O Brasil foi humilhado na ONU pelos Estados Unidos
Sente-se que os Estados Unidos promovem uma escalada belicista e mandonista sem precedentes no mundo, pelo menos desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
O afastamento do embaixador José Maurício Bustani do cargo de diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) deu-se em circunstâncias grotescas, onde o comportamento diplomático foi totalmente atropelado. Mas não foi um ato excepcional da política externa norte-americana. Ao contrário, guarda sintonia com a truculência com que os Estados Unidos têm agido nos últimos tempos, sobretudo depois que desencadearam sua "guerra infinita contra o terrorismo". Foi mais um elo da diplomacia da força que o governo Bush vem construindo, e cujos objetivos foram tão desavergonhadamente descritos pela chefe do Conselho de Segurança Nacional, Condolezza Rice, em entrevista em 29 de abril passado: "garantir a supremacia do mundo", "ser o xerife do mundo".
O diplomata brasileiro José Maurício Bustani foi afastado de suas funções no meio de seu mandato, por imposição norte-americana aberta. Retirar um diplomata do exercício de seu mandato antes de seu encerramento é fato sem precedentes na história das organizações multilaterais. Bustani fora eleito e reeleito diretor-geral da OPAQ por unanimidade. Através de trabalho sério e persuasivo, elevou de 85 para 145 o número de países membros do órgão e conseguiu reduzir para um terço o arsenal mundial de armas químicas. Um grande feito. Nunca sofrera restrição de qualquer parte. Despertou o rancor dos Estados Unidos quando passou a empenhar-se em trazer o Iraque para a organização que dirigia, para poder inspecionar pacificamente as supostas armas químicas daquele país.
Os Estados Unidos não almejam extinguir armas químicas porventura existentes no Iraque. Planejam sim, fazer a guerra contra aquele país, sob qualquer pretexto. Quando o representante brasileiro levantou a hipótese da OPAQ inspecionar fábricas químicas em todos os países-membros irritou mais ainda o Império, que quer inspeção nos outros países, não nos Estados Unidos – de longe o país que tem mais armas químicas e bacteriológicas no mundo.
A diplomacia norte-americana usou dos meios mais sórdidos para afastar o diplomata brasileiro. Comprou votos. Chantageou. Cobrou fidelidade a Estados subalternos. Terminou conseguindo que 48 países votassem a favor do afastamento de Bustani, sete votassem contra e 43 se abstivessem.
A política de força e o hegemonismo dos Estados Unidos crescem perigosamente. Não parecem despertar resistências substanciais. Passa a impressão de que há certo consentimento do mundo a respeito. O dado a mais que o afastamento de Bustani mostra é que o Império já não admite divergência, nem independência de ação à frente de órgãos internacionais. Quer submissão completa.
Tudo indica que uma ordem internacional formalmente baseada no funcionamento de organizações isentas, na igualdade jurídica entre as nações e na não distinção dos países pelo seu poder econômico-militar, está sendo revogada.
O Itamaraty, nesse episódio, merece a solidariedade dos brasileiros, porque foi inequivocamente afrontado. Mas a dimensão da derrota e o grau de isolamento em que ficou mostram a insuficiência das gestões feitas. Devem levar nossa casa diplomática a rever alguns procedimentos assentados, já que há mudanças substanciais em curso. A defesa de Bustani em geral foi insatisfatória. E é inexplicável, quando se sabe que o Itamaraty não recebeu o apoio de nenhum país da América do Sul, o que é absolutamente anormal, e nunca acontece, quando o Brasil se empenha em receber apoios nesse subcontinente. O discurso do representante brasileiro em Haia, na defesa de Bustani, na sessão extraordinária final, foi tão "cauteloso" que não citou nem uma vez o nome dos Estados Unidos como o autor da moção de censura e depois da moção de afastamento do diplomata brasileiro.
O episódio do embaixador Bustani assusta por não ser algo isolado. É reflexo da política arrogante e imperial do governo Bush, parte integrante de algo muito grave, que é a escalada belicista de que os Estados Unidos estão animados, parecendo querer levar a qualquer custo o mundo à guerra.
Haroldo Lima é deputado federal (PCdoB/BA)
e membro da Comissão de Relações Exteriores
e Defesa Nacional da Câmara Federal.
EDIÇÃO 65, MAI/JUN/JUL, 2002, PÁGINAS 48, 49