Entre os poucos consensos existentes no mundo está o de que a China ingressará no século XXI como uma das mais importantes nações da atualidade. Esse fato é sumamente extraordinário, visto o grande país asiático, quando chegou o século XX, estar em situação diametralmente oposta, com seu território dilacerado por tropas de ocupação de oito potências imperialistas – Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Rússia, Itália, França, Áustria e Japão – e com seu povo submetido a toda sorte de infortúnios.

O destaque atual da China não decorre apenas de sua população singularmente numerosa, de sua sofisticada cultura multimilenar e de seu território vasto e rico. Decorre ainda do excepcional desempenho que hoje ostenta nas esferas econômica, social e militar.

No nível econômico, a China apresenta índices de desenvolvimento surpreendentes. Seu Produto Interno Bruto vem atingindo 20 anos consecutivos de crescimento médio em tomo de 9% ao ano, o que, não havendo reversões, poderá colocá-Ia, aí pelo ano 2020, como a maior economia do mundo! O estado-maior capitalista, com o FMI e o Banco Mundial à frente, no mesmo período, pôs-se a monitorar a economia de diversos outros países. E os resultados foram desastrosos. Joseph Stiglitz, ex-economista-chefe do Banco Mundial, sublinhou, recentemente, as diferenças das condições econômicas da China e da Rússia, relacionando-as com os caminhos opostos que esses países seguem. "No início do processo de abertura na Rússia – diz Stiglitz – o PIB chinês era quase metade do russo. Uma década depois, o PIB chinês é quase o dobro do da Rússia."(1) Stiglitz responsabiliza diretamente o FMI por esse "desastre para a Rússia", ao mesmo tempo em que realça o desempenho da China, que "preferiu seguir uma política própria". Faz ainda curiosa e dramática comparação: "O Brasil precisou de alguns séculos para produzir o nível de desigualdade existente. A Rússia, em menos de uma década, criou um nível de pobreza que não fica atrás de nenhum país da América Latina".
Segundo os dados de Stiglitz, "no início dos anos 90, apenas 2% da população russa vivia na pobreza; hoje, mais de uma criança em cada duas vive numa família pobre".(2 )

Expressivos também são os avanços sociais que o crescimento econômico está propiciando à sociedade chinesa. Segundo o relatório Um mundo melhor para todos, assinado pelos presidentes do FMI e do Banco Mundial, e divulgado pela ONU (Organização das Nações Unidas) e OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a China, "que não seguiu a orientação do Fundo", foi o país que mais reduziu a pobreza entre 1990 e 1998. As cifras do relatório são eloqüentes. "O número de pobres na China diminuiu de 360 milhões para 210 milhões. No mundo, no mesmo período, a redução passou de 1,3 bilhão de pessoas para 1,2 bilhão" .(3) Significa que a China retirou da faixa de pobreza mais gente – 150 milhões de pessoas – entre 1990 e 1998, do que todo o restante do mundo junto, onde esse número chegou a 100 milhões.

Em um mundo submetido a interesses conflitantes de blocos agressivos e potências imperialistas, a China não teria a necessária e relativa segurança para se desenvolver se não se fizesse respeitar pela força militar poderosa que tem. A República Popular da China conta hoje com o maior contingente militar do mundo, com a quarta maior frota de superfície e a segunda maior de submarinos, ocupa o terceiro lugar em número de blindados e carros de combate, o segundo em canhões e o primeiro em aviões de caça. É a quarta potência em número de ogivas e a terceira em número de mísseis intercontinentais. É o décimo país do mundo em gastos bélicos e, por avaliações especializadas, a terceira potência militar da atualidade. Estudos admitem que ela possa se transformar na primeira potência militar do mundo, por volta do primeiro quarto do século entrante. (4)

A base do progresso da China é o socialismo

Tem havido muita especulação para explicar os sucessos alcançados pela China nesse mundo de neoliberalismo, de estagnação e de crise. Curiosamente, a maior parte dos ideólogos ocidentais, que tratam da matéria, desconsidera a opinião básica, a conclusão precisa, a proclamação formal e explícita, repisada diversas vezes pelos dirigentes chineses de que o "primeiro dos quatro princípios fundamentais" pelo qual a China se norteia é o "caminho socialista". (5) A relutância na aceitação de tal assertiva deve-se, por um lado, ao compromisso de certos senhores com a estória de que o socialismo acabou. Ficariam sumamente desmoralizados se tivessem de aceitar a nação que mais cresce no mundo como uma nação socialista. Preferem protelar a desmoralização inevitável. Por outro lado, há os analistas de "esquerda", entrincheirados na visão weberiana, segundo a qual o socialismo corresponde a um modelo ideal que não respeita tempo nem espaço e, diante do qual, tudo o que não se ajustar, deve ser negado como contrafacção. a modelo ideal de socialismo que esses setores em geral elegeram é o soviético que, com acertos e erros, foi expressão da realidade de determinados países em determinada época, e teve seu momento de realizações há seis ou sete décadas atrás. Se a China estivesse tentando repeti-Io, certamente já teria caído. Há ainda analistas que se empenham em apreciar a experiência pregressa do socialismo, a partir do que, propõem retificações e fazem formulações sobre o socialismo futuro, mas que pairam no mundo das idéias, desconsiderando as experiências socialistas concretas atuais, com seus problemas e desafios, em particular a maior delas, que hoje, de certa forma, abre caminho para todas as outras, a da China. (6)

O socialismo é o projeto histórico de uma classe: a dos trabalhadores, expropriados em seu trabalho por outra classe – a da burguesia, com seus diversos setores, em decorrência de uma questão central: a propriedade que a classe expropriadora detém dos meios de produção. Por isso, pelo ângulo marxista, a categoria básica para se examinar o socialismo é a da propriedade, em particular a dos grandes meios de produção. A expropriação dos expropriadores instauraria a propriedade social desses meios de produção, a partir do que poder-se-ia construir uma formação social onde a massa de mais-valia não seria apropriada por outra classe. Na formação social resultante, chamada socialista, a sociedade poderia, segundo Marx, acumular a parte do produto social necessária para "repor os meios de produção consumidos", "ampliar a produção", fazer "fundo de reserva ou seguro", custear "despesas gerais de administração", "satisfazer a necessidades coletivas, tais como escolas, etc.", criar "fundos de manutenção das pessoas incapacitadas para o trabalho" e o que hoje se chama de seguridade e, "depois disto", promover a distribuição dos meios de consumo, segundo o trabalho de cada um. Assim, a questão de quem tem a propriedade dos meios de produção é decisiva, do ponto de vista marxista, para se examinar o caráter de uma formação social. (7)

O problema da amplitude da propriedade social dos meios de produção em uma sociedade socialista nunca foi detidamente examinado por Marx e Engels, que não viveram essa experiência. Nem Lênin o apreciou exaustivamente. A esse propósito, deram indicações. Indicações preciosas, por exemplo, como a de Engels, em conhecida carta a Otto Breslau, de agosto de 1890, onde escreveu: "Assim, se temos partidários suficientes entre as massas, poder-se-á logo socializar a grande indústria e a grande agricultura latifundiária, desde que o poder político esteja em nossas mãos. O mais virá mais ou menos rapidamente. E tendo a grande produção, seremos donos da situação".

A experiência soviética de socialismo pagou caro por ter socializado grandes, médios e pequenos meios de produção, ainda mais no início da construção socialista, a partir de 1929. Foi a base da burocratização e da estagnação. E, sem desenvolvimento, inclusive grande desenvolvimento, o socialismo não se sustenta. A China também ia por esse caminho, arrostando problemas crescentes quando, a partir de 1978, foi aprofundada a análise de suas particularidades e houve a compreensão de que seria longo o processo da construção plena do socialismo e comunismo, processo que já lá estava, entretanto, em pleno curso, visto, pelas condições do país e pelas vicissitudes mundiais, onde o socialismo estava restrito a poucos países, encontrava-se em uma etapa primária. Nessa etapa, contudo, o país já era socialista, visto, "a grande produção", para usar a expressão de Engels, já ser social, os grandes meios de produção já serem propriedades do Estado e o poder político estar em mãos da classe operária organizada e consciente.

No XV Congresso do Partido Comunista da China, de setembro de 1997, o informe de Jiang Zemin, presidente do Partido, diz: o Estado "deve controlar os aspectos fundamentais da economia nacional e exercer o papel dirigente no desenvolvimento econômico". Texto correlato discrimina: "Sob o socialismo, as atividades econômicas que concernem à soberania e à segurança do Estado, os setores com forte grau de monopólio e com efeitos notáveis no bem-estar público, as indústrias básicas, as indústrias de exploração de recursos nacionais, as indústrias de processamento, os ramos de produção em estado incipiente e as atividades que têm forte incidência na economia nacional e nas condições de vida da população, devem ser firmemente controladas pelo Estado." (8)

A prática dessas diretrizes não tem impedido que a China atraia investimentos estrangeiros, no contexto da economia socialista de mercado, o que, vez em quando, é apresentado no exterior como a razão principal do desenvolvimento chinês, indicativo do papel supostamente predominante que o capital estrangeiro também ali teria e testemunha de que a China já estaria sob a égide do capitalismo.

A delegação oficial do PC do Brasil em recente visita à China teve a oportunidade de ir a Pudong, uma das maiores zonas econômicas especiais e uma das cidades de comércio livre existentes na China. (9) Construída a partir de uma aldeia da periferia de Shangai, Pudong é exemplo arrebatador do que pode construir um povo com decisão, engenho e arte. A antiga e insignificante aldeia deu lugar, em uma década, a uma metrópole de dois milhões de habitantes, transbordante de modernidade, grandeza e beleza. Integralmente planejada em seus 522 Km2, com centros onde se dispõem as áreas de indústria moderna, financeira, de alta tecnologia e residencial, Pudong passa a idéia de uma cidade do futuro, com enormes arranhas-céus, arquitetura audaciosa, avenida central de 100 metros de largura e 5,2 km de extensão. E onde tudo é grandioso, a marca mais espantosa parece ser seu crescimento ininterrupto, de 1992 para cá, com a taxa fantástica de 20% ao ano!

É em Pudong que a atração do investimento estrangeiro, a abertura ao exterior e as experimentações com o grande capital alienígena são mais audaciosas. Aí se encontram 72 entidades financeiras de investimento externo e 43 bancos estrangeiros. Há três anos, importante experimentação está sendo feita: 24 dos maiores desses bancos foram autorizados a operar depósitos populares com a moeda chinesa, mas, exclusivamente em Pudong. Um alto funcionário da administração local informou: "a abertura do mercado é para ser feita paulatinamente, com muita atenção, olhando o interesse nacional e a soberania do país; nesses três anos, a operação desses bancos deu resultados satisfatórios; talvez em 2005 já autorizemos outros bancos estrangeiros a operar depósitos populares, em outros locais; e em 2010, se tudo correr bem, ampliaremos mais ainda."

A presença em Pudong de 43 bancos estrangeiros, dos quais 24, dos maiores, já estão operando contas populares em moeda nativa, cria o interesse por uma apreciação de conjunto sobre o capital bancário na China. E essa foi apresentada à citada delegação do PC do Brasil que lá esteve, pelo camarada Li Guixian, membro do Comitê Central do PC da China e vice-presidente da Conferência Política Consultiva do Povo Chinês. Em transcrição livre, disse o camarada, "ao persistir no caminho socialista, continuamos a manter a propriedade estatal como a mais importante no país; o controle do Estado dá-se em todas as áreas importantes; por exemplo, no setor bancário; aí, temos quatro grandes bancos estatais que controlam 80% de todo o capital bancário existente no país, o Banco da China, o Banco da Indústria e Comércio, o Banco da Construção e o Banco Agrícola; além desses quatro, temos 80 outros, dos mais importantes, de governos locais, provinciais, etc, que representam menos de 20% do capital bancário; e temos os 24 estrangeiros que chegam mais ou menos a 2% do capital bancário total".

Nesse mesmo tema, acrescentou Li Guixian, " petróleo, carvão de pedra, química, siderurgia, transporte, comunicação, tudo é estatal, tudo é empresa de tamanho grande, podendo funcionar aí outras empresas de menor importância; em áreas como de eletrodomésticos, indústria ligeira, a participação é mais diversificada, mas o fundamental está em mãos do Estado". A eloqüência dos dados comportou essa observação final de Li Guixian: "A relação entre a propriedade estatal e as outras formas de propriedade ainda é muito desequilibrada, em favor da propriedade estatal; gostaríamos de dar mais passos à frente no rumo de diminuir esse desequilíbrio; dos estrangeiros temos absorvido muita tecnologia e formas novas de administração, mas eles jogam papel complementar na economia". Complementar não só é a participação do capital estrangeiro na produção chinesa, como também a de toda a economia não-pública. No Produto Interno Bruto de 1997, as empresas públicas contribuíram com 75%. (10)

A construção ideológica do socialismo

A socialização dos meios de produção retira a base de sustentação da classe de proprietários privados desses grandes meios. Isto é o pressuposto da construção socialista, mas não garante, por si só, o socialismo. Este, precisa ser construído e institucionalizado no nível ideológico – através da criação de uma mentalidade nova, abnegada, respeitadora do povo, do trabalho, da ciência e do próprio socialismo – e no nível político, através de sistema próprio de constituição de poder democrático e popular e de legislação universal, libertária e consolidada. Deixando para outra oportunidade a apresentação de informações e comentários sobre a construção do socialismo na China no nível político, agora serão abordados aspectos ideológicos dessa construção.

Quando a China compreendeu encontrar-se numa etapa primária de construção do socialismo o fez, principalmente, pelo atraso das suas condições internas, mas não só, também pela situação em que se encontrava o socialismo em plano mundial, em crise, circunscrito a experiências localizadas e que não iam bem. O conteúdo dessa etapa primária terminou sendo a construção de uma economia socialista de mercado. No nível tecnológico que o mundo chegou, mormente nos setores de informação, telecomunicação e transporte, não tinha cabimento pensar em economias autárquicas. A política de "abertura e reforma" estabeleceu o fato de que a construção do socialismo na China dá-se num quadro de contato com o mundo exterior capitalista e de coexistência interna de diferentes formas de propriedade, inclusive a privada. Nessa situação, é grande, e de certa maneira inevitável, o assédio à China socialista das idéias capitalistas, com todo seu acervo de egoísmo e costumes decadentes e promíscuos.

Deng Xiaoping, o formulador principal do atual caminho do socialismo chinês, já advertira para o fato de que quando se abre uma janela para entrar oxigênio também os mosquitos penetram. E alertara para a garantia fundamental que o socialismo na China teria: "não surgirá em nosso país uma nova burguesia … porque os bens básicos são propriedade do Estado, do povo … ". (11)

Mas essa garantia fundamental não retira a necessidade imperiosa da luta ideológica constante, profunda e programada contra a "poluição espiritual", para usar uma expressão de Deng, e a favor da formação da consciência nova, socialista. Essa luta, na China, ocorre em graus diferentes, para o nível de massa e o nível de partido, e utiliza intensamente a formação educacional e cultural, as escolas, academias, reuniões, atividade artística, esportiva, imprensa escrita, rádio e televisão.

Harmonizando tudo, há orientações gerais e controle, como a "Resolução do Comitê Central do PC da China sobre Importantes Problemas da Promoção do Progresso Ético e Cultural Socialista". (12)

A resolução começa acentuando ser a promoção da ética e da cultura socialistas "tarefa de importância estratégica", que, "se não bem cumprida, pode prejudicar o progresso material da sociedade e inclusive mudar sua natureza." Em seguida registra "importantes problemas que continuam existindo na vida social, ética e cultural", "alguns bastante sérios", outros "ressurgidos", entre os quais "a prática de render culto ao dinheiro", "ao individualismo", "às superstições feudais", "à pornografia", "ao hedonismo", "aos jogos de azar", "às drogas" e "à corrupção". A corrupção, diz a resolução, tem feito pessoas rebaixarem "o conceito do Estado, vacilar e até duvidar do socialismo". Como se sabe, na China, há severas penas para a corrupção, até mesmo a pena de morte.

A resolução relembra a importância da "manutenção do primado da propriedade pública como corpo principal de nosso sistema econômico", para prevenir problemas maiores e traçar diretrizes específicas para setores e atividades.

Para a educação, salienta: "pôr ênfase na adesão ao marxismo, nossa força ideológica motivadora", no "pensamento de Mao Zedong e na teoria de Deng Xiaoping", "nos quatro princípios cardeais" (13) e na "luta contra o liberalismo burguês". A "educação no patriotismo" deve "fortalecer em toda a sociedade a dignidade nacional… que considera a construção e defesa da pátria socialista como a maior glória e qualquer coisa que prejudique esses objetivos como a maior vergonha".

Para a cultura, acentua: há de se "proibir, resolutamente, qualquer ação que crie ou difunda produtos de 'baixo nível cultural' e promover a produção massiva de produtos ideológicos de alta qualidade … "; "há de se levar adiante o princípio de que 100 flores se desabrochem e 100 escolas de pensamento concorram" e "por nenhum motivo permitir que o mercado cultural se converta em terreno de geração de difusão de ideologias decadentes".

Para os meios de comunicação, indica: "A imprensa deve orientar-se pelo princípio de buscar a verdade nos fatos", "persistir na publicidade positiva em favor da unidade, da estabilidade e da elevação moral do povo"; "o rádio e a televisão devem aumentar o número de programas que destacam feitos da China e não devem permitir transmissões de mau gosto ou de conteúdo pernicioso".

Para literatura e arte, observa: "O povo precisa da literatura e da arte, da mesma maneira que a literatura e a arte precisam do povo"; "os escritores e os artistas devem nutrir-se nas massas"; no terreno da literatura e da arte, "devemos evitar tanto a interferência direta quanto a negligência na orientação"; "devemos respeitar a criatividade artística e literária e deixar desenvolver livremente estilos e formas de expressão", ao tempo em que "devemos nos opor firmemente às tendências errôneas que desconsideram o objetivo de servir ao povo e ao socialismo, que se afastam das massas, que fazem o jogo do mau gosto, que apenas buscam benefícios próprios ou que desprezam as tradições revolucionárias da arte e literatura chinesas … "

A coordenação e fiscalização da prática dessas orientações é feita por uma comissão nomeada pelo Comitê Central, tendo as províncias, regiões autônomas e municipalidades suas próprias comissões correspondentes.

Além dessas recomendações, válidas para todos, os membros do Partido Comunista da China observam outros preceitos. De saída, deles se espera "o papel dirigente na promoção do progresso ético e cultural" e "a chave para isto é o estilo de trabalho e o exemplo". Por outro lado, nem tudo o que é permitido na sociedade como conjunto é permitido aos comunistas. Por exemplo, "deve-se estritamente impedir que as regras do intercâmbio mercantil se introduzam na vida do Partido", diz a resolução, que admite "fenômenos de passividade e corrupção nos departamentos do Partido e do Governo". De um dirigente a delegação do PC do Brasil ouviu a observação de que "na sociedade é possível ficar rico, no Partido não; no Partido pode suceder a existência de pessoas que ganham bem, mas que pagam por isso mais impostos, e que permanecem em um patamar médio". Há uma resolução "do que não se pode fazer", que relaciona 33 procedimentos vedados a membros do Partido, entre os quais ter ações em Bolsa, aceitar presentes de alto valor, freqüentar cabarés, havendo ainda limitações quanto a habitações, uso de automóveis etc. Uma ou duas reuniões podem ocorrer por ano para verificar se os quadros do Partido estão respeitando esses 33 pontos. Em 1999, 69 mil quase foram expulsos.

O sentido dessas exclusões é impedir que desvios ideológicos sérios possam contaminar o contingente partidário de 63 milhões de comunistas, organizados em cerca de 3,3 milhões de organizações de base. A defesa ideológica desse contingente é a garantia básica da manutenção do socialismo na China. Este é o sentido da afirmação registrada pela delegação do PC do Brasil de um destacado dirigente: "frente aos riscos da abertura, nossa linha de defesa principal está na cabeça". A cabeça é o Partido.

Haroldo Lima é deputado federal pelo PCdoB/BA e exerce seu quinto mandato na Câmara dos Deputados

Notas

(1) "China e Rússia, ineficiência do FMI", Folha de S. Paulo, li de agosto de 2000.
(2) idem.
(3) idem.
(4) Militar Balance 1998-99, London, Barseys, 1999. Citado em "A busca da harmonia e a idéia de revolução", de Janice Theodoro e Fortunato Pastore, da USP, Revista Tempo Brasileiro 137, RJ, abril-junho de 1999.
(5) Os "quatro princípios fundamentais" reafirmados pela III Sessão Plenária do XI Comitê Central do PC da China, em 1978, são: "1) o Caminho socialista; 2) o governo de democracia popular; 3) a direção do PC da China e 4) a teoria do marxismo-Ieninismo e o pensamento de Mao Zedong" .
(6) O livro Marxismo sem utopia de Jacob Gorender, Ed. Ática, 1999, registra "os estados socialistas sobreviventes China, Cuba, Vietnã e Coréia do Norte". No conjunto da obra, entretanto, nem mesmo no capítulo final "Teses sobre o socialismo", essas experiências são levadas em conta.
(7) Todas as passagens grifadas são da Crítica ao Programa de Gotha, uma das últimas obras de Marx e das poucas onde faz referências à configuração do socialismo.
(8) Beijing Informa, número I, janeiro de 1997.
(9) A delegação do PC do Brasil, constituída por Renato Rabelo, vice-presidente do Partido, José Reinaldo de Carvalho, secretário para assuntos internacionais do Partido e Haroldo Lima, parlamentar do Partido e presidente do Grupo Parlamentar Brasil-China, todos da Comissão Política do Comitê Central, esteve na China em junho de 2000.
(10) China, Editora Nova Estrela, Beijing, 1999.
(11) Deng Xiaoping, Problemas F undamentales de Ia China de Hoy, Ediciones en lenguas extranjeras Beijing.
(12) "Coleção de documentos da VI sessão plenária do XIV Comitê Central do Partido Comunista da China", outubro de 1996, presenteada à delegação oficial do PC do Brasil.
(13) Os quatro princípios cardeais são: o caminho socialista, a direção do PC da China, o marxismo-Ieninismo e o pensamento de Mao Zedong e o governo de democracia popular.

EDIÇÃO 59, NOV/DEZ/JAN, 2000-2001, PÁGINAS 22, 23, 24, 25, 26, 27