Sobre o conceito de proletariado em Marx: situando um debate
Embora o subtítulo deste artigo possa sugerir mapeamento ou estado da arte, advirto, desde já, que não é esta a sua finalidade. Trata-se, mais modestamente, de uma sistematização preliminar de temas, questões e reflexões contidos em um pequeno conjunto de textos, que se tornaram alvo de análise por terem sido encaminhados como contribuição a um seminário organizado para deflagrar um processo de estudos e pesquisas sobre O Proletariado Brasileiro Hoje.(1) Além dos textos, estão sendo considerados apontamentos sobre intervenções em sessões de discussão diretamente relacionadas à pauta do seminário e em outras atividades programadas para debate de temas afins.
Em sua primeira fase, o referido seminário tem por objetivo a reposição conceitual a partir de obras selecionadas de Marx, Engels e Lênin. Para “provocar” o debate, foram lançadas, entre outras, as seguintes questões: Como a produção marxista trata a questão do proletariado – com quem polemiza, como argumenta, que conseqüências tira de suas formulações e resultados de suas investigações? O que Marx chamava de classe dos trabalhadores produtivos? Quais os conceitos relacionados às noções de proletariado e classe operária? Como eles aparecem na produção de Marx, Engels e Lênin?
Em que sentido se pode falar em missão histórica do proletariado? Que relação cabe estabelecer entre proletariado e classe operária, considerando-se a formulação histórica e o contexto atual? A classe operária continua a desempenhar o papel principal, de vanguarda? Que papel tem o proletariado na atual batalha pelo projeto político do Partido Comunista e que ênfase deve ter esse partido na identificação com o proletariado, em seu perfil atual? O mundo contemporâneo estaria presenciando o fim da centralidade do trabalho? Que setores do proletariado são decisivos hoje para a luta de classes revolucionária? Que papel tem o sindicalismo e que novas formas de luta e organização pode e deve assumir? (Cf. PCdoB/CNF, 2001).
Como referência para as discussões foi indicado o texto: “Produtividade do Capital. Trabalho produtivo e improdutivo” (Marx, 1987). Nele, Marx propõe-se a responder: “Como e por que meio o trabalho se revela produtivo ou trabalho produtivo em face do capital, uma vez que as forças produtivas do trabalho se transpõem para o capital? E a mesma força produtiva não pode ser contada duas vezes, uma como força produtiva do trabalho, e outra como força produtiva do capital?” (pp. 387-388 – grifo do autor).
Alerta para não se confundir entre as seguintes questões: “Que é trabalho produtivo do ponto de vista do capital? Que é trabalho em geral produtivo, ou, que é trabalho produtivo em geral?” (p. 388). À noção de trabalho produtivo associa as seguintes idéias: trabalho que transforma dinheiro ou mercadoria em capital; trabalho que produz mais valia ao empregador; abreviação para designar, no conjunto das relações existentes no modo de produção capitalista, as formas como figura a força de trabalho; aquele que produz o próprio produto como capital; trabalho socialmente definido, por envolver relação bem determinada entre o comprador e o vendedor da força de trabalho; trabalho que se troca diretamente por capital.
Trabalho produtivo, portanto – ainda segundo Marx, 1987 – não é: mera troca de dinheiro por trabalho; mera produção de mercadoria; mera troca entre capitalista e trabalhador (como possuidores de mercadorias). Não é definido pelo predominante dispêndio de força física. Tampouco se restringe à produção de riqueza material (em determinadas condições, produção não material pode configurar-se trabalho produtivo). Na relação capital/trabalho, trabalho produtivo é aquele que acresce valor: trabalho pago acrescido de trabalho excedente não pago. O que define o trabalho produtivo não é o tipo de atividade, nem a quantidade ou qualidade do produto resultante do trabalho. É, sim, o fato de trocar-se diretamente por capital: “(…) trabalho produtivo é uma qualificação que, de início, absolutamente nada tem a ver com o conteúdo característico do trabalho, com sua utilidade particular ou com o valor de uso peculiar em que ele se apresenta.” (p. 395 – grifos do autor).
Nesse texto, Marx faz notar que “a mesma espécie de trabalho pode ser produtiva ou improdutiva” (p. 396 – itálicos do autor), conforme se exerça em condições nas quais produz ou não capital. Assim, uma atividade intelectual (produção de um livro, por exemplo) ou artística (como o canto) pode constituir-se em trabalho produtivo, quando seus produtores são contratados por empresários para ganhar dinheiro, isto é, o “produto se subsume ao capital” (p. 396). Da mesma forma, a prestação de serviços, o trabalho de artesãos e camponeses, a indústria de transporte. E, ainda, a produção imaterial, em dois casos: quando resulta em mercadorias (como livros, quadros); quando “a produção é inseparável do ato de produzir, como sucede com todos os artistas executantes, oradores, atores, professores, médicos, padres etc.” (pp. 403-404). Exemplificando: “O ator se relaciona como público na qualidade de artista, mas perante o empresário é trabalhador produtivo.” (p. 404 – grifo de Marx). No entanto, continua o autor: “Todas essas manifestações da produção capitalista nesse domínio, comparadas com o conjunto dessa produção, são tão insignificantes que podem ficar despercebidas”. (p. 404)
O debate em torno desse texto vem suscitando várias reflexões. Há quem indague, por exemplo, se, e em que medida, o trabalho produtivo constitui a essência da conceituação de proletariado. Pondera-se sobre as tendências do capitalismo contemporâneo, em que são muito tênues as fronteiras entre trabalho produtivo e improdutivo. Alerta-se, também, para o risco de análises que alargam demais o conceito (considerando proletário todo e qualquer assalariado), tanto quanto as muito restritas (que o identificam apenas como operário fabril). Decorrente ainda da primeira indagação, tem surgido outra reflexão: se trabalho produtivo é o que faz crescer o capital e se ele é o definidor; então, o proletariado deixaria de existir no socialismo, com o fim da extração de mais-valia?
Temas tratados
Recorrendo-se a outros textos, indicados na programação do seminário(2) (mas não somente a eles), são lembrados outros ingredientes definidores de proletariado – lugar que ocupa no modo de produção capitalista, relação com os meios de produção, papel na organização social do trabalho, modo de obtenção e dimensão da parte social da riqueza social a que se tem acesso, subsistência garantida pelo próprio trabalho (venda da força de trabalho) e não pela apropriação do trabalho alheio (3) – com destaque para a consciência de classe, vista como decorrente não apenas da economia, mas também da política e da ideologia. Entendendo-se a história sob a ótica da luta de classes, procura-se detectar interesses de classes, frações de classes, mobilidade entre as classes, derrocada do domínio de uma classe e sua substituição por outra.(4) Discute-se a proletarização de outras classes sob o capitalismo, os interesses de classe do proletariado, o caráter revolucionário da classe operária, sua organização em partido político, sua missão histórica.(5) Analisa-se a noção de indústria moderna, o conceito de fábrica, a idéia de grande empresa capitalista e formas de trabalho nela desenvolvidas em relação com formas anteriores (e contemporâneas), questões de divisão técnica e social do trabalho, as idéias de revolução produtiva, revolução industrial e revolução técnico-ceintífica, conseqüências da tecnificação para o trabalho e o emprego, a ciência como força produtiva, o conhecimento incorporado nos instrumentos de trabalho.(6) Refletem-se, sobre o trabalho como forma exclusivamente humana, os componentes do processo de trabalho, a produção de valor de uso e de valor, a mercadoria força de trabalho e seu consumo pelo capitalista, características (passadas e presentes) da extração da mais-valia.(7) E ainda: condições (passadas e presentes) de oferta e procura da força de trabalho, superpopulação relativa, exército industrial de reserva.(8)
Teses defendidas/atacadas (9)
Em linhas gerais, o debate tem se voltado, de um lado, para a análise de como o tema do proletariado e temas afins aparecem na produção marxista e, de outro, sobre as características atuais do tratamento da temática. Em ambos os casos, as questões discutidas referem-se tanto a aspectos conceituais quanto ao exame do perfil da classe em vista das características do desenvolvimento do capitalismo em diferentes períodos.
Na análise da produção marxista, é recorrente a discussão sobre se Marx teria ou não elaborado um conceito preciso de classes e se em seus escritos se encontraria uma (ou mais) definição de proletariado. E, ainda, sobre sua validade/adequação ou não às condições do capitalismo contemporâneo. Para a resposta negativa quanto ao conceito de classes, afirma-se que ele não tenha chegado a dar conta de sua elaboração. Prova disto seria o Capítulo LII de O Capital (Marx, 1975e), cujo manuscrito é interrompido no quinto parágrafo, após ter lançado as questões: “que constitui uma classe?” e “que faz dos assalariados, dos capitalistas e dos proprietários de terra membros das três grandes classes sociais?” Em contraposição, argumenta-se que o modo de Marx lidar com os conceitos, pede que eles sejam procurados no conjunto de sua obra, na multiplicidade de questões formuladas, hipóteses levantadas, teses defendidas, atentando-se para as análises lógico-históricas por ele empreendidas. Os conceitos, pois, não se limitam à análise dos termos nem se esgotam em definições. Donde se conclui que, mesmo quando não empregado/definido um termo, sua conceituação pode estar sendo tecida com a linha argumentativa, na descrição de fatos, fenômenos, processos, relações das mais diversas ordens.
Tais ponderações aparecem também quando se trata do conceito de proletariado. Aqui, porém, discute-se não a ausência ou escassez de seu tratamento, mas a profusão de termos a ele associados e de condições, situações, relações que seu uso comporta. Para uns, isto demonstra a riqueza da obra marxiana e possibilita um entendimento mais aprofundado da luta de classes no âmbito das relações capital/trabalho, auxiliando na definição de estratégias de luta pela sua superação.
Para outros, dá-se exatamente o contrário: em meio a tantas possibilidades e nuanças, fica difícil saber quais são os ingredientes fundamentais que permitem identificar o proletariado, seu lugar e seu papel na luta de classes e, conseqüentemente, vislumbrar métodos e instrumentos para sua emancipação.
As opiniões sobre o emprego das análises dos clássicos no estudo da realidade contemporânea também se dividem. Há quem defenda a tese de que eles deram conta do essencial, abrindo perspectivas e iluminando o exame de questões atuais, mesmo com as significativas transformações ocorridas no desenvolvimento do capitalismo e no chamado mundo do trabalho. Outros exaltam a grandeza de sua obra, ressalvando, no entanto, ser ela situada e datada, válida tão somente para o exame da realidade de seu tempo, ou, em alguns casos, limitando o interesse pelo seu estudo ao método de análise – as categorias criadas, os critérios estabelecidos, o universo empírico, os processos investigativos, os caminhos da exposição. Há também os que secundarizam sua contribuição, em favor do estudo de produções mais recentes, que teriam dado conta de atualizá-la em seus aspectos essenciais. E, ainda, os que se dedicam a “demonstrar” equívocos e imprecisões em que, já a seu tempo, teriam incorrido os clássicos fundadores do marxismo.
Quanto aos elementos que entram na conceituação de proletariado, registram-se consensos e controvérsias, especialmente quando se relaciona proletariado com a classe operária e com as demais classes, ou setores, camadas, segmentos. A distinção entre classe operária e proletariado é dada, quase sempre, em vista da produção material versus a não material, e, em alguns casos, do trabalho manual versus o intelectual. Recorrente é o entendimento de proletariado como o conjunto de trabalhadores produtivos, que tem na classe operária o seu núcleo duro, ou mais avançado, revolucionário. Não raro, os termos são tratados como sinônimos, invocando-se textos clássicos, especialmente de Engels, em que figurariam com o mesmo sentido as expressões operários, classe operária, working men, proletários, proletariado. Em recusa a tal posição argumenta-se que ela teria procedência na época de Marx-Engels, mas a quase generalização do trabalho assalariado nos tempos atuais exige uma diferenciação.
Nessa discussão, entram análises da relação entre o proletariado e as demais classes, as que soçobram com o advento da grande indústria e as que surgem com o desenvolvimento do capitalismo. Aqui, apresentam-se duas questões. Primeiro, a da quantidade, o tamanho da classe operária e a polêmica sobre seu aumento ou redução. Com ou sem apresentação de indícios empíricos, são feitas afirmações às vezes peremptórias: aumenta em números absolutos, mas relativamente; cresce o proletariado e diminui a classe operária; generaliza-se o proletariado e a classe operária dilui-se, equiparando-se às demais; ou, ao contrário, se “desproletariza”, diluindo-se numa espécie de classe média. Não faltam os que levantam hipóteses mais prudentes: para uns, tende a aumentar, para outros, tende a reduzir. Mas há também quem pondere que o problema não é de mera quantificação ou classificação das profissões e ocupações, para a definição de proletariado, mas do papel que ele cumpre na produção social e na compreensão dos mecanismos da dominação capitalista, com vistas à sua superação. Bem como quem denuncie a interpretação que confunde a formulação marxiana de classe universal (devido aos interesses que representa) com classe numericamente maior.
A segunda questão – associada à discussão de quem é ou não proletário – refere-se ao papel histórico (ou missão, função) do proletariado. A principal polêmica, aqui, refere-se a seu caráter ontologicamente revolucionário versus o ontologicamente reformista – este último invocado para questionar uma suposta visão “messiânica” de Marx e Engels, não comprovada pela história do movimento operário.
Em contraposição, busca-se reafirmar o que é negado, seja pela análise conceitual, seja pela releitura da história. Na análise de tais posições despontam, de um lado, a definição de classe potencialmente revolucionária e, de outro, a crítica à própria visão de caráter ontológico, que não cabe no pensamento dialético, para o qual o que importa é a gênese, a construção, não uma presumível “essência eterna do ser”. Quer dizer, a classe se faz historicamente, construindo-se nas relações objetivas e subjetivas da ação social e política, forjando sua consciência nos altos e baixos da luta de classes, de modo que não é de uma vez para sempre revolucionária, nem reformista. A essas duas questões associam-se reflexões sobre consciência de classe, o papel da organização e direção, a vanguarda da classe, o partido, os aliados preferenciais do proletariado. Os clássicos do marxismo são chamados como apoio à argumentação de que a consciência socialista “é gerada fora da luta econômica”, na luta política e ideológica contra a dominação capitalista, e que isto não se dá de modo espontâneo, mas dirigido e organizado. O proletariado, portanto, necessita organizar-se em partido político para dar cabo do objetivo de construção de uma forma superior de organização da sociedade. A definição dos caminhos e instrumentos de luta implica a identificação dos “companheiros de viagem”. Propondo-se a suspensão provisória da idéia de que o proletariado seja formado pelo conjunto dos trabalhadores assalariados, defende-se que estes (vendedores da força de trabalho) demarquem campo com os proprietários dos meios de produção (compradores da força de trabalho), considerando-se a principal semelhança econômica, sem esquecer, porém, as diferenças (objetivas e subjetivas) relacionadas com a posição social, implicadas na ação e nos papéis de cada classe social – e decisivas para a definição dos aliados preferenciais na luta pela superação da exploração capitalista.
Outras formulações sobre esses mesmos temas aparecem em argumentações e reflexões que incluem a discussão sobre trabalho produtivo como definidor ou não da distinção/identidade entre proletariado e classe operária e entre proletariado e outras classes. Registre-se o questionamento à hipótese que estaria subjacente à proposição do texto de referência (Marx, 1987) – de entendê-lo como o definidor –, com o argumento de que isto pode refletir um viés economicista, já tão criticado na produção marxista. E duas posições que se complementam: uma, que considera ser o trabalho produtivo elemento necessário mas não suficiente; outra, que propõe a suspensão provisória da idéia do proletariado como o conjunto de todos os assalariados. São levantadas outras características, ao lado da geração de mais valia (o trabalho não pago que faz crescer o capital), tais como: o ser desprovido dos meios de produção; a venda da força de trabalho; o trabalho assalariado; os interesses representados. O peso, aqui, é o da consideração de que todas são necessárias, mas, de per si, nenhuma delas é suficiente.
Cabe mencionar, por fim, as teses sobre o fim da centralidade do trabalho e a crítica à luta pelo pleno emprego, no contexto em que o desenvolvimento das forças produtivas coloca na ordem do dia a perspectiva da sociedade do tempo livre, ou do ócio. Refiro-me ao Manifesto Contra o Trabalho (Heidemann, 1999),(10) encaminhado como contribuição ao debate. Empregando categorias marxistas, e desferindo severas críticas ao neoliberalismo, apresenta passagens que podem confundir leitores desavisados, e até críticos, se em leitura “dinâmica”. Eu diria que é um daqueles exemplos de como uma somatória de formulações verdadeiras pode formar um todo falso. Mas isto merece um artigo à parte.
Autores referenciados
Os textos/intervenções fazem referência a autores identificados ou autoproclamados como marxistas (ou neomarxistas) e a outros, de campos diversos: seja como apoio/ ilustração a suas argumentações, seja para estabelecer a crítica a posições adversas à concepção marxista. A seguir, traço um breve panorama das referências e respectivos assuntos, conforme seu registro no material em exame.(11)
O autor que mais comparece é Jacob Gorender (12) – criticado por entender a classe operária como ontologicamente reformista, descartando sua posição estratégica, que, hoje, estaria sendo ocupada pelos “assalariados intelectuais”; por uma leitura revisionista da obra de Marx; e, ainda, por uma série de vieses na análise da história do movimento operário. Há quem reconheça o seu mérito em explicitar o que está na base da visão tradicional sobre o proletariado e enfatize que as críticas que a ele têm sido feitas limitam-se a afirmar o que ele nega, sem atingir o cerne da questão, isto é, o “engano antidialético” no qual incorre.
Os demais autores, menos citados, aparecem relacionados a diversos assuntos, como se pode perceber na seguinte relação, que, para facilitar a consulta, está organizada pelo sobrenome, em ordem alfabética.
Adorno, Sérgio (13) – que analisa a negação da validade atual da análise marxiana sobre as classes.
Antunes, Ricardo (14) – criticado por confundir classe operária e trabalhadores assalariados e identificar proletariado com os trabalhadores produtivos em geral. Do mesmo autor (15), é acolhida a crítica à “construção idealizada” da história da classe trabalhadora. Belluzo, L. (16) – pela discussão da teoria do valor e valorização do capital versus a desvalorização do trabalho. Bourdieu, Pierre (17) – sobre o conhecimento como capital simbólico. Braga, José Carlos Souza (18) – uma retomada de formulações marxianas decisivas sobre o valor-trabalho e análise crítica do debate sobre a financeirização. Dahrendorf, R. (19) – que discorda da aplicação, à sociedade contemporânea, do modelo marxista de análise de classes. Ferro, J., Toledo, J. e Truzzi, O. (20) – analisando a natureza e o conteúdo do trabalho produtivo com a “automação em indústrias de processo contínuo”. Foucault, Michel (21) – sobre a negação da ação de sujeitos históricos. Guerrero, Diego (22) – crítica a leituras equivocadas da teoria do valor de Marx e afirmação da centralidade do trabalho. Magalhães-Vilhena (Vasco) (23) – identificado como marxista português e citado, em concordância, quando da análise da relação entre classe operária e proleariado, bem como de seu papel (“iniciativa histórica”). Mattoso, Jorge (24) – com um resumo das principais mudanças do pós-II Guerra. Mazzuchelli, Frederico (25) – chamado como apoio a reflexões sobre a visão marxista de revolução industrial e o papel da maquinaria e, em outro momento, sobre a financeirização da riqueza. Naves, Marcelo B. (26) – sobre características da classe operária e processo de trabalho. Partido Comunista Português (27) – em apoio à análise da relação de redução/aumento do emprego industrial e nos serviços, bem como à distinção entre os trabalhadores nos setores de serviços, assalariados intelectuais e técnicos em relação à classe operária ou proletariado. Pereira, Duarte (28) – pela sistematização, considerada atual, sobre o conceito de classe operária. Pochmann, Marcio (29) – pesquisa sobre mudanças no perfil da classe operária e demais trabalhadores assalariados, no capitalismo central e no Brasil. Przeworski, Adam (30) – sobre o determinismo e o voluntarismo de Kautsky na análise de classe e consciência de classe e sobre o papel da direção na conformação da ação revolucionária ou reformista da classe trabalhadora. Quadros, Waldir (31) – pela tipologia classificatória da estrutura das ocupações, hoje, no Brasil. Rubin, Isaak Ilich (32) – apontado como autor do principal estudo sobre a teoria marxista do valor e citado pela sua crítica à utilização, por Marx, do termo “trabalho produtivo” nas fases de produção e de circulação. Soares, Rosa Maria S. de (33) – análise das dimensões individual e coletiva do processo de trabalho, no taylorismo e na “fábrica flexível”. Tauile, J. R. & Faria, L. A. E. (34) – sobre a problemática contemporânea do valor trabalho. Thompson, Edward P. (35) – apontado como um dos mais prestigiados estudiosos marxistas desligados dos partidos e questionado pela visão da classe operária como ontologicamente revolucionária. Waizort, Leopoldo (36) – análise do atual questionamento sobre a validade do conceito de classes. Wright, Erik Olin (37) – cujo esquema de classes neomarxista é utilizado para mapeamento da estrutura de classes no Brasil.
Por essa breve amostra, nota-se que a temática em pauta comporta considerável arsenal, com munição para grandes contendas. Impõe-se uma sistematização mais cuidadosa desses e de outros assuntos e respectivas argumentações, para não se cair na polêmica pela polêmica, em meio a um circuito de “metralhadoras giratórias”.
O debate continua…
A presente sistematização revela uma gama de pontos e contrapontos implicados no estudo da temática do proletariado. Ao que parece, demonstra, também, a fertilidade da tentativa de aproximação ao conceito, a partir do estudo de textos clássicos. Por limitada que seja a seleção da bibliografia, se tomada não estritamente para análise de conteúdo – do tipo que se atém a verificar e quantificar a presença/ausência de termos e definições – e aberta à manifestação de posições de leitores com diferentes trajetórias, acaba por desencadear reflexões que contribuem ao tão necessário avanço do conhecimento.
Afinal, trabalho produtivo é ou não elemento essencial para a definição de proletariado? Sob as chamadas novas tecnologias acentua-se ou atenua-se a extração de mais-valia? A classe operária aumenta ou diminui? Quais os trabalhadores que compõem, hoje, a esfera produtiva? Como se situa o proletariado, objetiva e subjetivamente, no atual cenário de tecnologias operadas intelectualmente, em contraposição às que exigem força muscular?
Estão postas questões que pedem tanto a continuidade do estudo de aspectos lógico-históricos da conceituação de proletariado, quanto pesquisa empírica sobre seu perfil, nas condições do capitalismo contemporâneo, no mundo e no Brasil.
Que tal enfrentarmos o desafio?
Nereide Saviani é doutora em História e Filosofia
da Educação pela PUC-SP e integra a Comissão Nacional de Formação do PCdoB. Notas
Refiro-me ao Seminário Nacional sobre o Proletariado Brasileiro Hoje, promovido pela Comissão Nacional de Formação – CNF, do Partido Comunista do Brasil – PCdoB, em realização desde julho de 2001. Nele estão inscritos cerca de 200 quadros partidários, que se comprometeram a dedicar-se ao estudo individual e compartilhar suas reflexões em grupos presenciais e virtuais. As contribuições aqui sistematizadas foram encaminhadas até outubro deste ano. São textos / artigos de alguns dos participantes (Barroso, 2001a, 2001b, 2001c; Bertolino, 2001; Buonicore, 2001; Ruy, 2001a, 2001b) ou mensagens via correio eletrônico (Santos, 2001a, 2001b; Souza, 2001a, 2001b) – com reflexões sobre a bibliografia indicada ou exame de aspectos da temática em estudo, além de trechos do livreto de Engels Princípios do Comunismo, com tradução, apresentação e notas de Valadares, 2001. Incluem-se, também, o artigo de um colaborador (Iasi, 2001) e, ainda: Grupo Krisis, 1999 e Heidemann, 1999, para análise de um tipo de crítica à concepção marxista de trabalho.
(2) Lênin, 1980; Lênin, 1982; Marx, 1975a, 1975b, 1975c, 1975d; Marx & Engels, s/d; Marx, s/d1, s/2, s/d3.
(3) Com base na definição de classes, em Lênin, 1980, p. 150.
(4) A exemplo de Marx, s/d 2 e s/d 3.
(5) A partir de Marx & Engels, s/d.
(6) Baseando-se em Marx, 1975c e/ou em Lênin, 1982.
(7) Conforme Marx, 1975a e 1975b.
(8) Fundamentando-se em Marx, 1975d.
(9) As defesas e ataques ora representam posições dos autores dos textos / intervenções em exame, ora referem-se a posições de outrem, por eles analisadas. Os limites deste artigo não permitem uma descrição do contexto de cada argumentação, razão pela qual peço licença para me ater a linhas gerais, sem especificar autorias, evitando, com isso, interpretações inadequadas e até deturpadas sobre o debate (e posições dos debatedores) em pauta.
(10) Produção ligada ao Grupo Krisis, “que publica na Alemanha a Revista Krisis, e discute o trabalho como uma actividade social historicamente determinada e como conceito específico da moderna produção de mercadorias (…) No Laboratório de Geografia Urbana (Labur/DG/FFLCH/USP)”, um conjunto de professores, graduados e pós-graduados estuda, há alguns anos, as análises [desse Grupo]. Participou, em várias oportunidades, de seminários da Revista Krisis na Alemanha e organizou diversos debates com Robert Kurz, Norbet Trenkle e Roswitha Scholz, na USP. (Cf. Grupo Krisis, 1999).
(11) Pelas razões apresentadas na nota 9, deixo de mencionar quem faz as citações e como e em que contexto se dá a análise.
(12) Marxismo sem utopia. São Paulo: Ática, 1999.
(13) Conflitualidade e violência: reflexões sobre anomia na contemporaneidade, Tempo Social; Ver. Sociol.
(14) Os sentidos do trabalho – ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo, Editora Boitempo, 1999.
(15) Notas sobre a Consciência de Classe. In: Ricardo Antunes e Walquíria Leão Rego (orgs.) Lukács, um Galileu no Século XX. São Paulo, Boitempo, 1996.
(16) Prefácio a [A teoria marxista do valor]. São Paulo, Editora Polis, 1987.
(17) O poder simbólico, Difel, São Paulo, 1989.
(18) A temporalidade da riqueza. Campinas, Editora da UNICAMP.IE, 2000.
(19) As classes e seus conflitos na sociedade industrial, Coleção Pensamento Político, 28, Brasília, UnB, 1982.
(20) Automação e trabalho em indústrias de processo contínuo. UFSCAR, SP, mimeo., s/d.
(21) Nietzche, a Genealogia e a história. Iin: Microfísica do Poder, Graal, Rio de Janeiro, 1984.
(22) Un Marx impossível: el marxismo sin teoría laboral del valor. In : Investigación Económica, s/r, mimeo.
(23) “Notas da edição alemã referentes ao Prefácio”, “Notas para edição alemã referentes ao Manifesto” e “Notas complementares da edição portuguesa…” In : Marx-Engels. “Manifesto do Partido Comunista”. Avante!, 1984.
(24) A desordem do trabalho. São Paulo, Editora Scritta, 1996.
(25) A contradição em processo – o capitalismo e suas crises. São Paulo, Editora Brasiliense, 1985.
(26) Marx – ciência e revolução. São Paulo, Editora Unicamp/Moderna, 2000.
(27) Teses ao XVI Congresso. Lisboa, mimeo., dez./2000.
(28) A ditadura nas fábricas – um perfil da classe operária. São Paulo, Editora Hucitec, 1981.
(29) O emprego na globalização – a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo. Editora Boitempo, 2001.
(30) Capitalismo e Social-Democracia, Cia. das Letras, São Paulo, 1989.
(31) “Apêndice Metodológico” de “O desemprego juvenil dos anos noveta”. Campinas, maio de 2001, mimeo.
(32) A teoria marxista do valor. São Paulo, Editora Polis, 1987.
(33) In: Rodrigues Neto, Benedito. Microeletrônica e produção industrial : uma crítica à noção de “revolução generalizada”. São Paulo, mimeo., 1995
(34) As transformações do capitalismo contemporâneo e sua natureza na análise de Marx. Revista de Economia Política, São Paulo, jan./mar.,1999.
(35) A formação da Classe Operária Inglesa.
(36) Classe social, Estado e ideologia, Tempo Social, revista Sociol. USP, São Paulo, 10(1): 65-81, maio 1998.
(37) Apresentado como sociólogo marxista. Sem explicitação de obras de referência.
Referências Bibliográficas
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