Nome. Onde mora? Idade. Estuda? Pra quê? Sexo?… Quantas vezes vai ao cinema? Se dá bem com seus pais? Time. Tem AIDS? Amigo morto em chacina? Fuma? Cheira? Namora ou fica? Mãe solteira ou pai precoce? Último livro que leu. Sabe escrever? Rap ou pagode? MPB!? Onde as matas; onde o ar? Identidade. Carteira de trabalho. Perspectivas. Lamento, mas a vaga já foi preenchida.

      Entre o céu e o chão que habito, sobra-me muito pouco. Caminho assim, meio sem rumo e cheio de sonhos por estas cidades de meu país, carregando nos olhos as madrugadas e, nas costas, essa noite que nunca acaba. Antes do sol, o trem, o ônibus, o metrô ou tudo junto. Tomo encontrão, pisão no pé e amanheço ou anoiteço no trabalho, ou na escola, ou na universidade, lutando por um salário e contra um destino que não me interessam. Ou então, sem salário ou sem carteira, navego pelos anúncios de jornal à cata de trabalho que não há e, se há, é ruim, pouco, precário. Exigem uma experiência que não posso dar, reclamam uma idade que não posso ter, querem informática, línguas, olhos claros e pele branca que poucos podem ofertar.

      Mas ainda me restam algumas alternativas: o tráfico, a prostituição ou o desmanche de carros.

      Se não há vagas para trabalho, tampouco há vagas na escola. E faltam professores. E o currículo não passa da Independência do Brasil, verbo to be, tabela periódica, Isaac Newton, raiz quadrada e análise sintática. Na universidade, esqueço o pouco que aprendi, porque o mercado tudo sabe e tudo ensina – contanto que eu pague. E se pago ou não pago, também não voto pra reitor, não tenho bolsa pra pesquisa, nem moradia, nem alimentação, nem autonomia. 

      Ai, meu Deus!, ainda tem o cursinho…

      As semanas não têm fim. Cruzo os sábados e os domingos como em estranhos dias. Confinado nos bairros, sem quadra, campo, teatro, cinema, biblioteca, encaro o Faustão e o Fantástico, já que hoje não tem novela, nem Tela Quente.

      Na sala, pai e mãe armam um ringue. No quarto, cinco, seis irmãos dormem em beliches. De dia, falta água. À noite, falta luz. Nas ruas, apodrecidas pelos cães, uma guerra tem curso.

      Quem é meu inimigo? Todos os dias, o William Bonner e o Boris Casoy me dizem que é o meu vizinho e que tudo vai bem. Mas, em todos os mesmos dias, votam em Brasília, a pedido de Washington, Paris, Tóquio, Berlim e Fiesp, o fim do ensino público, a dimunição dos salários, ajuda para banco falido e usineiro endividado. Não votam a reforma agrária; diminuem a democracia e ainda endividam mais e mais o País. 

      É tudo, no mínimo, muito estranho…

      A culpa é do Fernando. É!, aquele que é henrique e cardoso. Presidente?! Pensei que fosse corretor! Já vendeu vale, rio, doce, o Brasil todo.

      Se meus inimigos ocupam os palácios governamentais e edifícios da Avenida Paulista, onde estão meus amigos? Ocupam fazendas, fábricas, escolas, favelas e cortiços. Se meus inimigos têm o parlamento, a justiça, os jornais, a televisão e a polícia, o que têm os que estão comigo? Têm sindicatos, grêmios, os centros acadêmicos, as torcidas, e todos os sonhos amontoados no canto esquerdo do peito. Se meus inimigos tem um presidente que almoça com o FMI e janta com o Big Brother, o que temos nós? Uma senhora chamada Unidade Popular, que prepara o grande e delicioso banquete da democracia e que tem muita história pra fazer.

      Um dia, conheci um cara. Também pode ser uma mina, um colega de faculdade ou uma companheira de trabalho. Era jovem e tinha cara de amanhã. Convidou-me para uma tal de união de jovens, com sotaques brasileiros e cheiro de manhãs. Tinha uma festa com nome de congresso, onde todos, muito sérios e bagunceiros, decidiam que cada dia seria outro e que a noite já durava demais; que era tempo de um outro tempo: tempo de menos eu e mais nós; de pouco ai e muito chão. 

      O nome dele ou dela, até me lembro, mas não preciso contar. O que preciso dizer é que, nesta festa e nesta luta, as perguntas têm sempre resposta, porque nascem de nós para o mundo. E o mundo, que não é surdo – nem mudo -, responde. Ah!, e como responde!

      Alguém já disse – parece que era um alemão – que o verão, por ser inevitável, necessita de muitas, mas muitas andorinhas. (Acho que não foi bem assim que ele disse, mas enfim…).