DOIS POEMAS DO RIO
I – ESTADO DE SÍTIO
Aterrado, cruzo o Flamengo.
Bruscas são suas árvores
e seu chão artificializado.
Ásperos são seus ventos
por sobre as águas
amedrontadas.
Salto a avenida.
Rompe do asfalto
o cheiro de urina
que infesta esses ares
e congestiona nossas
narinas.
O Rio se beligera.
Morros demais sitiam a
cidade iluminada por força
dos operários da Light.
Dores das tábuas desprendidas
desafiam a zona sul
com sua fauna farta e bem nutrida:
cobram de seus entes
as chagas abertas nas montanhas
escalonadas e,
como um Cristo impossível
cansado de tanta agonia,
fermentam a avalanche irresistível
que inundará as planícies
asfaltadas de toda a Terra.
II – ESTADO DE GUERRA
O Rio é medo.
O homem no banco
que me avizinha
é meu inimigo.
Nos olhos, nos postes,
em cada ponto da estação,
o medo nos aponta
seu dedo aferroado.
Ri de nossos modos.
Cospe em nosso carinho.
Uma guerra gesta-se aqui.
Sob a ameaça das constelações,
trabalham o verão das armas
e a bomba da fome.
Dos morros, já descem
os batalhões desalmados
que romperão os esgotos
e as tubulações;
que asfixiarão os peixes
dos aquários particulares;
que remontarão a Terra
e suas injustas geografias
— para o bem do riso
e felicidade das serras.