Inúmeros intectuais criticam hoje o neoliberalismo. Dentre eles, destaca-se Perry Anderson. Analisando o camiho percorrido pelo neoliberalismo, o autor afirma que este nasceu logo após a II Guerra Mundial “como reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem-estar social”. (1) Mostra o caminho pelo qual as idéias neoliberais passaram e ganharam terreno, afirmando:

“A chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, mudou tudo. A partir daí as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno. As raízes da crise, afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral do movimento operário, que havia corroído as bases da acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com a sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais”.

Para enfrentar essa situação o neoliberalismo propunha um Estado capaz de romper com o poder dos sindicatos, controlar o dinheiro, reduzir os gastos sociais e a intervenção na atividade econômica. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema. Para isto, a disciplina orçamentária era indispensável, através dos cortes de gastos com o bem-estar social e a “restauração de uma taxa ‘natural’ de desemprego” e de uma reforma fiscal com a redução de impostos sobre os rendimentos altos e sobre as rendas. Assim uma “nova e saudável desigualdade” voltaria a dinamizar as economias avançadas, então às voltas com uma estagflação, resultado direto dos legados combinados de Keynes e de Beveridge”. (2) A hegemonia desse programa levou mais de dez anos para se consolidar. Em 1979 a política neoliberal foi colocada em prática na Inglaterra, com Margareth Tatcher, e em 1980 nos Estados Unidos, com Ronald Reagan.

A adoção dessa política conduziu a uma queda da inflação e a um aumento da taxa de lucros das indústrias. A razão principal dessa transformação foi “a derrota do movimento sindical, expressado na queda drástica do número de greves durante os anos 80 e numa notável contenção dos salários”. (3) Todavia esse aumento de lucratividade não representou um crescimento dos investimentos, mas sim uma ampliação da esfera especulativa. A “desregulamentação financeira” criou condições “mais propícias para a inversão especulativa do que produtiva”. Diz Perry Anderson:

“Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muito dos seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito, num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que não há alternativas para seus princípios”. (4)

Atílio A. Boron, em seu livro Estado, capitalismo e democracia na América Latina faz acurada análise crítica do neoliberalismo. Critica o ponto de vista de Milton Friedman de que a ordem social se reduz ao mercado e de este se basear na cooperação voluntária dos indivíduos enquanto o Estado se baseia na coerção. Ou seja, “o mercado representa a harmonia social, o consenso e a liberdade; o Estado – e a política – a esfera da imposição e do conflito”. (5) Por isso, é necessário impedir o crescimento do Estado.

O autor se refere a Marx quando este afirmava que no mercado se encontram dois tipos de proprietários de mercadorias: os empresários donos do dinheiro e dos meios de produção e os trabalhadores assalariados, donos de sua força de trabalho, despojados dos meios de produção e de uma subsistência independente.

Boron critica Friedman, por seu caráter doutrinário e pela falta de rigor científico ao não levar em conta uma enorme massa de pesquisas sobre a monopolização da economia capitalista, e por se preocupar muito mais com o “monopólio da força de trabalho”. Ele mostra que a monopolização da economia retira do mercado o papel de mecanismo ordenador da vida econômica do capitalismo.
Segundo Marx, o próprio mercado gera o monopólio. A competição econômica não é um atributo eterno, mas se relaciona a uma fase determinada do capitalismo: o capitalismo mercantil.O mito do mercado auto-regulado é artifício ideológico, pois “sempre requereu o auxílio do Estado”. As classes dominantes jogam “com cartas marcadas no jogo supostamente ‘neutro’do mercado”. (6)

Falando do Estado keynesiano, tão duramente criticado pelos neoliberais como intervencionista, Boron mostra que o mesmo surgiu de uma necessidade econômica para a “reanimação e estabilização da acumulação capitalista” e de uma necessidade política de enfrentar a revolução e criar “uma ordem burguesa estável e legítima”.

Discorrendo sobre a crise fiscal que, segundo os neoliberais, é causada pela ‘sobrecarga’ de demandas sociais, o autor destaca que o caminho adotado para combater a crise é o corte drástico nas conquistas sociais e o redimensionamento do papel do Estado. Todavia, indaga se a “volta ao mercado não implica por acaso na violenta restauração do darwinismo social” e se seria possível este caminho sem afetar seriamente a democracia. (7)

Boron suscita uma questão-chave e mostra que neoliberalismo conduz a graves conseqüências no campo econômico e social – como também no terreno político. O combate às “reivindicações exacerbadas do povo” conduz à adoção de medidas restritivas no campo político. Não é coincidência o fato de, junto com as “reformas estruturais” no terreno econômico e social, surgir a reforma política com o objetivo de assegurar a “governabilidade”, ou seja, visando assegurar a continuidade da implantação da política neoliberal.

Michel Chossudovsky em seu livro A globalização da pobreza, estudo sobre as conseqüências da política neoliberal sobre os países em desenvolvimento, mostra como se desenvolveu em todo o mundo um “consenso político” sobre a política macroeconômica e a adoção, pelos governos da maioria dos países, da agenda política neoliberal. Falando do papel das instituições internacionais na implementação desta política, afirma: “O FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC) são estruturas administrativas, são órgão reguladores operando dentro de um sistema capitalista e respondendo a interesses econômicos e financeiros dominantes. O que está em jogo é a capacidade dessa burocracia internacional para supervisionar as economias nacionais por meio da deliberada manipulação das forças do mercado”. (8)

Mostrando que a economia global é regulada pela cobrança da dívida o autor afirma que o seu pagamento é feito à custa do sufocamento das economias nacionais e do agravamento das condições de vida do povo. Além disso, que os programas de “estabilização macroeconômica” e “ajuste estrutural” impostos pelo FMI e Banco Mundial têm levado “centenas de milhões de pessoas ao empobrecimento”. (9)

Entre as medidas de estabilização cita a desvalorização da moeda, a liberação dos preços, a desindexação salarial, a austeridade orçamentária. Modelo esse fartamente conhecido no Brasil! A reforma estrutural se relaciona com a liberalização do comércio, a privatização de empresas estatais, a reforma fiscal, a desregulamentação do sistema bancário, a liberalização do movimento de capitais e a privatização dos setores de educação e saúde.

O autor analisa a gravidade das conseqüências da política neoliberal para os países dependentes. As “condicionalidades” impostas pelo FMI conduzem a um processo de desnacionalização e desmonte das economias nacionais. Tudo feito a pretexto da “modernização”. Na realidade, essa formulação procura esconder dos povos a adoção de uma política cujo objetivo principal é resgatar os compromissos com os credores internacionais. Os interesses do país e do povo ficam completamente subordinados.

Estado e mercado

As opiniões de F. A Hayek e Milton Friedman, em essência – como se pode depreender de seus escritos –, se voltam contra o socialismo, o Estado de bem-estar social e em favor da defesa do capitalismo. Uma economia de mercado sem limitações impostas pelo Estado, mas garantindo as “regras do jogo” e assegurando o processo da acumulação capitalista.
A síntese desse pensamento tem sido expressa no slogan “mais mercado e menos Estado”. Todavia os fatos indicam que a proposta neoliberal, na verdade, propõe um Estado mínimo para os pobres e um Estado máximo para os ricos – mínimo para os países dependentes, máximo para os países centrais.

O pensamento neoliberal parte de falso pressuposto em suas análises: fala do “livre mercado” como base de toda sua reflexão teórica. Porém, se era essa uma realidade da fase do capitalismo competitivo, hoje, já não é mais – vivemos, há muito, na fase monopolista do capital em que a “livre competição” e substituída pela ação dos monopólios.

Os monopólios surgem como conseqüência do próprio desenvolvimento do capitalismo. Como seu objetivo essencial é o lucro, esse sistema se organiza no sentido da concentração e do monopólio como forma de aumentar a escala de produção, reduzir os custos, aumentar o volume de comércio para ampliar a margem de lucros. Todavia os neoliberais procuram negar ou minimizar tal realidade.
Segundo Hayek, “o recente crescimento do monopólio resulta em grande parte de uma colaboração internacional entre o capital organizado e o trabalho organizado”. (10) Friedman procura minimizar a importância do monopólio: “Tenho a impressão de que existe convicção bastante geral de que o monopólio é bem mais importante do que sugerem os estudos feitos e que vem crescendo nas últimas décadas”. (11) E chega ao absurdo de afirmar que “enquanto não parece ter havido nenhum aumento muito significativo da importância do monopólio empresarial nos últimos cinqüenta anos, houve certamente aumento da importância do monopólio do trabalho”. (12) Evidentemente esse esforço em minimizar o monopólio é decisivo para a fundamentação das teses de Hayek e Friedman. Caso contrário suas concepções de “livre mercado”, e de “livre cooperação”, na esfera do comércio, vão para o espaço.

Atílio Boron contesta o “livre comércio” e a “mão invisível do mercado” afirmando:
“O resultado dessa crescente presença de grandes monopólios é a progressiva desarticulação e fragmentação do mercado como mecanismo ordenador da vida econômica do capitalismo. Os preços já não se formam ali, mas são ‘administrados’ por um punhado de grandes corporações (…) como é possível sustentar a tese da vigência do mercado e a superstição da ‘mão invisível’ quando se sabe que – segundo estimativa mínima – entre 35% e 45% do total da produção do setor privado norte-americano em 1973 foram produzidos por um pequeno conjunto de empresas que tinham o controle quase total e sobre seus respectivos ramos industriais?”. (13)

Se os monopólios eram uma realidade há muitos anos atrás, com o chamado processo de “globalização da economia”, com as megafusões nas áreas dos bancos, empresas de telecomunicações, empresas de entretenimento, indústria automobilística e outras, só é possível negar esta realidade com justificativas ideológicas para tentar encobrir a realidade dos fatos. Heinz Dieterich afirma:

“O produto dos quinhentos grupos econômicos gigantes em 1994 atingiram o montante de 10 trilhões, 145 bilhões e 300 milhões de dólares, ou seja, 50% maior do que o PIB estadunidense; dez vezes maior do que o PIB da América Latina e Caribe em 1990 (…) das dez maiores companhias do mundo, seis são transnacionais japonesas, três estadunidenses e uma britânica/holandesa”. (14)

Além de não levar em conta a monopolização da economia em que os grupos maiores aniquilam os menores por meio de preços monopolistas e o processo de exploração que os países industrializados submetem os países fornecedores de matérias primas e produtos agropecuários por uma série de mecanismos entre os quais as injustas relações de troca; Hayek e Friedman não admitem a exploração do trabalho assalariado como o mecanismo do sistema capitalista para se apropriar do produto excedente produzido pelos trabalhadores, a mais-valia. E que por trás da troca de mercadorias existe uma relação entre homens que, por seu trabalho, incorporaram valor aos produtos fabricados. O desconhecimento da exploração do trabalho assalariado é explicitado por Hayek ao afirmar que “o espírito da livre iniciativa é apresentado como indigno e o lucro como imoral, onde se considera exploração dar emprego para 100 pessoas”.

Friedman fala de dois meios de coordenar a atividade econômica: a coerção, “a técnica do Exército e do Estado totalitário moderno”, e a técnica da cooperação voluntária dos indivíduos, “a técnica do mercado”. Falar em cooperação voluntária num mercado monopolizado significa falar de algo que desapareceu há muito tempo, se é que existiu de forma tão pura assim.

Por outro lado, criticar a intervenção do Estado como imprópria ao capitalismo é, também, falsear a realidade. Como os próprios autores reconhecem, cabe ao Estado capitalista garantir as regras do jogo, ou seja, garantir a propriedade privada e a economia de mercado. A verdadeira coerção por ele exercida é contra aqueles que querem alterar essas regras.

A idéia de um Estado neutro que apenas garante as regras do jogo também não corresponde aos fatos. Na verdade o Estado capitalista sempre interferiu na esfera econômica com o objetivo de assegurar a máxima acumulação capitalista. Isso ocorreu nas fases iniciais do desenvolvimento capitalista e continua ocorrendo no presente. Ocorreu nos Estados Unidos, na Alemanha, no Japão e no Brasil, entre outros.

Falando sobre o assunto, Noam Chomsky afirmou:
“No mundo real os Estados Unidos nunca apoiaram mercados livres, desde sua história mais antiga até os anos Reagan, em que estabeleceram novos padrões de protecionismo e intervenção estatal na economia, contrariamente a muitas ilusões (…) Reagan aumentou a proporção da participação estatal na economia em mais de 35% até o ano de 1983, um aumento de 30%, comparado com a década anterior. A guerra nas estrelas foi vendida ao público como ‘defesa’ e à comunidade empresarial como subsídio público para a tecnologia avançada. Se, de fato, as forças do mercado tivessem funcionado, hoje, não haveria uma indústria de aço automobilística estadunidense”. (15)

Na realidade o neoliberalismo é uma versão moderna do velho liberalismo. A política neoliberal de acumulação do capital – ao não levar em conta os graves problemas econômicos e sociais, aprofundar a miséria, conduzir à recessão e ao desemprego – não é uma alternativa adequada para o desenvolvimento, mesmo nos marcos do capitalismo. Tanto que já começa e enfrentar dificuldades crescentes em todo o mundo.

Democracia e mercado

Os defensores do neoliberalismo procuram identificar liberdade com liberdade econômica, entendida como garantia da propriedade privada. Com isto afirmam que qualquer forma de limitação da propriedade representa um atentado à liberdade. Consideram, portanto, o capitalismo como o único regime social que assegura a liberdade. Friedman afirma: “Vista como um meio para a obtenção da liberdade política, a organização econômica é importante devido ao seu efeito na concentração ou dispersão de poder. O tipo de organização econômica que promove diretamente a liberdade econômica, isto é, o capitalismo competitivo, também promove a liberdade política porque separa o poder econômico do poder político e, desse modo permite que um controle o outro”. (16)

Tais afirmações carecem de fundamento – como já foi visto – pois esse “capitalismo competitivo” há muito deixou de existir e o Estado capitalista, longe de dispersar, concentra o poder nas mãos da burguesia, mantendo as “regras do jogo” e assegurando o processo de acumulação capitalista.
Nem mesmo a chamada divisão de poderes entre Legislativo, Executivo e Judiciário retira o fato insofismável de o Estado capitalista estar a serviço da burguesia, mesmo sendo um palco das lutas populares.

Na realidade a democracia formal, a democracia elitista, entra em contradição com o sistema capitalista, particularmente quando as massas se levantam para a conquista de seus direitos. Há uma diferença profunda entre a democracia formal e a democracia substantiva. Esta, exige uma distribuição mais igualitária dos bens materiais e culturais como condição de uma igualdade efetiva e de um exercício real da cidadania. A contradição entre a democracia e o Estado capitalista foi atenuada com o Estado de bem-estar social, voltando a se aguçar com a política neoliberal de desemprego, corte de direitos sociais e restrições democráticas.

Sobre o assunto afirma Boron: “A proposta neoliberal aparece obrigando-nos a optar entre o mercado e o Estado, como se sugere com muita insistência. Mas sabemos que é uma falsa alternativa, um mero instrumento ideológico e publicitário que em nada se coordena com o funcionamento ‘dos capitalismos realmente existentes’. Na realidade o neoliberalismo culmina em um dilema muito mais grave e, talvez por isso, muito menos explicado: mercado ou democracia. A democracia é o verdadeiro inimigo, aquilo que está no fundo da crítica anti-estatista do neoliberalismo. Não é o Estado a quem se combate, mas o Estado democrático. A cega opção pelo mercado é, ao mesmo tempo, uma preferência contra ‘os riscos’ da democracia”. (17)

Sobre o mesmo tema e com o mesmo sentido Norberto Bobbio faz uma cáustica crítica: “Pode-se descrever sinteticamente este despertar do liberalismo através da seguinte progressão (ou regressão) histórica: a ofensiva dos liberais voltou-se historicamente contra o socialismo, seu natural adversário na versão coletivista (que é de resto o mais autêntico); nestes últimos anos, voltou-se contra o estado do bem-estar, isto é a versão atenuada (segundo uma parte da esquerda também falsificada) do socialismo; agora é atacada a democracia, pura e simplesmente. A insídia é grave”. (18)

Tais formulações deixam claro o ponto de vista dos críticos do neoliberalismo: ele se volta não somente contra os direitos sociais, gera o desemprego, debilita os países dependentes, mas também se volta contra a democracia. A implementação do neoliberalismo é incompatível com a luta do povo pela melhoria de sua condição de vida. Assim, adotar medidas restritivas à democracia é uma condição para dar continuidade ao projeto neoliberal.

A discussão da relação entre a liberdade e a igualdade vem de muito tempo. A revolução francesa tinha como lema “liberdade, igualdade e fraternidade” – da burguesia no combate ao feudalismo. A conquista da igualdade jurídica foi um importante passo dado pela humanidade. Hoje as Constituições, mesmo de países capitalistas, incorporam certos direitos sociais. No entanto os neoliberais consideram residir nesses direitos uma das mais importantes causas da crise vivida pelo sistema capitalista e se aferram à idéia da igualdade formal. Porém, não há efetiva liberdade sem que haja um certo grau de igualdade.

Sobre esta questão afirma Hayek: “O Estado de Direito, no sentido de regime de Direito formal – e não concessão pela autoridade de privilégios legais a determinados indivíduos – salvaguarda a igualdade perante a lei, que é a antítese do governo arbitrário. Uma conseqüência disso – contraditória apenas na aparência – é que essa igualdade formal perante a lei conflita e é de fato incompatível com qualquer atividade do governo que vise a uma igualdade material ou substantiva entre os diferentes indivíduos, e que qualquer política consagrada a um ideal substantivo de justiça distributiva leva à destruição do Estado de Direito”. (19)

Sobre o mesmo assunto, diz Friedman: “O liberal fará, portanto, uma distinção clara entre igualdade de direito e igualdade de oportunidades, de um lado, e igualdade material e igualdade de rendas de outro. Pode considerar conveniente que uma sociedade livre tenda, de fato, para uma igualdade material cada vez maior. Mas considerará esse fato como produto secundário desejável de uma sociedade livre – mas não como sua justificativa principal. Já que defende a igualdade defenderá o direito de tirar de alguns para dar a outros, não como um meio efetivo pelo qual ‘alguns’ poderão alcançar seu próprio objetivo, mas na base da necessidade da ‘justiça’. Neste ponto a igualdade entra imediatamente em conflito com a liberdade, sendo preciso escolher. Um indivíduo não pode ser igualitário, neste sentido, e liberal ao mesmo tempo”.(20)

A idéia oposta à dos liberais se expressa no sentido de só existir uma efetiva liberdade com um certo grau de igualdade. Tal ponto de vista foi desenvolvido por Rousseau que combatia a propriedade privada como instrumento dessa desigualdade. Em seu livro, ressalta a existência de uma desigualdade natural ou física decorrente da idade, saúde, forças do corpo e qualidades do espírito e da alma e a desigualdade moral ou política. Tratando da origem das desigualdades materiais, afirmou:
“Desde o instante em que um homem sentiu necessidade do socorro de outro, desde que percebeu ser útil a um só contar com provisões para dois, desapareceu a igualdade, introduziu-se a propriedade, o trabalho tornou-se necessário e as vastas florestas transformaram-se em campos aprazíveis que se impôs regar com o suor dos homens e nos quais logo se viu escravidão e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas”. (21)

Marx formulou o ponto de vista de uma sociedade capaz de combinar a liberdade com a igualdade ser a sociedade socialista, e a condição essencial para isto seria a apropriação social dos meios de produção. O fim da propriedade privada dos meios de produção, segundo Marx, é o caminho para a superação das classes sociais e da opressão de classes.

A concepção liberal tem por base o individualismo metodológico. Por isto absolutiza o papel do indivíduo e não reconhece o homem como um ser social. Parte de uma falsa concepção de que os homens se incorporam livremente ao mercado. Tal ponto de vista se contrapõe à realidade da vida de os homens viverem em sociedade e, se suas atitudes têm uma margem de opção individual, estas são condicionadas por uma estrutura social, econômica e cultural determinada. E o chamado bem-comum, o interesse coletivo, não é uma mera somatória dos interesses individuais. A solução para os problemas sociais, coletivos, tem de ser dada por uma instância que expresse esses interesses; no caso o Estado – um Estado verdadeiramente democrático.

O processo histórico tem mostrado que o mercado não regula a sociedade de forma a bem resolver os problemas sociais. Pelo contrário, as chamadas leis cegas do mercado na verdade favorecem os grandes contra os pequenos, as grandes nações contra os países dependentes. Essa liberdade é a falsidade que conduz ao agravamento dos problemas sociais.

A prática da política neoliberal tem evidenciado não somente o desmonte do Estado nos países dependentes, como também o agravamento das condições de saúde, educação e seguridade social. A questão do meio-ambiente é outro aspecto que mostra os malefícios da política de mercado: o mundo enfrenta um grave problema do esquentamento da calota polar em decorrência da emissão excessiva de poluentes; no entanto, os Estados Unidos, maiores causadores deste fenômeno, defensores do neoliberalismo, não aceitaram assinar um acordo internacional para limitar essa emissão.

Segundo Milton Friedman, só é possível democracia no sistema capitalista e uma “sociedade socialista não pode ser também democrática”. E a razão fundamental seria que o socialismo coloca em cheque a propriedade privada e tem sua economia planificada.

Na verdade o socialismo se confunde com uma democracia efetiva, com uma democracia substancial e não somente formal – e o fato de os socialistas fazerem uma distinção entre a democracia formal, jurídica, e a democracia substancial não deve levar a um menosprezo da democracia formal, do Estado de Direito. Uma sociedade socialista tem de ter regras claras – verdadeiramente democráticas – que assegurem os direitos coletivos e garantam também os direitos individuais.

Aldo Arantes é deputado federal pelo PCdoB/GO, advogado e mestrando em Ciência Política pela UnB.

Notas

(1) ANDERSON, Perry. “Balanço do neoliberalismo”. p. 9 in Boron, Atílio e Sader, Emir (orgs.) – Pós-neoliberalismo. São Paulo: Paz e Terra, 1995.
(2) Ibid. Ibidem. p. 11.
(3) Ibid. Ibidem. p. 15.
(4) Ibid. Ibidem.
(5) BORON, Atílio. Estado, capitalismo e democracia na América Latina. p. 56. São Paulo: Paz e Terra, 1994.
(6) Ibid. Ibidem. p. 68.
(7) Ibid. Ibidem. p. 81
(8) CHOSSUDOVSKY, Michel. A globalização da pobreza. 1a. ed. p. 12. São Paulo: Editora Moderna, 1999.
(9) Ibid. p. 26.
(10) HAYEK, F. A.O caminho da servidão. 5a. ed. p.181 Editora Instituto Liberal.
(11) FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. 2a. ed. p.113. Rio de Janeiro: Editora Artenova, 1985.
(12) Ibid. Ibidem. p. 125.
(13) BORON, Atílio. Estado, capitalismo e democracia na América Latina, p. 18. São Paulo: Paz e Terra, 1994.
(14) DIETERICH, Heinz. “Globalización, educación y democracia”. In La sociedad global p. 48 e 49. Buenos Aires, Argentina: Editorial 21, 1999.
(15) CHOMSKY, Noam e Heinz Dieterich. La sociedad global p 29 e 31. Buenos Aires, Argentina: Editorial 21, 1999.
(16) FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. 2a. ed. p. 18. Rio de Janeiro: Editora Artenova, 1985. Cap. e Liberdade p. 18.
(17) Op. cit. p. 82.
(18) BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 4a. ed. p. 124 São Paulo: Editora Paz e Terra, 1989.
(19) Op. cit. p. 91.
(20) Op. cit. p. 177.
(21) ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade. Vol II p. 94. Trad. de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural,1999

EDIÇÃO 61, Mai/Jun/Jul, 2001, PÁGINAS 29, 30, 31, 32, 33, 34