Um dos principais pressupostos do marxismo, como teoria revolucionária, é sua afirmação da importância do partido de classe formado pelo destacamento de vanguarda do proletariado para dirigir a luta política dos trabalhadores contra a opressão capitalista e levar à conquista do poder do Estado, à organização de um novo Estado e ao início da construção de uma forma de organização social superior.
Esse reconhecimento da importância do partido de classe surge simultaneamente com a teoria revolucionária de Marx e Engels, em meados do século XIX, e é parte integrante, essencial, dela.

Já em 1844, Marx escrevia que a teoria revolucionária precisa unir-se às massas para transformar-se em força real – exigência de unidade entre teoria e prática que caracteriza seu pensamento e o distingue das demais correntes filosóficas, políticas e sociais, e o fundamenta, desde os tempos de sua formação. E o partido revolucionário de classe é o cimento dessa unidade de pensamento e ação.

A idéia de que o proletariado deve se organizar politicamente em seu partido de classe para alcançar o poder político e iniciar a transição socialista foi expressa por Marx e Engels já no Manifesto do Partido Comunista, de 1848, onde dizem que os comunistas são “a fração mais resoluta dos partidos operários de todos os países, aquela que sempre impulsiona as demais para a frente”, tendo “sobre a massa restante do proletariado”, a vantagem do conhecimento teórico, da “clara visão das condições, da marcha e dos resultados gerais do movimento proletário”.

Embora o objetivo imediato dos comunistas possa ser semelhante ao dos demais partidos populares, sua marca é a consciência dos objetivos de longo prazo da luta do proletariado. Como aqueles partidos, os comunistas pregam “a constituição dos proletários em classe, a derrubada da dominação burguesa, e a conquista do poder político pelo proletariado”. Mas vão além, e lutam, dentro do movimento atual, pelos objetivos futuros desse movimento, na fórmula célebre deixada pelos fundadores do marxismo. E, entre as tarefas do partido como dirigente e organizador da resistência proletária destaca-se o esforço para educar os operários na consciência de classe, de torná-los conscientes do “antagonismo hostil que existe entre a burguesia e o proletariado”. Este é um dos axiomas do legado de Marx e Engels – para os proletários, não basta chegar ao poder político: é preciso usá-lo para resolver aquele antagonismo entre os patrões e os trabalhadores, destruir o capitalismo e iniciar a caminhada rumo ao socialismo.

É também dos fundadores do marxismo a idéia de que, no processo da luta contra o domínio burguês, o proletariado desenvolve sua própria identidade e consciência de classe, (que são as condições subjetivas da revolução) e seu corolário, o partido de classe. A consciência de classe e a identidade proletárias não nascem prontas e acabadas com o proletariado. Não são dadas; não surgem, ahistoricamente, à margem da luta proletária, mas sim no enfrentamento cotidiano das agressões, mazelas e misérias que o capitalismo impõe aos trabalhadores. Ela surge desse conflito e é aprimorada ao se transformar em consciência socialista através da absorção da ciência social mais avançada, segundo a qual a superação das contradições do capitalismo só ocorrerá com a instauração de uma organização social superior. É nessa luta que a massa dos trabalhadores, que “já é uma classe face ao capital”, escreveu Marx em Miséria da Filosofia (1847), “reúne-se, constituindo-se em classe para si mesma”. Esta é uma tarefa que a vanguarda proletária – este é outro fundamento desta ciência social avançada – só poderá realizar se tiver esse instrumento de direção e organização que é o partido revolucionário do proletariado.

Essa lição da política de classe acompanhou toda a trajetória de Marx e Engels e jamais foi abandonada, mesmo depois do aprofundamento de seus conhecimentos empíricos e teóricos, embora alguns escritores reformistas digam que a maturidade os teria levado a uma visão evolutiva, e não revolucionária, da transformação social.

A falsidade dessa idéia é demonstrada mesmo pelo exame superficial e sumário dos escritos de Marx e Engels. Eles polemizaram contra concepções operárias estreitas existentes de seu tempo, contra os anarquistas que desprezavam toda organização política e, de forma idealista e voluntarista, queriam apenas destruir o Estado, sem levar em conta o desenvolvimento histórico, o amadurecimento da classe operária e a necessidade da força política para reorganizar a vida em novas bases. E também contra os reformistas, que acreditavam na melhoria do capitalismo e na possibilidade da classe operária alcançar seus objetivos no marco desse sistema.

Marx investiu, em 1850, contra quem encarava a organização política proletária de forma estreita, como uma seita formada por iluminados isolados da massa proletária e do movimento real de luta política e da luta de classes, denunciando-os como “alquimistas de revoluções”. Contra anarquistas e reformistas, ele sempre insistiu na necessidade da organização política dos trabalhadores para participar da luta política contra a burguesia e a aristocracia latifundiária.

No confronto político contra essas correntes que, principalmente os anarquistas, negavam a necessidade e importância do partido de classe, Marx e Engels enfatizavam que esse era o caminho para a própria instituição do proletariado como classe. Numa resolução, aprovada no Congresso de Haia da I Internacional (1872), diziam que, contra as classes proprietárias, a classe operária só pode agir como classe “constituindo-se em um partido político que seja distinto dos velhos partidos formados pelas classes proprietárias e a eles se oponha”. No ano seguinte, Engels repetia essa lição classista e revolucionária dizendo que a primeira condição da luta proletária era “a política de classe, a organização do proletariado em partido político independente”, cujo objetivo imediato era “a ditadura do proletariado”, isto é, o governo dos operários e dos demais trabalhadores. Em uma carta a Bebel, Liebnecht, Brackle e outros, em setembro de 1879, Marx e Engels defendiam a luta de classes, sobretudo “entre a burguesia e o proletariado, como a mais poderosa alavanca da revolução social”.

Em 1881, Engels reiterava que, “na luta política de uma classe contra outra, a organização é a arma mais importante”. Em 1884, reafirmou esse ponto de vista, escrevendo que, à medida que o proletariado amadurece “para emancipar-se a si próprio, constitui-se em um partido independente, elege a seus próprios representantes, e não os dos capitalistas”. Em 1886, em carta a Sorge (29/11/1886), dizia que o primeiro passo a ser dado num país onde o proletariado começa a se mover é sua “constituição em partido político independente, não importando como, mas bastando somente que ele seja um partido operário”. E, quase no final de sua vida, em janeiro de 1893, Engels ironizava, em outra carta a Sorge, aqueles que negavam a luta de classes e, por isso, rejeitavam o pensamento fundado por Marx e ele próprio.

No embate de idéias dentro do movimento operário, Marx e Engels expressaram, assim, de forma sempre clara, a necessidade histórica do partido do proletariado como instrumento de ação política contra a burguesia e a reação feudal e, também, para defender, naquele contexto, o programa próprio da classe operária para a tomada do poder e reconstrução do Estado, de superar os limites do capitalismo e iniciar a construção de uma sociedade nova e avançada.

Coube a Lênin desenvolver esses fundamentos teóricos e organizativos. Seu pensamento não se limita à fórmula célebre registrada em Que fazer?, de 1903, e que resultou dos embates dentro do Partido Operário Social Democrata Russo, onde enfrentou as teses reformistas e economicistas daqueles que, no futuro, formariam a corrente menchevique. No II Congresso do partido russo, em 1903, contra a tese de Martov de uma organização partidária frouxa, adequada à luta política eleitoral nos quadros da democracia burguesa, Lênin insistiu (e foi vitorioso) no ponto de vista de que só poderia ser considerado membro do partido quem “aceite o seu programa e apóie o partido tanto com recursos materiais como com a sua participação pessoal numa de suas organizações”. O debate entre Lênin e Martov, naquele Congresso, ficou conhecido como o contraste entre a defesa de um partido de quadros (Lênin), em oposição a um partido de massas (Martov).

É uma simplificação resumir o pensamento de Lênin à defesa das posições expressas em Que fazer?. Ao contrário, ele tinha uma visão clara da relação dialética entre forma organizativa e conjuntura política, derivando desta as linhas gerais daquela.

Em 1903, contra o reformismo economicista, que defendia o movimento espontâneo e renunciava à luta política operária independente, e negava na prática o partido revolucionário, o esforço de Lênin visava à “ação para construir o partido, para superar o ‘espírito de círculo’ e conquistar o ‘espírito de partido’.”
Foi contra o reformismo economicista que Lênin defendeu outra fórmula célebre: “A consciência política da classe somente pode ser levada ao operariado a partir do exterior, ou seja, de fora da luta econômica, de fora da esfera das relações entre operários e patrões”. Explicitava a mesma tese do Manifesto Comunista de 1848: é na luta política, e não na luta econômica, que a consciência de classe se forja. É nela, e não apenas na defesa de melhorias econômicas sob o capitalismo, que o proletariado desenvolve sua consciência socialista. Por isso ela vinha de fora da luta econômica e dos limites estreitos do conflito econômico entre operários e patrões.

Lutando contra o economicismo, Lênin lutava também contra a tendência a reduzir a luta operária à sua expressão sindical que, pensava, era somente uma parcela dos objetivos proletários. É preciso elevar a luta econômica ao patamar da disputa política, e é o atendimento dessa exigência que impõe a necessidade de uma teoria de vanguarda e da organização de vanguarda, unindo a teoria socialista ao movimento operário.

O partido é fruto da união da teoria social avançada, o socialismo científico e o movimento dos trabalhadores. E é no desenvolvimento da luta das massas, escreveu Lênin em 1908, que o papel dirigente do proletariado aparece à luz do dia, em todos os terrenos em que a luta se desenvolve. É nos períodos de luta revolucionária direta, diz ele, que são lançadas “as bases sólidas dos agrupamentos de classes” e que surgem “as clivagens entre os grandes partidos políticos”. Em 1912, ele voltava à carga, reafirmando: é “nas épocas das crises profundas que abalam todo um país” que aparece “claramente a divisão de toda a sociedade em partidos políticos”.

Para Lênin, o partido é a parte da classe operária – sua vanguarda armada com o conhecimento científico – capaz de dirigir a luta contra todas as manifestações concretas de opressão, “quaisquer que sejam as classes afetadas”, escreveu. O proletariado e seu partido devem lançar-se à frente do movimento democrático, rompendo com o horizonte limitado da luta nas empresas. “Só o partido que organize campanhas de denúncias em que realmente participe todo o povo poderá converter-se, nos nossos dias, em vanguarda das forças revolucionárias”.

Em 1903, quando a ditadura czarista promovia uma perseguição feroz aos democratas e aos socialistas, Lênin defendia um partido formado por um núcleo de revolucionários profissionais com conhecimento teórico, experiência política, prática organizativa e cominando as normas da clandestinidade. Esse núcleo devia ser o centro de uma ampla rede de organizações locais, com grande número de militantes, capaz de atingir milhares de trabalhadores. Era uma forma organizativa, adaptada àquela conjuntura adversa, que impunha clandestinidade mais rigorosa.

Só quando se desconsidera sua consciência da relação dialética entre forma organizativa e conjuntura política é que se pode transformar o líder bolchevique no campeão do partido de quadros, do modelo definido em Que fazer?. Ao contrário, Lênin procurava – como um materialista militante e dialético – extrair as categorias teóricas que orientavam sua ação das circunstâncias concretas, reais, em que atuava, sem perder de vista o objetivo fundamental: a luta pelo socialismo.

Assim, quando a revolução de 1905 obrigou o czarismo a promover uma abertura democrática limitada e aceitar uma situação de relativa legalidade, Lênin defendeu a abertura do partido às massas, mantendo o aparelho clandestino. Naquela conjuntura, como depois de fevereiro de 1917, ele defendeu a formação de um amplo partido de massas baseado no centralismo democrático (expressão que usou pela primeira vez em 1905). Em 1905, pregou o recrutamento em massa dos operários industriais e a construção de “uma organização não clandestina, com sistema eletivo, com a representação no Congresso baseada no número dos membros organizados do Partido”. Naquele ano, insistindo na necessidade de recrutar membros e ampliar o partido, ele escreveu: “com maior amplitude e audácia, com maior audácia e amplitude, e mais uma vez com a maior audácia, sem ter medo de fazê-lo. (…) É preciso unir e pôr para trabalhar, com extraordinária rapidez, todos os elementos que possuam iniciativa revolucionária”. Em outra oportunidade, naquele mesmo ano, dizia: “Devemos saber adaptar-nos a uma dimensão totalmente nova do movimento. (…) É preciso aumentar substancialmente os efetivos de todas as possíveis organizações do partido ou próximas do partido, para caminhar, de qualquer modo, pari passu com a torrente de energia revolucionária do povo, que cresceu cem vezes (…); devemos criar, sem perder um só instante, centenas de novas organizações”.

Lênin demonstrou – teórica e praticamente – que o partido do proletariado deve ter a habilidade de adaptar-se às circunstâncias políticas em que atua, sendo um partido de quadros, rígido e disciplinado nos períodos de perseguição policial, ou transformando-se num partido de massas, amplo e igualmente disciplinado, nos momentos de atuação aberta e legal. “Toda luta de classes é uma luta política”, escreveu, chamando a atenção para as diferenças importantes que decorrem do grau de desenvolvimento dela. Seu estágio embrionário é a luta econômica, e ela é “mais elevada e desenvolvida quando ocorre em escala nacional, por objetivos políticos”. Mas isto também é insuficiente. O desenvolvimento da luta de classes é coroado quando, em escala nacional, o proletariado busca aquilo que “é o essencial: a organização do poder de Estado”.

Assim, resumindo, não basta a luta por objetivos econômicos; não basta também a luta para alcançar o poder: é necessário um partido proletário capaz de educar os trabalhadores através da luta econômica, dar a ela o caráter de luta política para conquistar o poder e criar, assim, as condições para a destruição do Estado burguês e iniciar a construção de um Estado de tipo novo, proletário. Este é o ensinamento deixado por Marx e Engels e desenvolvido por Lênin. A teoria marxista e a ação prática dela decorrente marcaram profundamente a história da humanidade nestes últimos 150 anos, e foi esteio e inspiração para a organização revolucionária dos trabalhadores. Particularmente depois de 1917, quando – assumindo o poder pela primeira vez e mantendo-o por várias décadas – a ação revolucionária dos trabalhadores russos apontou, para a humanidade, que era necessário e possível começar a construir uma alternativa real e concreta ao capitalismo.

A experiência acumulada nestas décadas, e a derrocada da URSS e do Leste europeu, são a demonstração prática da importância da existência de um partido revolucionário consciente e conseqüente. Ele é o instrumento indispensável para a mudança revolucionária. Foi com ele que os bolcheviques e os revolucionários de outros quadrantes do planeta chegaram ao poder e começaram a construir uma sociedade mais avançada. Foi quando o partido soviético degenerou e desviou-se pelos caminhos do revisionismo e do retorno ao capitalismo que começou a derrocada do regime nascido sob a direção de Lênin.

A conclusão fundamental que pode ser extraída dessa longa experiência é a de que o presente e o futuro da humanidade dependem da construção desse instrumento de direção da mudança revolucionária, o Partido Comunista.

José Carlos Ruy é jornalista.

Notas
Amazonas, João – Autêntica Organização de vanguarda. SP, Centro de Cultura Operária. s/d.
Cruz, Humberto M. da – Lénine e o Partido Bolchevique. Lisboa, Seara Nova, 1976
Engels, Friedrich – Contribuição ao
problema da habitação. In Karl Marx e Friedrich Engels. Obras escogidas.
T. 1, Madrid, Ed. Ayuso, 1975
_____ – El origen de la familia, la
propiedad privada y el Estado. In
Karl Marx e Friedrich Engels. Obras escogidas. T. 2, Madrid, Ed. Ayuso, 1975
Engels, Friedrich e Marx, Karl – Le parti de classe. IV. Activités de classe du parti. Introduction et notes de Roger Dangeville. Paris, François Maspero, 1973.
Gruppi, Luciano – O pensamento de Lênin. RJ, Graal, 1979
Johnstone, Monty – Lênin e a revolução. In E. J. Hobsbawn. História do Marxismo. V. 5, RJ, Paz e Terra, 1985
Johnstone, Monty – Partido, verbete em Tom Bottomore (org). Dicionário do Pensamento Marxista. RJ, Zahar, 1988
Johnstone, Monty – Um instrumento político de tipo novo: o partido leninista de vanguarda. In E. J. Hobsbawn. História do Marxismo.
V. 6, RJ, Paz e Terra, 1985
Lênin, V. I. – Que fazer? – Problemas candentes de nosso movimento. In Obras escolhidas. T. 1. SP, Alfa-Omega, 1979
_____ – Duas táticas da social democracia na revolução democrática. In Obras escolhidas. T. 1. SP, Alfa-Omega, 1979
______– Um passo em frente, dois
passos atrás (A crise do nosso partido). In Obras escolhidas. T. 1. SP,
Alfa-Omega, 1979
______ – Reflexões sobre o período atual. In Fernandes, Florestan (org). Lênin: política. SP, Ática, 1978
Marx, Karl – Miséria da filosofia. Lisboa, Edições Avante!, 1991
Marx, Engels, Lênin, Trotsky – A questão do partido. SP, Kairós, 1978 (coletânea de textos)
Marx, Karl, e Engels, Friedrich – Manifesto Comunista, in Karl Marx e Friedrich Engels. Obras escogidas. T. 1, Madrid, Ed. Ayuso, 1975
Miliband, Ralph – Marxismo e política. RJ, Zahar, 1979

EDIÇÃO 62, AGO/SET/OUT, 2001, PÁGINAS 49, 50, 51, 52, 53