Desde o golpe que instaurou o Estado Novo em novembro de 1937 a atuação do Partido Comunista do Brasil tornou-se bastante restrita. Entre 1940 e 1941 a quase totalidade dos dirigentes comunistas estava na cadeia ou no exílio. Como afirma Carone, “praticamente, o PCB deixa de existir, não há mais nenhum foco de agitação; o que subsiste internamente são indivíduos comunistas, presos e soltos, mas não o PCB como organização”. (Carone, O Estado Novo, p. 217) Somente em julho de 1941, quando foi iniciada a ocupação nazista ao território da União Soviética, alguns grupos regionais de comunistas começaram um lento esforço de reorganização partidária. A situação desfavorável para a reorganização comunista começou a se alterar a partir de 1942, quando cresceu a campanha para que o Brasil entrasse na guerra ao lado das forças aliadas contra a Alemanha nazista.

o Rio de Janeiro o trabalho de reorganização dos comunistas estava bastante adiantado. Eles haviam formado a Comissão Nacional de Organização (CNOP). Esta comissão foi a iniciativa mais consistente no sentido de recompor um núcleo dirigente nacional para o Partido. A CNOP carioca era dirigida por Maurício Grabois e Amarílio Vasconcelos.

Existia também o chamado “grupo baiano” formado por comunistas que haviam se deslocado para São Paulo e Rio de Janeiro visando reconstruir o Partido. Graças ao trabalho de Diógenes Arruda estabeleceu-se o contato entre os grupos baiano e carioca. Isso permitiu caminhar-se para a reconstrução de uma direção central do Partido, através da CNPO.(1) A esses dois grupos se incorporaram os paraenses João Amazonas e Pedro Pomar.

A articulação dos grupos baiano e carioca organizados na CNOP conseguiu o apoio político de Luis Carlos Prestes, que estava preso. Esse apoio consolidou as posições desse grupo que passou a se constituir, de fato, na nova direção nacional do Partido.

Nesse difícil processo de reestruturação partidária, várias opiniões divergentes se desenvolveram e se confrontaram nos meios comunistas. Todos os grupos estavam de acordo que se devia concentrar ação política contra o inimigo principal: as potências nazi-fascistas e seus aliados internos, a “quinta-coluna”. Mas, existiam divergências sobre a política a se adotar internamente em relação ao governo Vargas. Surgiram, basicamente, três propostas conflitantes.

A primeira, defendida por um grupo encabeçado por Fernando Lacerda, pregava a União Nacional em torno do governo Vargas e acreditava que a sua realização plena passaria pela não reorganização do Partido Comunista, pois poderia ser um elemento que, na conjuntura, desestabilizaria a tentativa de unidade de todas as classes contra o nazi-fascismo. Por isso passou a ser denominada “liquidacionista”.

A segunda tese, advogada pelo grupo paulista, liderado por Caio Prado Júnior, defendia a União Nacional mas não em torno do governo Vargas, que deveria também ser derrubado. Segundo ele, os comunistas deveriam articular a luta contra o nazi-fascismo e a luta oposicionista contra o Estado Novo. A aliança principal deveria se dar com os setores da oposição liberal.

A terceira tese, defendida pela CNOP, era que o centro da tática deveria ser de União Nacional, em torno do governo Vargas, contra o inimigo principal representado pelo eixo nazi-fascista e seus aliados no país. Portanto não tinha por que, naquele momento, fazer oposição a um governo que encabeçava uma guerra contra os inimigos principais do proletariado e dos povos do mundo. O problema do novo regime a ser estabelecido deveria ser deixado para depois da guerra. Os principais defensores desta tese eram, dentre outros, Maurício Grabois, Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas e Amarílio Vasconcelos.

A Conferência da Mantiqueira e a União Nacional

A partir de fevereiro de 1942 iniciaram-se os ataques de submarinos alemães aos navios brasileiros. Em março o governo decretou Estado de Emergência e depois aprovou o decreto sobre Indenização por Atos de Agressão Contra o Brasil. Mas isso foi considerado insuficiente pelos comunistas e democratas. Era preciso declarar guerra à Alemanha. O clima esquentou e começaram as grandes manifestações exigindo a participação na guerra ao lado dos aliados. O governo não pôde deter a maré antinazista.

No dia 22 de agosto Vargas decretava o Estado de Beligerância e no dia 31 o Estado de Guerra. Os comunistas brasileiros defenderam então a formação de uma força expedicionária brasileira para lutar nos campos europeus. Em junho de 1943 o governo organizou a Força Expedicionária Brasileira (FEB) e o Partido orientou seus militantes a se apresentarem como voluntários. A luta de massa antifascista garantiu a ampliação dos espaços democráticos e possibilitou a rápida reorganização do Partido Comunista do Brasil.

Nesse clima realizou-se em agosto de 1943 a II Conferência Nacional do Partido, conhecida como Conferência da Mantiqueira. Este foi o ponto mais alto do processo de reorganização partidária e deu finalmente ao Partido um centro dirigente nacional. A Conferência caracterizou a guerra mundial como uma “guerra de todos os povos pelo esmagamento do fascismo, sob o exemplo extraordinário da União Soviética dirigidos por Stalin!”. Os delegados reunidos definiram o governo Vargas não como um governo fascista pois “deles participavam (…) homens que sinceramente lutavam pela democratização do país” e aprovaram a luta pela “união nacional em torno do governo” e o “apoio irrestrito à política de guerra e ao governo que a realiza”. (Prestes: Os comunistas na luta pela democracia – Informe ao 1º Pleno do CN do PCB de 7/8/1945)

Os comunistas no final do Estado Novo

No início de 1945 ganhou força a campanha pela anistia. No dia 18 de abril Vargas decretou anistia e libertou todos os presos políticos. Em seguida decretou uma ampla liberdade partidária, criando assim a possibilidade do Partido Comunista se constituir como partido legal e integrado, com plenos direitos, à vida política brasileira. Prestes finalmente livre deu uma entrevista à Folha da Manhã afirmando: “Desde logo o que podemos adiantar é que os comunistas serão um esteio da ordem e defenderemos a unidade nacional”. (Folha da Manhã de 27/4/45 in: Carone, A terceira República, pp. 519-520)

No dia 23 de maio de 1945, no Rio de Janeiro, o Partido realizou um comício apoteótico no Estádio do Vasco da Gama com a presença de 100 mil pessoas. No seu discurso Prestes revelou um profundo otimismo em relação à situação internacional e brasileira. Para ele, a aliança dos “três grandes” se baseava “não em motivos acidentais ou temporários, mas em interesses vitais e permanentes” criando um novo período histórico “de desenvolvimento pacífico para os povos do mundo inteiro”. Baseando-se neste quadro idílico, Prestes afirmou: “No mundo inteiro os povos ficarão agora livres da intervenção estrangeira nos seus negócios internos e, assim sendo, o imperialismo será moribundo e o capital estrangeiro perde a sua característica mais reacionária para se transformar em favor do progresso e prosperidade para todos os povos”.

Prestes expressou novamente o seu apoio a Vargas e defendeu a sua permanência no cargo até a promulgação da nova Constituição e se colocou contra os setores da oposição liberal que desejavam a substituição imediata de Vargas como condição necessária para realização de eleições livres e para democratização efetiva do país. Em 15 de julho aconteceu o comício em São Paulo, no Estádio do Pacaembu, que reuniu mais de 80 mil pessoas.

Em 7 de agosto de 1945 o Comitê Nacional realizou sua primeira reunião pública fora da clandestinidade, que seria denominada o “Pleno da Vitória”. Nele se definiu como centro da tática comunista a luta pela democratização do país e a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. A eleição da Constituinte era mais importante que as eleições presidenciais, por isso chegou-se mesmo a defender que o próprio Vargas devesse convocá-la.

Os setores oposicionistas ligados às elites não assistiram passivamente às manobras de Getúlio visando garantir a sua continuidade no poder. As causas reais, e mais profundas, para o crescimento da oposição conservadora foram decorrência da mobilização “queremista”, promovida pelos partidários de Vargas. Ela assustou parte da sua própria base de sustentação, que temia qualquer tipo de mobilização popular. Temiam mais do que tudo a possível aliança que poderia se forjar entre queremistas e comunistas. Foi por esses temores que todos os setores das oligarquias se unificaram contra Getúlio.

Em 29 de outubro de 1945, um golpe militar depôs Vargas. No mesmo dia a sede nacional do Partido foi cercada e ocupada pela polícia. O jornal comunista Tribuna Popular foi proibido de circular e os principais dirigentes comunistas entraram na clandestinidade por alguns dias. A repressão aos comunistas se estendeu por todo o país. Mas a repressão, logo se arrefeceu, a onda democrática aberta após a derrota do nazi-fascismo não mais poderia ser facilmente estancada.

O Partido Comunista do Brasil na legalidade

Em 3 de setembro o Partido Comunista do Brasil solicitou o seu registro provisório no Tribunal Superior Eleitoral e para isso apresentou o novo programa, que afirmava: “O Partido Comunista do Brasil, partido da classe operária composto principalmente por trabalhadores, luta pela conquista da completa emancipação econômica, política e social do Brasil.”

Durante o processo de deliberação no TSE ocorreram várias manifestações reacionárias contra a legalização do Partido. No entanto, o procurador geral Hahnemann Guimarães, entendeu que “o partido havia satisfeito as exigências formuladas e concluiu pelo deferimento do pedido”. O voto do relator Sampaio Dória também foi pela autorização do registro. Por fim, o Partido apresentou ao TST uma lista de mais de 13 mil filiados e no dia 10 de novembro obteve o seu registro definitivo.

O crescimento do número de filiados foi estrondoso: chegou a 50 mil no início de 1945, ultrapassou os 100 mil no final daquele ano, chegando a quase 200 mil em 1946. O Partido também organizava suas bases. Foram constituídas 500 células comunistas no Rio de Janeiro, 361 células em São Paulo. Algumas dessas células chegaram a organizar dois mil comunistas, como as da Central do Brasil, Arsenal da Marinha e dos servidores públicos da Prefeitura do Rio de Janeiro.

O crescimento do Partido foi impulsionado por um ousado trabalho de propaganda inédito na história do movimento operário e popular brasileiro, e nesse período chegou a ter oito jornais diários. O jornal A Classe Operária voltava à luz do dia como órgão central do Diretório Nacional do Partido Comunista do Brasil.

A Constituinte de 1946

O presidente – que assumiu após o golpe que derrubou Getúlio – José Linhares convocou eleições para formação de uma Assembléia Nacional Constituinte e manteve a eleição presidencial. O Partido, com poucos dias de legalidade e de campanha eleitoral, teve uma expressiva votação. O seu candidato à Presidência da República, Yedo Fiuza, conquistou 569 mil votos o que perfez aproximadamente 10% dos votos. Prestes se elegeu senador pelo Distrito Federal e o Partido elegeu 14 deputados federais.
A bancada comunista eleita em dezembro de 1945 teve destacada atuação no processo constituinte. A primeira grande polêmica foi sobre a questão da manutenção ou não da Constituição estadonovista de 1937 enquanto transcorresse o trabalho constituinte. A bancada comunista defendeu que, desde que se instalara a Assembléia Nacional Constituinte, a antiga Constituição de 37 deixava de existir. Esta tese foi derrotada pela maioria dos partidos conservadores. Desde a sua instauração a Assembléia Constituinte se subordinou passivamente aos ditames do Poder Executivo, encabeçado pelo general Dutra, tornando-se uma instância subalterna e homologatória de decisões já tomadas.

Os comunistas tentaram, sem muito sucesso, alterar o projeto conservador através da apresentação de centenas de emendas; a quase totalidade indeferida ou rejeitada.
Diante da maioria conservadora os comunistas tentaram realizar uma mobilização popular em defesa de uma Constituição democrática. Mas, o governo Dutra proibiu a realização de comícios.
A bancada comunista se colocou contra o presidencialismo e propôs um sistema misto com um Parlamento forte. O próprio presidente deveria ser eleito pelo Congresso Nacional. Derrotados quanto ao parlamentarismo, os comunistas apresentaram outras emendas exigindo que todos os ministros fossem aprovados pelo congresso e que o substituto legal do presidente fosse o presidente do congresso. Todas emendas matizando o presidencialismo foram rejeitadas.

No entanto, foi na defesa dos direitos sociais dos trabalhadores que a bancada comunista mais se distinguiu, diferenciando-se de todas as outras. Os comunistas defenderam intransigentemente o direito de greve e a livre organização dos trabalhadores contra a maioria conservadora da Assembléia e mais uma vez seriam derrotados.

Quanto à questão do direito à propriedade, os comunistas procuraram relativizá-la e subordiná-la a outros direitos e interesses. A emenda dos comunistas, defendida por Caires de Brito, afirmava: “É garantido o direito de propriedade, desde que não seja exercido contra o interesse social ou coletivo, ou quando não anule, na prática, as liberdades individuais proclamadas nesta Constituição ou ameace a segurança nacional”. A bancada se colocou também contra o artigo que previa o pagamento prévio em dinheiro e pelo justo valor das propriedades desapropriadas por utilidade pública e interesse social.

Esta condição inviabilizaria qualquer tentativa legal de realizar a reforma agrária e urbana no Brasil.
A nova Constituição foi promulgada em 18 de setembro de 1946. Nas suas disposições transitórias determinava a realização de eleições para as Constituintes estaduais. Nestas os comunistas tiveram nova e surpreendente vitória. O Partido elegeu 46 deputados estaduais em 15 estados e no Distrito Federal. Nas eleições suplementares para a Câmara Federal, realizadas em São Paulo, foram eleitos Pedro Pomar e Diógenes Arruda, dois dos principais dirigentes comunistas.

O fechamento do Partido e a cassação dos mandatos

A mudança da situação internacional com o surgimento da guerra fria trouxe reflexos para a situação política nacional. Aumentou a ofensiva conservadora contra o movimento operário e popular, particularmente contra o Partido Comunista. O clímax da violência policial contra os comunistas ocorreu no dia 23 de maio de 1946, quando uma manifestação realizada no Largo Carioca foi duramente reprimida. Centenas de pessoas ficaram feridas e cerca de 50 presas. Outro ato de violência policial contra um comício na Esplanada do Castelo ocasionou a morte da comunista Zélia Magalhães. Repressão e mortes de comunistas pontilhariam todo o governo Dutra.

No final de agosto de 1946 os estudantes do Distrito Federal organizaram uma manifestação contra o custo de vida que acabou se degenerando em quebra-quebra.
Suspeitou-se que o conflito teria sido provocado por agentes da própria polícia infiltrados. O chefe de polícia rapidamente acusou os comunistas pelo ocorrido. A sede do Partido foi fechada e vários de seus dirigentes presos. Estavam em pleno curso as manobras e provocações no sentido de colocar na ilegalidade o Partido Comunista do Brasil.

Um dos principais pretextos para a cassação do registro do Partido Comunista foi uma declaração em defesa da URSS feita por Prestes em palestra realizada numa associação de funcionários e no plenário da Assembléia Constituinte. Questionado em plenário sobre uma possível ameaça de agressão da URSS ao Brasil Prestes afirmou: “no caso (…) de ser o Brasil arrastado a uma guerra contra a União Soviética, guerra que, do nosso ponto de vista, só poderia ser guerra imperialista – seríamos contra esta guerra e lutaríamos da mesma maneira contra o governo que levasse o país a uma guerra dessa natureza”. (Almino, p.157) Esta declaração fez com que se levantasse uma onda de protesto de todos os setores conservadores da sociedade brasileira. Para eles seria esta uma prova definitiva de que o Partido Comunista do Brasil não seria um partido nacional e sim um satélite soviético e que precisava ser fechado e reprimido.

O deputado Barreto Pinto (PTB) e advogado Himalaia Virgulino entraram com denúncia no TSE afirmando que o PCB seria uma organização internacional orientada pela URSS.
Mais tarde em uma diligência policial foi encontrada uma cópia de um projeto de reforma do Estatuto do Partido. Forjou-se então a tese de que o Partido teria dois estatutos, um registrado no cartório e outro ilegal, que de fato regeria a vida do militante. O Ministério Público pediria então a cassação do registro do Partido.

No dia 7 de maio de 1947 o Tribunal Superior Eleitoral, por 3 votos contra 2, decidiu pela cassação do registro do PCB. No dia 10 de maio o Ministro da Justiça determinou o encerramento das atividades do PCB em todo o território nacional. Imediatamente as sedes do Partido foram invadidas e fechadas pela polícia.

Mesmo após o fechamento do Partido, e diante da iminência de cassação dos mandatos comunistas, seu desempenho eleitoral nas eleições municipais do final de 1947 foi surpreendente, especialmente nos principais centros operários do Estado de São Paulo.

A cidade de Santo André, os comunistas elegeram o prefeito, Armando Mazzo, e uma bancada de 13 vereadores em uma Câmara de 31 cadeiras. No entanto, menos de 24 horas antes da posse do novo prefeito e da Câmara, o TSE enviou um telegrama ao TRE paulista comunicando a sua decisão de anular todos os votos conseguidos pelos comunistas e se negando a dar posse ao prefeito e sua bancada. Na cidade de São Paulo os comunistas elegeram 15 vereadores, a maior bancada da Câmara Municipal, mas também seriam impedidos de tomar posse; e, em Santos, 14 vereadores numa câmara de 35 cadeiras. Os comunistas de Recife elegeram 12 vereadores numa câmara de 25 assentos(2) e os de Olinda fizeram também a maior bancada na Câmara de vereadores. Na cidade de Jaboatão, centro ferroviário em Pernambuco, o médico comunista Manoel Rodrigues Calheiros se elegeu prefeito – o primeiro prefeito comunista eleito no Brasil.

O Partido havia se recusado a mobilizar as massas contra o processo de cassação do seu registro. Acreditava que qualquer manifestação pudesse fortalecer as teses dos seus adversários que afirmavam que o Partido Comunista pretendia derrubar o regime constituído. A direção escolheu como campo de batalha preferencial o Parlamento e o Judiciário. Apenas em 18 de junho, sentindo a real ameaça de cassação e o esgotamento da tática anterior, os comunistas realizaram um grande comício no Vale do Anhangabaú em São Paulo contra a cassação do registro do Partido e a ação contra os seus parlamentares.

No dia 21 de outubro a Tribuna Popular foi invadida e depredada pela polícia, os funcionários resistiram e acabaram sendo feridos. No mesmo dia o governo rompeu relações diplomáticas com a URSS. Em 24 de outubro realizou-se uma grande manifestação anticomunista de apoio à decisão do governo de romper relações com a URSS. Em 27 de outubro de 1947 o Senado aprovou o projeto de cassação dos mandatos comunistas e o enviou à Câmara.

Em novembro os comunistas, embora alterassem a sua posição em relação ao caráter do governo Dutra — que passava a ser definido como uma "ditadura terrorista" —, continuavam tendo ilusões quanto à correlação de forças existente. Para Marighella o governo "fascista" de Dutra estava completamente isolado e não contava nem com o "apoio do partido que o levou ao poder" e conclui: “o grupo fascista pensou eliminar o Partido Comunista, cassando-lhe o registro eleitoral, mas hoje nos achamos em pleno caminho da legalidade.” (Marighella, C. "Nossa Política" in Problemas, nº 4, novembro de 1947). No entanto, no dia 10 de janeiro de 1948, o projeto de cassação dos mandatos foi aprovado na Câmara dos Deputados por uma tranqüila maioria de 179 votos contra 74.
Encerrava-se assim mais uma fase da conturbada vida do Partido Comunista do Brasil.

Augusto César Buonicore é historiador e membro do Comitê Central do PCdoB.

Notas
(1) O elo de ligação entre Arruda e o CNOP foi Leôncio Basbaum, antigo militante do Partido e ex-membro do seu Comitê Central.
(2) Os vereadores comunistas eleitos pela sigla do PSP de Recife foram cassados no início de 1948. o trabalho abstrato (Rubin, 1987: 156).
Trabalho abstrato e socialmente necessário, pois o valor das mercadorias é diretamente proporcional à quantidade de trabalho necessário à produção dessas mercadorias. Ou ainda – e no exemplo de Isaak Rubin –, uma hora de trabalho do produtor de botas e uma hora de trabalho do produtor de tecidos são igualadas e cada uma delas corresponde à igual parcela do trabalho total da sociedade, distribuído entre todos os ramos da produção. E sendo o valor das mercadorias determinado pela quantidade de trabalho abstrato, o aumento da produtividade reduz o trabalho socialmente necessário e o valor de uma unidade de produto (Idem: 80-81).
Nesse curso dialético, a generalização do intercâmbio pela sociedade, juntamente ao avanço da divisão social do trabalho, produz a substantivação do valor de troca no dinheiro – a representação do tempo de trabalho abstrato. Somente no comando sobre o trabalho assalariado e os meios de produção é que o dinheiro se transforma em capital, processo de trabalho este agora não só destinado apenas à troca, mas ao incremento do dinheiro como capital – à sua valorização. Conseqüentemente, a teoria da mais-valia (lei de valorização do capital) de Marx nada tem a ver com a formulação de D. Ricardo, em cuja fundamentação há uma teoria de preços relativos de equilíbrio ou preços redutíveis à quantidade de trabalho.
Entrementes, de acordo com Marx, o capital subverte a lei do valor, lei imanente ao movimento trabalho abstrato-valor-dinheiro. Como diz J.C. Braga, como valor-dinheiro que se valoriza, “o capital aponta para a sua autonomização financeiro-monetária”; isto porque, o dinheiro como capital – nas palavras de Marx nos Grundisse – “é uma determinação do dinheiro que vai além de sua determinação simples como dinheiro”, devendo-se considerar tal determinação como “uma realização superior, do mesmo modo que pode dizer-se que o desenvolvimento do macaco é o homem”. (Braga, 2000, cap. 4, parte I). Dialeticamente, no processo de valorização, o verdadeiro não-capital é o trabalho; o que resulta na redundância do trabalho vivo, enquanto o capital só se revela plenamente mercadoria como dinheiro-capital a juros. E tal valorização, se multiplicasse o dinheiro, inclusive ficticiamente, a monetização fictícia do lucro tornaria real a valorização fictícia: encontra-se a circulação financeiro-monetária com a instância plena da dominação do capital (Braga, idem, grifos nossos).
Sobre essas últimas questões, uma observação final:
A classe operária da indústria – de transformação, ou não – continua encravada na essência material do modo de produção capitalista. É ela quem produz, diretamente, mesmo as sofisticadas inovações tecnológicas (NTI), assim como constrói as gigantescas instalações que albergam dos serviços (financeiros e comerciais) e das indústrias. A tendência de redução do proletariado industrial no centro do capitalismo – prevista com clareza por Marx, antes da etapa monopolista – é factual, merecendo estudos bem mais precisos do que aqueles hoje conhecidos. Igualmente, a enorme amplificação dos circuitos financeiros da valorização do capital acentua um vetor (“verticalizado”) de criação do valor distinto do originariamente extraído do “chão da fábrica”.
Sérgio Barroso é médico, mestrando em economia social e do trabalho e membro do Comitê Central do PCdoB.
Observação
Na primeira parte deste artigo, na tipologia (de W. Quadros) que trabalha uma classificação ocupacional, vinculada a estratos sociais/renda, faltaram as seguintes camadas fundamentais:
D1. Alta classe média assalariada – Os principais são administradores, gerentes e chefes; médicos, dentistas, e enfermeiros diplomados; engenheiros e arquitetos; professores do ensino superior; outras ocupações técnicas e científicas de nível superior.
D2. Média classe média assalariada – Os principais são: ocupações da defesa nacional e segurança pública; outras ocupações técnicas e científicas e nível médio; professores do segundo grau; mestres e contramestres; ocupações qualificadas no comércio; técnicos em contabilidade.
D3. Baixa classe média assalariada – Os principais são: balconistas e caixas; auxiliares de escritórios e afins; professores primários; ocupações auxiliares de saúde; outras ocupações burocráticas.

Notas
(1) “Burgueses e Proletários” In: Manifesto. Tradução da edição original alemã (1890), por Vasco Magalhães-Vilhena, edição anotada e prefaciada por Engels.
(2) Ver as “Notas da edição alemã, referentes ao Prefácio”, “Notas para edição alemã referentes ao Manifesto” e “Notas complementares da edição portuguesa, de Vasco Magalhães-Vilhena”; in: Manifesto do Partido Comunista, op. cit.
(3) Ainda para Magalhães-Vilhena: 1) a denominação de “Associação Internacional dos Trabalhadores”, deve ser transcrita em português para “Associação Internacional dos Operários”, pois o que está em causa é efetivamente a moderna classe operária, o proletariado nascido da revolução industrial e não propriamente os trabalhadores nem tampouco as classes laboriosas”. (p. 111; grifos nossos); 2) seu lema (deveria ser) “a emancipação da classe operária obra da própria classe operária”, idéia sobre a qual Marx avança a partir dos anos 40 (p. 126); 3) é nesse contexto que se deve compreender que a classe dos proletários é “uma classe de homens que não possuem outros bens além da sua capacidade de trabalho”; conceituação de Marx em “Trabalho assalariado e capital” (p. 117-118); 4) e, antes, distinguindo os considerados pobres (the poor) dos “operários fabris urbanos ligados ao desenvolvimento da grande indústria”, acentua Magalhães-Vilhena que as denominações nada têm de ociosas, pois “a história da fixação dos termos (…) através dos tempos (…) é parte integrante da própria história dessas classes” (p. 128).
(4) Marx, 1975: 89.
(5) A discussão rigorosa e ampla do assunto encontra-se em F. Mazzucchelli (1985: 15-46).
(6) “Só uma classe determinada, a saber, os operários urbanos, e em geral os operários fabris, os operários industriais, está em condições de dirigir a toda massa de trabalhadores e explorados na luta para derrubar o jugo do capital”. Extraído de “Uma grande iniciativa”, de V. I. Lênin, e citado por Pereira, p. 23.
(7) Ver: Marcelo B. Naves, “Marx – ciência e revolução”, 2001: 65; grifos nossos.

EDIÇÃO 65, MAI/JUN/JUL, 2002, PÁGINAS 59, 60, 61, 62, 63, 67