O crescimento norte-americano da década de 1990 teve início na segunda metade de 92, foi lento até mais ou menos 1995/1996 e, paradoxalmente, começou a se acelerar após as crises mexicana, asiática e brasileira. Em boa medida a economia norte-americana se nutriu dessas crises ocorridas em países da periferia, mas o fato é que, neste momento, podemos dizer que a economia estadunidense está numa trajetória recessiva.

A etapa de crescimento na última década foi celebrada como um triunfo inexcedível da experiência capitalista dos Estados Unidos não só sobre a experiência socialista, mas também sobre os outros tipos de capitalismo, como o japonês e os modelos europeus de sociedade e de economia. (1)
O período que vai do final dos anos 70 até esse brilhante desempenho da economia dos anos 90 marca uma lenta recuperação do poderio econômico, militar e financeiro norte-americano no mundo, que se fez não só com a derrota política e econômica da URSS, mas também pela imposição do padrão norte-americano e, sobretudo, do grande capital financeiro dos Estados Unidos aos demais países.

A partir dos anos 70, os Estados Unidos abandonaram os padrões de comportamento adotados a partir do fim da II Guerra Mundial, que foram de certa forma benéficos não só para a recuperação da Europa mas também abriram espaços para a industrialização de países do Terceiro Mundo. A existência de um bloco socialista competindo com o capitalismo foi decisiva não só pela presença da URSS, mas também de países menos avançados que empreenderam experiências socialistas.
O modelo pós-II Guerra

Naquele momento, a direção política do capitalismo estadunidense era mais heterogênea do que hoje. O clima político e as alianças possíveis no imediato pós-guerra não eram as que se concretizaram depois, porque havia dentro do governo Roosevelt uma fração muito importante do Partido Democrata que achava que o futuro do mundo estaria salvaguardado por uma aliança entre os Estados Unidos e a União Soviética. Eles achavam que o inimigo era o velho imperialismo europeu. É por isso que Keynes teve tanta dificuldade em fazer passar as reformas de Breton Woods à sua maneira.

Mas, ao contrário do que ocorreu no final da I Guerra Mundial – que desembocou na crise daquele capitalismo desregulado (tanto que as teorias do colapso iminente do capitalismo nasceram nesse período), cujo ápice foram as crises de 29 e dos anos 30 – os Estados Unidos tomaram, ao final da II Guerra Mundial, a decisão política de não repetir os mesmos erros. Assim, o Plano Marshall e o impulso que os EUA deram para a reconstrução européia, sobretudo para sua unificação econômica, foi decisivo para que as economias, principalmente as de Alemanha, França e dos países mais próximos, se rearticulassem e tivessem os seus respectivos milagres econômicos. Também foi importante o papel norte-americano na reconstrução econômica do Japão.

Nesse momento, havia a impressão de se estar diante de um processo prolongado de crescimento econômico, em que algumas das características do crescimento capitalista estariam superadas – por exemplo, que o crescimento tinha flutuações cíclicas violentas. Tal ocorreu porque as formas de regulação e de controle do capitalismo haviam mudado, sendo profundamente reformadas pelas forças sociais que emergiram da II Guerra, entre elas os partidos comunistas, que tiveram papel importantíssimo na definição das estratégias de reconstrução capitalista da Europa.

A nova institucionalidade, elaborada para apoiar o desenvolvimento conjunto das economias capitalistas teve algumas características centrais. A primeira delas foi a admissão de que era obrigatória a intervenção do Estado na economia, na regulação do ciclo econômico, ou seja, os estados nacionais passaram a se apropriar e a dispender uma fatia do produto nacional muito maior do que a dos anos 20. Com isso aumentou o controle do Estado sobre o excedente econômico, sobre a mobilização de recursos, para impedir que, a cada pequena flutuação da economia, a resposta imediata se desse pela queda de renda e de emprego. A segunda característica é que as coalizões sociais que nasceram desse capitalismo permitiram que os salários crescessem paralelamente ao aumento de produtividade, havendo um crescimento expressivo dos salários reais, juntamente com o aumento dos benefícios sociais. (2) E a terceira, muito importante, é que nesse período havia o controle generalizado do movimento de capitais entre os países, sobretudo de capitais de curto prazo.

Na verdade, a reforma que Dexter White e Keynes quiseram impor a Breton Woods, para simplificar, foi a seguinte: o dinheiro internacional seria simplesmente uma moeda de conta, ou seja, os países trocariam mercadoria por mercadoria e o dinheiro seria simplesmente uma moeda de referência. Os países que tivessem déficit registrariam num banco internacional, em sua conta, o que estavam devendo aos demais. E, assim, ia-se fazendo uma compensação entre os déficits e superávites, de modo que não fosse necessário saldar as dívidas através da entrada do movimento de capitais de curto prazo. Keynes pensava assim pois achava que o dinheiro internacional, pela experiência dos anos 20, tinha de ser administrado publicamente; não se podia deixar aos mercados a tarefa de regular o fluxo do dinheiro internacional e a função de prover liquidez e ajustamento para os países que porventura tivessem um déficit na balança de pagamentos.

Na verdade, esse sistema não foi aceito na sua totalidade nem pelos Estados Unidos, nem pela Inglaterra, os protagonistas da montagem do sistema de Breton Woods. De qualquer maneira, permitiu-se que os países controlassem suas contas de capital. Esse era um fator importante porque permitia a cada país individualmente fixar a sua política monetária e financeira, e a sua política fiscal.

Assim, os países não tinham, por exemplo, de subir a taxa de juros caso houvesse uma crise na Bolsa de Nova York – eles poderiam perfeitamente proteger-se impedindo que os efeitos dessa crise se manifestassem internamente. Ou seja, poderiam proibir a entrada e a saída de capitais – como o Brasil e todos os países fizeram até meados da década de 80 –, permitindo que se desvinculasse a política doméstica da instabilidade do movimento de capitais privados em nível internacional.

Esses capitais se movem pela especulação acerca de uma moeda que vai se desvalorizar, ou se deslocam do país com a taxa de juros mais baixa para outro com taxa mais alta, ou tomam posição tanto nos mercados à vista quanto nos mercados futuros contra países que têm moedas frágeis. Então, se esses mercados funcionam livremente, a especulação é inevitável – porque são, por definição, mercados especulativos. (3)

Hoje em dia, falar em controle de capitais é um anátema. Isso porque, na verdade, os grandes protagonistas do processo econômico, a grande empresa internacional e os grandes bancos, ganham às vezes mais dinheiro no mercado financeiro do que com a operação corrente de compra e venda de mercadorias. Ou uma empresa que está localizada em vários mercados, como hoje ocorre, pode ter um ganho fenomenal se estiver bem colocada quando há uma desvalorização ou uma valorização de uma moeda. Pode ter perda também, mas, em geral, elas têm boas informações, como os grandes bancos têm e se beneficiam dessas flutuações das moedas.

Para os reformadores de Breton Woods, a estabilidade do câmbio e dos juros eram fundamentais para a tomada de decisão de produção numa economia capitalista. Para se tomar uma decisão de longo prazo tem de haver um horizonte razoável e, portanto, duas taxas têm de estar estáveis: a taxa de juros e a taxa de câmbio. Esses são os dois preços-chave de uma economia capitalista porque informam fundamentalmente a decisão capitalista: a taxa de juros indica qual é a conveniência do detentor de riqueza, ou seja, do capitalista – manter sob a forma de capital monetário o seu capital ou investi-lo sob uma forma produtiva, ou sob qualquer outra forma. Por isso a taxa de juros é fundamental. (4) E a taxa de câmbio é importante porque relaciona os dinheiros particulares – as moedas particulares – com o dinheiro mundial, com a forma do dinheiro mundial. Então, se esses preços flutuam muito, a decisão do capitalista torna-se totalmente desordenada.

A lógica do controle dos capitais prevaleceu nos anos 50/60, e por isso as economias puderam crescer de maneira mais ou menos equilibrada. Falava-se em milagre alemão, japonês, italiano… e tudo isso estava montado sobre essa arquitetura do chamado capitalismo domesticado, quer dizer, do capitalismo controlado – controlado politicamente pela intervenção, dentro de cada país, do Estado na economia; e essa institucionalidade impedia que fossem reproduzidas as crises dos anos 20, e mesmo as crises do final do século XIX.

Fim de um modelo

A partir do final dos anos 60, essa arquitetura começou ruir, devido a um defeito fundamental: a moeda internacional era a moeda de um país, o dólar. Políticos e técnicos que participaram dos debates de Breton Woods já tinham apontado para essa questão.

Enquanto essa moeda fosse emitida de maneira moderada, haveria a possibilidade de ser aceita pelas outras nações como moeda internacional. A moeda é um fenômeno social, embora em geral as pessoas a fetichizem: só é confirmada como meio de troca e como reserva de valor porque é aceita como uma representação real da riqueza.(5) A partir de meados dos anos 60 a aceitação geral dessa moeda começa a se enfraquecer, pois o papel de polícia do mundo ocidental dos Estados Unidos começou a obrigá-lo a fazer um dispêndio em dólares muito maior do que os seus parceiros estavam dispostos a aceitar.

Então, apesar da prosperidade geral – e 1968 é um ano de grande prosperidade, que dura até 1973 – os europeus começaram a contestar a universalidade do dólar, ou o papel do dólar como representante da riqueza universal. Os primeiros a contestar foram os franceses alegando não estarem mais obrigados a aceitar o dólar como representante da riqueza real porque ele excederia o demandado para as trocas internacionais e pelos negócios financeiros. O presidente De Gaulle começou a trocar dólares excedentes pelo ouro de Fort Knox. Em conseqüência, em 1971, Nixon, então presidente dos Estados Unidos, declarou unilateralmente a inconversibilidade.

Entre 1968 e 1971, na crise do dólar, começou a surgir o chamado Euro Mercado, o mercado monetário que se expandia fora do controle das autoridades – também produto dos excessos e do déficit da balança de pagamentos norte-americanos, que punha mais dólar para fora do que os seus parceiros mais importantes estavam dispostos a absorver.

Quando o Banco da Alemanha, um banco central clássico e ortodoxo, tinha excedentes em sua balança de pagamentos, refluía esse excesso de dólares e o redepositava no Euro Mercado. Essa foi uma das razões do milagre brasileiro, pois o Brasil começou a se endividar em dólar rapidamente a partir da expansão desse mercado, cujas taxas de juros eram convidativas – a 6% ao ano. Essa foi a base do financiamento do milagre brasileiro.

Nessa época, entretanto, esse mercado era relativamente pequeno; só alguns países em desenvolvimento tinham acesso a ele. Mas, quando os norte-americanos declararam a inconversibilidade, em 1971, e permitiram a flutuação em 1973 (até então, as taxas de câmbio eram fixas e administradas pelo FMI, sendo preciso sua licença para a desvalorização de uma moeda), a conseqüência foi o início da flutuação das taxas. Esse foi um dos fatores que deflagrou o aumento do preço do petróleo, fixado em dólares.

Durante toda a década de 70 houve grande controvérsia sobre a substituição do dólar como moeda de reserva, sendo feitas várias tentativas. Os Estados Unidos saíram da guerra do Vietnã derrotados política e militarmente. Foi um período em que se falava que a hegemonia norte-americana havia terminado, que seu poder estava no fim, que a Alemanha iria substituí-los etc. Mas, na reunião do FMI em 1979, em Belgrado, os Estados Unidos reimpuseram a hegemonia do dólar, que estava em xeque a partir dos interesses europeus.

Os Estados Unidos valorizaram o dólar e fizeram um déficit fiscal. Reagan fez uma redução de impostos que favoreceu os ricos e a classe média mais alta. Depois de 1981/1982 começou a baixa na taxa de juros, abrindo um tremendo ciclo de consumo e de importações nos Estados Unidos. Japão, Coréia e Taiwan exportaram muito até 1985. O Japão conseguia superávites monumentais à custa dos déficits norte-americanos. O que permitia que os Estados Unidos fizessem isso, sem qualquer problema adicional de balança de pagamento, era o fato de terem o poder da moeda de reserva, podendo pagar o seu déficit em dólar, e todo mundo aceitava.

O que mudou a partir dos anos 70 é que os Estados Unidos passaram a financiar o seu déficit emitindo papéis do Tesouro norte-americano, que funcionaram como uma espécie de colchão de liquidez. Quando ocorreu a crise da dívida externa na América Latina, devido ao aumento na taxa de juros, o déficit norte-americano fiscal permitiu que os bancos limpassem aqueles créditos podres latino-americanos. Em seu lugar, entraram títulos do governo norte-americano, pagando taxas de juros convidativas. Dessa forma, o déficit dos EUA salvou os bancos norte-americanos porque permitiu-lhes trocar ativos podres por outros com liquidez no mercado. Muitos diziam, então, que se os Estados Unidos estavam se endividando iriam quebrar. Mas isso não se deu, pois os bancos privados (o setor privado) estavam dispostos a aceitar aqueles papéis de dívida norte-americana em suas carteiras. Com isso, a dívida norte-americana funcionou como um mecanismo de transição para o sistema bancário. Se o governo dos EUA não tivesse feito um déficit (do tamanho daquele que o Reagan fez), e não tivesse emitido dívida pública, os bancos norte-americanos teriam quebrado. Os Estados Unidos salvaram o seu sistema bancário emitindo títulos da dívida pública e, ao mesmo tempo, se transformaram – de credores globais desde o final da I Guerra Mundial – em devedores globais (a dívida pública norte-americana, hoje, é de três trilhões de dólares).

Os anos 80, então, foram marcados por essa mudança de posição, em que parecia que os bancos japoneses, por exemplo, iam superar – e superaram em volume de depósitos internacionais – os bancos norte-americanos. Mas, em 1985, quando a coisa estava indo longe demais, os Estados Unidos fizeram as famosas reuniões (do Louvre, e depois do Plaza) que deram origem ao G7, com os alemães, os japoneses, os franceses, etc; e comunicaram que a valorização do dólar fora longe demais, que o déficit estava muito alto e a indústria norte-americana não estava agüentando mais os efeitos da valorização. E disseram a seus parceiros que iriam reverter a valorização do dólar. Quer dizer, obrigaram o ien e o marco a se revalorizarem.

Isso pegou o Japão de mau jeito; foi o início da crise japonesa. Os japoneses foram obrigados a cortar custos, a reduzir lucros e salários das suas empresas. Como o ien ficou muito valorizado e as moedas dos países asiáticos estavam desvalorizadas em relação ao dólar, as empresas japonesas se deslocaram para o Sudeste Asiático. Isso explica o aparecimento da segunda geração de Tigres Asiáticos – Cingapura, Malásia, Tailândia, resultado dessa expansão do capitalismo japonês para a Ásia. A partir desses países, as empresas japonesas conseguiram exportar para os Estados Unidos, pois de sua base nacional, o Japão, seria impossível. Com isso, o Japão criou laços profundos com o Sudeste Asiático, mas acabou nocauteado no começo dos anos 90. Os asiáticos continuaram a crescer até a dura crise de 1997 (se recuperaram depois, mas de maneira frágil); a Europa começou a crescer, puxada pelo crescimento norte-americano, e hoje está começando a apresentar problemas.

Os EUA no centro da crise

Hoje, o centro da crise mundial é a economia dos Estados Unidos, e alguns de seus dados merecem ser analisados. A taxa média de crescimento da economia norte-americana nesses últimos 10 anos (apesar de ter crescido a partir de 1995/1996 e chegado, num trimestre, a 7%) foi inferior à taxa de crescimento média entre os anos 50/60 – como foram inferiores as dos demais países: na era do neoliberalismo as taxas de crescimento foram muito inferiores às do período do capitalismo domesticado, por qualquer critério (taxa de crescimento, expansão do emprego, crescimento dos salários reais…).

No período Reagan, com a valorização do câmbio, o investimento cresceu muito pouco; sendo basicamente um ciclo de consumo. No período mais recente, o investimento cresceu bastante (em dois anos, chegou a crescer 17%). Ou seja, o que ocorreu agora nos Estados Unidos não foi só um ciclo de consumo, mas um ciclo de investimento e de concentração brutal de capital – não só na área produtiva, mas também na área financeira. Esse processo se exprime num alto grau do endividamento, pois foi movido a crédito. Para um PIB de 10 trilhões e 300 bilhões de dólares, o endividamento do setor privado (famílias e empresas – tirando a dívida que os bancos emitem, certificados de depósito, fundo etc, pois juntando o setor financeiro o número seria muito maior) é de 18 trilhões e 700 milhões de dólares – o nível mais alto alcançado pela economia norte-americana em todo o pós-guerra.

Este alto ponto de endividamento resulta do comportamento do mercado de ações, porque hoje o valor do estoque de ações avaliadas a preços do mercado é da ordem de 13 trilhões de dólares – o valor que as famílias e as empresas pensam ter. Na medida em que essas ações se valorizaram, as famílias e empresas foram comprando ações, imaginando que sua riqueza pessoal, o seu patrimônio, melhoraria e, a partir dessa situação patrimonial melhor, elas se endividavam – com as ações servindo como garantia. Os bancos emprestavam cada vez mais para as famílias consumirem e para as empresas investirem ou comprarem outras empresas, à base desse patrimônio inchado. Quando ocorre a correção de preços e o valor das ações cai, quem tem dívida em dólares acaba tendo seu patrimônio diminuído – diz-se que desinflou o patrimônio. A poupança das famílias norte-americanas hoje em dia é igual a zero (não poupam nada da sua renda) e seu patrimônio líquido está ficando negativo, porque os ativos que eles possuem estão se desvalorizando e o passivo acumulado está fixado em dólares.

Isso está na raiz da crise norte-americana.

Na medida em que as empresas vêem que a relação dívida/patrimônio aumentou muito, elas cortam investimento, e as famílias o consumo. Isso se exprime claramente no desempenho do desemprego: todos os dias tem empresa demitindo, fazendo crescer a taxa de desemprego, que estava em 3,9% da população economicamente ativa e já subiu para 4,3%; e deve continuar crescendo, pois se inicia o processo de contração da renda e do emprego. E na medida em que o desemprego aumenta a tendência é cortar gastos, e isso acelera o próprio desemprego.

É muito difícil que a política monetária norte-americana consiga conter esse processo. O Federal Reserve está baixando a taxa de juros. Claro que isso melhora o serviço da dívida, pode deixar o serviço da dívida mais barato, mas não diminui seu estoque. Então, com o aumento do desemprego, a queda da taxa de juros não significa aumento no consumo, porque os norte-americanos necessitam dedicar uma parcela crescente da sua renda para pagar dívida passada. Portanto, diminuir a taxa de juros não funciona se a economia já tem um grande endividamento. E, nesse caso – paradoxalmente – o Bush tem razão: é melhor liquidar o excedente fiscal que os Estados Unidos têm e gastá-lo diretamente do que baixar a taxa de juros.

Essa operação é muito complicada. Uma das razões pelas quais os Estados Unidos conseguiram sustentar esse crescimento, esse endividamento, foi sua capacidade de atrair capitais nas crises asiática, russa e brasileira – mandamos 45 bilhões de dólares antes da desvalorização. Só que, com a desvalorização das ações, com a desaceleração da economia, se os EUA baixarem demais a taxa de juros, esses capitais tendem a sair (podem retornar para a Europa Unificada, por exemplo). Esse é o limite da política monetária norte-americana.

Ninguém sabe quando é que esse processo vai se deflagrar. Até agora, a Bolsa cai, a economia desacelera, sem que haja uma fuga expressiva de capitais. A explicação para isso é inusitada: como o mercado do Euro, que é um mercado grande, não tem papel-moeda, toda a lavagem de dinheiro do mundo, uma demanda de moeda razoável, é feita em dólar – um fluxo de moeda manual cuja estimativa ultrapassa 200 bilhões de dólares por ano, ligado à corrupção e a dinheiro mal obtido. E, por isso, o Federal Reserve às vezes é obrigado a mandar abastecer países que não usam o dólar em suas transações internas, mas que têm uma demanda enorme por conta desse tráfico.

Ao atentarmos para todo o período pós-guerra, notamos que este é um momento de grande fragilidade e de dificuldade de administração da economia capitalista. Porque não é só a economia norte-americana que está se desacelerando. Essa desaceleração vai produzir efeitos nocivos na Europa e no Japão – este já não consegue alçar vôo nem mesmo rasante e a Europa depende muito do crescimento dos EUA. E isso também afeta o Brasil.

O recente crescimento capitalista se concentrou muito nos Estados Unidos e tornou demasiadamente assimétricas as relações entre os países. Hoje há várias economias estagnadas ou crescendo pouco, e com a economia norte-americana, responsável por cerca de 30% da demanda global mundial, concentrando essa capacidade de crescimento, temos de aguardar as conseqüências de sua desaceleração sobre a economia global.

Luiz Gonzaga Belluzzo é professor de economia da Unicamp e articulista da revista Carta Capital. Este texto reproduz, parcialmente, palestra realizada em abril de 2001 pelo Instituto Maurício Grabois em São Paulo.

Notas

(1) Nos anos 80 estava em voga se falar da excelência do capitalismo japonês, sua diferença e maior dinamismo. Mas essa ilusão com a possibilidade de a hegemonia norte-americana ser substituída por um outro país capitalista foi dissipada já em meados dos anos 80 – exatamente em 1985 –, quando os Estados Unidos forçaram a desvalorização do dólar e obrigaram o Japão a revalorizar o ien; portanto, a encarecer as suas exportações. Obrigaram-no também a abrir financeiramente sua economia. Com isso, impuseram ao Japão o começo de sua maior crise econômica do pós-guerra, e que não conseguiu superar até hoje. A economia japonesa praticamente não cresceu ao longo da década de 90, viveu uma recessão permanente, com pequenas recuperações, mas, nos dez anos que a economia norte-americana cresceu acima da média, ou acima de sua média histórica, o Japão cresceu significativamente abaixo de sua média histórica.
(2) Comparando-se o aumento de produtividade do imediato pós-guerra com o aumento de produtividade do trabalho de agora, mesmo nos Estados Unidos, vê-se que a média foi maior no imediato pós-guerra – coisa que a imprensa não diz!
(3) Especulativos não no sentido popular da palavra. São especulativos porque fazem aposta a partir de uma conjetura sobre o que vai acontecer com o valor de uma denominada moeda, o que vai acontecer com a taxa de juros.
(4) Não é por acaso que, em O Capital, Marx fecha o modelo com o capital a juros. Muitos leitores pensam que ele deixou o capital a juros para o fim porque era menos importante. Mas não é. Porque o capital a juros é a forma acabada – a forma mais aperfeiçoada, como ele diz – do capital, em que este se reproduz a si mesmo. E porque o capital a juros determina as condições de concorrência no mercado capitalista – que sinaliza quais são os capitais que vão sobreviver e quais vão soçobrar.
(5) Vemos na hiperinflação o que acontece: todo mundo foge da moeda, porque não há mais a confiança de que ela possa representar o padrão de medida de troca e de reserva de toda a riqueza existente. Portanto, é um fenômeno quase que convencional, uma convenção consolidada no espírito das pessoas. Não tem nada a ver com a materialidade ou a forma que assume.

EDIÇÃO 63, NOV/DEZ/JAN, 2001-2002, PÁGINAS 33, 34, 35, 36, 37, 38