Correspondências
O século aqui chegou todo molhado de chuva. E permaneceu assim encharcado até que eu me resolvesse a retornar para S. Paulo. Aí ele amanheceu e despachou a chuva comigo nas asas de um avião. Cheguei dia 7, cansado já de ter chegado e morrendo de saudades de minhas saudades, que lá ficaram e ficarão até o próximo janeiro.
Por aqui, participo da organização dos exércitos para as lutas que virão. Sou preparador de armas. Viveremos muitas e dolorosas batalhas.
Quero te deixar um beijo tão luminoso quanto esses meus olhos de lembrança sua. Tenho que voltar pro meu posto, que a impressão das provas já terminou. Estou a fechar um jornal.
Amanhã será sexta. E não poderei fazer nada. Ela virá, inexorável, me acordar para aquele mundo que explode em bombas e tédio mortais. Nada a abala. Nem mesmo meu desejo de eterno domingo. Ela virá, e há de pisar meu sono e meu despertar entre buzinas e muita fuligem.
Amanhecerei para o leite com nescau diário, ingerido de um trago, e para o dia que, não importa se sol ou chuva, me arruinará o fígado. Mas eis que, não havendo jeito, jeito se dá. Qual é, que não sei. Talvez só nos restem pequenas felicidades.
Sexta passada, por exemplo, fiquei contente por ter instalado um novo varal aqui em casa. É daqueles retângulos cheio de varas que se puxa para o teto por um complexo sistema de cordinhas. Óbvio que paguei para instalar. Minha ignorância tecnológica não me permite lidar a contento com um "complexo de barbantes". Os vizinhos reclamaram muito do barulho, mas valeu. Tem mais espaço para secar nossas roupas, e isso me faz portador de uma pequena felicidade. Estou até pensando em comprar outro.
Está decretado que hoje é dia internacional dos que se querem bem. Por isso, quero bem te dizer que amizade é um destes nomes que não nos nomina. Vou dizer bem dito que aqui, nesta terra de palmeiras cheia de irritantes pardais (que nos acordam às 5 da matina), temos tantas saudades que, querendo, poderíamos encher o mar e caminhar sobre elas até aí, nesta terra de primores que tais não encontro eu cá. E cismando sozinho, acompanhado, durante a noite ou no calor do dia tropical, tropicando, nenhum prazer encontro em saber que ela, terra nunca dantes por mim pisada, te mantém aí, tão longe e tão dentro de meus olhos e meus ritos.
Neste dia de amigos, queria dizer o indizível. Como não dá, digo o possível, o terrenal, o humano.
Lembre-se: isso é só uma incursão contra o silêncio.