100 anos da obra Que fazer? de V. I. Lênin
Nos primeiros anos do século passado travou-se uma dura luta política e teórica entre duas alas da social-democracia russa. Uma dirigida por Lênin, e outra denominada economicista, dirigida por Martov. Essa divisão entre a direita e a esquerda social-democrata representou o início de um processo que levaria à grande cisão do movimento socialista internacional, em 1914, dando origem a duas correntes: a social-democrata e a comunista.
Lênin sabia que para construir um partido socialista que pudesse cumprir as tarefas colocadas pela revolução, seria preciso derrotar – em todos os campos – as concepções que negavam a necessidade de uma teoria revolucionária (marxista); da construção de uma sólida e disciplinada organização partidária; e de se colocar no centro da tática e da estratégia socialista a luta política contra a autocracia czarista. A vitória dessas concepções significaria a derrota da revolução russa.
A obra Que Fazer? cumpriu o importante papel de demarcar os campos do movimento socialista e foi um duro golpe contra a corrente economicista então predominante no interior da social-democracia russa.
O livro em questão se divide em cinco capítulos. No primeiro põe a nu o verdadeiro sentido das teses que advogavam a "liberdade de critica" no interior do partido socialista. Esta era uma consigna levantada por aqueles que defendiam a existência de duas linhas políticas antagônicas no interior do partido proletário. A "liberdade de crítica" era a liberdade dos oportunistas continuarem não só defendendo suas opiniões como também aplicando sua política à margem da vontade da maioria do partido, ou seja, a "liberdade de implantar no socialismo as idéias burguesas".
Lênin defendeu com energia a necessidade da teoria revolucionária, do marxismo, e da possibilidade dessa teoria desvendar o real, permitindo a construção de uma tática e estratégia adequadas ao processo de transição ao socialismo. E que este não seria apenas um imperativo ético, mas uma possibilidade objetiva colocada no próprio processo de desenvolvimento contraditório do capitalismo.
Os revisionistas, ao criticarem o pretenso "dogmatismo e doutrinarismo" dos marxistas revolucionários, negavam o próprio papel essencial da teoria revolucionária e o valor científico do socialismo marxista.
Para os economicistas russos, e os revisionistas em geral, "as grandes frases contra a fossilização do pensamento dissimulavam o desinteresse e a impotência para progredir o pensamento teórico".
Segundo Lênin, "sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário" e "só um partido guiado por uma teoria de vanguarda é capaz de preencher o papel de combatente de vanguarda".
O segundo capítulo aborda as implicações políticas negativas do "culto da espontaneidade", apregoado pelos economicistas, e a subestimação do fator consciente, representado pelo partido de vanguarda. Analisa a complexa relação – distorcida pelos economicistas – entre o fator consciente e o movimento espontâneo das massas. Lênin tinha consciência de que a classe operária pelas suas próprias forças não poderia chegar "senão à consciência sindical, isto é, à convicção de que seria preciso unir-se em sindicatos, conduzir a luta contra os patrões, exigir do governo essas ou aquelas leis necessárias aos operários etc".
Por isso, "todo culto da espontaneidade do movimento operário, toda diminuição do papel do 'elemento consciente', do papel da social-democracia significa – quer se queira ou não – um reforço da ideologia burguesa sobre os operários", e prossegue: "o desenvolvimento espontâneo do movimento operário resulta na subordinação à ideologia burguesa". O predomínio da ideologia se dá devido ao fato de que ela é "muito mais antiga", "está completamente elaborada" e possui "meios de difusão infinitamente maiores".
No terceiro capítulo o autor trata de demarcar claramente a diferença entre a política social-democrata (comunista) e a política sindical. Diferença que os economicistas buscavam obscurecer. Afirma ele: "A social-democracia dirige a luta da classe operária, não apenas para obter condições vantajosas na venda de força de trabalho, mas, também, pela abolição da ordem social que obriga aos não possuidores a se vender aos ricos".
A consciência socialista não pode nascer espontaneamente da luta econômica entre operários e patrões. Afirma o autor: "a tarefa dos sociais democratas não se limita à agitação política no domínio econômico; a sua tarefa é transformar esta política tradeunionista (sindicalista) em uma luta política social-democrata, aproveitar os vislumbres de consciência política que a luta econômica fez penetrar no espírito dos operários para elevar estes à consciência política social-democrata".
Augusto César Buonicore
EDIÇÃO 65, MAI/JUN/JUL, 2002, PÁGINAS 81