Violência, instabilidade e resistência: o mundo que emerge dos escombros dos atentados de 11 de setembro
Assentada a poeira do que restou do World Trade Center em Nova Iorque após os atentados terroristas de onze de setembro, fica cada vez mais claro que o mundo não é mais o mesmo.
O determinante desta mudança não foram os atentados em si, e sim a reação global deflagrada pelo Estado norte-americano. Esta reação marca uma inflexão fundamental na evolução da ordem mundial neste início de Século XXI, que volta a ter a sua agenda dominada por ações unilaterais de força e coerção, em detrimento do sistema de segurança coletiva consagrado na Organização das Nações Unidas ao fim da Segunda Guerra. O resultado é uma perigosa escalada de violência e instabilidade em todo o sistema internacional.
O fim da “nova ordem”
Para captar a profundidade da mudança atualmente em curso na política mundial, é necessário recuar um pouco no tempo e acompanhar a evolução da agenda externa do governo norte-americano após o colapso do antigo campo socialista.
O triunfalismo de Washington se traduziu, na época, na proposição de uma “Nova Ordem Mundial” para substituir a velha ordem bipolar da Guerra Fria. Este conceito foi incorporado como eixo estruturador da política externa norte-americana pelo presidente George Bush (pai) às vésperas da Guerra do Golfo, em 1990. A proposição básica era a de que os variados fóruns multilaterais do sistema da ONU deveriam se tornar o núcleo ordenador de uma nova ordem mais estável no mundo, superando as tensões e os antagonismos que haviam marcado a Guerra Fria. Nesta perspectiva, o Conselho de Segurança da ONU assumiria nova centralidade como foro de negociação e resolução de problemas relacionados à paz e à segurança no sistema internacional, enquanto os organismos econômicos do sistema da ONU (com destaque para o Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio) exerceriam o papel de “indutores” e “guardiões” dos mercados abertos.
Este parecia ser o formato mais adequado ao exercício da hegemonia norte-americana no pós-Guerra Fria, sintonizado com o movimento (então vitorioso) de re-configuração do exercício dessa hegemonia via agenda neoliberal.
Do ponto de vista econômico, essa agenda correspondia à necessidade estrutural dos Estados Unidos de conquistar e consolidar novos mercados de exportação para os seus produtos e capitais, em função da brutal contenção dos níveis de salário real que acompanhou o advento das inovações tecnológicas da chamada “era do conhecimento” na sua economia. Já do ponto de vista ideológico, ela se alimentava da tese do “fim da história” proposta por Francis Fukuyama, que argumentava não existirem horizontes de desenvolvimento humano para além do liberalismo político e econômico. Vale lembrar, ainda, que a própria Guerra do Golfo foi justificada, em 1991, com base nos princípios ordenadores desta pretensa nova ordem (isto é, como punição da “comunidade internacional” à ação unilateral do Iraque na invasão do Kuwait).
Ao longo dos anos de 1990, a agenda externa norte-americana foi se afastando progressivamente, tanto no discurso quanto na prática, dos princípios ordenadores da “Nova Ordem Mundial” anunciada no início da década. Os Estados Unidos passaram, crescentemente, a impor pela força e de forma unilateral os seus interesses em diferentes regiões do mundo. Este desenvolvimento já se fazia sentir no governo Clinton, materializado em episódios como os ataques contra o Iraque em 1998 e a Iugoslávia em 1999, conduzidos inteiramente à margem do Conselho de Segurança da ONU. Esta escalada, por sua vez, refletia as crescentes dificuldades enfrentadas pelo Estado norte-americano para impor a sua agenda externa de forma “consensual”, via instrumentalização “indireta” dos mecanismos de poder estrutural de que dispõe na economia mundial (entre os quais se destaca o papel central da sua moeda na operação dos mercados internacionais de capitais). Esta forma de exercício do seu poder hegemônico passou a enfrentar crescentes resistências, tanto de outros blocos e potências capitalistas (como a União Européia e o Japão), quanto de novos pólos regionais de poder no antigo campo socialista e nos países em desenvolvimento (entre os quais a China, a Rússia e a Índia). Em resposta, a hegemonia norte-americana foi assumindo, cada vez mais, uma feição abertamente coercitiva.
A nova agenda da segurança global
Os atentados de 11 de setembro forneceram o pretexto para o atual Presidente George Bush (filho) elevar a um novo patamar esta “opção preferencial” pelo unilateralismo e pelo recurso a uma política de força e coação abertas. Instrumentalizando o clima de histeria e pânico que se formou na sociedade norte-americana após os atentados – fruto da sua repentina e traumática constatação de que a ampla superioridade tecnológica e militar não era garantia de invulnerabilidade – o novo Governo Bush consagrou a busca da “segurança” (com todas as suas implicações) como o valor/objetivo supremo da política doméstica e externa do Estado norte-americano. Isto implicou conferir nova centralidade para os mecanismos e instrumentos do exercício direto da sua dominação pela força no sistema internacional, em detrimento da opção predominante anterior pelo exercício da sua hegemonia via recursos “indiretos” de poder estrutural.
Com base nesta nova orientação, a “guerra global contra o terrorismo” foi transformada no tema dominante da política externa dos Estados Unidos. A própria guerra movida contra o regime dos talibãs e as forças do Al Qaeda no Afeganistão definiram o perfil da nova agenda intervencionista. Por mais que a ameaça à segurança do território norte-americano fosse creditada a uma força terrorista transnacional que opera globalmente, os alvos da sua retaliação militar foram absolutamente “territorializados”, visando desarticular estruturas de poder que estariam alimentando as ações terroristas. Ou seja, objetivos geopolíticos de controle de território pela força continuam ditando a agenda de segurança dos Estados Unidos. Mas estes objetivos são perseguidos de forma unilateral, inteiramente à margem do sistema de segurança consagrado na ONU. Sob a égide do discurso intimidatório de que “quem não está conosco está contra nós”, a construção de “coalizões” internacionais em torno dos objetivos geopolíticos norte-americanos assume a forma de parcerias ad hoc pontuais e seletivas, montadas via acertos bilaterais segundo as prioridades variáveis da sua agenda externa, em detrimento da consolidação de um sistema multilateral de segurança coletiva.
Coerentemente, os objetivos da “guerra global contra o terrorismo” são definidos de forma deliberadamente aberta e imprecisa, para permitir a contínua eleição de novos alvos nos territórios dos 60 países que, supostamente, abrigam “núcleos terroristas”. Não surpreende, portanto, a insistência do Presidente Bush em afirmar que se trata de uma “guerra” sem prazo determinado para terminar – e que tende a ser muito prolongada.
A consolidação desta nova agenda de política externa na administração Bush se dá no contexto de um amplo debate sobre a redefinição da sua estratégia de segurança nacional. A agenda de política externa e defesa do governo é cada vez mais dominada por um núcleo coeso de dirigentes e assessores de perfil ideológico reacionário (ou “ultraconservador” na singular nomenclatura política norte-americana), que cultiva laços estreitos com a indústria armamentista e petrolífera.
Entre os principais expoentes deste grupo estão o Vice-Presidente Dick Cheney, o Secretário de Defesa Donald Rumsfeld, os assessores Paul Wolfowitz e Lewis Libby, e, mais recentemente, a própria Assessora de Segurança Nacional, Condoleezza Rice. É ele que vai definindo os contornos da nova “Estratégia de Defesa Nacional” a ser apresentada ao Congresso dos Estados Unidos ainda este ano, mas cuja lógica já se evidencia na própria condução da “guerra global contra o terrorismo”.
O eixo estruturador desta nova agenda é impedir, a todo custo, a consolidação de centros de poder que possam vir a ameaçar a condição de única superpotência do sistema internacional alcançada pelos Estados Unidos ao término da Guerra Fria, ou servir de obstáculo para a realização dos seus interesses em distintas regiões do mundo. Segundo a nova orientação estratégica, o Estado norte-americano deve estar preparado para recorrer a todos os instrumentos de força à sua disposição para a consecução desses objetivos, inclusive a utilização ofensiva de armas nucleares (o que contraria a compreensão predominante sobre esse tipo de armamento durante a Guerra Fria, que o concebia como fator de dissuasão de conflitos).
A nova doutrina em ação
Colocada em operação plena a partir dos atentados de onze de setembro, a nova doutrina estratégica norte- americana aprofundou a opção unilateralista da sua política externa, que já havia se tornado prevalente ao longo dos anos ‘90. Para além da sua tradicional oposição à ratificação do Tribunal Penal Internacional, os Estados Unidos se recusaram a assinar o Protocolo de Kyoto de proteção ambiental e se retiraram da Conferência da ONU sobre o Racismo realizada na África do Sul. No que concerne aos regimes internacionais de controle de armamentos, o governo Bush se negou a endossar o Instrumento de Verificação do Protocolo de Armas Biológicas e o Protocolo sobre Minas Terrestres, além de romper com o Tratado de Mísseis Anti-Balísticos (ABM) – a espinha dorsal dos acordos de contenção da corrida armamentista, firmados com a antiga União Soviética nos anos ’70.
O período pós-atentados assistiu, ainda, a ações de força sem precedentes por parte do governo norte-americano para afastar personalidades consideradas “não-alinhadas” com os sues interesses da direção de organismos multilaterais. O caso mais evidente foi a demissão do Presidente da Organização para a Proscrição de Armas Químicas (OPAQ), o diplomata brasileiro José Maurício Bustani, por ter aberto um canal de negociação para a incorporação pacífica do Iraque ao organismo (o que se contrapunha ao interesse dos Estados Unidos em fomentar um clima de guerra com esse país com base no argumento de que ele não aderira ao regime internacional de controle e erradicação das armas químicas). Outro caso emblemático foi o da Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU, Mary Robinson, forçada a renunciar ao exercício de novo mandato por pressão norte-americana.
A mesma doutrina estratégica que elevou o unilateralismo da política externa dos Estados Unidos a um novo patamar alimentou, igualmente, o seu perfil militarista, belicista e agressivo. No período pós-atentados o Estado norte-americano passou a se envolver em múltiplas ações de força em diversas regiões do Planeta, em nome da “guerra global contra o terrorismo”.
A principal iniciativa foi, sem dúvida, a guerra deflagrada no Afeganistão, cujas ações foram conduzidas inteiramente à margem do Conselho de Segurança da ONU e resultaram na derrubada do regime dos talibãs (embora o novo governo venha enfrentando grandes dificuldades para consolidar o seu controle em todo o território do país).
Esta ação vem sendo seguida pela preparação de novas ações militares de grande envergadura contra os países identificados pelo Presidente Bush como integrantes de um “eixo do mal”, com destaque para o regime de Saddam Hussein no Iraque. Ainda no Oriente Médio, o governo dos EUA deu carta branca a Ariel Sharon (pelo menos, temporariamente) para responder aos atentados terroristas cometidos em Israel com a re-ocupação militar dos territórios palestinos e a destruição da capacidade administrativa da Autoridade Nacional encabeçada por Iasser Arafat. Nas Filipinas, os Estados Unidos vêm aumentando o seu envolvimento direto nas ações militares contra o grupo fundamentalista islâmico de Abu Saiaf.
Na América Latina, além de lançarem acusações estapafúrdias sobre o envolvimento do governo cubano com o “bioterrorismo”, vêm ampliando a sua participação em ações militares contra o narcotráfico na região andina e investindo contra as negociações de paz na Colômbia, caracterizando as forças insurgentes como grupos “narcoterroristas”.
Na Venezuela, participaram (e, ao que tudo indica, continuam participando) das articulações golpistas para romper a ordem constitucional e derrubar o presidente democraticamente eleito, Hugo Chávez.
Em todas essas iniciativas, a ação do Estado norte-americano se caracteriza pelo recurso aberto à intimidação, à força e à violência para a conquista simultânea de variados objetivos geopolíticos, entre os quais se destaca a desarticulação de pólos de poder potencialmente hostis aos seus interesses em diferentes regiões do mundo.
A nova escalada intervencionista
No plano doméstico, a nova agenda intervencionista dos Estados Unidos se traduz em uma impressionante escalada de medidas de proteção da sua economia e das suas empresas, que entram em flagrante contradição com o seu discurso oficial de defesa do “livre comércio”.
Para além do habitual recurso a pesadas barreiras não-tarifárias, o governo norte-americano aprovou, nos últimos meses, cotas extremamente restritivas para a importação de aço e outros produtos, bem como um pacote bilionário de subsídios à agricultura que contraria toda a regulação da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre o tema.
Em meio às negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), as condições da concessão do trade promotion authority ao poder Executivo pelo Congresso praticamente proibiu a abertura de mercado nos setores em que empresas dos Estados Unidos não detenham vantagens competitivas acentuadas.
Alimentadas pela nova escalada belicista, as encomendas governamentais para a indústria armamentista voltaram a atingir níveis equivalentes aos do período da Guerra Fria.
Pacotes econômicos especiais injetaram, ainda, dezenas de bilhões de dólares nos setores mais prejudicados economicamente pelos atentados, com destaque para o transporte aéreo e o turismo. No caso das companhias aéreas, o pacote veio acompanhado da ampliação da participação acionária do Estado norte-americano nas empresas, o que sinaliza um curioso retorno do “Estado produtor” após duas décadas seguidas de pregação liberal. Mesmo na esfera financeira, o governo Bush decidiu estabelecer controles mais estritos sobre os fluxos de capitais em nome do combate ao terrorismo e à “lavagem de dinheiro”, revertendo, assim, políticas anteriores de promoção agressiva da liberalização financeira. Em suma, os tempos andam cada vez mais intervencionistas e menos liberais na economia do “grande irmão” do Norte.
A esta escalada antiliberal na economia correspondeu um movimento de restrição dos direitos e liberdades civis sem precedentes na sociedade norte-americana, pelo menos desde os tempos do macarthismo. Na seqüência dos atentados, o governo dos Estados Unidos aprovou um novo plano se Segurança Nacional que passou a autorizar a violação de correspondência e comunicação privadas, bem como o encarceramento prolongado de cidadãos estrangeiros em condições de incomunicabilidade, mesmo sem indícios fortes de culpa. Cabe destacar, igualmente, o recurso a tribunais militares para julgar cidadãos estrangeiros acusados de terrorismo, e a recusa a aplicar os termos da Convenção de Genebra aos combatentes talibãs e do Al Qaeda presos no Afeganistão e transferidos para a base militar de Guantanamo.
A instabilidade da novíssima ordem
O balanço apresentado acima revela como recurso aberto à força e á violência para a conquista de objetivos geopolíticos se tornou o eixo estruturador da política externa norte-americana após os atentados de onze de setembro.
No plano internacional, isto implica no esvaziamento do Conselho de Segurança da ONU como foro multilateral legítimo de resolução dos problemas de paz e segurança no mundo, a favor de uma política de construção de alianças tópicas, via contatos e negociações bilaterais, conforme os interesses norte-americanos em cada região. Para todos os efeitos, tal evolução acarreta o desmantelamento do sistema multilateral de segurança coletiva consagrado na ONU ao fim da Segunda Guerra. Por outro lado, os organismos econômicos multilaterais do Sistema das Nações Unidas (com destaque para o FMI, Banco Mundial e OMC) continuam a ser instrumentalizados para impor aos países dependentes uma agenda liberal de abertura de mercados, apesar da política econômica doméstica dos Estados Unidos ser crescentemente protecionista e intervencionista (ou seja, não liberal).
O sistema internacional, a partir dessa agenda dominante, passa a ser caracterizado, cada vez mais, pela combinação de processos de militarização e neocolonialismo.
Coerente com essa inflexão, a tese do “choque de civilizações” de Samuel Huntington vem substituir a do “fim da História” de Francis Fukuyama no trono de leitura ideológica mais afinada com o novo formato da agenda imperial.
Em perspectiva histórica, essa evolução parece dar contornos mais definitivos à ordem mundial que substitui a bipolaridade da Guerra Fria. Por este prisma, como foi sugerido pelo próprio Secretário de Estado norte-americano Colin Powell, os atentados de 11 de setembro e a retaliação dos Estados Unidos marcam o fim da transição pós-Guerra Fria no sistema internacional. E a “novíssima” ordem que emerge assume contornos cada vez mais próximos das formas clássicas de imperialismo, que precederam a chamada “era da globalização”.
A agenda norte-americana de dominação via coerção aberta alimenta, inevitavelmente, contra-movimentos de resistência, que intensificam as tendências à multipolarização e à instabilidade no sistema internacional. Limitações de tempo e espaço não me permitem expandir o exame desses desenvolvimentos no presente artigo. Destaco, ainda que topicamente, a espiral de violência que vem marcando a evolução mundial. Esta se materializa não apenas nas grandes mobilizações de guerra conduzidas diretamente pelos Estados Unidos (como na Guerra do Afeganistão e nos atuais preparativos para a invasão do Iraque), mas também na perigosa intensificação de conflitos e tensões regionais em função da ruptura de delicados equilíbrios geopolíticos locais (como os que opõem o Paquistão à Índia e Israel ao mundo árabe).
Apesar de se encontrar claramente na ofensiva no mundo, a nova agenda imperial norte-americana enfrenta cada vez maiores dificuldades para coesionar politicamente o sistema internacional em torno dos seus objetivos.
Para além dos seus adversários tradicionais (batizados de “estados párias” ou “integrantes do eixo do mal” pela administração Bush) destaca-se, aqui, o crescente divórcio entre a política externa dos Estados Unidos e da União Européia em diferentes áreas temáticas e regiões do mundo (sobretudo no Oriente Médio), e também a consolidação de pólos regionais críticos da agenda norte-americana entre os países em desenvolvimento (como o Brasil, a China, o Irã e a Indonésia). Mesmo a ampliação das parcerias com a Rússia e a Índia, em função das suas agendas particulares na “guerra contra o terrorismo”, vem enfrentando crescente oposição da opinião pública e do mundo político nos dois países, já que se torna evidente o antagonismo dos seus interesses geopolíticos com os dos Estados Unidos em médio e longo prazo. Talvez a maior expressão das dificuldades políticas enfrentadas pela nova agenda intervencionista do governo Bush seja a crescente resistência que este vem enfrentando nos últimos meses para respaldar e legitimar a sua planejada guerra contra o Iraque.
Na resistência à ofensiva da nova agenda imperial norte-americana, cabe destacar, ainda, a profusão de manifestações massivas contra a “globalização neoliberal” e pela paz que vem varrendo as principais capitais do mundo nos últimos anos, sobretudo por ocasião de importantes reuniões de chefes de Estado dos países capitalistas centrais ou de organismos econômicos multilaterais. Estes movimentos, que refletem um importante deslocamento no posicionamento político de amplos setores da opinião pública mundial, encontraram expressão política mais organizada nos sucessivos encontros do Fórum Social Mundial em Porto Alegre. Mas esses encontros também revelaram as limitações desses movimentos no seu formato atual, que tendem a ignorar ou subestimar a re-configuração da agenda imperial dos Estados Unidos e relutam assumir um perfil político antiimperialista mais conseqüente. Na ausência deste, a insatisfação de alguns setores da opinião pública, sobretudo na Europa Ocidental, tem sido canalizada para alternativas político-eleitorais de feição racista ou neofascista, como ficou evidente nos resultados das últimas eleições presidenciais da França.
Às vésperas de eleições gerais que prometem mudar os rumos do Brasil, o novo governo brasileiro – qualquer que seja o resultado do pleito – terá de situar o país nos variados movimentos contra-hegemônicos em curso no sistema internacional. Diante da escalada de violência e instabilidade gerada pela novíssima ordem imperial, cabe ao nosso país assumir um papel de liderança mais destacado na defesa da paz, da democracia, do desenvolvimento e do multilateralismo no sistema internacional.
Luis Fernandes é Professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio e do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense
EDIÇÃO 65, MAI/JUN/JUL, 2002, PÁGINAS 17, 18, 19, 20, 21, 22