A vida de Elza Monnerat
Desde início uma pergunta se coloca: Por que Elza? Não foi a principal, ou uma das principais dirigentes, nem foi a grande liderança popular do Partido Comunista no Brasil. Não exerceu cargos no parlamento e nem se caracterizou como grande oradora. Tímida, não gostava de falar nem mesmo em reuniões partidárias. Em situações normais o nome desta mulher extraordinária não constaria da lista de ícones da esquerda revolucionária brasileira. Então, repito, por que Elza?
O livro de Verônica Bercht é uma resposta esclarecedora a esta questão. Porque são pessoas como ela que constituem os alicerces de sustentação de todas organizações revolucionárias e da própria construção do socialismo renovado. Por isso mesmo são imprescindíveis e devem ser melhor conhecidas.
Elza, aos 88 anos, é um exemplo de militante comunista. Entrou para o Partido em 1945 e nele, por vários anos se dedicou às tarefas cotidianas de todo ativista de base. Alguns anos depois passou a ter uma função de maior responsabilidade partidária atuando junto à comissão de finanças do comitê regional do Distrito Federal. Naquela época a jovem Elza já demonstrava a sua ousadia ao escalar o Morro Dois Irmãos, no Rio de Janeiro, para pichar o nome de Stálin. Inscrição que coube ao tempo apagar.
Elza é uma mulher de princípios. No final da década de 1950, se opôs aos desvios reformistas da direção nacional do PCB. Quando foram encaminhados ao Tribunal Superior Eleitoral um novo programa e estatuto, com os quais criava-se, na verdade, um novo partido, ela foi uma das pessoas que se rebelaram e assinaram a Carta dos 100. Em seguida, rompeu com a direção liquidacionista do PCB e participou da Conferência Extraordinária que reorganizou o PC do Brasil, em 1962, passando a compor, pela primeira vez, a direção nacional do Partido. Na direção ajudou, como revisora, no processo de elaboração do jornal A Classe Operária.
Após o golpe militar de 1964 passou a ser a responsável pela montagem dos aparelhos nos quais se reuniam os membros do Comitê Central. Era ela que buscava e levava os dirigentes para as reuniões clandestinas. A partir de 1967 ela se dedica à montagem da guerrilha na região do Araguaia. Dona Maria, como era conhecida ali, caminhava por quilômetros à fio ao lado de outras guerrilheiras mais jovens.
Elza é, acima de tudo, uma mulher de coragem. Sua primeira e única prisão se deu em dezembro de 1976, quando já estava com 63 anos, durante a queda da Lapa. Foi presa cumprindo mais uma vez a tarefa de conduzir os membros do Comitê Central para longe do aparelho partidário. Não deu sossego aos seus captores: ainda quando era conduzida ao DOI-Codi, encapuzada e cercada de policiais, gritava “Abaixo a ditadura”. Os policiais tiveram dificuldade para fazê-la calar-se. Ela queria que as pessoas que estivessem passando soubessem que ali estava uma militante revolucionária que não se rendia.
Durante o tempo em que permaneceu aprisionada foi torturada e se comportou de maneira exemplar. Anos depois de sua prisão continuou a dar trabalho à ditadura, participando de uma greve de fome patrocinada pelos presos políticos brasileiros. Ela só seria libertada em 31 de agosto de 1979, após a anistia. A imagem que ficou de sua libertação era de uma senhora magra, de cabelos brancos, utilizando uma calça jeans e trazendo um indisfarçável sorriso nos lábios, o sorriso de uma pessoa vitoriosa.
Durante todos estes anos, Elza nunca esteve no centro do palco, mas estava lá, participando das principais cenas. Ela esteve presente em todos os momentos decisivos da vida do PCdoB. João Amazonas afirmou sobre Elza: “E ela impregnada desse sentimento (de amor e dedicação ao partido e ao povo) realizou tarefas que foram importantíssimas para a sobrevivência do Partido”. Diante da questão “por que Elza?”, responderia: “Porque ela é o exemplo de uma revolucionária”.
Numa época marcada pela ofensiva política e ideológica do neoliberalismo, na qual predominam valores anti-sociais como o individualismo, o egoísmo – a lógica do cada um por si – a biografia de Elza é uma demonstração inequívoca de que uma nova humanidade é possível e que os poderosos de plantão, apesar das aparências, não são invencíveis. O exemplo de vida de Elza e seu sorriso de criança são poderosos aríetes contra os muros já apodrecidos dessa ordem injusta do capital.
Por tudo isso, este livro de Verônica Bercht é essencial não só para quem deseja conhecer a vida dessa mulher extraordinária, mas também para aqueles que desejam conhecer melhor a história de luta do povo brasileiro.
Augusto César Buonicore
EDIÇÃO 64, FEV/MAR/ABR, 2002, PÁGINAS 76