No último dia 30 de maio, por iniciativa do deputado Nivaldo Santana, líder do PCdoB, a Assembléia Legislativa de São Paulo homenageou o centenário do engenheiro e ex-deputado comunista Catullo Branco. Princípios publica o texto de Zillah Branco, sobrinha de Catullo, com base em sua participação no evento

EM POUCAS palavras poderemos traçar a biografia de Catullo Branco: nasceu em São Paulo, a 30 de maio de 1900, cresceu em ambiente de classe média que prezava a formação cultural e a participação nas lutas sociais, formou-se como engenheiro pela Escola Politécnica em 1924, trabalhou na Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de São Paulo de 1929 a 1959 tendo se ausentado de 1946 a 47 quando foi eleito deputado estadual sob a legenda do Partido Comunista do Brasil (então PCB). Tudo estaria dito se omitíssemos as suas qualidades individuais traduzidas na sua simpatia e respeito humano irrestrito, o seu notório talento de inventor, artesão e autor de projetos de desenvolvimento nacional, os elevados princípios éticos que definiam a sua honradez, a seriedade com que enfrentou os seus deveres de cidadão dedicando a vida à defesa dos interesses do seu povo, o destemor com que seguiu um caminho revolucionário enfrentando todas as dificuldades impostas aos comunistas, das perseguições políticas e policiais ao confronto com as forças imperialistas. Era um forte que se apresentava com extrema modéstia.

Catullo Branco foi casado com uma mulher do porte da sua grandeza, Josephina Murgel Branco, que o acompanhou sempre na vida profissional e partidária, dando inestimável colaboração. Formaram um casal indissociável, o que nos obriga a falar sempre de ambos pelo entrelaçamento das personalidades, das atividades, dos sacrifícios, dos ideais, da vida. Os seus amigos foram muitos, mesmo entre os que seguiam diferentes caminhos ideológicos. Curiosamente, ainda hoje, continua a cativar os que tomam conhecimento daquela vida exemplar de brasileiro coerente com a sua formação.
Catullo Branco viveu com dedicação plena ao desenvolvimento das condições de vida do povo brasileiro, foi pioneiro em obras de engenharia hidráulica, sofreu perseguições políticas que impediram a realização de vários projetos hidrelétricos no Estado de São Paulo e que o levaram à prisão quando participava da campanha pela paz mundial. Seguiu serenamente a sua vida, com modéstia e perseverança, combatendo as injustiças que têm privado o povo brasileiro do bem-estar a que tem direito, sem nunca desistir da contribuição que queria e podia dar ao seu país com o seu trabalho criativo.

Desde jovem, aderiu à corrente de pensamento que buscava os caminhos de desenvolvimento para o Brasil. Não separava a modernização tecnológica, que traz o progresso, das condições do povo, tendo sempre como meta o desenvolvimento integrado da população brasileira e dos seus meios de atuação e crescimento econômico. Essa exigência – da integração dos cidadãos nos passos históricos do desenvolvimento global – esteve na base do seu pensamento democrático, do profundo respeito que cultivava pelo ser humano, pela natureza, pela organização da sociedade.

Em todos os seus trabalhos, assim como no relacionamento com pessoas de todos os quadrantes ideológicos, deixou gravada esta sua marca despojada de ambições mesquinhas e aberta a novos conhecimentos. Era um homem simples que se considerava um caboclo bem brasileiro, "fazedor de relatórios", como dizia para explicar que não tinha facilidade para escrever livros. Deixou, no entanto, uma vasta obra de engenharia hidráulica, estudos de energia eólica, acurada investigação do potencial de energia hidrelétrica existente no estado de São Paulo.

A sua contribuição para o desenvolvimento nacional teve início muito cedo, mesmo antes de 1928, quando passou a integrar os quadros da Inspetoria de Serviços Públicos da Secretaria de Viação e Obras Públicas. Fez estudos aprofundados sobre a energia eólica e hidrelétrica, produzindo textos pedagógicos como "Manual do Engenheiro", "Noções sobre a Lubrificação", "Produção Hidroelétrica" e "Técnica Hidroelétrica", com o objetivo de facilitar a compreensão dos importantes temas, tanto para os seus alunos do Instituto de Tecnologia de São Paulo, quanto para os que, nos trabalhos rurais, necessitavam do impulso da energia para a sua evolução. Realizou outro projeto pioneiro, antes de ser construída a linha de Metrô na cidade de São Paulo, de implantação de uma linha de ônibus elétrico ligando Vila Mariana ao centro da cidade.

Aproveitando um período de licença-prêmio, e por sua "própria conta", como fazia questão de frisar, o casal visitou a grande obra do Tennessee Valey, nos Estados Unidos, em 1941, de onde trouxe inspiração e experiência para os seus estudos. Impressionado com a abrangência daquela obra de múltiplos aproveitamentos (produção de energia elétrica, controle de enchentes, navegação fluvial, saneamento, turismo, piscicultura e irrigação) serviu-se do seu modelo para a fundamentação dos seus vários projetos de usinas hidrelétricas para o estado de São Paulo. Aprofundou o conhecimento da história norte-americana e, sobretudo, do grande esforço realizado por juristas nas Cortes de vários estados daquele país para evitar as nefastas conseqüências da formação de holdings e trusts que monopolizavam serviços de interesse público. Nesses aspectos fez parceria com seu irmão, engenheiro Plínio Branco, que desenvolveu uma extensa obra sobre administração pública na Prefeitura de São Paulo para fundamentar as teses de encampação das empresas estrangeiras que controlavam os serviços públicos de distribuição de gás, energia elétrica e telefone.

Dos seus grandes projetos, destacam-se a Usina de Caraguatatuba, no bojo de um amplo projeto de desenvolvimento para o vale do Paraiba, a Usina de Barra Bonita, no rio Tietê e a Usina de Capivari-Monos, na Serra do Mar. Foi o autor do primeiro plano integrado de aproveitamento múltiplo das águas no vale do Paraiba e da primeira hidrovia nacional – que os que o querem esquecer insistem em substituir o nome oficial que é Hidrovia Engenheiro Catullo Branco – e hoje liga o rio Tietê ao rio Paraná abrindo o caminho mais econômico para o Mercosul.

Convencido de que o desenvolvimento nacional só seria alcançado através de amplo programa de eletrificação, propôs desde o início a forte presença do Estado na condução e implantação desse programa, sendo, por isso, muito combatido por aqueles que defendiam a exclusiva participação da iniciativa privada nessa área. O tempo mostrou que ele estava com a razão, pois foi a iniciativa governamental na produção de energia em São Paulo, dando origem a um dos maiores conglomerados de produção de energia elétrica do mundo, que assegurou a pujante industrialização do estado.

Ideal de independência nacional

Sem entrar no velho debate sobre desenvolvimento, crescimento econômico e desenvolvimentismo, Catullo Branco fundamentava o seu trabalho na busca de melhores soluções de aproveitamento dos recursos nacionais para propiciar à população as condições de progresso e bem-estar necessárias à sua evolução pessoal e social. Tinha um raciocínio lógico orientado pelo bom senso e pela sua formação marxista.

Para compreender as suas preocupações ressalta, na sua formação, o ideal de justiça, que desde muito jovem norteou a sua conduta, inspirado nas lutas sociais do século XIX, e a vivência numa época histórica em que no Brasil eram confrontadas as posições da velha oligarquia conservadora no poder contra as manifestações republicanas que abriam caminho à moderna sociedade industrial com todas as alterações institucionais e culturais já experimentadas nos países mais desenvolvidos. Este quadro político que servia de referência aos jovens estudantes das cidades brasileiras no início do século XX foi marcado por novas situações que expunham o conflito entre os que buscavam o caminho do desenvolvimento econômico e social sem o sacrifício da independência nacional e os que preferiam atrelar o país a forças externas que importavam as vantagens tecnológicas alcançadas por outros países. Os nacionalistas contra os entreguistas, como eram conhecidos na época.

Curiosamente, tanto os grupos econômicos que se infiltraram na estrutura de poder do Brasil quanto os debates jurídicos e políticos a favor da independência nacional que mais o impressionaram vieram dos Estados Unidos e do Canadá. Nos anos 30 e 40 aquelas nações exportavam os produtos do sistema capitalista que consideravam indesejáveis para o seu próprio desenvolvimento interno: o poder empresarial que ameaçava o Estado com a constituição de monopólios de serviços de utilidade pública, e internamente condenava a corrosão com a qual a ganância capitalista ameaçava o poder institucionalizado.

Catullo Branco recolheu dos vários exemplos históricos da sua época -levante do Forte de Copacabana, Revolução Libertadora do Rio Grande do Sul, Rebelião de São Paulo em 1924, Coluna Prestes, Revolução Constitucionalista de São Paulo, levante da Aliança Nacio- . nal Libertadora, que ocorreram no bojo das manifestações internacionais que culminaram na Revolução Socialista – os elementos formadores da sua ideologia revolucionária e, paralelamente, consolidou a sua formação profissional com aprofundados estudos da experiência norte-americana, tanto nos aspectos técnicos do aproveitamento dos recursos hídricos quanto nos conceitos de administração pública, tendo em vista a responsabilidade das instituições do Estado em relação à população e ao próprio território. Tornou-se um comunista capaz de apreciar as valiosas conquistas científicas e tecnológicas alcançadas no sistema capitalista.

Como cidadão brasileiro rejeitou sempre a presença de formas estrangeiras no sistema de poder nacional e desenvolveu urna luta sem tréguas contra as imposições do grupo empresarial Light & Power que atuava na área da energia elétrica, de gás e transporte urbano.
Corno militante comunista denunciou permanentemente o papel do neocolonialismo e do imperialismo na manutenção do atraso social e econômico do Brasil com a consolidação dos laços de dependência e submissão em relação aos países desenvolvidos. Catullo tinha a convicção de que o papel da Light era o de retardar a implantação de fornecimento de energia (e encarecê-Ia com projetos absurdos), para dificultar o desenvolvimento nacional.

Corno deputado comunista bateu-se pela encampação da Light em 1947, mantendo elevado nível de diálogo com políticos de campos ideológicos diferentes que, corno ele, defendiam a integridade e a independência nacionais. Depois de afastado da Assembléia Legislativa de São Paulo por ocasião da cassação de mandatos do Partido Comunista do Brasil (PCB), contou com a dedicação de homens de valor corno os deputados Cid Franco, Jaurez Guisard, Jethero Faria, Chopin Tavares de Lima, de diferentes partidos, que deram prosseguimento aos seus trabalhos de denúncia.

Corno engenheiro especializado em aproveitamento dos recursos hídricos estudou os projetos do engenheiro Billings e outros que integraram a empresa Light corno Hugo Cooper que trabalhou no Brasil em 1898 e em 1932 dirigindo a construção das obras hidrelétricas de Dniepro-Petrovsk na União Soviética. Não era um tecnocrata, tinha a visão integrada dos problemas da sociedade, por isso também estudou os projetos do engenheiro sanitarista Saturnino de Brito para o governo do Estado de São Paulo, os textos do deputado Homero Batista e do jurista Alfredo Valadão para a criação de urna legislação sobre o uso das águas no Brasil, a obra do professor Anhaia MeIo sobre Serviços de Utilidade Pública, assim corno os vários projetos de produção de energia.

Tornou-se um profundo conhecedor da história da energia elétrica no Brasil e palmilhou grandes áreas onde existiam condições para a construção de usinas hidrelétricas.

Catullo Branco repudiava corno "entreguismo" todas as formas de submissão ao controle estrangeiro. Procurava promover a capacidade nacional de assimilar o conhecimento existente nos países desenvolvidos e de dialogar com os colegas estrangeiros sem o sacrifício da dignidade brasileira.
Deputado comunista

Catullo Branco não tinha a personalidade de um político tradicional. A sua atuação corno deputado deveu-se exclusivamente à consciência de cidadão brasileiro empenhado em tudo fazer pelo desenvolvimento do seu povo e pela defesa da integridade nacional. Encontrou na militância comunista o caminho da participação na luta coletiva e não cedeu às suas próprias características de estudioso das questões hidrelétricas e de homem simples que o manteriam à margem dos embates sociais e políticos que dinamizaram a sua época. Enfrentou um ambiente que não era o seu, onde a sua natural boa fé era transformada em ingenuidade exigindo contínua preocupação para não sacrificar o essencial da sua batalha. Contava com os seus companheiros, com o seu Partido, para desempenhar aquele novo papel social para o qual não estava vocacionado e retribuiu levando o seu conhecimento profundo à tribuna parlamentar e aos comícios em praça pública.

No ano de 1947 ocupou o lugar de Deputado eleito na Assembléia Constituinte do Estado de São Paulo, tendo sido indicado por 64 dos seus colegas dos vários partidos para a função de 2° Secretário da Mesa, no dia 14 de Março.

Os Anais da Assembleia registram desde o dia 8 de Abril de 1947, quando Catullo Branco pela primeira vez fez uso da palavra naquela tribuna, até o dia 12 de Janeiro de 1948 em que foram cassados os mandatos dos deputados comunistas, urna seqüência de discursos que revelam o empenho e a dedicação de um cidadão patriota. Cerceada a sua liberdade de exercer o mandato para o qual fora eleito, foi mantida com a sua contribuição política, a imagem de honestidade, competência, combatividade e inigualável espírito humanitário, corno patrimônio histórico que engrandeceu a memória da Assembléia Estadual de São Paulo que a cassação dos mandatos dos deputados comunistas não conseguiu apagar.

Quando o Tribunal Superior Eleitoral, em cumprimento à determinação do presidente da República Eurico Gaspar Dutra, comunicou à Assembléia de Deputados do Estado de São Paulo a decisão de cancelar o registro do Partido Comunista do Brasil impondo a cassação dos deputados comunistas que estavam no desempenho da função para a qual foram democraticamente eleitos, Catullo Branco recusou participar da Mesa na qualidade de seu 2° Secretário, declarando-se contra a cassação de mandatos e denunciando aquele ato arbitrário e anticonstitucional.

A Nação brasileira foi a grande derrotada naquele momento porque os que foram privados da liberdade de expressão nos Parlamentos enfrentaram a derrota política com a honra de que só são capazes os que carregam consigo os valores éticos e os ideais mais puros. Os temas abordados pelo deputado Catullo Branco foram vários, mas sempre tendo como meta "a luta por um Brasil melhor, por um povo mais feliz", como dizia. Como era natural na sua formação profissional, a sua maior contribuição foi na denúncia da enorme deficiência de abastecimento de energia elétrica no estado de São Paulo. Ressaltava a importância de um suprimento farto e barato não só para a população em geral como para o desenvolvimento da indústria e da produção agrícola.

Estabelecendo o vínculo entre a disponibilidade de energia e o desenvolvimento das indústrias de base – como a do alumínio, dos aços especiais, dos nitratos necessários à fabricação de adubos para a agricultura – apontava o interesse antagônico do "capital colonizador" aplicado através da grande empresa Light & Power que avançava no seu objetivo monopolizador. "É que, com energia elétrica barata e farta, teríamos também as indústrias básicas e, com as indústrias básicas, deixaríamos de ser país semicolonial, país de economia dependente. "

Na primeira intervenção em Plenário, Catullo Branco relatou a grande crítica que fazia à empresa Light que requeria (e obtinha do governo) autorização para lançar as águas do rio Paraiba no rio Tietê cujo nível ficava a 190 metros acima exigindo bombeamentos que encareciam a energia produzida, em lugar de levar o Paraíba serra abaixo num projeto que seria mais barato e capaz de produzir 1 milhão de H.P. "Esta política de tolher o nosso desenvolvimento elétrico é conhecida mundialmente como barreur de chutes", e acrescentava: "visava ainda impedir a terceiros a concessão do desvio do Paraíba em Caraguatatuba". ( … ) "Em torno dos nossos grandes mananciais, onde poderiam ser montadas grandes usinas, tem-se desenvolvido uma verdadeira sucessão de lutas, em que o esforço nacional é absorvido em atritos." ( … ) "Foi o caso que se deu, por exemplo, com relação ao Capivari em seu desnível de 680 metros na Serra do Mar, obra impedida pela Light apesar dos estudos feitos em 1919 pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro e em 1939 pela Estrada de Ferro Sorocabana que indicavam a possibilidade de abastecer a baixo preço aquela região.

Pelas perguntas apresentadas por vários deputados e elogios "ao belíssimo trabalho apresentado" constata-se, na leitura daquela atada 16a sessão ordinária, o re-conhecimento da importância das informações sobre uma realidade mal conhecida pelos representantes do povo de São Paulo. Catullo Branco citou a experiência do Vale do Tennessee, que fora conhecer nos Estados Unidos, pelo êxito de um projeto de aproveitamento múltiplo que, além de produzir energia a baixo custo,favorecia as populações pela regularização dos rios, o abastecimento de água potável e a irrigação dos terrenos agrícolas. Inspirado naquele modelo e apoiado em trabalhos anteriores desenvolvidos por técnicos brasileiros, como o do engenheiro Saturnino de Brito, Catullo Branco desenvolvera um projeto para o Vale do Paraiba que oferecia todas as condições para o desenvolvimento de indústrias básicas e agricultura.

No decorrer de todo o ano de 1947, em que transcorreu a atuação dos deputados comunistas eleitos, foram sendo apresentados os graves problemas que o estado de São Paulo enfrentava relacionados à carência de energia elétrica, ao alto preço das suas tarifas, ao encarecimento do transporte por bondes, às enchentes dos rios que causavam sérios danos às populações ribeirinhas. O cenário que a sociedade apresentava comprovava o acerto das posições daquele engenheiro da Secretaria de Viação e Obras Públicas investido das funções parlamentares. A 22 de Dezembro, o incansável deputado ainda explicava: "A enorme inundação que estamos presenciando no Tamanduateí é apenas uma conseqüência da elevação enorme do nível das águas do rio Tietê que não foi regularizado" e a grave situação de saneamento que as fanu1ias que vivem na zona ribeirinha estão enfrentando, com ameaça de doenças" deve-se ao mau funcionamento do sistema de esgotos, cujas águas estão refluindo, inclusive para dentro das casas".

No ocaso da vida contou com os amigos

No final da vida, lutando ainda pelo magro salário de funcionário público aposentado, Catuno Branco e Josephina receberam o fruto da sua inesquecível simpatia e da permanente disponibilidade para ajudar. Contaram com o conforto e a solidariedade de adultos e crianças que um dia por ali passaram, assim como de destacadas figuras do cenário nacional que acompanharam a vida de luta e coragem do casal. Ele morreu em 1987, vários anos após o falecimento da sua grande companheira Josephina.
Catullo Branco foi duramente combatido, mas nunca cedeu nos seus elevados princípios. Os seus projetos foram arquivados por imposição de interesses antinacionais. Mas, assim como, ainda hoje, os problemas que ele estudou estão por resolver – as enchentes que destróem casas e vidas, a perda irreparável das águas que deveriam abastecer as cidades, as carências de energia elétrica e o seu alto custo – estão também os seus conselhos técnicos que, quando retomados, evitarão o sofrimento e os prejuízos que a população em São Paulo tem injustamente suportado. Declaração de Catullo Branco contra a cassação dos mandatos comunistas

Entendo que falece competência à Mesa da AssembIéia para declarar a extinção de mandatos. As atribuíções da Mesa são reguladas pelo Regimento Interno, 'onde nada se encontra, expressa ou implicitamente, relativo ao assunto. Nem se pode admitir que essa atribuição de 'declarar a extinção de mandatos' possa ser outorgada à Mesa da Assembléia por uma lei federal. "Nos termos do artigo 18 da Constituição Federal cabe a cada Estado reger-se pela Constituição e pelas leis que adotar, com a restrição única dos princípios estabelecidos na mesma Constituição Federal. Não se encontra nessa Constituição Federal nenhuma norma que limite a competência exclusiva da Assembléia de regular sua economia interna, distribuir funções e competências, nesse particular, a seus s,à Mesa e outros. E foi na base dessa faculdade de implicitamente a Constituição Federal às Assembléias Estaduais, que a ConstÍtuição do Estado estatuiu, em seu artigo 21, alínea "a", que "é da competência exclusiva da Assembléia eleger sua Mesa, regular a sua própria polícia, votar o regimento Interno, etc." Cabe, portanto, exclusivamente à própria Assembléia estabelecer e regular as funções da Mesa; e não pode uma lei federal imiscuir-se em tal matéria, uma vez que não se encontra na Constituição Federal, entre QS poderes atribuídos à União e entre as matérias de é competência legislativa federal, essa de regular as funções de um órgão interno da Assembléia.

Assim sendo, mesmo sem entrar na apreciação da parte substantiva da lei n.O 211 (isto é, o seu artigo que será em tempo oportuno julgada pelos Tributendo que o artigo 2°, que dispõe sobre a declaração 4e extinção de mandatos pela Mesa, é inaplicável, por não encontrar fundamento constitucional para essa função que se quer impor à Mesa.

Acresce que o artigo 15 da Constituição do Estado estabelece que as vagas na Assembléia somente se darão por falecimento, renúncia expressa ou perda de mandato; estando os casos de perda do mandato enumerados no artigo 13 e seu parágrafo único; e não se encontrando esses casos nenhum que tenha relação com o estatuído na lei 211.

Nessas condições, estamos em face de dois textos legais em evidente contradição, e, entre eles, temos de escolher. Juriicamente não pode haver dúvidas que deve prevalecer o da nossa constituição , porque trata-se de matéria eminentemente constitucional , e nesse terreno, a competência do Estado encontra-se claramente estatuída no citado art.18 da constituição Federal.

Preferir o disposto na lei 211, é portanto, além de francamente inconstitucional, ema clara manifestação de voto político em favor da cassação dos mandatos dos parlamentares. Para os juristas, invoco a inconstitucionalidade, para o povo em geral desmascaro e aponto essa posição de “cassadores” de mandatos legitimamente conferidos por esse mesmo povo.

E, nesta hora trágica para a democracia em nossa terra, quero aqui deixar declarado, da forma mais clara possível, o meu repúdio à cassação de mandatos de representantes do povo nas Assembléias Legislativas de nosso país. No meu caso particular, como 2° Secretário da Mesa desta Assembléia Estadual, recuso-me a tomar parte na deliberação em que a Mesa declarará vagas as cadeiras dos deputados comunistas, porquanto esta cassação é particularmente inconstitucionia no que se refere aos nossos deputados, por ferir a autonomia de nosso Estado.

Quero, porém, encerrar esta declaração fazendo minhas as palavras proferidas por um grande político paulista: refiro-me à declaração de voto do deputado Altino Arantes: A sua declaração é a seguinte: ''Declaramos que votamos contra o projeto 900 que cassa o mandato dos deputados comunistas por considerar essa medida inconstitucional na sua essência e contraproducente nos seus efeitos, representando um inexplicável crime contra a democracia",
Estas são palavras daqueles que querem um Brasil melhor, independente economicamente, capaz de lutar contra o imperialismo e, assim, lutar contra a fome e a miséria em nossa Pátria.

EDIÇÃO 58, AGO/SET/OUT, 2000, PÁGINAS 56, 57, 58, 59, 60, 61