O novo quadro político brasileiro
A inter-relação entre as diversas tendências da realidade brasileira condiciona o resultado das eleições municipais deste ano e estas, em conseqüência, esboçam um novo quadro político em desenvolvimento, passando desse modo a apresentar novos desafios e novas tarefas.
Dependência econômica
A tendência no terreno econômico, já há algum tempo, tem se caracterizado pela questão da dependência do país, que se aprofundou; pela vulnerabilidade da economia, que passou a ser maior; pela precarização do processo econômico; e pela instabilidade, como decorrência de tais fatores.
Essas características tendem a se exacerbar pois estão vinculadas à crise estrutural, que se desenvolve. Se tomarmos o exemplo das duas últimas décadas e seus indicadores vemos que é muito claro tal processo – a média anual do crescimento do PIB nas década de 1980 e 1990 não ultrapassou 2,5%. Este número é irrisório para as necessidades de crescimento real do país e de atendimento às demandas de sua população.
Com a implementação do modelo neoliberal, a crise estrutural não foi resolvida e, ao contrário, se aprofundou e se tornou ainda mais aguda, levando o Brasil a uma dependência ainda maior, a uma vulnerabilidade econômica inédita e a uma instabilidade permanente.
Esse modelo conduziu a um aumento do passivo externo líquido (dívida + investimentos estrangeiros – reservas), que já ultrapassa 380 bilhões de dólares (ver matéria de Lecio Morais na Revista Princípios no. 58), apesar de nossas reservas terem praticamente dobrado em quase cinco anos. Assim, além da dívida que cresce, assumimos uma série de ônus de um contencioso que também aumenta e tende a se agigantar ainda mais: a remessa de lucros e dividendos para o exterior. Porque, na medida em que a política implementada privatizou estatais e desnacionalizou empresas privadas, a remessa de lucros e dividendos cresce em progressão geométrica. Em 1993, as remessas de lucro ao exterior foram de 1,8 bilhões de dólares. Desde então este número tem aumentado. Em 1994, foi de 2,5 bilhões de dólares; em 1999, mais que dobrou, alcançando 5,5 bilhões. Nos últimos cinco anos, só em remessa de lucros, o país gastou 21,8 bilhões de dólares, e a situação pode piorar muito. Mapa político das capitais A Sobeet (Sociedade Brasileira para Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica) prevê que, em 2000, chegue a 6 bilhões, rumo a uma média anual, a médio e longo prazos, de 8 a 10 bilhões de dólares. Isso deve ser somado ao processo que nos obriga a pagar juros e o principal de uma dívida externa ascendente.
As iniciativas do governo para aumentar as exportações esbarraram num impasse. Hoje, no mundo globalizado, a exportação só cresce se houver também o aumento das importações pois, para poder exportar, o país depende cada vez mais dos insumos importados, uma vez que o desenvolvimento industrial brasileiro está muito vinculado a insumos produzidos fora do país.
Por isso, devido à dependência de nossa economia, não será fácil ao Brasil conseguir um superávit comercial, situação agravada porque muito dos investimentos estrangeiros, nesse período de vigência do neoliberalismo, não foram feitos para aumentar as exportações ou expandir a capacidade produtiva, mas apenas ocupam a capacidade já instalada. São investimentos que se concentram mais no setor de serviços e produtos "não exportáveis". Isso impede que o almejado superávit comercial possa ser alcançado. Originalmente o governo pretendia um superávit de U$ 5 bilhões, no mínimo. Mas tudo indica que a balança comercial será mais uma vez deficitária ao final de 2000, impedindo mais ainda a diminuição do passivo externo líquido.
Esses são, em resumo, alguns elementos para caracterizar o que chamamos de crise estrutural. O centro da crise é esse passivo externo líquido – e não apenas a dívida externa, pública e privada. A dívida externa ainda compõe a maior parte desse passivo. Em 1990, a dívida externa do país era de 123 bilhões de dólares; em dez anos, ela aumentou para 241 bilhões – dobrou, portanto. Na década de 1980, a dívida externa cresceu ao ritmo de 6,7% ao ano; na década de 1990, esse crescimento passou para 7,7% ao ano; em 1995, o país pagou, no ano, 11 bilhões de dólares para amortizar a dívida; em 1999, esse número foi mais de quatro vezes maior: 48,7 bilhões. Reflexo dessa situação, pelo lado interno, o governo aumentou a dívida pública interna em 716% em apenas cinco anos, com pagamento de juros em 1999 de ordem de R$ 127 bilhões.
Vulnerabilidade e instabilidade
A vulnerabilidade e a instabilidade de nossa economia decorrem, além da dependência crescente, de fatores objetivos de uma realidade dita globalizada e da aplicação de uma política neoliberal. Assim, diferentemente da década de 80 quando a relação com o capital financeiro era diferente, existiam controles e regulamentação para o capital financeiro externo -, os capitais que hoje entram no país, sobretudo em aplicações com juros altos, permanecem aqui à medida que estão ganhando, mas no instante em que perdem essa perspectiva, saem imediatamente. É a livre circulação dos capitais. Não há controle cambial, nem a anterior compartimentação, gerando maior vulnerabilidade em nossa economia. Agravando-se tal situação por que, nessa fase de globalização, sobretudo na década de 90, a realidade é de maior instabilidade da própria economia mundial globalizada.
Como o Brasil está demasiadamente subordinado à economia globalizada, essa instabilidade se desdobra com muita força sobre a nossa economia, deixando o país sujeito a sucessivas crises.
A crise mexicana de 1996 foi importante para pulverizar a idéia de que havia capital em abundância circulando no mundo para investimento. A partir dela, gerou-se um novo quadro, o da escassez desse capital. O governo de FHC e seu plano fizeram o Brasil entrar nesse processo com atraso, no momento em que já havia diminuído a oferta de capital, que no período anterior fora abundante.
O plano do governo nasceu congenitamente defeituoso, pois raciocinava com os termos do cenário anterior, não daquele que se configurou após a crise do México: capital menos abundante e mais caro. Após a corrida chefiada pelos Estados Unidos para salvar o México, com um breve intervalo de calmaria, estourou a crise da Ásia, que sacudiu profundamente o cenário econômico mundial, pois se tratava de uma região que vinha de grande fase de desenvolvimento. Depois veio a crise da Rússia e – na seqüência – a do próprio Brasil, em janeiro de 1999. Essas sacudidas mostram que, inseridos de forma dependente e subordinada, sofremos fortemente com a instabilidade em todos os casos, e que nossa economia ficou muito mais vulnerável e instável.
Agora, estamos sujeitos à crise advinda de variáveis como a economia dos Estados Unidos, o preço do petróleo e a situação da Argentina. O quadro da economia norte-americana, o centro de todo o modelo vigente, preocupa os analistas. Pergunta-se se haverá uma "aterrissagem" suave ou não de seu processo recente. O problema do petróleo, cujo preço tende a aumentar por um problema estrutural, também traz insegurança e pode interferir no dólar e nos juros, pois a economia norte-americana depende muito desse insumo.
Tais fatores de instabilidade podem fazer com que suas conseqüências arrebentem sobre os elos mais fracos dessa cadeia. A Argentina, por exemplo, pode estar a caminho dessa perturbação econômica. E por estarmos muito vinculados à economia vizinha – não só pelo Mercosul, mas pelo fato de a Argentina ser um tipo de economia estreitamente vinculada à economia global por políticas como o "conselho da moeda" e ancoragem (até mesmo constitucional) do peso ao dólar – podemos sofrer com a vulnerabilidade da economia portenha. A Argentina tende a perder o fôlego na corrida em busca de uma produtividade semelhante à das economias em que sua moeda se encontra ancorada. Porque, para ter sua moeda estancada a outra, uma economia precisa ter uma produtividade e competitividade que cresçam de forma semelhante àquela em que a moeda foi ancorada. Se vai se tomando defasada, terá de – necessariamente – desvalorizar a moeda. Como a Argentina engessou seu câmbio, tende ou a desvalorizar mesmo, ou então a dolarizar a economia, abrindo mão da própria moeda. Assim, o que era dependência passa a ser anexação – a renúncia completa à soberania. É esse o impasse vivido pelos argentinos a situação mais grave dentre as economias medianas do mundo.
Uma forte instabilidade é a principal característica da situação mundial na atualidade. O ciclo de altos e baixos envolvendo o dólar, o iene e o euro é reflexo dos desequilíbrios existentes entre os Estados Unidos, Japão e Europa. Os Estados Unidos transformaram-se em refúgio dos capitais internacionais, tomando-se uma grande praça do capital especulativo. Também o seu crescimento perde vigor. A economia é dinamizada pela alta febre das bolsas e estas passam por uma fase de intensa volatilidade, demonstrando sintomas de uma crise maior em curso. Mas quem pagará pela reversão que venha a acontecer? No horizonte é visível a tendência de desaquecimento econômico e até recessão. A insegurança leva à maior desigualdade no quadro da globalização. Não é apenas a periferia, mas o próprio centro da economia mundial que está em questão.
Tendência para o agravamento social
A influência dessa situação econômica sobre a realidade social, projeta uma tendência de contínuo agravamento. O Brasil já apresentava um quadro de acentuada desigualdade social, que é uma das piores do mundo. Aqui, 50 milhões de pessoas vivem com menos de dois dólares por dia. Dados do Banco Mundial mostram que, enquanto os 20% mais ricos da população brasileira detêm 64,2% da renda, os 20% mais pobres ficam com apenas 2,5%. Isto significa que, na média, cada indivíduo, entre os mais ricos, tem uma renda 26 vezes maior do que cada indivíduo entre os mais pobres. O Brasil é lanterninha, entre os países do mundo, nesta matéria. Comparando apenas com os países da América Latina, o Brasil perde para Argentina, México, Venezuela, Antígua, Barbuda, Dominica, Chile, Uruguai, Suriname e Colômbia (dados do PNUDI2000). No mundo, só estão em situação pior países como a República Centro Africana, a Jamaica e Serra Leoa.
Com a política neoliberal, onde tudo é definido pelo mercado e o papel do Estado é secundário, o aprofundamento das desigualdades ocorre com mais intensidade. O mercado, necessariamente, polariza, gerando concentração de riqueza num lado e amplia a pobreza no outro, pois faz parte da lógica do sistema capitalista que mais capital concentre ainda mais capital. Não é por acaso que, nas origens do capitalismo, deixando o mercado fluir, surgiram os monopólios. Hoje o que existe na economia globalizada é um mercado dividido entre grandes monopólios, e a concentração e centralização de capitais se dá entre megamonopólios em escala nunca vista na história do capitalismo.
A disputa entre os megamonopólios no mundo atual se dá pela busca de fatias acima de 40% de controle de setores econômicos do mercado mundial. Quem não atinge tais graus de monopólio desaparece; as fusões e megafusões ocorrem para ocupar fatias ainda maiores. Nesse contexto de maior concentração e centralização da riqueza, a desigualdade se aprofunda ainda mais.
O desemprego e a regressão da massa salarial agravam as desigualdades
No Brasil, onde as discrepâncias já eram acentuadas, esse processo de concentração se agudizou, levando a uma realidade de exclusão social inédita. As contradições se acumulam, refletindo-se no crescimento da violência, e dividem virtualmente o país em duas sociedades, que podem entrar numa espécie de "guerra civil" não declarada, marcada por manifestações espontâneas de revolta. Na periferia das grandes cidades vai se conformando uma sociedade organizada, com formas e normas próprias – por ser uma sociedade à margem da lei, é caracterizada como a do "crime organizado". Ela se choca contra a outra, a sociedade "rica", alvo de assaltos. Trata-se de tirar daquela que realça os benefícios de uma melhor sorte no processo de concentração da riqueza. A violência se manifesta também no seio da própria sociedade ilegal, onde disputas motivadas por carências fazem vítimas em números que assustam os estrangeiros por serem superiores aos dos locais onde há guerras e guerras civis de longa duração.
Esse processo de deterioração da vida dos brasileiros, conseqüência das desigualdades, acelera a deterioração do tecido social. A propaganda do governo anunciou um atenuamento dessa situação no início do Plano Real, mas ele foi passageiro, e a degradação voltou de forma mais dramática, e agora se radicaliza em ritmo mais acelerado do que o da fase anterior ao plano de FHC. Mas mesmo naquele período do início do Plano Real a massa salarial diminuiu, o desemprego foi aumentado e o governo promoveu o congelamento dos salários, situação indicada por todas as pesquisas sobre a distribuição de riqueza no Brasil, fato reconhecido pelos próprios economistas do governo. Assim, no plano social temos dois graves problemas que acentuam as diferenças sociais, e empobrecem a população – e a tendência é a de seu contínuo pioramento. O primeiro é o desemprego, que é estrutural, embora tenha aspectos conjunturais e com isso possa variar um pouco. O segundo é a regressão da massa salarial, resultado da contenção dos salários e da pressão do desemprego. Esses fatores fazem a renda do assalariado cair. Não só a massa salarial cai relativamente como também os salários estão quase-congelados, enquanto a inflação, mesmo menor, continua. Há picos de inflação e o próprio Dieese acha que o número mais correto seria maior de 10% para este ano, ao passo que os salários só conseguem – quando conseguem – reajustes de não mais de 3%, confirmando uma defasagem salarial. Os funcionários públicos federais estão há mais de seis anos sem aumento. Esse processo se acumula e provoca a diminuição da renda dos assalariados brasileiros que, somente em 1999, sofreu uma diminuição de 5%, como reconhece a Folha de S. Paulo.
O governo ensaiou recentemente o anúncio da retomada do crescimento baseado em dados como o aquecimento da venda de produtos como telefone celular de última geração e carro importado; isso decorre da existência, no país, de uma camada que concentra a riqueza. Mas a venda para a grande massa que compra produtos essenciais – sobretudo alimentos e vestuário – caiu em torno de 2% nos últimos 8 meses, demonstrando que o poder aquisitivo da maioria da população caiu. Aquele setor que cresceu se deve também à maior facilidade de crédito para quem tem renda para a camada que concentra a riqueza.
O quadro político atual
Tudo isso se reflete no plano político e cria o que o PCdoB já afirmava em seu IX Congresso: vai se formando uma realidade política instável e inconstante, como produto da deterioração da vida econômica e social do país; até mesmo com a perda de prestígio do presidente da República e o esgotamento desse modelo em curso. Remando contra a maré, o governo e seus porta-vozes buscam transmitir otimismo e um clima de que as coisas estão para melhorar.
Uma demonstração da insatisfação e desconforto da população perante a política neoliberal de FHC que vem aguçando substancialmente a crise social nos centros urbanos – é o resultado do primeiro turno das eleições de 10 de outubro. A abstenção foi pequena, 14,5%, assim como os votos em branco ou nulo. A participação popular foi expressiva e representou um avanço das oposições.
Boa parte dos candidatos – em especial os comunistas – fez campanhas politizadas, criticando a visão "administrativa" das eleições e enfatizando a necessidade do voto em lideranças políticas que enfrentem o projeto neoliberal. As forças da situação perderam. A política de Fernando Henrique foi derrotada.
Em resposta, o governo acionou seus analistas e os meios de comunicação para divulgar a opinião de que não existiram "vencidos ou vencedores", de que a eleição não foi "federalizada". Isso deve ser desmascarado. O presidente Fernando Henrique Cardoso participou ativamente da campanha: adiou novos reajustes no preço dos combustíveis, fez demagogia com o FGTS, acionou ministros para apoiar candidatos situacionistas. Participou pessoalmente e utilizou a máquina federal na campanha, fato denunciado até pelo presidente do Senado, mas foi derrotado!
No primeiro turno das eleições, nas grandes cidades, a oposição teve a maioria dos votos, e cresceu 38% em relação à eleição municipal de 1996. Das 57 cidades com mais de 200 mil eleitores – as cidades que formam opinião -, que detém 1/3 do eleitorado, o PT foi o partido que mais cresceu, com 7,2 milhões de votos (quase 30% do total); em seguida vieram o PSDB, com 4,5 milhões, e o PFL, com 4 milhões. São dados que indicam uma tendência de crescimento oposicionista: parcela significativa do eleitorado votou contra a política federal.
O resultado do segundo turno das eleições realizadas em 29 de outubro foi ainda mais significativo em relação à derrota dos partidos governistas (PSDB, PFL, PMDB) e à vitória dos partidos oposicionistas (PT, PDT, PSB, PPS e PCdoB). Estes conquistaram as prefeituras de 20 dos 31 grandes municípios onde houve segundo turno. E no conjunto das 57 cidades com mais de 200 mil eleitores, a oposição foi vitoriosa em 27, o que corresponde a um total de 19 milhões de eleitores. Mesmo a vitória de César Maia, no Rio de Janeiro, foi concretizada fora do campo situacionista.
Dentre as forças oposicionistas os partidos de esquerda obtiveram a maior vitória. Mais especificamente o PT alcançou o maior resultado, elegendo 187 prefeitos (correspondendo a quase 20% da população), incluindo-se nesse total seis capitais de estados e a maior cidade do país, São Paulo.
No segundo turno das eleições, diante do crescimento das forças de esquerda, os partidos de direita foram buscar no baú da luta anticomunista do início da década de 60, "argumentos" para intimidar e atemorizar a população simples e menos informada, visando – desesperadamente – a reverter a situação em seu favor. A intolerância, o preconceito e os métodos de cunho fascistas passaram a nortear as campanhas dos partidos conservadores. Porém, o resultado eleitoral demonstrou que uma parcela crescente do povo não se confunde mais com o conto da satanização das forças de esquerda e comunista.
Após o segundo turno, mais uma vez, presidente da República e representantes das forças da situação procuraram diminuir o alcance da vitória oposicionista. Afirmaram que o resultado demonstrou "equilíbrio de forças"; que "não esteve em jogo a política nacional". Ou a utilização de insinuações torpes, creditando a vitória petista à sua "transformação" em "partido cor-de-rosa" – velho expediente dos grupos dominantes visando a "domesticar" os partidos considerados radicais.
Pode-se concluir do resultado de conjunto das eleições municipais deste ano que surge uma nova correlação de forças políticas favorável à oposição e aos partidos de esquerda, passando assim a condicionar o curso do processo político que culminará na eleição presidencial de 2002. O PSDB ficou reduzido às pequenas e médias cidades. O PFL perde duas capitais importantes: Rio de Janeiro e Recife. O PMDB, na maior parte, fica limitado aos pequenos municípios. Os partidos de esquerda, por sua vez, ganham nas grandes cidades e conquistam a maior parte do eleitorado dos centros mais importantes.
Uma primeira conseqüência das eleições deste ano foi a demonstração do grau de desgaste do modelo neoliberal dominante. No campo governista muitas vozes já clamam por "ouvir a voz das umas", por "uma política pública e social". E ainda que a "esquerda capitalizou o descontentamento da população". Outra conseqüência pós-eleitoral é o acirramento da disputa pela Presidência de República em 2002. Reascende no seio da base de sustentação do governo a disputa pela hegemonia da condução do processo sucessório. Fernando Henrique e seu partido, o PSDB, buscam meios para dominar o curso da sucessão presidencial, enquanto o PFL pretende para si essa posição dirigente, sobretudo o atual presidente do Senado – a liderança pefelista que sai mais fortalecida nestas eleições.
E o PMDB ainda procura uma definição quanto ao rumo a seguir na sucessão de FHC. A contenda que se estabeleceu no âmbito situacionista pela conquista das mesas da Câmara Federal e do Senado passa a sofrer o reflexo desse novo quadro que desponta após este pleito e, por conseqüência, a ocupação de melhor posição para o embate eleitoral de 2002.
No campo oposicionista as diversas forças apresentaram-se divididas no primeiro turno e enfrentaram dificuldades para garantir a unidade em algumas cidades onde ocorreu o segundo turno. Nessas eleições o PT se consolidou como a principal força condutora da disputa à sucessão presidencial dentre as forças de oposição. Entretanto, em conseqüência das divergências políticas que persistem, é possível o desenvolvimento e o surgimento de outros pólos, visando a aglutinar forças no âmbito oposicionista para a disputa de 2002. O maior desafio para as lideranças da oposição ainda se concentra na tarefa de redefinir e recompor uma ampla frente política capaz de garantir as condições para derrotar o governo neoliberal.
Participação comunista nas eleições 2000
O PCdoB teve uma participação ousada nestas eleições municipais. Lançou 26 candidatos a prefeito e 46 a vice-prefeito. Desenvolveu uma política mais ofensiva de alianças, inclusive em torno de lideranças comunistas. Não foram estabelecidas metas partidárias para o Executivo municipal, mas os resultados foram bastante positivos, tendo sido eleita a primeira prefeita comunista, depois do atual período de legalidade, de uma cidade de porte médio, que sedia importante patrimônio cultural brasileiro. Foram eleitos também sete vice-prefeitos, sendo dois em capitais de estados. A bancada de vereadores teve um crescimento de 60%, sendo eleitos 18 vereadores em 13 capitais.
As alianças realizadas pelo PCdoB no processo eleitoral, buscando a unidade oposicionista, mostraram-se corretas. As principais alianças foram realizadas com o PT. Desse modo, o PCdoB poderá assumir responsabilidades de governo municipal com aquele partido em várias cidades. Mais ainda, o PCdoB volta a ter uma bancada de 10 deputados na Câmara Federal, com a posse de três suplentes que ocuparam as vagas deixadas por deputados federais do PT, eleitos prefeitos. O Partido deve levar em conta esse resultado para trazer mais militantes para as fileiras partidárias, realizando filiações de qualidade. A realização de alianças amplas, em tomo de uma plataforma comum, com o Partido mantendo sua independência, a defesa de suas bandeiras próprias e sua ligação e intervenção no movimento social e de massas tem sido uma política correta, na qual deve perseverar.
Renato Rabelo é vice-presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
EDIÇÃO 59, NOV/DEZ/JAN, 2000-2001, PÁGINAS 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15