Do ponto de vista ambiental a Amazônia transcende fronteiras, tanto regionais quanto internacionais. Sobre o aspecto geopolítico, porém, é conveniente deixar bem patenteado essa distinção. Convém, entretanto, até por razões didáticas, fazer uma breve apresentação da Amazônia Global e da Amazônia Brasileira, pelo menos mencionando os seus múltiplos aspectos e as visões básicas que as distintas correntes de pensamento sustentam sobre a região. O debate sobre a Amazônia nunca foi desapaixonado. Muitas vezes foi mesmo irracional, mesclando visões de classe distintas com "conceitos" ambientais corretos ou de eficácia duvidosa e que, em última análise, servem apenas para "justificar" a visão de classe à qual se filia o autor em questão. Ou ainda para camuflar os reais interesses de grupos.

A Amazônia Global

A Amazônia Global abrange áreas do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa, perfazendo uma área de aproximadamente 7,8 milhões de km2.
Em termos comparativos essa imensa área – quase equivalente ao território brasileiro – representa 44% da América do Sul ou 5% do globo terrestre. Concentra a maior floresta tropical úmida, 10% da biota universal, 25 mil km de vias navegáveis, 20% da água potável do Planeta e 350 milhões de hectares de florestas virgens. Tudo na Amazônia tem dimensões extraordinárias, incluindo as desigualdades sociais.

A Amazônia Brasileira

A Amazônia brasileira, igualmente, honra essas tradições. Sua área é da ordem de 5 milhões de km2 (60% do Território Nacional) e abrange os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e a maior parte do Maranhão. Concentra a maior biodiversidade do Planeta, chegando, em determinadas áreas, a se encontrar até 100 diferentes tipos de planta em apenas um hectare de floresta. A Amazônia detém, ainda, a maior reserva mineral da Terra (ferro, bauxita, salgema, manganês, calcário, cobre, cassiterita, estanho, chumbo, níquel, ouro, nióbio, petróleo, gás, etc).

Nessa região vivem em tomo de 20 milhões de habitantes, dos quais, aproximadamente, 200 mil são índios, o que representa a maior população nativa do país. De maneira geral a maior parte dessa população está concentrada em áreas urbanas, o que significa dizer que a densidade demográfica na área rural é bastante rarefeita, situando-se em alguns casos abaixo de 0,5 hab/km2.

No início da colonização amazônica (1541/42; 1560/61; 1637/39 ; 1669) havia na região em tomo de 7 milhões de índios, os quais falavam mais de 700 idiomas, de acordo com as estimativas de demógrafos da Escola de Berkeley (USA). A teoria dos demógrafos de Berkeley é extraordinariamente reforçada quando se sabe que o museu Emílio Goeldi (Belém/PA), tem catalogado em tomo de 350 sítios arqueológicos, sinalizando que a estimativa dos pesquisadores norte-americanos pode até estar subestimada. A maior parte dessa rica diversidade lingüística foi destruída sem deixar nada escrito, perdendo-se por completo esse rico patrimônio genético e cultural. Estudos mais recentes, especialmente os de Aryon Dall'Igna Rodrigues, pesquisador da UnB, afirmam que na Amazônia ainda estão presentes 39 unidades genéticas, correspondendo a 250 línguas. O alcance dessa informação pode ser mensurado quando se sabe, por exemplo, que na Índia – o segundo país mais populoso do mundo – fala-se 300 línguas, agrupadas em 5 famílias.

Os povos que aqui habitavam quando do início da colonização portuguesa viviam em graus diferenciados de organização social e a origem desses nativos é incerta. A "teoria" mais recorrente é que são de origem asiática, aqui chegando pelo estreito de "Bering". Essa teoria, recentemente, ganhou um importante reforço a partir de estudos coordenados pelo geneticista mineiro Fabrício Santos – publicados no American Journal of Human Genetics – no qual o pesquisador da UFMG conclui, com base no estudo de cromos somos, que o rio Ienissei na Sibéria Central foi, provavelmente, o ponto de partida do chamado "Adão americano".

Essa população – cuja controvérsia sobre a sua origem não elimina o fato de que eram milhões quando do início da colonização – foi praticamente dizimada pelo colonizador português e, posteriormente, pelos governos locais através de expedições de extermínio – caravanas organizadas com o único propósito de matar indígenas.

No período que vai de 1.655 a 1.850 a região recebe as primeiras levas de migrantes nordestinos, os quais se fixaram às margens dos grandes rios e se dedicaram, do ponto de vista econômico, fundamentalmente, ao extrativismo (especiarias e castanha do Pará). A partir de 1870 se intensifica a migração nordestina e, em menor proporção, também de judeus e árabes. Com o advento da II Guerra Mundial, a presença nordestina é consolidada na região através do lendário "soldado da borracha", dando início ao que se convencionou chamar de "ciclo da borracha".

As visões básicas sobre a Amazônia

Em tese todos estão preocupados com o desenvolvimento da Amazônia e, conseqüentemente, com a proteção de sua extraordinária biodiversidade. Em tese, porque na prática as concepções mais difundidas acerca do "desenvolvimento" da região são francamente conflitantes. É possível sintetizar em três "visões" básicas o pensamento e a concepção de desenvolvimento que as variadas correntes de pensamento defendem para a Amazônia:

Teoria Desenvolvimentista. Com o fim do ciclo da borracha a Amazônia experimenta um longo período de recessão econômica. Nesse período a atividade econômica se restringe basicamente ao extrativismo de subsistência. Essa situação de caos e abandono fornece a base objetiva para que na década de 1970 a "tese desenvolvimentista" ganhe força e adeptos, esposando a bandeira de substituir "a mata por pata de boi". A base ideológica dessa teoria é o Plano de Integração Regional (PIN) e a sua verbalização prática a construção de grandes rodovias, dentre elas a Transamazônica que, segundo o pensamento oficial da época, seria o instrumento para "assegurar terras sem homens para homens sem terra", numa referência ao vazio demográfico da região e o "excedente" populacional do Nordeste. Muito em moda na década de 70 hoje essa "tese" está completamente isolada e, por isso mesmo, poucos se apresentam de público como seus defensores, embora se saiba que essa é a visão predominante entre a maioria do empresariado e dos políticos conservadores.

Teoria do Santuário. Os estragos ambientais provocados pela "teoria desenvolvimentista", sem maiores ganhos sócio-econômicos para a população nativa, é a base objetiva sobre a qual se constrói a "teoria do santuário". Pensamento muito em "moda" na década de 1980, esposado principalmente por ONGs estrangeiras, defende a "tese" de a Amazônia não suportar pisoteio humano e que, portanto, deveria ser integralmente preservada como reserva estratégica para toda a humanidade, uma vez que a mesma seria "patrimônio da humanidade" e não apenas do povo brasileiro. Raras são as pessoas que atualmente assumem publicamente essa "tese", embora muitos sejam os seus adeptos, especialmente entre as ONGs estrangeiras.

Teoria do Desenvolvimento Sustentado. O entrechoque dessas duas concepções faz surgir no final da década de 80 a "tese" da necessidade de se conciliar crescimento econômico com conservação ambiental, para que esse crescimento se tome perene e se converta efetivamente em desenvolvimento. Hoje praticamente todo mundo se proclama adepto dessa concepção, mesmo que essa concordância, para a grande maioria, seja apenas retórica. Mesmo entre os efetivamente adeptos há muitas divergências práticas e teóricas sobre essa teoria. Também aí se escondem muitos "santuaristas" e, principalmente, a maioria dos "desenvolvimentistas".

Todas as teses falam em "defesa da Amazônia" e em "desenvolvimento" da região. A defesa da Amazônia e o seu desenvolvimento, entretanto, só serão efetivos a partir de um desenvolvimento multilateral, ou seja, desenvolvimento de suas potencialidades regionais e o conseqüente benefício à população nativa (índios, caboclos, ribeirinhos, seringueiros, etc.) da riqueza gerada. Hoje, as eventuais riquezas produzidas só servem para aumentar a fortuna de um punhado de aventureiros (nativos ou "importados") e alimentar a indústria da corrupção, cultivada quase como cultura pela maioria dos governantes locais. Os indicadores sociais demonstram isso. A ausência quase que absoluta do Estado, enquanto ente político e social, faz com que as ONGs, na prática, cumpram o "papel" daquele no atendimento às necessidades básicas da população, especialmente índios e ribeirinhos.

Nosso dilema: de um lado, sabemos que querem bloquear a região. Por outro, sabemos, também, que se as terras indígenas não forem demarcadas e grandes áreas não forem protegidas, em breve a Amazônia se transformará numa paisagem "lunar", sem que isso tenha "desenvolvido" a região. Maranhão e Tocantins, cujo desflorestamento atinge 70 e 43%, ostentam indicadores sociais sofríveis (mesmo para os padrões da Amazônia) e uma taxa de ICMS por habitante na casa dos 74 e 141 reais, respectivamente. O Amazonas, que conserva mais de 98% de sua cobertura vegetal original tem uma taxa de 490 reais por habitante.

O potencial econômico

A base econômica dos estados da região se assenta no extrativismo de espécies vegetais e/ou dos recursos minerais. A produção agropecuária, cujo nível de intensidade é bastante distinto entre os estados, representa a outra base econômica comum. O Amazonas é o único estado cuja base econômica é eminentemente industrial, em decorrência do pólo eletro-eletrônico da Zona Franca de Manaus. A principal base econômica de cada estado é a seguinte: Acre (Extrativismo, Pecuária); Rondônia (Minério, Agricultura, Madeira); Roraima (Pecuária, Garimpo); Amapá (Extrativismo, Minério exaurido; Pará (Minério, Agricultura, Pecuária, Madeira); Amazonas (Indústria Eletro-Eletrônica, Madeira, Petróleo e gás).

O somatório das riquezas produzidas pelos estados da região amazônica representa algo como 5% do Produto Interno Bruto (PIE) do país, evidenciando as conseqüências de uma criminosa política de concentração de investimentos públicos no Sul/Sudeste, em detrimento das demais regiões do país. O peso econômico da região, entretanto, não pode ser mensurado pelo atual nível de participação no PIE, mas pelo seu extraordinário potencial, dentre os quais destacamos:

• Planície mineral estimada em 1,6 trilhões de dólares, com destaque para o Nióbio, na região de "6 Lagos", em São Gabriel da Cachoeira (AM); Ferro, na região de Carajás (PA) e Petróleo e Gás na região do Juruá, Urucu e Silves, no Amazonas, com mais de 50 bilhões de m3, o que seria suficiente, por exemplo, para abastecer São Paulo por 70 anos.

• Potencial madeireiro com mais de 3,5 milhões de km2 de floresta tropical. Embora haja muita polêmica quanto à possibilidade real de exploração florestal sem degradação do meio ambiente, há manejos com ciclo de corte rotativo, com intervalos de 20125 anos, considerado pela maioria dos investigadores como ecologicamente correto.

• Potencial hidro-energético estimado em algo como 68.623 MW – dos quais menos de 10% está explorado o que representa 53% dos 129.046 MW existentes em todo o país.

• Potencial Pesqueiro estimado em mais de 3 mil espécies, entre comestíveis e ornamentais, dos quais 40% já cadastrados pelo INPA. Com possibilidade, igualmente, de se fazer criação em cativeiros, em "lagos fechados" e promover a industrialização, verticalizando a produção e agregando valor ao "produto" regional.

• Potencial agrícola de mais de 25 milhões de hectares de várzea, área suficiente para produzir mais de 50 milhões de toneladas de alimento, o que representaria mais ou menos 70% da produção nacional.

• Potencial da agro-indústria e da eco-indústria na produção de óleos comestíveis (palmeiras e castanha), polpas, sucos, sorvetes, refrigerantes e, também, de óleos e essências aromáticas, corantes, etc. Deve merecer atenção especial na agro-indústria, a exploração do dendê (palmeira) na produção de óleo comestível e para fornecimento de energia, especialmente quando se sabe que 1 hectare de dendê produz 5 mil quilos de óleo/ano, contra 400 quilos produzido pela soja no mesmo espaço e tempo. A exploração de 10 hectares de dendê pode proporcionar uma renda líquida na faixa de 26 mil reais ano. Além do mais o dendê pode ser a alternativa para iluminação de pequenas e médias comunidades isoladas da Amazônia brasileira.

• Biodiversidade. A Amazônia possui 10% de toda a biota universal, o que lhe coloca com extraordinário potencial químico e farmacológico.

• Zona Franca de Manaus. Representa uma economia de importação de mais de 10 bilhões de dólares/ano, em produtos eletro-eletrônicos que hoje são fabricados em Manaus. Além de agregar, ao tesouro nacional, algo como 1 bilhão de dólares em tributos federais (55% de todos os tributos federais arrecadados na região Norte).

• Exoticidade, o que lhe dá enorme potencial turístico, desde que seja criada a necessária infra-estrutura – que a iniciativa privada parece estar "esperando" o poder público realizar – e se pratique preços racionais.

Na falta de uma política de desenvolvimento duradouro, a Amazônia vive dos grandes projetos
Apesar desse extraordinário potencial eçonômico e de seu caráter estratégico, tanto pelo aspecto geopolítico (a Amazônia faz fronteira com 7 países) quanto pela sua tão decantada biodiversidade (20% da água doce do Planeta, dentre outras preciosidades estratégicas no próximo milênio) a Amazônia nunca teve, por parte do governo federal, um projeto de desenvolvimento permanente, assentado em bases que assegurem o seu desenvolvimento sustentado. Daí, os surtos de crescimento econômico que a região tem experimentado se baseiam, fundamentalmente, nos chamados Grandes Projetos e numa forte presença militar, desde os tempos do colonizador português. E, como num macabro processo de autofagia, o governo cria e ele próprio ataca, agride, destrói as precárias possibilidades de um crescimento econômico para a região. Os exemplos são fartos e recorrentes, tanto no passado (o ciclo da borracha) como no presente (o projeto Zona Franca de Manaus). As conseqüências dessa política de "descontinuidade" faz com que a Amazônia viva de "ciclos econômicos", agravando ainda mais a situação econômica de uma área que, historicamente, tem sido a menos favorecida na distribuição dos benefícios que determinam a formação da riqueza. Enquanto desde 1988 o PIB das regiões Sudeste e Sul, por exemplo, experimentaram um crescimento "per capita", o PIB da região Norte caiu 9%.

Apresentaremos a seguir, embora que de forma resumida, os vários processos de ocupação da Amazônia, destacando a teoria do adensamento, levada a cabo pelos militares, a colonização portuguesa e a fase contemporânea, caracterizada pelo ciclo da borracha, a fase desenvolvimentista, o surto ecológico, a teoria do desenvolvimento sustentado e os grandes projetos.
Presença militar – a "teoria do adensamento"

A Amazônia, desde o início da sua colonização, recebeu uma forte presença militar, o que corresponde à visão estratégica das Forças Armadas para a área, segundo a qual o adensamento populacional desse imenso território é pressuposto para sua defesa e integração nacional.
Seguindo a lógica desse pensamento estratégico os portugueses estabeleceram, ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, nada menos que 37 fortificações militares. Esse processo posteriormente foi intensificado através de várias unidades, dentre as quais se destacam:

-1840 – Colônia Militar – Rio Araguaria/AP;
-1842 – 26° BC (Batalhão de Caçadores) – Belém/PA;
-1850 – Colônia Militar – São João do Araguaia/PA;
-1853 – Colônia Militar – São Pedro de Alcântara/PA;
-1854 – Colônia Militar – Óbidos/PA; No início do século surgem os primeiros grandes comandos, denominados de "Regiões de Inspeção Permanente", com sedes em Manaus, Belém e São Luiz.

Cria-se, também, o 27° BC em Manaus e pelotões em Tabatinga, Cucui, Ipiranga, Vila Bittencourt (AM), Boa Vista (RR) e Clevelândia (AP); 8' Região Militar, Belém (PA); Comando de Elementos de Fronteira de Manaus (AM).

De 1950 a 1986 (período que coincide com o início do Projeto Calha Norte) os militares desenvolvem uma nova ofensiva, desta feita com o deslocamento de grandes contingentes e o desenvolvimento de ações que fogem do modo tradicional de operação das Forças Armadas brasileiras. Neste período foram implantadas as seguintes unidades militares:

-Comando Militar da Amazônia – Manaus/AM;
-12ª Região Militar – Manaus/AM;
-Colônia Militar de Tabatinga/ AM;
-Colônia Militar de Oiapoque/RR;
-Companhias Especiais de Fronteira: Tabatinga (AM), Boa Vista (RR), Macapá (AP), Rio Branco (AC), São Gabriel da Cachoeira (AM) – os atuais Batalhões Especiais de Fronteira;
– Pelotões de Fronteira em Bonfim,
-Normandia e BV8 (RR);
-Colégio Militar de Manaus;
-CIGS – Centro de Instrução de Guerra na Selva – Manaus;
– 1 ° e 2° BIS – Batalhão de Infantaria de Selva (Manaus e Belém);
– Batalhões de Selva em Marabá, Altamira e Itaituba (PA) e Imperatriz (MA) – fruto da Guerrilha do Araguaia;
-23ª Brigada de Selva em Marabá/PA;
-17ª Brigada de Infantaria de Selva em Porto Velho/RO.

Recentemente ocorreu o deslocamento da Brigada de Santo Ângelo (RS) para refé (AM), no epicentro da Amazônia Ocidental, como reflexo direto do fim (?!!) da "guerra fria" e a crescente convicção entre os militares de que o "inimigo" vem do Norte – no caso, os norte-americanos.

A colonização portuguesa

A partir de 1669 os Portugueses ocuparam a região. A presença portuguesa na Amazônia não trouxe progresso e nem desenvolvimento para a região. A prática de saque, dilapidação, e de extermínio, já freqüente em outras partes, foi a característica básica do invasor português também na Amazônia. Entretanto, diferente de outras regiões onde a mão-de-obra era predominante escrava, aqui os portugueses utilizaram a mão de obra indígena – parte escravizada – na atividade basicamente de extrativismo e agricultura de subsistência.

A fase contemporânea

O ciclo da borracha (1839/1940)

Configura um período em que toda a economia da região- esteve alicerçada na produção de borracha, destinada no fundamental à exportação de forma in natura, sem qualquer agregação de valor. A extração do látex de forma mais ou menos intensa ocorreu por um longo período (1839 a 1940). O período "áureo", entretanto, que convencionou-se chamar "Ciclo da borracha" vai de 1880 a 1911, tendo seu ápice em 1910. No período de 1901110 (auge do ciclo) a Amazônia exportou em torno de 12 bilhões de dólares em borracha, sendo que apenas no ano de 1910 as exportações atingiram algo como 2 bilhões de dólares em borracha. A imensa riqueza oriunda da borracha produziu uma casta de abastados numa ponta e, como sempre, uma legião de miseráveis no outro extremo, composta de seringueiros que trabalhavam em regime de semi-escravidão e que freqüentemente eram assassinados para não receber o saldo que eventualmente obtinham na venda de seus produtos para o seringalista. Esta casta de abastados, cujos filhos estudavam em Coimbra e na Sorbonne, se caracterizava por um comportamento perdulário e extravagante, dentre eles alguns prosaicos, como tomar banho com água mineral francesa importada. É deste período a construção de uma das mais belas obras arquitetônicas do país: o Teatro Amazonas, de Manaus, considerado um dos nossos mais belos e suntuosos. Com o fim do ciclo da borracha a região entra numa crise prolongada, cujos reflexos se estendem até hoje.

Fase desenvolvimentista (1940/1970)

Caracteriza-se por uma "ofensiva" do governo no sentido de "adensar" a Amazônia. É desse período as rodovias Belém-Brasília e Porto Velho-Cuiabá, bem como órgãos de fomento e pesquisa tais como BASA e SUDAM (criados com outro nome), CPRM, INPA, Zona Franca, etc. Junto com a visão "desenvolvimentista" vieram as queimadas, a agressão ao meio ambiente, a grilagem, a pistolagem, a substituição da mata pela "pata do boi", sem que isso contribuísse para melhorar os indicadores sociais da região. A prática de saque das riquezas da região – iniciada com os portugueses – sem contrapartida efetiva para os amazônidas, prosseguiu nessa fase e até se intensificou.

Surto ecológico

A agressão sistemática e violenta dos recursos naturais da região deteriorou sobremaneira o meio ambiente, sem que isso representasse, pelo menos, alguma melhora no padrão de vida da população. Por isso mesmo parte da década de 1970 e 80 se caracterizou pelo surgimento de um intenso movimento ambientalista, como uma reação natural a essa prática criminosa e irracional. É desse período, por exemplo, o Movimento da Defesa da Amazônia (MDA), que não se limitava à defesa meramente ecológica, colocando o problema de soberania da Amazônia como bandeira central de suas preocupações. Nem todo movimento ambientalista, naturalmente, tinha essa visão estratégica do MDA. Muitas organizações esboçavam a idéÍa de que a Amazônia era intocável ( a "teoria do santuário") e restringiam suas plataformas à defesa de uma espécie animal e/ou vegetal em particular, permitindo que grosserias como "eles querem salvar as borboletas e matar o caboclo de fome", cunhadas por "amazonólogos" do porte de Gilberto Mestrinho, fizessem certo sucesso. Outras passaram a questionar até mesmo a "capacidade" da Amazônia suportar "pisoteio" humano, defendendo não só a idéia do "santuário" como também a "teoria" de que a Amazônia, pela sua complexidade e importância no equilíbrio ambiental, devesse ser vista como patrimônio da humanidade e não do povo brasileiro. É à tese da soberania limitada; que tanto anima os imperialistas do mundo inteiro e os norte-americanos em particular. Como se pode ver há muito contrabando travestido de defesa ambiental.

Teoria do desenvolvimento sustentável

A contradição radical entre os defensores do "desenvolvimentismo" e os adeptos da Amazônia como "santuário" levou as correntes mais progressistas a desenvolver um conjunto de idéias que busca conciliar a necessidade objetiva que os povos da área têm por alimentos, desenvolvimento tecnológico e exploração de seus recursos naturais, sem 'que isso represente a degradação e a destruição do ecossistema. É o reconhecimento óbvio de que a defesa da Amazônia só será efetiva se os povos dessa região forem finalmente beneficiados pela extraordinária riqueza da região, especialmente os milhares de ribeirinhos, indígenas, castanheiros, seringueiros, etc, que até hoje continuam marginais a todos os surtos de "desenvolvimento" que a Amazônia experimentou. É uma polêmica em aberto, especialmente no que diz respeito a determinadas atividades, como exploração de madeira – mesmo com manejo e com "certificado verde" dos organismos internacionais.

Os grandes projetos – traço dominante na ocupação da Amazônia

A falta de um planejamento estratégico por parte do governo central, no que diz respeito ao desenvolvimento da Amazônia e a sua conseqüente preservação, tem feito com que ela seja submetida, sistematicamente, a "grandes projetos", cuja eficiência além de duvidosa tem, como regra geral, caráter transitório, a exemplo da Zona Franca de Manaus com data predeterminada para acabar.

Os "grandes projetos" têm sido o traço predominante no processo de ocupação da Amazônia. Dentre eles estão, evidentemente, alguns dos principais projetos econômicos da região:

• A construção de 364 km da estrada de ferro Madeira/Mamoré(RO), em 1903/13, que consumiu 30 mil vidas, 2 milhões de libras esterlinas e hoje está abandonada.
• O mega projeto do milionário americano Ford, destinado a plantar 982 mil hectares de seringueiras entre 1928/46, na área de Fordlândia/Belterra (PA) a um custo de 2 milhões de dólares. O projeto foi abandonado porque os seringais foram dizimados pelo "mal da seringueira" – mais uma vez as barreiras naturais se ergueram contra o invasor.
• A exploração da Serra do Navio (AP), a partir de 1954, onde a iniciativa privada investiu algo como 55 milhões de dólares e levou embora uma serra inteira, à medida que o minério está completamente exaurido.
• A construção, em 1958/60, da rodovia Belém-Brasília, ao longo de 2.208 km.
• A implantação, em 1967, da Zona Franca de Manaus que, segundo o governo, representará uma renúncia fiscal da ordem de 5 bilhões (?!) de dólares.
• A construção, em 1971, da rodovia Transamazônica, com valor superior a 12 bilhões de dólares e cujo objetivo era, segundo o pensamento militar de então, "levar homens sem terra a uma terra sem homens", numa alusão à pretensão de se estabelecer uma segunda leva migratória de nordestinos para lá. Está, hoje, com a maioria dos trechos intrafegável.
• Implantação, em 1971, do projeto Jari, no Pará, cujo proprietário, o milionário norte-americano Daniel Ludwig, pretendia investir em algo com 1 bilhão de dólares para cultivar arroz e fazer reflorestamento destinado à exploração de celulose, numa área de 36 mil km2. Falido.
• Dentro da ótica "desenvolvimentista" de substituir a mata por pata de boi, a Volkswagen investiu, em 1973, 25 milhões de dólares na formação de 139 mil hectares de pasto da Fazenda Cristalino. Foi vendida.
• Implantação do projeto Trombetas, em 1973, com investimentos da ordem de 390 milhões de dólares. Em andamento.
• Construção da hidrelétrica de Tucurui, em 1977, cujos investimentos iniciais foram da ordem dos 3,5 bilhões de dólares. Está na pauta das privatizações do governo.
• Implantação, em 1978, do projeto Albrás-Alunorte, com investimentos na ordem de 2,5 bilhões de dólares.
• Em 1980 tem início o projeto Grande Carajás, com investimentos da ordem de 3,5 bilhões de dólares.
• Dentro da ótica da "exploração" mineral, em 1981, o país toma conhecimento de uma mina de ouro a "céu aberto", conhecida como Serra Pelada, que alimentou a ilusão de milhares de migrantes e propiciou riqueza, como sempre, a alguns poucos. Está exaurida.
• Entre 1981/87 o governo implementa projeto Polonoroeste, com investimentos de 1,4 bilhão de dólares, cujos resultados práticos são tão vagos quanto os recursos investidos: evaporaram-se.
• Conclusão, em 1981, da rodovia BR 364, que liga Rio Branco (AC) a Cuiabá (MT), numa extensão de 1.944 km.
• Em 1985 a Petrobrás investe em tomo de 150 milhões dólares no processo inicial de exploração comercial da bacia petrolífera de Urucu (AM). Em pleno funcionamento e com larga expansão, tanto de recursos quanto de produção.
• Ainda em 1985 o Exército inicia chamado projeto Calha Norte, com investimentos estimados em 85 milhões dólares. O projeto só não foi encerrado em decorrência da pressão dos militares.
• Em 1988 o governo Samey iniciou a construção dos 1.570 km da Ferrovia Norte-Sul, estimada em 2,44 bilhões de dólares. Ainda não foi concluída.
• A partir de 1995 e obedecendo a estratégia dos militares tem início o Projeto SIVAM, a um custo de 1,4 bilhões de dólares.
• Dentro do jogo de pressão e contra pressão que caracteriza as relações na Amazônia tem início, a partir de 1998, o LBA – Experimento de Grande Escala da Biosfera e Atmosfera na Amazônia, coordenado pela NASA e com investimentos previstos na ordem de 100 milhões de dólares.
• Em 1999 e dentro da lógica da "teoria do bloqueio" o governo tem sinalizado com a implantação dos corredores ecológicos e admitido publicamente que aceita discutir uma velha proposta norte-americana de converter parte da nossa dívida por preservação de florestas.
• E, mais recentemente, dentro do Plano Plurianual (PPA) o governo propõe a execução de alguns programas de "desenvolvimento" para a região, os quais discutiremos mais adiante.

A Amazônia vive sobre um cerco permanente

A Amazônia sempre foi vista como reserva estratégica do imperialismo, pelo seu potencial biológico e mineral.
Durante anos, por exemplo, os mandatários dos países de capitalismo avançado, especialmente os Estados Unidos, pressionaram o Brasil por uma gestão compartilhada da Amazônia sob o argumento que o governo brasileiro era incapaz de frear as queimadas, as quais, argumentavam esses mandatários, representavam um perigo real para o aquecimento do Planeta e o conseqüente degelo das calotas polares. A tragédia era iminente. Não se tratava de um simples discurso de um dirigente de um país estrangeiro e, portanto, perfeitamente passível de contestação por advogar em causa própria. Grande parte da comunidade científica internacional sustentava e dava respaldo técnico a esses discursos pró-internacionalização.

Posteriormente, trabalhos científicos realizados pela própria NASA – a agencia espacial dos EUA – chegaram a conclusão que, em verdade, os Estados Unidos são o grande vilão da poluição ambiental, na medida em que produzem, sozinhos, mais de 20% de todo o Dióxido de Carbono (CO2) lançado na atmosfera, contra os 5% do Brasil- dos quais 3,5% das queimadas amazônicas.

Até hoje os Estados Unidos ignoraram solenemente todos os grandes fóruns internacionais que trataram e deliberaram sobre o clima do Planeta, tais como a &092 (a Conferencia do Rio de Janeiro), o Protocolo de Kyoto (Japão) e a Convenção sobre o clima de Haia (Holanda), que acaba de ser realizada. Na prática inviabilizaram a recente convenção de Haia ao se negarem a ratificar o protocolo de Kyoto, que recomendava, dentre outras medidas, que os países com grande emissão de Gases de Efeito Estufa – como os EUA – adotassem medidas para reduzir a emissão desses gases. Os EUA simplesmente condicionam sua ratificação ao protocolo de Kyoto desde que China, Brasil e Índia também se comprometam igualmente a limitar suas emissões.

Esse exemplo não pretende secundarizar a contribuição do Brasil na emissão de gases de efeito estufa, embora elas sejam modestas em escala mundial, e muito menos desconhecer a oportunidade e a urgência de que os países adotem medidas – radicais, se necessário – para preservar o meio ambiente e assegurar um desenvolvimento seguro, em bases sustentáveis para as gerações futuras.

O que se pretende com esse exemplo é tão somente demonstrar que nenhuma discussão, seja em nível mundial ou regional, sob qualquer aspecto, está isenta do aspecto ideológico e que, de acordo com a época e a correlação de forças, os dados serão utilizados de acordo com a conveniência de quem detém maior poder. Assim tem sido ao longo dos séculos. Variam os autores e até mesmo os "argumentos", mas o objetivo é sempre o mesmo: a Amazônia como patrimônio da humanidade, ou seja, uma Amazônia internacionalizada.

A posição "oficial" de vários chefes de Estado e personalidades políticas, dentre eles Bill Clinton, Miterrand, Margareth Tatcher, AI Gore, Mikail Gorbachev, etc, é de que a Amazônia, pela sua complexidade e pelas conseqüências mundiais que o seu desmatamento provocaria, deveria ser administrada de maneira supranacional. Logo, segundo esses "ilustres personagens" a Amazônia é patrimônio da humanidade. É claro que eles não estão incluindo nesse patrimônio da humanidade nem o Grand Cannyon e nem tampouco os Champ Elysées. Por mais incrível que pareça há gente no Brasil, inclusive se definindo como de esquerda, que igualmente concorda com essa estupidez. Os exemplos abaixo transcritos talvez possam ajudar, até mesmo aos mais céticos, a compreender quais são os reais interesses do imperialismo nessa região e qual a tática básica adotada em cada período histórico:

• Cria-se em Londres (1832) a Companhia Comercial Brasileira de Colonização, agricultura, criação de gado, fabricação de sal, minerais, para atuar no Norte do Brasil;
• Durante a Cabanagem (1835), os ingleses propuseram a Eduardo Angelim – um dos governadores "cabanos" – que declarasse a Amazônia independente, que eles estariam dispostos a financiar.
• A companhia de exploração dos recursos naturais da Amazônia Matheus E. Maury (1850), articulada pela Superintendência Hidrográfica dos EUA. • Pressão para a abertura do Rio Amazonas à navegação internacional, oficializada em 1853 pelo diplomata americano W. Trousdale.
• A criação do Bolivian Sindicate, em 1901, que visava arrendar o Acre.
• Os acordos de Washington (1927), onde o governo dos EUA condicionava empréstimos à troca de latifúndios para assentamento de grandes projetos, como Fordlandia (PA), com 1 milhão de seringueira.
• Movimento pró-internacionalizacão da Amazônia, da UNESCO (1945). Sob o pretexto de desenvolver pesquisas científicas, a UNESCO propõe a criação do Instituto da Hiléia Amazônica, controlados por um conselho supranacional, onde o Brasil só teria 1 voto.
• Teoria dos Grandes Lagos (1964), formulada pelo Instituto Hudson.
• Projeto Jari (1966), do mega empresário Daniel Ludwig – enclave de 3 milhões de hectares.
• Ata da sobrevivência cultural panamericana (1991), formulada por senadores norte-americanos, subordinando qualquer renegociação da dívida externa às condições de vida dos povos indígenas.
• Projeto de conversão da dívida externa, onde igualmente a redução da dívida estava condicionada à permuta por áreas de preservação.
• Lei de Patentes (1993) – ofensiva norte-americana no sentido de patentear a nossa rica Biodiversidade, sem a qual o seu extraordinário conhecimento de biotecnologia é inócuo;
• É ilustrativo, ainda, mencionar as "expedições científicas" de Charles Maciel de La Condamine, Henri Alexandre Wickman, Spruce, entre outros, que contrabandearam material botânico para seus países de origem.
• Da mesma forma que as "missões religiosas", como a Missão Evangélica da Amazônia (1944), a Sociedade Asas do Socorro (SAS), subsidiária da MissionAviation Fellowship (1964), a Missão Novas Tribos do Brasil e o Summer Institute ofLinguistics (1965), que atuam entre os índios operando com aviões, aeroportos, hospitais, escolas, etc.
• Há também a presença constante de "aventureiros" e "humanistas" em áreas longínquas da Amazônia, como é o caso dos suíços Pierre-Henri Liniger e Fabiene Corinne, e o haitiano Jean Coet, presos pelo exército em 1991 no garimpo dos tucanos. Portavam instrumentos mecânicos de garimpagem e se identificaram como membros da Juventude Socialista de Genebra.

A biopirataria "legalizada"

A biopirataria – antes negada até por autoridades ambientais e por dirigentes de instituições de pesquisas – representa outra grave ameaça ao nosso patrimônio biológico. No final do ano de 1999 o IBAMA do Amazonas deteve em pleno Rio Negro um grupo de "turistas" alemães que estavam contrabandeando sapos da região e, igualmente, prendeu uma humilde moça de Santarém (PA) quando a mesma se preparava para levar ao exterior mais de 1.000 aranhas. O interessado era seu namorado estrangeiro. Os truques são os mais variados.

Recentemente o governo brasileiro coordenou a criação do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para uso sustentável da biodiversidade da Amazônia". A despeito desse programa ter caráter estratégico tanto para o Brasil quanto para a Amazônia em particular, sua gestão não foi entregue a nenhuma Universidade Federal da região, nem tampouco ao INPA e/ou ao Museu Goeldi – instituições reconhecidas mundialmente como centros de excelência em pesquisas biológicas. Criouse uma organização social denominada BIOAMAZÔNIA para coordenar e executar o programa. Resultado: sem conhecimento do Congresso Nacional e até mesmo do governo brasileiro ( oficialmente o Ministro do Meio Ambiente negou ter conhecimento do assunto) a BIOAMAZÔNlA assinou um contrato com a NOVARTIS PHARMA AG – multinacional suíça – que em troca de 6 milhões de reais passaria a ter "acesso irrestrito aos dados taxionômicos, genéticos, processos de isolamento, meios de cultura, tecnologia de multiplicação e de replicação de microorganismos, fungos e plantas, enfim, todos os aspectos que envolvem a exploração da biodiversidade amazônica". Graças à pronta reação dos pesquisadores da região e da ação política e das representações legais protocoladas junto ao Ministério Publico Federal pelos parlamentares do PCdoB do Amazonas, o contrato foi denunciado e suspenso. As investidas, temos certeza, não cessarão.

Corredores ecológicos

Nesse início de século, porém, a "teoria do bloqueio" parece ser a mais sofisticada arma do imperialismo na sua pretensão secular de se apropriar dessa área. Sem que o Congresso Nacional e/ou qualquer Assembléia Legislativa da região tenha sido oficialmente informado, está em pleno andamento um projeto do Banco Mundial que tem como meta criar "corredores ecológicos" de aproximadamente 1,5 milhão de Km2 (o tamanho do estado do Amazonas) no epicentro da Amazônia brasileira. Toda e qualquer atividade econômica na área do "corredor" só poderá ser executada mediante autorização do "conselho gestor" do "corredor" onde o Banco Mundial, "coincidentemente', tem poder de veto.

Plano Colômbia

A nova ofensiva norte-americana é o plano Colômbia. Os jornais têm divulgado a determinação dos Estados Unidos de ocupar a Colômbia, sob o pretexto de combater o narcotráfico e – acrescentaram recentemente – a guerrilha liderada pelas FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que já controla 40% do território colombiano.

A bem da verdade os norte-americanos já têm várias bases de operação na Colômbia, inclusive em Letícia, ao lado de Tabatinga (AM). O que eles pretendem agora é ocupar formalmente o país e assumir o papel e as atribuições do governo de Andrés Pastrana. Algo que, aliás, eles vêm fazendo no mundo inteiro, bastando que seus interesses (claros ou difusos) sejam contrariados.

O argumento de combater o narcotráfico é apenas um pretexto. Afinal de contas a maneira mais eficiente de abalar a estrutura dos traficantes colombianos (e de outros países) é impedindo que essa droga chegue ao maior mercado consumidor do mundo, precisamente os Estados Unidos.

O que os norte-americanos querem, efetivamente, é impedir uma eventual vitória das FARC – que representaria um obstáculo à implantação da política dos EUA na Colômbia – e, ao mesmo tempo, arrumar um pretexto para executar algo que tem sido uma pretensão secular dos Estados Unidos: a ocupação da Amazônia brasileira.
Qual a alternativa para a Amazônia?

A política governamental

A política oficial do governo para a Amazônia, como já vimos, se caracteriza pela descontinuidade e contradição. Até nos projetos de sua própria autoria a posição do governo é invariavelmente dúbia. No caso do Plano Plurianual (PPA), as ações para a Amazônia se caracterizam por duas linhas desarticuladas, porém ambas têm, aparentemente, um mesmo propósito: "destinar parcela do território para o desenvolvimento".

O Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA) defende o desenvolvimento sustentável. Sua ação mais significativa se dá através do PPG-7 (Programa Piloto de Proteção às Florestas Tropicais), mantido pelo grupo dos sete países mais ricos, que têm na execução dos corredores ecológicos – transformação de grandes áreas contínuas em áreas de preservação ambiental – um dos principais projetos em curso.

O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), por seu turno, defende o planejamento econômico e territorial baseado nas metas e interesses do Poder Central. Suas ações estão previstas no Avança Brasil (PPA 2000-2003) e estão diluídas em diversos Ministérios. Os recursos previstos para a Amazônia, dentro do PPA, representam aproximadamente 12% do total, dos quais 48% deverão ser aplicados em infra-estrutura (hidrovias, aparelhamento de portos e aeroportos, recuperação de estradas, produção de energia, dentre outros), com o objetivo de fomentar "grandes corredores de exportação".

No PPA estão previstos para a Amazônia dois Eixos Nacionais de Integração e desenvolvimento (ENIO), ou seja, o Arco Norte (AP e RR) e Madeira-Amazonas (AM, PA, RO e AC). A implementação das obras de infra-estrutura, conforme previstas no PPA, abrirão novas oportunidades econômicas para a população e deverão dar seqüência à estratégia predominante de ocupa~o da Amazônia, ou seja, o adensamento populacional em tomo das vias de circulação – rios e estradas – que deverá aumentar a pressão sobre a floresta, daí as críticas que o programa tem recebido, especialmente de ONGs ligadas a questão ambiental.

Ao atacar a Zona Franca de Manaus o governo fragiliza ainda mais a Amazônia
Dentre os grandes projetos concebidos para a Amazônia está a Zona Franca de Manaus (ZFM), criada em 1967 através do decreto-lei 288, tendo a constituição de 1988 garantido sua sobrevivência até 2013. Apesar do amparo legal e do relativo sucesso do projeto, a ZFM é constantemente atacada pelo próprio governo federal, especialmente a partir da ofensiva neoliberal no governo de FHC.

A Zona Franca de Manaus foi implantada pelos militares dentro da visão estratégica de promover a ocupação e o desenvolvimento da área e des¬de então se converteu no principal pólo econômico da região Norte, o que pode perfeitamente ser mensurado tomando por base a arrecadação de tributos de cada estado da região. O Amazonas é responsável por 55% da arrecadação dos Tributos Federais na região e de¬tém o segundo maior índice per capta em arrecadação de ICMS no Brasil. Por outro lado, é digno de registro que esse crescimento econômico se deu a um baixíssimo custo ambiental, à medida que o Amazonas, com menos de 2% de sua área desflorestada, é o estado bra¬sileiro que ostenta o menor percentual de desmatamento do país. Os demais estados da Amazônia, na sua maioria, ostentam índices de desmatamento que oscilam entre 7 e 70%.

Vale ressaltar a diferença entre os in¬centivos praticados na ZFM em rela¬ção a outros órgãos de desenvolvimen¬to. Enquanto a SUDENE e SUDAM, por exemplo, incentivam o projeto, o empreendimento, a Zona Franca incen¬tiva o produto, ou seja, só há incentivo se houver produção.

Como todo projeto de incentivos fis¬cais no Brasil que envolve recursos pú¬blicos, a ZFM não esteve e nem está imune às ações politiqueiras e de corrupção, o que tem servido de pretex¬to, ao lado de tantos outros, como: "o país não suporta mais tamanha renúncia fiscal", para que aqueles que se opõem à Zona Franca de Manaus estabeleçam uma verdadeira cruzada para inviabilizá-¬Ia. Os que tramam contra a ZFM e tra¬balham pelo seu enfraquecimento, ou são mal informados e portanto emitem opiniões equivocadas, ou são movidos por outros interesses, que certamente não passam pela defesa da integridade e so¬berania nacional e muito menos pelo combate às desigualdades regionais.

O mais recente ataque contra a ZFM ocorreu quando o governo federal, para atender aos interesses do grande capital internacional- que deseja além de subsídios, proximidade dos merca¬dos consumidores – fez aprovar, a to¬que de caixa, no Congresso Nacional, a nova Lei de Informática, incluindo a Zona Franca nas regras da referida Lei, o que além de ser inconstitucional, pre¬judica imensamente o modelo ZFM, uma vez que acaba com todas as suas vantagens comparativas. Vale ressal¬tar que no conceito de informática e automação estão incluídos peças automotivas, telefones celulares e monitores de vídeo como bens de informática.

A manutenção e o fortalecimen¬to do projeto Zona Franca são fundamentais para o cresci¬mento econômico de parte da Amazônia e têm de ser vistos dentro dessa ótica, especialmente quando se sabe que a renúncia fiscal praticada na ZFM (algo como 4 bilhões de reais) é simbólica se comparada aos mais de 20 bilhões de reais que o governo federal gastou para salvar banqueiros corrup¬tos, através do PROER, ou os 15 bi¬lhões de reais de prejuízos do BC, em decorrência da política irresponsável do governo FHC, igualmente bancados com os recursos do tesouro.

Este governo é incapaz de promover o desenvolvimento da Amazônia

A Amazônia, como uma região es¬tratégica sob todos os aspectos, tem papel preponderante na grande nação brasileira. Ao lado de uma brutal con¬centração de rendas, um outro traço predominante no tipo de capitalismo dependente praticado no Brasil, tem sido o crescimento econômico desigual entre as regiões brasileiras, sendo a Amazônia, precisamente, uma das mai¬ores vítimas dessa política.
Quem pensa o Brasil, portanto, como uma nação única, não pode abs¬trair a Amazônia, tanto porque a subtração eventual de sua enorme área fí¬sica deformaria o mapa nacional, como a supressão de seus incontáveis recur¬sos naturais deixaria o Brasil, sem dú¬vida, bastante limitado enquanto país que pode aspirar e desenvolver um projeto soberano.

O grande dilema, por conseguinte, repousa em saber como é possível uma região historicamente marginalizada do processo econômico nacional – e que, por isso mesmo, acumula contra¬dições e um atraso econômico secular em relação às regiões mais "desenvol¬vidas" do país – pode se desenvolver sem o aporte de grande volume de re¬cursos públicos, sejam eles na forma de investimentos em infra-estrutura física e cultural e/ou através de incen¬tivos à atividade produtiva. Não se conhece, na curta história da humani¬dade sobre a face da Terra, onde tal fenômeno tenha ocorrido prescindin¬do desses recursos públicos.

O Brasil precisa de um projeto global para a Amazônia, que aborde seus múl¬tiplos aspectos, que garanta a defesa do meio ambiente, que promova o seu de¬senvolvimento sustentado, que assegu¬re a integração da Amazônia às demais regiões do país, respeitando e fortalecen¬do os espaços econômicos já em funci¬onamento na região e que, evidentemen¬te, propicie bem-estar à toda sua popu¬lação. Isso só será possível a partir do rompimento político com o modelo neoliberal, o que significa dizer que este governo não tem condições de promo¬ver o desenvolvimento e nem tampouco tem compromissos com o desenvolvi¬mento da Amazônia.

Eron Bezerra é professor da Universidade Federal do Amazonas, deputado estadual (presidente da Comissão de Meio Ambiente e Assuntos Amazônicos da ALAM) e membro do Comitê Central do PCdoB.
Vanessa Grazziotin é deputada federal (Vice-Presidente da Comissão da Amazônia da Câmara Federal) e membro do Comitê Central do PCdoB.

EDIÇÃO 60, FEV/MAR/ABR, 2001, PÁGINAS 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59