O surgimento do PC do Brasil não foi algo artificial, fruto da “vontade” de alguns indivíduos ou “uma idéia trazida de fora”, mas refletiu uma necessidade objetiva decorrente da evolução social do país e do amadurecimento da própria classe operária brasileira – correspondeu à sua transformação de “classe em si” em “classe para si”. Decorreu, em primeiro lugar, da falência do anarco-sindicalismo, que dirigiu as grandes lutas do proletariado brasileiro na segunda década do século XX – como as greves gerais de 1917 e 1919 e a insurreição anarquista de 1918 – levando-as a um beco sem saída. Nesse sentido, o Partido é herdeiro direto dessas grandes mobilizações operárias.

Em segundo lugar, o surgimento do PC do Brasil é o resultado natural do amadurecimento político das lideranças mais avançadas do movimento operário brasileiro de então que – ao tomarem conhecimento da Revolução Russa, das conquistas do poder soviético e da teoria marxista – perceberam a impotência do anarquismo com o seu espontaneísmo, sua fluidez orgânica e seu apoliticismo. A Revolução Russa de outubro de 1917 colocou para eles, de forma clara, a questão da conquista do poder pela classe operária, a necessidade de um partido altamente organizado para dirigir essa luta e de uma teoria e um programa revolucionários. É nesse sentido que se pode falar da enorme influência da Revolução Russa na formação do PC do Brasil, atuando como “catalisadora” desse processo de amadurecimento interno.

Em terceiro lugar, o surgimento do PC do Brasil decorre do próprio crescimento e concentração da classe operária brasileira – fruto da aceleração da industrialização do país durante a I Guerra Mundial – que em 1920 já chegava a 300 mil trabalhadores, tendo seus maiores contingentes em São Paulo (28,3%), Rio de Janeiro (24,6%), Rio Grande do Sul (8,3%) e Minas Gerais (6,3%). Os trabalhadores das indústrias têxteis (40,7%) e alimentícias (18,8%) totalizavam 59,5% dos operários; 65,2% da classe operária trabalhavam em empresas com mais de 50 operários, caracterizando sua entrada na fase fabril, com um grau razoável de concentração (as 482 fábricas com mais de 100 trabalhadores englobavam 55,1% da classe operária do país, com uma média de 331 operários por estabelecimento).

Como causa mais remota do surgimento do PC do Brasil, podemos considerar o acúmulo histórico das lutas do povo brasileiro, desde a época colonial – como a resistência dos quilombolas, a Inconfidência Mineira, a conspiração dos Alfaiates, a Balaiada, a Revolução Republicana de 1817, a Confederação do Equador, as revoluções Praieira e Farroupilha, a Revolta dos Malês, a Sabinada e a Cabanada, as lutas dos camponeses de Canudos e do Contestado, a Revolta da Chibata e tantos outros episódios –, de cujas tradições o Partido orgulha-se de ser herdeiro.
A fundação do Partido Comunista do Brasil

Em 1922 existiam inúmeros grupos comunistas em todo o Brasil. Particularmente ativo era o Grupo Comunista do Rio de Janeiro – criado por Astrojildo Pereira em 7 de novembro de 1921 – que mantinha contato com outros centros operários, divulgando as 21 cláusulas da Internacional Comunista (IC) e conclamando-os para que também formassem grupos comunistas. Em 1º de janeiro de 1922, Cristiano Cordeiro – que entre 1919-1920 havia criado em Recife o Círculo de Estudos Marxistas – funda o Grupo Comunista de Recife. Nesse mesmo mês, o Grupo Comunista do Rio de Janeiro lança a revista Movimento Communista, tendo como objetivo “defender e propagar, entre nós, o programa da Internacional Comunista”. No início de 1922, Astrogildo vai ajudar a fundar um grupo comunista em São Paulo. No Rio Grande do Sul, o Grupo Comunista de Porto Alegre, liderado por Abílio de Nequete, mantém desde 1921 contatos com a Internacional Comunista, através do PC do Uruguai, visando à criação do Partido Comunista do Brasil e a sua participação no IV Congresso da IC.

Finalmente, nos dias 25, 26 e 27 de março de 1922, reuniu-se no Rio de Janeiro o Congresso de fundação do Partido Comunista do Brasil. Estavam presentes 9 delegados, representando 73 filiados em todo o país: Abílio de Nequete, barbeiro de Porto Alegre, que também representava o PC do Uruguai e a Agência de Propaganda para a América do Sul da IC; Astrojildo Pereira, jornalista de Niterói; Cristiano Cordeiro, funcionário público de Recife; Hermogênio Silva, eletricista e ferroviário de Cruzeiro (SP); João Jorge da Costa Pimenta, gráfico de São Paulo; Joaquim Barbosa, alfaiate do Rio de Janeiro; José Elias da Silva, funcionário público do Rio de Janeiro; Manoel Cendón, artesão alfaiate; Luiz Peres, artesão vassoureiro do Rio de Janeiro. Destes, 7 eram brasileiros natos, um era espanhol (Cendón) e um libanês (Nequete). Santos e Juiz de Fora, onde também havia grupos comunistas, não puderam enviar delegados.

Abílio de Nequete foi eleito para a secretaria geral a partir de uma indicação de Astrojildo Pereira, possivelmente em deferência à maior antigüidade da “União Maximalista de Porto Alegre”, e por sua relação com o PC do Uruguai e com o Bureau da IC para a América Latina.

Não foi aprovado nenhum documento de análise da realidade ou de orientação política. Como não existia legislação específica para os partidos políticos, o PC do Brasil foi registrado como sociedade civil, publicando os seus Estatutos no Diário Oficial da União de 7 de abril de 1922. Os primeiros combates

Três meses depois da fundação do PC do Brasil, em 5 de julho de 1922, eclode o Levante do Forte de Copacabana, iniciando o assim chamado “ciclo tenentista” – reflexo entre os militares da crescente insatisfação da pequena burguesia urbana e de setores da própria burguesia frente à República Velha.

É decretado o Estado de Sítio no Distrito Federal e no Rio de Janeiro. Mesmo o Partido estando alheio aos acontecimentos, a polícia aproveita para invadir e fechar a sua sede, colocando-o na ilegalidade apenas três meses após sua fundação. Solto no dia seguinte à sua prisão, e ameaçado pela polícia, Abílio de Nequete retorna a Porto Alegre. Astrojildo Pereira é escolhido para substituí-lo na secretaria geral, posto que exerceu até novembro de 1930, com um interregno em 1929, quando passou um ano em Moscou.

Tendo em vista a realização do IV Congresso da IC em fins de 1922, a Comissão Central Executiva indicou Antonio Canellas para representá-la em Moscou. Impregnado de idéias reformistas e de resquícios da ideologia anarquista, Canellas deixou péssima impressão na liderança da IC, que não aceitou a filiação do PC do Brasil, mantendo-o como partido simpatizante. Só em abril de 1924, o Partido será admitido na Internacional, depois que o dirigente comunista argentino Rodolfo Ghioldi aqui esteve, como delegado da Comissão Executiva da IC, para verificar pessoalmente a situação do Partido.

O ano de 1922 encerra-se com um relativo avanço organizativo do Partido, que passa dos 73 membros originários, para cerca de 250 filiados – dos quais, 123 no Rio de Janeiro e em Niterói. A adesão de Octávio Brandão – conhecido intelectual progressista, até então vinculado ao anarquismo – é um importante reforço. Ele é indicado para a Comissão Central Executiva, assumindo em abril de 1923 as tarefas de agitação e propaganda. Em maio de 1923, o número dos militantes se eleva a 300.

Uma das primeiras preocupações dos comunistas é a criação da imprensa partidária. A revista Movimento Communista é transformada em seu órgão oficial, publicando 13 números em 1922, num total de 390 páginas, com tiragem anual de cerca de 15 mil exemplares. Em 1923, são editados outros 12 números, sendo o último de junho de 1923. A partir daí a repressão da polícia política do governo de Arthur Bernardes impede a sua circulação.

Em julho de 1923, o nº 27 do jornal Voz Cosmopolita, inicia a publicação – pioneira no Brasil – do Manifesto Comunista de Marx e Engels, com tradução de Octávio Brandão. A publicação do Manifesto só é concluída na edição nº 36, de dezembro de 1923. Caberá aos comunistas gaúchos publicar pela primeira vez, sob a forma de folheto, essa tradução do Manifesto Comunista, em edição com tiragem de 3 mil exemplares (1924).

Em 1º de maio de 1925, o PC do Brasil lança como seu órgão central o jornal A Classe Operária. Seu primeiro número sai com 5 mil exemplares, que esgotam-se rapidamente. A partir daí, o jornal semanário continuou ampliando a sua tiragem, chegando a 9 mil exemplares em seu nº 9 e, 11 mil, no nº 12. São organizados comitês de A Classe Operária e equipes de propagandistas e pacoteiros nas fábricas e oficinas. Grupos de operários entregavam um dia de trabalho mensal para sustentá-lo; alguns sindicatos aprovaram auxílios financeiros; e foram realizados mutirões de venda do jornal nas principais fábricas. A venda nas bancas passa de mil jornais por edição.

A Classe Operária é fechada pela polícia antes de poder publicar o seu décimo terceiro número, programado para 25 de julho de 1925. Mais uma vez, as classes dominantes brasileiras mostram o seu reacionarismo, não permitindo sequer três meses de liberdade para a imprensa comunista. A Classe Operária só retornará em 1º de maio de 1928.

No movimento operário, os comunistas defendem os sindicatos por indústria, a unidade sindical e a centralização sindical. Reorganizam a Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, dirigem com êxito importantes greves – como a dos gráficos de São Paulo (1923). Em fins de 1925, propõem a criação da CGT. Em 1926, conquistam o importante sindicato dos têxteis do Rio de Janeiro.

O II Congresso do Partido Comunista do Brasil

O II Congresso do PC do Brasil ocorre no Rio de Janeiro, entre 16 e 18 de maio de 1925. Além de 6 membros da antiga Comissão Central Executiva, participam do Congresso delegados das organizações do Rio de Janeiro e de Niterói (5), de Pernambuco (2), de Santos (2), de São Paulo (1) e de Cubatão (1); deixou de comparecer a delegação do Rio Grande do Sul.

As resoluções políticas aprovadas – baseadas nas opiniões que Octávio Brandão desenvolvera em seu livro Agrarismo e industrialismo – afirmam que as revoltas armadas de 1922 e 1924 eram ações revolucionárias “do tipo pequeno-burguês” e refletiam a contradição básica “entre o industrialismo e o agrarismo”; e que haveria uma “terceira revolta”, a qual os comunistas deveriam apoiar buscando hegemonizá-la. Nessa direção, superestimava-se o papel progressista da burguesia industrial e subestimava-se o papel do campesinato.

1927: os comunistas vão às massas

Em 31 de dezembro de 1926 expirou o prazo do estado de sítio, que não foi renovado. A vida política do país retornou à normalidade e o Partido voltou a ter uma atuação legal.

Em fins de 1926, o jornalista Leônidas de Resende – dono do diário A Nação e simpático às idéias comunistas – procura a direção do PC do Brasil e propõe retomar a sua publicação como órgão do Partido. O primeiro número saiu em 3 de janeiro de 1927, ostentando a foice e o martelo e o dístico “Proletários de todos os países, uni-vos!”. Na sua direção estavam três dirigentes do PC do Brasil, além de Rezende. No dia 5 de janeiro, A Nação publica uma “Carta Aberta” propondo a formação do Bloco Operário para as eleições de 24 de fevereiro para o Congresso Nacional. Respondem favoravelmente o deputado Azevedo Lima, o Centro Político Proletário da Gávea e o Centro Político Proletário de Niterói.

O Bloco Operário apoiou no 2º Distrito a candidatura de Azevedo Lima e lançou no 1º Distrito o gráfico João da Costa Pimenta. O diário A Nação assumiu o comando da campanha eleitoral, que alcançou enorme repercussão. Durante oito semanas foi feito um intenso trabalho de agitação, propaganda e mobilização. Aberta as urnas, no 1º Distrito foram eleitos cinco situacionistas, o menos votado com 6.620 votos; Prestes obteve 3.141 votos e Pimenta 2.024. Mesmo não tendo sido eleito, Pimenta obteve uma votação considerável para a época e para a força real do Partido. Já no 2º Distrito, os oposicionistas Adolfo Bergamini e Azevedo Lima lideraram a votação, com mais de 11 mil votos. O resultado foi uma grande vitória do Bloco Operário e do Partido que pela primeira vez tinha no Congresso Nacional um representante eleito com o seu apoio.

Manifestação do 1º de maio (1925)

Logo após as eleições, foi criada uma direção provisória da Juventude Comunista. Segundo Basbaum: “A Nação publicava papeletas de inscrição para a JC (…) em poucos meses já havíamos recebido mais de 100 inscrições, não somente do Rio, mas de outros estados (…) 90% dos membros da juventude comunista da época, se consistia de jovens operários de 15 a 19 anos”. (1)

O Partido volta-se para a organização do Congresso Sindical Regional do Rio de Janeiro. A Nação joga papel decisivo na sua convocação. Participam do Congresso, em abril de 1927, 36 sindicatos, 23 comissões de fábrica e 3 “minorias revolucionárias” de sindicatos contrários à unificação sindical. Em 1º de maio, é criada a Federação dos Trabalhadores Gráficos do Brasil, em reunião com representantes do DF, RJ, BA, PB, PA, AM, SP e MG. Dois anos depois, em abril de 1929, será criada a CGT.

A lei celerada, o fechamento de A Nação, a criação do BOC

Colhida de surpresa num primeiro momento, a reação não estava disposta a tolerar a existência de um diário comunista, cuja influência crescia a olhos vistos. O governo elaborou no Congresso uma nova lei repressiva – a “lei celerada” – que, além de reprimir as greves, autorizava o fechamento de sindicatos, associações e entidades que “incidissem na prática de crimes ou atos contrários à ordem”, vedando a propaganda de suas idéias. A lei foi aprovada na Câmara dos Deputados no dia 28 de julho de 1927. No dia 11 de agosto, véspera da sua sanção pelo presidente da república, circulou o último número de A Nação, depois de completar quase 200 edições.

Sancionada a “lei celerada”, o Partido passou novamente à ilegalidade. Baseada na experiência exitosa do Bloco Operário, a direção partidária decidiu estendê-lo a todo o país, utilizando-o como cobertura legal para a atuação dos comunistas entre as massas. O Bloco Operário foi transformado em Bloco Operário Camponês (BOC), organizando-se em centros locais permanentes com estatutos e direção próprias, sob a direção do Partido.

Ainda em 1927, é mantido o primeiro contato do PC do Brasil com Prestes, comandante da Coluna Invicta. Em fins de dezembro, Astrogildo Pereira propõe a Prestes uma aliança entre os comunistas e os combatentes da Coluna Prestes, ou seja “entre o proletariado revolucionário sob a influência do Partido Comunista e as massas populares, especialmente as massas camponesas, sob a influência da Coluna e do seu comandante”. (2) Nessa ocasião, Astrogildo passa a Prestes farta literatura marxista.

Nas comemorações do 1º de Maio de 1928, é relançado o jornal A Classe Operária, que continuou como semanário até o final de 1929, calculando-se que nessa segunda fase sua tiragem normal foi de 15 mil exemplares por edição.

Nas eleições municipais de outubro de 1928, o BOC lança Everardo Dias, em São Paulo, e João Freire de Oliveira, em Santos. Everardo obtém uma baixa votação. Freire, apesar de não se eleger, faz quase 5% dos votos. No Rio Grande do Sul, o BOC apresenta a candidatura de Plínio Gomes de Mello que obtém 584 votos, mais de 5% da votação. Mas, a grande vitória se dá nas eleições do Rio de Janeiro, onde os comunistas elegem 2 de 12 Conselheiros: o marmorista Minervino de Oliveira, com 7.692 votos, e Octávio Brandão, com 7.088.

O III Congresso do Partido Comunista do Brasil

O III Congresso do Partido Comunista do Brasil realizou-se nos dias 29, 30 e 31 de dezembro de 1928 e 1, 2, 3 e 4 de janeiro de 1929, em Niterói. Dele participam 31 comunistas, dos quais 10 membros da antiga direção, 13 delegados de 6 organizações regionais, 2 da juventude comunista, 3 sem direito a voto e 3 observadores. Estavam representados os delegados de Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Não enviaram delegados Minas Gerais e Bahia. Dos participantes 16 eram operários, 6 empregados, 6 intelectuais e 3 diversos.

Os dados do Congresso indicam que o número de efetivos do Partido chegara em torno de 800 membros, dos quais cerca de “400 atuavam no Rio de Janeiro (50 das 80 bases existentes). No estado de São Paulo, onde se concentrava parte considerável dos operários industriais do país, havia 80 membros; no Rio Grande do Sul, também 80 comunistas e jovens comunistas. (…) Pernambuco (…) a organização tinha 65 membros organizados em 12 células”. (3) Em outro informe, do primeiro semestre de 1928, à IC, a direção do PC do Brasil informava que dos membros do Partido, 98% eram operários, sendo 70% brasileiros e 30% imigrantes. O trabalho com os camponeses praticamente inexistia.

Na orientação política, o III Congresso manteve no fundamental a visão que já adotara no Congresso anterior: caracteriza a sociedade brasileira como uma economia agrária, semifeudal e semicolonial, e considera que o imperialismo inglês apóia a burguesia agrária conservadora, enquanto o imperialismo norte-americano alia-se à burguesia industrial liberal. O capital industrial e o capital agrário interpenetram-se cada vez mais, levando a um recuo da burguesia liberal. A crescente exploração e opressão das massas trabalhadoras explode nas revoltas tenentistas (a primeira em 1922, a segunda em 1924, resultando na Coluna Prestes); é inevitável uma terceira revolta; o proletariado deve procurar hegemonizá-la. A pequena-burguesia “constitui um fator revolucionário de maior importância no momento atual, tendendo a aliar-se às forças revolucionárias do proletariado”, mas, só o proletariado pode “levar a revolução às suas conseqüências”; ele deve apoiar o movimento revolucionário em gestação e reivindicar o seu programa – confisco das terras, supressão dos vestígios semifeudais, libertação do jugo imperialista. (4)

Analisando a experiência do BOC, o III Congresso chamou a atenção para o risco de o Partido tanto perder a sua direção – caso em que o mesmo degeneraria em uma máquina eleitoral de oportunistas – quanto diluir-se no BOC, limitando-se ao trabalho legal e eleitoral. O Congresso aponta para a necessidade do BOC ser estendido por todo o país, sem restringir-se à luta eleitoral.
1929: a mudança de rumos

Ainda que com erros, o Partido procurava compreender as contradições da sociedade brasileira e formular uma estratégia que levasse em conta o papel da pequena-burguesia (e, mesmo, de setores da burguesia nacional) na luta contra o domínio oligárquico da República Velha e pela modernização do país.

O VI Congresso da IC, em setembro de 1928, que substitui a política de “Frente Única” pela de “Classe contra Classe”; a I Conferência Comunista Latino-Americana, em junho de 1929, que submete a uma impiedosa crítica a opinião de a pequena-burguesia ser importante aliada do proletariado e do campesinato no processo revolucionário brasileiro; o III Pleno do CC do PC do Brasil, em outubro de 1929, que sob a pressão dessas críticas avalia as eleições de 1930 como uma mera disputa entre facções da burguesia, da qual o proletariado devia alhear-se, lançar candidatos próprios e transformar a luta eleitoral em uma verdadeira batalha de classe; e o Pleno do Secretariado Sul-Americano da IC, em novembro de 1929, que ataca o “menchevismo” dos comunistas brasileiros; têm o efeito de alterar profundamente os rumos do PC do Brasil e a própria composição do seu núcleo dirigente.

Essas críticas à orientação política do PC do Brasil combinam-se com a chamada “bolchevização” e “proletarização” dos partidos comunistas, incentivada pela IC. Astrojildo, que retorna de Moscou em janeiro de 1930, é um dos seus impulsionadores: em reunião do CC, Leôncio Basbaum e Paulo Lacerda são afastados do Bureau Político e Fernando Lacerda passa a ser suplente; pouco depois, o Secretariado Sul-Americano da IC determina a demissão da maioria do CC, inclusive de Octávio Brandão, e responsabiliza a antiga direção pelos erros de “um partido mergulhado na ideologia burguesa”. Em novembro de 1930, o próprio Astrojildo Pereira é afastado do CC. O Partido Comunista do Brasil ingressa em um período de intenso sectarismo e de graves problemas de direção. Uma das conseqüências é o seu total alheamento do processo da Revolução de 1930.

Raul K. M. Carrion é historiador, vereador de Porto Alegre pelo PCdoB, coordenador do Centro de Estudos Marxistas e do Centro de Debates Econômicos, Sociais e Políticos do Rio Grande do Sul.

Notas

(1) BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos: memórias. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976, 46-48.
(2) PEREIRA, Formação do PCB, p. 132.
(3) KOVAL, Bóris. História do proletariado brasileiro – 1857 a 1967. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982, pp. 221-222.
(4) CARONE, Edgard. Classes sociais e movimento operário. São Paulo: Ática, 1989, p. 226

EDIÇÃO 61, Mai/Jun/Jul, 2001, PÁGINAS 42, 43, 44, 45, 46, 47