Programa e aliança para ganhar em 2002
Nós do PT não temos nenhuma restrição sobre cada partido político co-irmão estar pensando e trabalhando o lançamento de candidaturas próprias a presidente. Pela primeira vez, na história de cem anos de República, a esquerda nunca teve tantas possibilidades de chegar ao governo deste imenso país como tem agora – e possivelmente pelo quadro político favorável, cada partido pensa em ter candidato. Nesse contexto, não podemos perder de vista que as portas das nossas discussões políticas, propostas e candidaturas devem sempre estar abertas para a construção da unidade, da qual tanto falamos e que é tão difícil construir. Se neste momento estivéssemos mais preocupados em trabalhar a construção de programas alternativos para o Brasil, possivelmente, um programa poderia significar um elo para levar os partidos políticos, num determinado momento, a escolher aquela candidatura com melhores condições para disputar as eleições de 2002.
Particularmente, não faço parte do coro daqueles que acham que o governo acabou – tem gente que age como se ele estivesse no fundo do poço. É importante não perder de vista o peso da máquina do governo em um país do tamanho do Brasil, na hora que as instituições entram no jogo político, e o poder do governo em cooptar forças políticas – que muitas vezes fingem ser oposição apenas para valorizar o seu passe diante das negociatas com o próprio governo. Também não parto do pressuposto de que a oposição já garantiu a vitória ou de que duas candidaturas da oposição vão para o 2º turno, pois ainda é cedo para darmos isso como certo; em especial se analisarmos o que aconteceu nas últimas eleições presidenciais (que pareciam “tão fáceis” como a eleição de 2002!).
Não podemos perder de vista a necessidade de questionar os equívocos que este governo está cometendo na condução da política econômica com resultados desastrosos na questão das políticas sociais e na defesa da nossa soberania – entravando a possibilidade de construirmos uma nação soberana. Por isso, as oposições precisam evitar brigar entre si. As pesquisas, neste instante, não podem ser vistas como um fator determinante para nossa ação – porque ainda há vários meses até as eleições. O diálogo entre os partidos se daria de forma muito melhor se, ao invés de discutirmos pesquisas ou candidatos, discutíssemos qual o Brasil que pensamos construir. E construir o Brasil para os próximos anos, não apenas para o próximo mandato – equívoco dos programas e das práticas de quem tem governado este país.
A verdade nua e crua é que precisamos de três tipos de alianças políticas em três momentos totalmente distintos. O ideal seria que a aliança política se desse no primeiro turno e que pudéssemos construir um programa unitário entre todas as forças que se opõem ao governo Fernando Henrique Cardoso. Se isto não for possível, a segunda opção ideal seria a construção de tal aliança no 2º turno e, se não for possível mudar um programa já aprovado no 1º turno, complementar o mesmo para ganhar as eleições. E, num terceiro momento, precisamos de alianças para governar. É ilusório imaginar que um partido sozinho, sem alianças políticas, vai governar este país – com seus problemas e sua heterogeneidade; com formações políticas, culturais e econômicas diferenciadas. Portanto, isso tem de ser levado em conta num projeto em que os partidos de esquerda estejam à frente. Precisamos construir um conjunto de forças políticas em torno de um projeto que possa garantir para a sociedade brasileira que podemos mudar nosso país.
Neste momento, antes de resolver o problema interno do PT, precisamos resolver algumas questões externas e criar as condições para conversar com todas as forças políticas da oposição. E nessa eleição vamos ter muito mais possibilidades, e muito mais necessidade, de alianças nos níveis estadual e federal, porque poucos partidos têm quadros suficientes para preencher uma chapa completa para o governo, dois senadores e de deputados federais. Assim, o conjunto das forças políticas se completa nos estados: nenhum partido político tem candidatos a governador em todos eles, mas a soma das forças políticas tem candidatos para ganhar na grande maioria deles. Portanto, não se pode deixar de conversar até esgotar os limites da possibilidade para construir essa aliança política.
Na hora que “começa o jogo e o time entra em campo” para disputar a eleição presidencial, percebemos que só ocupamos 1/3 do campo – ou seja precisamos ocupar os outros 2/3 dele. E temos de ocupar com outras alianças políticas. Com quem? Com quem for possível! Podemos determinar o campo das alianças que não queremos. Por exemplo, acho que não se deve fazer aliança com o PFL, o PPB e a turma do Jader Barbalho. Mas dentro do PMDB há setores que não estão no bloco governista – até mesmo no PSDB tem gente percebendo que é preciso cair fora do governo. Então, qual a política que faremos para tentar trazer essa gente? Estou convencido de que não podemos repetir em 2002 o que já fizemos em 89, 94 e 98. Em política não dá mais para trabalhar com a idéia do que “eu quero”.
Hoje temos meios científicos para analisar várias questões e, em função dessa análise científica, colocar em prática uma estratégia para ganhar as eleições. Possivelmente se eu não estivesse vendo a possibilidade de ganhar, o meu discurso seria outro: um discurso mais pão, pão, queijo, queijo, como a gente fazia em 89. Mas acho que temos também chances de ganhar e há setores da sociedade que ainda não conseguimos atingir. Em 1994 e 98 praticamente 1/3 da população brasileira (25 a 28%) não compareceu para votar – não votou no governo, mas também não votou em nós. As eleições no Brasil estão praticamente divididas: 1/3 vota no governo, quase um 1/3 vota nas oposições e 1/3 não vota em nada. Ou seja, vamos ou não convencer essas pessoas a votar conosco? Por isso precisamos qualificar melhor as nossas propostas, o nosso discurso, e estabelecer uma estratégia nesse próximo ano e meio, porque é possível descobrir onde estão esses votos e o perfil dessas pessoas para podermos atuar com o discurso correto.
Iniciativas programáticas
Criamos o Instituto Cidadania na perspectiva de iniciar a construção de propostas alternativas que poderão ou não ser assumidas pelos partidos políticos. É muito difícil fazer um programa de governo neste país, principalmente quando se convoca uma reunião de economistas ou de sindicalistas. Sempre elaboramos um pré-projeto, ele passa por um processo de aferição por diversas entidades, partidos e forças políticas até ser possível obter uma síntese que, se não for ideal para um partido individualmente, possa ser boa para um conjunto de forças políticas. Então, consideramos elaborar um programa que pode ser assumido por uma candidatura, ou por um partido político. Assim, lançamos um esboço de projeto de economia e que agora queremos debater. A primeira coisa era termos o mínimo de afinidade entre os economistas – nada é mais difícil do que essa unidade – e queremos ver se neste trimestre finalizamos essa discussão.
Estamos trabalhando também em seminários para discutir a questão energética. Em torno desse tema há propostas construídas por diversas forças políticas – o movimento sindical tem produção rica e as bancadas dos partidos têm propostas a respeito – e vamos tentar sistematizar isso para oferecer para um debate nacional com todas as forças políticas. Poderemos, então, perceber que é grande a possibilidade de nossa unificação em torno de projetos concretos. Todos os pré-candidatos de oposição podem, por exemplo, assumir o compromisso de dizer para o governo e para os investidores estrangeiros: “Estamos alertando para não privatizar Furnas. Se privatizá-la a toque de caixa, os candidatos da oposição assumiram o compromisso de recuperar Furnas para o Estado brasileiro e transformá-la em instrumento de políticas públicas!”. Esse é um compromisso que os partidos podem assumir, para não permitir que se faça o que foi feito com as telecomunicações nas vésperas da eleição de 1998.
Estamos também trabalhando num projeto chamado “Fome Zero”. Ele envolve especialistas brasileiros sobre a questão da fome, de políticas como Bolsa Escola, Renda Mínima, Banco do Povo e afins. A idéia é lançá-lo em Brasília com a presença de muitos governadores, deputados e prefeitos, pois temos a obrigação moral de garantir que nas cidades em que governamos nenhuma criança durma com fome. É possível mapear, cadastrar e ter políticas públicas para garantir que essas pessoas comam.
Vamos lançar também uma proposta de segurança para o Brasil. No lançamento desse debate com os prefeitos das cidades com mais de 200 mil habitantes, dissemos que a esquerda tinha que fazer uma autocrítica. Isso porque a idéia que passamos quando discutimos segurança pública é que, em nome da defesa dos direitos humanos, defende-se mais os presos do que o povo. A mensagem de que preso tem de estar na cadeia parece uma bandeira do Maluf, quando, na verdade, todo mundo quer que ladrão esteja na cadeia. Queremos fazer um debate que saia do âmbito da discussão do Poder Judiciário, do sistema carcerário e da polícia. Ao começar a se discutir por esse tema, já está se discutindo o crime cometido. Um projeto de política de segurança pública tem de pensar isso, mas tem de pensar também como evitar que o país produza futuros ladrões e futuros delinqüentes – e aí entra o papel das nossas prefeituras e dos nossos governos. Ou seja, a única possibilidade que temos para fazer com que as nossas crianças de hoje não sejam os delinqüentes de amanhã é garantir a elas alguma perspectiva. Isso depende de dinheiro sim, mas também depende muito da definição de políticas públicas arrojadas que possamos implementar. Uma delas, todo mundo sabe, é o emprego – a maior perspectiva. Mas precisamos também fazer políticas nas questões cultural, educacional, do lazer e esporte, como formas de evitar o surgimento de novos delinqüentes. É preciso ocupar o tempo dessa juventude, dando a ela alternativas de espaços para fazer alguma coisa e não permitir que fique em casa se remoendo, com o pai e a mãe desempregados. Vamos debater o projeto também com as instituições policiais. Porque no Brasil perde-se tempo discutindo muitas coisas, como desmilitarizar e fazer uma única polícia. Mas por que ao invés de se ficar pensando em fazer uma única polícia, não se faz uma única política de segurança e obrigar todo mundo a cumpri-la. Esse talvez seja o projeto mais difícil, porque sabemos que a polícia é um aparelho do Estado dentro do próprio Estado. Mas, de qualquer forma, se não enfrentarmos esses desafios não serão os governantes conservadores que irão enfrentar.
Questões econômicas
No projeto de proposta econômica que fizemos, tentamos nos livrar das “cascas de banana” em que, historicamente, pisamos. Sabemos tratar-se de “casca de banana” que as elites jogam, mas estamos ficando mais espertos também. Agora, por exemplo, inventaram mais uma: a independência do Banco Central. Neste país, passamos por 23 anos do regime militar, 5 de Sarney, 2 de Collor, 3 de Itamar e já estamos há 6 de Fernando Henrique Cardoso e ninguém nunca falou de Banco Central independente.
Agora, que está na hora de eles perderem, ou pelo menos as possibilidades para isso são muitas, os governistas começam a tentar fazer uma blindagem para amarrar um futuro governo. Mais independente do que já é o Banco Central!, que decidiu emprestar 20 bilhões para o PROER – e o ministro da Fazenda disse que não sabia que havia emprestado 2 bilhões aos bancos Marka e Fonte Cimdam!… E ele ainda teima em dizer que não sabia de nada, enquanto que se um estado como Pernambuco precisar de quantias muito mais modestas tem de passar pelo Senado. Agora mesmo a Folha de S. Paulo publicou uma matéria dizendo que 9 bilhões de reais do PROER já são dados como perdidos, pois não tem como recuperar. E o ministro da Fazenda vem prestar depoimento aqui no Congresso dizendo que não sabia; o presidente da República diz que não sabia. Então, que raio de independência eles querem? Um banco que não ouve o presidente da República para gastar esse dinheiro, ouve quem? O FMI? O Malan quer fazer o Banco Central independente para nós, mas por que não fez para ele? Um governo sério não pode abrir mão de ter papel importante na definição da nossa política monetária. A moeda, para nós, não é uma quinquilharia qualquer, é um patrimônio de uma nação e queremos que seja parte da política de governo e não apenas submetida à vontade dos credores.
Estamos vendo o que está acontecendo com a Argentina, onde estive no ano passado. A imprensa me questionava e eu dizia que o problema do Mercosul não é a desvalorização feita do Brasil ou supervalorização vigente na Argentina. O problema do Mercosul é que o real e o peso nunca valeram um dólar – fruto de políticas erradas do governo FHC e do governo Menem. Eles mentiram sobre o valor e a importância da nossa moeda e agora temos de arcar com as conseqüências. Essa é mais uma “casca de banana”.
Outra “casca de banana” que o governo federal jogou para nós é a lei de responsabilidade fiscal. Como se fosse papel deles a responsabilidade pela moralização administrativa deste país. Muito mais do que uma lei, nós inventamos um orçamento participativo que pode cuidar melhor disso. O que não podemos é aceitar a forma que arranjaram para que algumas prefeituras brasileiras ficassem amarradas, como a de São Paulo – que o ex-prefeito Pitta saiu do governo, deixando um rombo e um acordo fraudulento; e a prefeita Marta Suplicy é que tem de arcar com as conseqüências. Em nome de um acordo feito com o governo anterior, o governo federal não quer renegociar.
Uma outra ainda é a questão da dívida externa e da dívida interna. Os nossos economistas estão com muito cuidado dizendo para “a gente necessariamente não ter de ficar repetindo discurso velho e chavão em torno de uma coisa que sabemos ter compromisso firmado, tem dívida pública, dívida privada e que nós não vamos ficar naquela loucura que ficamos em 89 discutindo isso”. Uma outra é o câmbio: que fazer com o câmbio? Se nem eles sabem, por que somos obrigados a saber se não ganhamos ainda nem temos as contas nas mãos.
Por último, uma outra “casca de banana” é a questão da política tributária. Quem brigou mais neste Congresso nacional do que nós, todas as forças de esquerda, para fazer uma reforma tributária? Quem tinha base suficiente para aprovar a reforma que bem entendesse? Agora, eles tentam jogar em cima de nós. Então, não temos de assumir a tarefa de ter resposta para isso, porque ninguém vai exigir resposta de quem ainda não é governo para coisas que nem quem está no governo sabe.
Assim, como já fui candidato três vezes, já trabalhei com três programas e os três muito iguais (nas campanhas de 89, 94 e 98); muitas daquelas bandeiras certamente serão bandeiras de um novo programa de governo nosso.
Força para vencer as eleições
Agora, antes de se definir um programa mais completo, precisamos definir se vamos teimar em construir um leque maior de forças do que já temos ou não. E temos de mapear cada estado. Como é que está a situação do PCdoB, do PT, do PPS, do PDT e do PSB em cada estado brasileiro? Porque uma coisa temos de ter clara: a esquerda brasileira não tem o direito de se deformar para chegar ao governo. Quando digo se deformar é que tem alguns princípios que têm de balizar nossa candidatura e governo. Temos de levar em conta que para ganhar não podemos nos prostituir, senão faremos como muitos já o fizeram: ganham e depois não fazem absolutamente nada daquilo que prometeram. E temos experiências disso por esse país afora. Então, o momento está exigindo de nós uma reflexão com a maior seriedade que já fizemos em algum momento da nossa vida política. Precisamos nos transformar nesses próximos meses em pessoas que estejam levando a sério a possibilidade de ganhar essas eleições, e, ao mesmo tempo, se transformar em pessoas capazes de construir a engenharia política que nos permita ganhar, senão ficaremos reféns de políticas menores – por exemplo, de um candidato a deputado no estado tal que achará que o nosso projeto termina com a sua eleição e o que vale é ele se eleger, dificultado-se assim qualquer política de aliança e de acordo com outras forças que podem complementar o que nos falta. E se as direções dos partidos não jogarem pesado em torno disso, vai prevalecer a política da tribo local. É lá no estado que a pessoa fala “bom, eu aqui não posso fazer aliança com fulano, o que vale aqui é me eleger deputado”. Temos a obrigação de quebrar essas barreiras e chamar esses companheiros a fazer política que nos permita ganhar, porque a transformação que queremos só será possível se ganharmos o governo deste país.
Certa vez fui chamado para um debate no qual a grande discussão era “a gente não tem que pensar no poder agora, tem que construí-lo para 30 anos, porque agora eles não vão deixar a gente ganhar. Temos que trabalhar para daqui a 30 anos e a gente vai ter pelo menos 30% da sociedade socialista e então ganha as eleições”. Respondi: “e o que é que faço com os nossos candidatos a governador?
Peço para eles não concorrerem agora e esperar 30 anos? Eu não vou viver mais 30 anos; por que vou esperar?” Quero ganhar agora! Precisamos ganhar logo, se quisermos começar a reverter o processo em curso. Porque a continuar do jeito que está, daqui a 30 anos nem sei quais serão as cores da bandeira brasileira, se eles continuarem vendendo o país do jeito que estão. Nem sei se isto aqui será um parque industrial ou uma zona de livre comércio para receber produtos importados. Por que, então, vou esperar tanto tempo?
O desafio colocado para nós é o seguinte: outra vez o “cavalo está passando, encilhado”. Precisamos saber se vamos ter competência para “montá-lo” ou se vamos deixá-lo passar e, depois, ficar lamentando o nosso erro de tática e de estratégia.
O projeto programado por nós pode ser um plano de metas a serem executadas ao longo de um tempo, valendo por décadas, mas temos de ter em conta o que pode ser feito em 4 anos. Aí é que entra a correta definição das principais prioridades para se poder fazer o que é mais urgente, mais necessário para o nosso povo. Tenho consciência que o povo brasileiro não pode ter uma decepção com a esquerda; pois somos sua última esperança política. Se chegarmos lá e falharmos, sinceramente, temo o que possa acontecer ao país. Por isso, a gente tem de ter a clareza da construção desse programa e da construção das alianças políticas para sustentá-lo. Ter muita lucidez e portas abertas para não sermos encurralados – e a direita tem competência para isso, sobretudo através da mídia, para quem toda e qualquer tipo de aliança que eles fazem é sempre normal.
Quando a gente vai discutir alianças, por exemplo, lá em São Paulo com o PMDB, a primeira coisa que a imprensa fala é “vai fazer aliança com o Quércia?” Como se o PMDB se resumisse nisso. Porém, tem centenas de prefeitos e vereadores de ótima qualidade com os quais muitas vezes, por inibição, a gente não conversa. Então, precisamos vencer essa barreira. O Célio de Castro me mostrou uma imagem um dia desses que não consegui retratar para vocês: “Lula, nós precisamos romper a barreira de 1/3 do campo de futebol”. Ou seja, nós, e o PCdoB e mais algumas forças de esquerda, jogamos apenas 1/3 do campo. É preciso jogar o campo inteiro para ganhar. Precisamos ultrapassar esse limite de 1/3. Necessitamos saber onde estão essas pessoas. E em muitas cidades pequenas há gente boa que não é de esquerda, são evangélicos, católicos, não são de partidos políticos ou são de partidos que não são do nosso campo, mas são pessoas de bem e que estão querendo ajudar; e não abrimos espaço para essa gente nos apoiar. Então, num projeto de ganhar as eleições, temos de levar em conta isso. E nenhum partido político tem de abrir mão das suas convicções. Há pessoas que falam ainda “ah, mas se você ganhar vai ser obrigado a fazer que política?” Ora, uma coisa é separar a política de Estado da política ideológica de um partido político, que pode continuar fazendo o seu discurso. Sempre fui contra os partidos políticos virarem capacho do administrador e não fazerem mais nada depois que se ganha uma eleição qualquer. O partido tem de continuar sendo partido. Ele vai criticar mais ou menos quem está no governo se este tiver abertura para discutir as políticas a serem colocadas em prática, com os partidos. Se não, não dá certo.
Precisamos, na construção da nossa proposta, sem abrir mão das coisas que acreditamos, ter um sentido de realismo muito grande. E já temos experiências acumuladas em municípios e governos de estado, em que sabemos o que pode ser feito ou não. Se não tivermos esse realismo, podemos enveredar por um caminho desastroso depois de ganhar. Confesso que não podemos ter “vocação de De La Rua”!. É um desafio que está colocado para nós. A coisa que mais me incomoda na política é que uma vez eu acreditava que, se dissesse “trabalhador vota em trabalhador”, já ganharia as eleições. Achava que quando fosse candidato como torneiro mecânico, milhões de operários votariam em mim.
Depois, conheci gente que achava que mulher vota em mulher, negro vota em negro, evangélico vota em evangélico, católico vota em católico. O voto não é assim. E mais grave é que tem uma parcela mais pobre da população que ainda não conseguimos atingir. Fico olhando o movimento sindical e fico assustado. O movimento sindical é a representação mais legítima dos movimentos sociais que conhecemos; mas no Brasil temos em média 25% dos trabalhadores filiados em seus sindicatos. Significa que 75% ainda não vêem o sindicato como seu órgão de representação. Se essa pessoa não dá o salto de qualidade para ver sua entidade como órgão de luta, imagina dar o salto ideológico para ver a gente como os representantes deles!
Então, é esse realismo que precisamos entender e aproveitar. Temos tempo ainda para discutir isso com muita clareza. Não precisamos abrir mão de nenhuma das coisas em que acreditamos, das nossas crenças, nem das nossas opiniões programáticas ideológicas. Precisamos saber se vamos continuar acreditando em tal coisa; se queremos o mundo perfeito. Mas, enquanto não podemos construir esse mundo, o que é que podemos fazer hoje – o que podemos fazer em quatro anos?
Só começamos a pensar nisso quando estamos certo de que podemos chegar lá. A coisa mais fácil do mundo é ser candidato sem perspectiva de vitória, porque você atira para todos os lados, numa metralhadora giratória; ou seja, você não tem muita responsabilidade. Mas, quando você vira alternativa, com certeza tem, então, de ter essa concepção de um programa exeqüível em quatro anos de mandato.
As contribuição que estamos tentando dar para as forças políticas de esquerda podem contribuir para não se dar como fato consumado a idéia de que não tem unidade e de que não podem haver afinidades. Até o último minuto, vou acreditar que é possível e espero que os dirigentes do meu partido e os outros partidos trabalhem para que isso aconteça. Tenho dito para os meus companheiros de partido que me contentarei em ser cabo eleitoral se construirmos uma unidade para vencermos as eleições de 2002. É verdade que o PT não pode conversar com nenhum partido político já tirando candidato do bolso do colete. Mas é verdade também que ninguém tem o direito de vetar que o PT tenha candidato, porque é desagradável um candidato que tem 5% achar que você, que tem 30%, não pode ter a mesma intenção. A pessoa, assim, quer construir a unidade em torno do nome dela; não em torno de um projeto. Vamos trabalhar um projeto para ver se conseguimos construir a aliança necessária e depois vamos ver quem é que tem condições de ganhar as eleições – é essa a fórmula que podemos adotar para chegar lá.
Luis Inácio Lula da Silva é presidente de honra do PT e pré-candidato à Presidência da República. Este texto reproduz parte de sua intervenção do Seminário 2002: um novo projeto para o Brasil – no dia 26 de junho de 2001.
EDIÇÃO 62, AGO/SET/OUT, 2001, PÁGINAS 10, 11, 12, 13, 14