A ONDA de greves que se espalhou pelas universidades e escolas públicas brasileiras reflete o descontentamento acumulado com o rumo das políticas públicas nacionais para a educação, e também para a ciência e a tecnologia. Especialmente no caso das universidades federais conclui-se uma década de verdadeira asfixia como conseqüência da contenção e dos sistemáticos cortes de verbas, ao lado da ausência de uma política nacional para essas instituições.

Não é exagero afirmar que se as condições políticas e sociais tivessem permitido, a dupla FHC-Paulo Renato teria se desfeito dessas universidades transformando-as em 'organizações sociais' , como queria o então ministro Bresser Pereira. Os sucessivos orçamentos para a pesquisa científica e tecnológica viveram neste decênio destino semelhante. Significativo exemplo quantitativo dessa asfixia foi o edital para auxílios à pesquisa lançado no primeiro semestre desse ano pelo CNPq. Ele prevê financiamento para cerca de 300 projetos, mas os pesquisadores brasileiros inscreveram cerca de 9000 projetos.

O Brasil vive então uma situação paradoxal no mundo contemporâneo.
Acumulou, a duras penas, recursos e competências na ciência e na tecnologia.
Expressões deste acúmulo remontam ao início do século, com os trabalhos do médico Carlos Chagas – pesquisas históricas revelaram recentemente que por duas vezes foi indicado ao Prêmio Nobel, e o prêmio escapou-lhe das mãos inclusive pela oposição que sofria no país -, passam pelos meados do século com o físico César Lattes inscrevendo o nome do Brasil na história da física das partículas subatômicas, e chegam ao final do século com os geneticistas brasileiros tendo mapeado em prazo recorde o material genético da bactéria que assola os laranjais e com este trabalho foi grangeado destacado reconhecimento à respeitada revista inglesa Nature. Listar exemplos como esses extrapolam os limites deste texto, mas para lembrar que aquele acúmulo não foi restrito à ciência, chegando à tecnologia, podemos citar os prêmios internacionais obtidos pela Petrobrás com a pesquisa em águas profundas, e a guerra comercial que o Canadá desenvolve contra a indústria aeronáutica brasileira devido à excelência que esta atingiu e que lhe assegura uma fatia significativa do mercado internacional.

O paradoxo está no fato de que na última década do século, quando o mundo entra em uma fase de desenvolvimento em que a capacidade de gerar continuamente novo conhecimento passa a ser o diferencial capaz de isoladamente determinar o papel que cada nação pode jogar no cenário internacional, o Brasil entrou na era Collor-FHC, a qual já assegurou seu lugar na história pelo empenho em desarticular e destruir o parque de produção de ciência e tecnologia, materializado nas universidades públicas, institutos de pesquisa e agências de fomento, fruto da luta de décadas. Visto retrospectivamente compreendemos que quando FHC anunciou o fim da era Vargas, isto implicava não só na privatização de empresas estatais, até as estratégicas, na eliminação dos direitos sociais inscritos na Constituição de 1988 e na legislação trabalhista, mas também na tentativa de se desfazer desse parque, considerado oneroso para os cofres do Estado, os quais tinham a prioridade de honrar compromissos, legais e ilegais, com as elites financeiras e empresariais brasileiras e estrangeiras.

Neste contexto se compreende a expressão de Pedro Malan: "tecnologia podemos comprar no exterior", frase que levaria à demissão de um ministro de qualquer país que aspire a uma inserção não subalterna no atual cenário internacional, mas que na era Collor-FHC leva à sua eternização no poder.

O grande desafio, posto para professores, pesquisadores, funcionários técnico-administrativos e estudantes é transformar o descontentamento, hoje expresso em reivindicações salariais, em um grande movimento nacional em defesa da educação, da ciência e da tecnologia. No ano do centenário de Anísio Teixeira, criador das escolasparque, da CAPES e de duas universidades, a figura do nosso maior educador bem que poderia ser tomada como símbolo desse movimento.
Comissão Editorial

EDIÇÃO 58, AGO/SET/OUT, 2000, PÁGINAS 3