o resultado da luta, foram criadas as Brigadas Internacionais, voluntariado daqueles que desejavam lutar ao lado dos republicanos. Dentro dessa conjuntura de enfrentamento militar, o Partido Comunista Espanhol cria o 5° Regimento, brigada de choque composta de militantes e que estava sempre nos lugares mais perigosos da luta. Alberti registra na sua poesia esta participação:

Mafíana dejo mi casa,
dejo los bueyes e el pueblo.
Salud: Adonde vas, dime?
– Voy aI5°Regimiento.
Caminar sin agua. a pie.
Monte arriba, campo abierto.
Voces de gloria y de triunfo
– Soy deI 5° Regimiento.

Este poema, como os outros dessa fase dramática para o poeta e para a sua poesia está no livro El poeta en Ia Calle. (romanceiro da guerra de Espanha), publicado em 1936. É nesse livro que ele insere poemas de combate, como "Defensa de Madrid, defesa de Cataluña". Não apenas o político, mas o poeta também comparece com a sua poesia, a sua ação e a recobre de um timbre de denúncia.
Alberti é um poeta de extração clássica espanhola. Tecnicamente apoia-se nos clássicos como Quevedo, Cervantes, Garcilaso, Gôngora, Lope de Vega, Calderon de La Barca e outros, mas procura apoiar-se, também, no cancioneiro popular espanhol, um dos mais ricos do mundo. Daí a sua inspiração, de um lado clássica, mas, por outro lado, a sua ligação dinâmica com as raízes populares do pensamento poético espanhol.

É um poeta que executa a sua obra de um ponto-devista estritamente nacional, mas, através dele, pela sua temática diferenciada chega ao universal. Não se preocupa, por outro lado, em dar uma forma popularesca ou aristocrática, mas, manipulando os elementos do clássico e do popular elabora uma obra unitária, com argamassa própria. É um poeta capaz de representar qualquer literatura num nível de elaboração formal clássica. Como já dissemos, Alberti teve uma etapa surrealista na sua poesia. Aliás, não apenas ele, mas os poetas de vanguarda e que posteriormente seriam marxistas como Aragon, P. Eluard, Cesar Vallejo e Maiakovski. Mas, de maneira geral o seu discurso poético é muito pessoal. Suas poesias de cunho social e político não têm nada de panfletárias ou demagógicas. São construídas com muita nobreza e especificidade de linguagem poética, como neste poema que ele faz em homenagem a Madri:

Ciudad de los más turbios siniestros provocados,
de Ia angustia nocturna que ordena hundirse aI miedo
en los sótanos lividos con ojor desvelados,
yo quisiera furiosa pero impasiblemente,
arrancarme de cuajo Ia voz, pero no puedo …
para pisarte toda tan silenciosamente
que Ia sangre tirada
mordiera, sin protesta, mi llanto y mi pisada.
…………………………….
Ciudad, ciudad presente,
guardas en tus entrafías de catastrofe y gloria
el germen más hermoso de tu vida futura
Bajo Ia dinamita de tus cielos, crujiente,
se oye el nacar deI nuevo hijo de Ia victoria.
Gritando y a empujones Ia ti erra 10 inaugura.

Com o general Kleber, um dos comandantes das forças republicanas, Alberti conversa através de um poema trágico, já nos últimos meses da resistência republicana:

Kleber, mi general, oye conmigo
lo que mi voz hey tiene de elegia
de piedra rota y destrozado trigo;
luego, tanbién, lo que en mi voz
hoy suena tranquilamente a gran mensajeria,
a fusil que un instante se serena.
Medio cielo de Espafía, media aurora
(la otra mitad gime en poder de moros)
puede alumbrarte el sol en esta hora.

Eram poesias que saiam das trincheiras; muitos intelectuais redigindo pequenos jornais para a tropa. Todos, porém, unindo o verbo à ação e, em algumas vezes, o verbo se fazendo ação. Faz poemas sobre as Brigadas Internacionais, sobre cenas de batalhas, sobre a morte de Garcia Lorca, tudo isto através de um tratamento estético elevado: cria uma linguagem poética para os temas.
No seu livro Entre el clavel y Ia espada, produzido entre 1939-1940, encontramos este soneto de construção neoclássica e ao mesmo tempo de protesto:

(Guerra a Ia guerra por Ia guerra) Vente.
Vuelve Ia espalda. El mar. Abre Ia boca.
Contra una mina una sirena choca
y un arcángel se hunde, indiferente. Tiempo de fuego. Adiós. Urgentemente
Cierra los hojos. Es el monte. Toca.
Saltan Ias cumbres salpicando roca
y se asesina un bosque, inutilmente.
Dinamita a Ia luna tanbién? Vamos.
Muerte a Ia muerte por Ia muerte: guerra. En verdad, piensa el toro, el mundo es bello.
Encendidos están, amor, los ramos.
Abre Ia boca. (El mar. El monte) Cierra los ojos e desátate el cabello.

O regresso de Alberti à Espanha foi recebido com alegria pelos antigos camaradas. Mas, como Alberti que lutou pela República Espanhola sentiu-se numa Espanha monárquica, e, acima de tudo, governada pelo delfin imposto pelo ditador? A República Espanhola, após a sua derrota, mantinha um governo no exílio reconhecido inclusive por diversos países. A "redemocratização" espanhola, feita na base de compromissos políticos no mínimo discutíveis não deveria ter agradado aos olhos de Rafael Alberti. Contudo, sustentou até o fim da vida a sua condição de comunista e poeta.

A sua obra deverá ser reabilitada pelos intelectuais espanhóis e, de qualquer maneira, já é um marco dos mais significativos no desenvolvimento da poesia mundial ao lado de Brecht, Maiakovski, Nazin Kimet, Cesar Vallejo, Neruda, Gabriela Mistral e de todos aqueles que deram a sua contribuição de beleza para a dignidade do homem e da Poesia.

Clóvis Moura é sociólogo e escritor.

EDIÇÃO 56, FEV/MAR/ABR, 2000, PÁGINAS 75, 76, 77